Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARTINHO CARDOSO | ||
Descritores: | CRIME DE EVASÃO | ||
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Data do Acordão: | 12/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I – Não comete o crime de evasão, p. e p. pelo art.352.º, n.º1 do Código Penal aquele a quem foi aplicada a medida de coação da Obrigação de Permanência na Habitação e que, antes de ser colocado sob vigilância eletrónica, se ausenta para outro local. | ||
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Decisão Texto Integral: | I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, o arguido C foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de evasão, p. e p. pelo art.º 352.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 150 dias de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à razão diária de 5 €, o que perfaz a quantia global de 750 €. # Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1.º O recorrente foi condenado, por douta sentença, na pena de 150 dia de prisão, substituídos por 150 dias de multa, à razão diária de cinco euros (€ 5), o que perfaz a quantia global de € 750. 2.° Condenação com a qual o recorrente não concorda. 3° O recorrente foi acusado, pelo Ministério Público, da prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de evasão previsto e punido pelo art.° 352°, 1 do Código Penal. 4.° A douta sentença de que se recorre, e salvo o devido respeito, dá como provados factos que não ocorreram, tais como a captura e consequente privação de liberdade do arguido ou o facto de este não residir na morada constante do TIR. 5.° Na verdade, residia ali, motivo pelo qual ali foi notificado da audiência de julgamento na qual veio a participar e a ser condenado, pelo que não houve lugar a qualquer captura nem a qualquer privação de liberdade subsequente. 6.º A OPH, sobretudo quando inexiste vigilância electrónica, não pode ser subsumida na previsão do art.° 352° C.P., porquanto tal entendimento viola manifestamente a Constituição da República Portuguesa, designadamente o Princípio da Legalidade, nos termos do qual não há crime, nem pena sem lei certa. (sublinhado nosso) 7° Tal preceito afasta a possibilidade de interpretar extensivamente qualquer norma penal incriminadora in casu o art.° 352° do Código Penal. 8° No caso concreto, o arguido sujeitar-se-ia apenas a ver alterada a medida de coacção que lhe fora aplicada para a de prisão preventiva, não lhe podendo, em caso algum, ser imputada a prática do crime de evasão, p.p. pelo art.° 352°, n° 1 CP, por não se encontrar preenchido o elemento objectivo deste tipo penal, 9º Nestes termos, e salvo o devido respeito, o tribunal a quo errou ao considerar preenchido o elemento objectivo do tipo penai e, por maioria de razão, ao condenar o arguido. 10º Mas, errou ainda, e abstraindo-nos por ora do facto de não se encontrar verificado o elemento objectivo do crime de evasão, ao não atenuar especialmente a pena, nos termos do disposto no art.° 352°, n° 2 CP, porquanto o recorrente não foi declarado contumaz nem tão pouco foi alvo de captura por OPC. 11° Acresce que, duma análise sistemática ao Livro II – Título V – Secção II do Código Penal (artigos 349.º a 354.°), não se infere a aplicação de nenhum daqueles normativos a arguidos sujeitos a OPC. 12° É ainda bom de ver que não saiu lesada a aplicação de justiça, porquanto o arguido foi julgado e condenado, no âmbito dos autos n° --/09.6PESTB, sem que para o efeito tenha sido capturado. Nestes termos, Deve conceder-se provimento ao presente recurso e a douta sentença ser revogada por não se encontrar preenchido o elemento objectivo do crime de evasão. A não se entender assim, deve ser revogada a pena aplicada ao recorrente, a qual deverá ser substituída por outra que observe o disposto no alta 352°, n° 2 do Código Penal # A Ex.ma Procuradora-Adjunta do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma: a) No que se refere aos factos considerados provados nos pontos 2.1.3. e 2.1.5., resulta da certidão extraída do processo ---.09.6 PESTB (fls. 10, 13 e 18 a 26 dos presentes autos) que o recorrente – ali arguido – foi entregue pela Polícia de Segurança Pública à Polícia Judiciária que o apresentou ao Juiz de Instrução Criminal deste Tribunal, tendo-lhe então sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva; b) A aplicação do Artº 352º do Código Penal aos casos em que o agente se ausenta da habitação quando sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação não consiste na aplicação analógica do tipo penal; c) A não inclusão dessa conduta no tipo penal consiste na interpretação restritiva da norma sem qualquer fundamento, já que a letra do Artº 352º, nº 1 é clara; d) Pratica o crime em causa quem se encontrar legalmente privado da liberdade e se evada; e) Ao recorrente tinha sido aplicada a medida de coacção de permanência na habitação, por despacho judicial, tendo-se o mesmo ausentado da morada que indicou; f) É indiferente para o efeito, saber se a medida de coacção é ou não controlada por meio de vigilância electrónica. Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso. # Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte: -- Factos provados: 2.1.1. Por despacho datado de 11.05.2009, proferido no âmbito dos autos nº --/09.6PESTB, na sequência de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores trâmites desse processo sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação. 2.1.2. Para cumprimento de tal medida de coação o arguido foi entregue pela P.S.P. na morada por aquele fornecida, ou seja, Rua ..., em Massamá, Queluz. 2.1.3. Aquando da deslocação aquela morada por técnicos do Instituto de Reinserção Social, para instalação do equipamento de vigilância electrónica, apurou-se que o arguido ali não se encontrava e já não residia há algum tempo. 2.1.4. O arguido não se apresentou voluntariamente para cumprimento da medida de coação que lhe foi aplicada. 2.1.5. O arguido veio a ser capturado em 27.04.2012, data desde a qual se encontra privado da liberdade. 2.1.6. O arguido agiu do modo supra descrito, ausentando-se da morada por si fornecida nos autos para cumprimento da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com o intuito de se eximir à acção da justiça, o que conseguiu, bem sabendo que se encontrava privado da liberdade por decisão judicial definitiva e que não se podia ausentar da sua residência, em quaisquer circunstâncias, sem prévia autorização do tribunal. 2.1.7. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, mas ainda assim não se coibiu de a prosseguir. 2.1.8. O arguido é solteiro e tem 3 filhos da companheira. 2.1.9. É servente de pedreiro auferindo €425 mensais e a sua companheira recebe €580. 2.1.10. Mora em casa arrendada pagando €420 de renda. 2.1.11. Não tem carro nem mota. 2.1.12. Tem o 8º ano de escolaridade. 2.1.13. O arguido não tem antecedentes criminais. # -- Factos não provados: Não existem factos não provados. # Fundamentação da decisão de facto: A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos ou analisados em audiência de julgamento, nomeadamente: - Nas declarações do arguido, o qual esclareceu a sua situação familiar, social e económica. Quanto aos factos o arguido referiu que a morada por si fornecida para cumprimento da medida pertencia ao seu irmão, no entanto quando lá chegou, e como o mesmo já não lá morava, ele não podia ficar, motivo porque se foi embora para outra morada que não sabe precisar, nunca tendo informado o processo desta. - Certidão de fls.1 a 30; - Documentos de fls.41 a 46. - No Certificado de Registo Criminal, junto aos autos, no que concerne aos antecedentes criminais do arguido. - Assim, face à prova produzida, e de acordo com as declarações do arguido resultam desde logo provados os factos constantes da acusação. - Ou seja, o arguido admitiu logo que não permaneceu na morada por si indicada para cumprir a medida de coação de OPH. - No entanto, é por demais evidente, e ao contrário do alegado pelo arguido, que o mesmo o fez deliberadamente. - Ou seja, caso fosse verdade que o arguido pretendesse cumprir a medida teria indicado uma nova morada, o que não fez. - Pelo que só pode o Tribunal concluir, com base nas regras de experiencia que o arguido deu aquela morada, já com a intenção de não cumprir a medida e de forma a eximir-se à mesma, tendo-o feito de forma livre e consciente, apesar de saber que tal conduta não lhe era permitida. III De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer. De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes: 1.ª – Que não corresponde à verdade parte do consignado no ponto 2.1.3 e o teor do ponto 2.1.5 dos factos provados; 2.ª – Que a fuga a uma medida de coacção de obrigação de permanência na habitação (OPH), quando inexiste vigilância electrónica, por ainda não ter sido instalada, não integra o elemento objectivo da prática do crime de evasão p. e p. pelo art.º 352.º, n.º 1, do Código Penal; e 3.ª – Que, de qualquer forma, o tribunal "a quo" devia ter procedido a uma atenuação especial da pena, nos termos do art.º 352.º, n.º 2, do Código Penal, por o arguido não ter sido declarado contumaz, nem ter sido capturado por órgão de polícia criminal (OPC). # Vejamos: No tocante à 1.ª das questões postas, a de que não corresponde à verdade parte do consignado no ponto 2.1.3 e o teor do ponto 2.1.5 dos factos provados: Estes pontos têm o seguinte teor: 2.1.3. Aquando da deslocação aquela morada por técnicos do Instituto de Reinserção Social, para instalação do equipamento de vigilância electrónica, apurou-se que o arguido ali não se encontrava e já não residia há algum tempo. (…) 2.1.5. O arguido veio a ser capturado em 27.04.2012, data desde a qual se encontra privado da liberdade. Alega o arguido que é falso que se tenha provado que o arguido ali (…) não residia há algum tempo e que veio a ser capturado em 27.04.2012, data desde a qual se encontra privado da liberdade. Como o arguido não impugnou a matéria de facto de acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal, resta aferir se a decisão recorrida padece naqueles pontos invocados pelo arguido de algum dos vícios consignados no art.º 410.º, n.º 2, e que são a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova. Ora compulsada a fundamentação da decisão da matéria de facto, constata-se ter a mesma sido efectuada com base, além do mais, na certidão de fls. 1 a 30, cujo teor se tem, assim, como parte integrante da sentença. E da qual resulta que as afirmações do arguido são totalmente contrárias aos elementos que constam dessa certidão, na qual existe a fls. 13 um termo de recebimento, do qual resulta ter sido o recorrente entregue por agentes da Polícia de Segurança Pública de Mem Martins à Polícia Judiciária, no dia 27 de Abril de 2012, à guarda de quem permaneceu e por quem foi trazido ao Juízo de Instrução Criminal de Setúbal a fim de ser interrogado. E a fls. 18 e 26 está a acta do interrogatório judicial realizado ao recorrente, no âmbito daquele processo, realizado no dia 27 de Abril de 2012, e da qual resulta ter-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva. Ora, deste modo, não se compreende como pode o recorrente afirmar que nunca foi capturado ou que nunca esteve privado da liberdade. Além disso – adiante-se desde já e independentemente da solução que a seguir se vai dar à 2.ª das questões postas pelo recorrente – também não tem o arguido razão para alegar que, de qualquer forma, o tribunal "a quo" devia ter procedido a uma atenuação especial da pena, nos termos do art.º 352.º, n.º 2, do Código Penal, por o arguido não ter sido declarado contumaz, nem ter sido capturado por OPC, pois que de fls. 10 da mencionada certidão consta a declaração da sua contumácia, além de, como acabamos de ver, ter sido efectivamente capturado. Pelo que se declaram desde já improcedentes as objecções postas nas 1.ª e 3.ª questões. # No tocante à 2.ª das questões postas, a de que a fuga a uma medida de coacção de obrigação de permanência na habitação (OPH), quando inexiste vigilância electrónica, por ainda não ter sido instalada, não integra o elemento objectivo da prática do crime de evasão p. e p. pelo art.º 352.º, n.º 1, do Código Penal: O cerne da questão é saber se pratica o crime de evasão quem viola uma medida de coacção de OPH ou se tal crime só pode ser praticado por quem se encontra em cumprimento de pena de prisão. No caso dos autos, há ainda a considerar a variante da inexistência de vigilância electrónica (VE) quando se deu a fuga. Vamos por partes. Sobre o cerne da questão, duas posições antagónicas se alinharam já: Uma, diz que sim, que pratica o crime de evasão quem viola uma medida de coacção de OPH. Outra, diz que não, que tal crime só pode ser praticado por quem se encontra em cumprimento de pena de prisão. Representativo desta última corrente é o acórdão da Relação do Porto de 16-03-2011, processo 492/09.2PJPRT.P1, relator Moreira Ramos, acessível em www.dgsi.pt, aonde se considerou[1], respigando: (…) cremos que o ponto de partida desta discussão há-de radicar na letra da lei, pois que, como é sabido, (…) não poderá sustentar-se interpretação que não tenha um mínimo de assento na lei (…) Assim, convém desde logo reter que o artigo 352º, nº 1, do Código Penal, estipula que “Quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir é punido com pena de prisão até dois anos”. (…) (…) atendo-nos à sobredita interpretação literal, cremos difícil compaginar o escapar ou fugir às ocultas com a “guarda de si próprio” que a OPH encerra, mormente quando não acompanhada de vigilância electrónica, tal como sucedia “in casu”. (…) Analisando tais vectores interpretativos, convém reter que as fontes da disposição aqui em apreço remetem-nos para os artigos 191º e 196º, ambos do Código Penal de 1886, sendo que o primeiro aludia à evasão de detidos e o segundo à evasão de preso condenado. Posteriormente, o Código Penal de 1982 veio regular tal matéria no capítulo “Dos crimes contra a autoridade pública” e, dentro destes, na secção “Da tirada, evasão de presos e não cumprimento de obrigações impostas por sentença criminal” (artigos 389º a 395º), inserção que se mantém na sua versão actual (artigos 349º a 354º). Daqui decorre, desde logo, que aqui se pretende genericamente salvaguardar a autoridade pública e as decisões judiciais. (…) tal como resulta expressamente do próprio artigo 201º, do Código de Processo Penal, a OPH é uma mera obrigação, ainda que possa ser controlada à distância através de adequados meios técnicos, cujo incumprimento pode determinar a aplicação da prisão preventiva, estipula o artigo 203º, nº 2, do Código de Processo Penal (a anterior redacção deste preceito, vigente até à recente entrada em vigor da Lei nº 26/2010, de 30/08, era até exclusiva da OPH), sendo esta a única consequência visionável decorrente do seu incumprimento. Se assim não fosse, então o legislador teria que o ter esclarecido no texto respectivo, anotando que um tal agravamento seria ponderado, sem prejuízo da correspondente responsabilidade criminal. E, relembre-se, sem um mínimo de expressão escrita, não há correspondência possível. (…) o legislador decidiu estendê-la, recentemente, à própria execução de algumas penas curtas (cfr. artigo 44º, do Código Penal). E também aqui, anote-se, previu que a revogação de tal medida, na qual se incluiu também a faceta decorrente do incumprimento, implica apenas o cumprimento da fixada pena de prisão. E uma vez mais também teve necessidade de a equiparar para efeitos de desconto no respectivo cômputo (vide, nº 4 do assinalado dispositivo). Ambos argumentos em prol da nossa argumentação, anotando-se que aqui são mais decisivos, pois que estamos já a falar de cumprimento de pena, pelo que, se o legislador assim o quisesse, teria previsto também a eventual responsabilização criminal no caso de abandono do local de cumprimento. De resto, a ausência de específica previsão legal colidiria sempre com a previsão do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, pelo que, por este prisma, a sobredita sustentação do crime de evasão seria de duvidosa legalidade/constitucionalidade. (…) Por último, cremos que a nossa Lei Fundamental também não permite considerar a OPH como uma efectiva privação da liberdade, pois que, ao contrário da prisão preventiva, não a incluiu no seu artigo 27º, aqui se aceitando apenas como tal a privação resultante de condenação transitada que implique aplicação de pena de prisão ou de medida de segurança ou outras situações pontuais ali expressamente previstas. O que significa que se considerássemos a OPH no conceito “legalmente privado da liberdade” previsto no artigo 352º, nº 1, do Código Penal, estaríamos, no mínimo, a proceder a uma interpretação violadora da Constituição da República Portuguesa e, por isso, ilegal/inconstitucional. O que não nos parece ser de sustentar. Neste mesmo sentido, afirma Germano Marques da Silva que “No direito português não é possível considerar a obrigação de permanência na habitação como uma espécie de privação da liberdade, de prisão domiciliária, pois a Constituição não o consente (art. 27º da CRP) e consequentemente a violação da obrigação de permanência não constitui o crime de evasão, p.p. pelo art. 352º do Código Penal, nem é a admissível a guarda permanente da habitação por autoridade policial para impedir o incumprimento da medida, o que a acontecer representaria efectiva privação da liberdade fora dos casos em que a Constituição a admite”, sustentando ainda que a fiscalização do cumprimento da medida através de controlo à distância não é o mesmo que constrição ao seu cumprimento. E termina com a invocação favorável do entendimento de Cristina Líbano Monteiro, "Comentário Conimbricense do Código Penal", 2001, tomo III, pág. 394. Representativo da corrente contrária, isto é, que pratica o crime de evasão quem viola uma medida de coacção de OPH, está o acórdão da Relação de Évora, datado de 13-11-2012, proferido no processo 450/10.4TASTB.E1, relatado por Isabel Duarte (e incidindo também, curiosamente, sobre uma sentença de outro juízo do tribunal ora recorrido, o de Setúbal) acessível no mesmo sítio da Internet, que a 1.ª Instância seguiu de perto – embora sem o citar – e aonde se considerou, respigando: (…) São elementos objectivos, deste tipo legal de crime, que o agente seja uma pessoa legalmente privada da liberdade e que se tenha evadido. Não basta para preenchimento do tipo a libertação momentânea quando o agente ainda está ao alcance da guarda não lesando, assim, a segurança da custódia. (…) O artigo 352.º, n.º 1, do CP de 1995 corresponde ao artigo 329.º do Código anterior. Contudo, ocorreu uma alteração importante na redacção dessa previsão legal, pois substituiu-se a expressão "encontrando-se em situação, imposta nos termos da lei de detenção, internamento ou prisão, em regime fechado, ou aproveitando-se a sua remoção ou transferência", por "quem encontrando-se legalmente privado da liberdade". Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra, Tomo III, pág. 395, relativamente à redacção da referida norma, após a reforma de 1995, refere: “Não há agora lugar para modalidades de evasão. Tanto importa o grau de segurança ou de regime (fechado ou aberto) do estabelecimento. Não faz o legislador qualquer referência aos meios empregues pelo agente para se evadir. Consagra, isso sim, uma situação de atenuação especial da pena e afasta a punibilidade da evasão meramente tentada”. Esta autora entende que a singela formulação do artigo 352º do Código Penal, da qual decorre que comete o crime quem, por decisão judicial, está privado da sua liberdade, independentemente do meio, modo ou circunstância ou alcance em que está coarctada a sua capacidade de se movimentar, o seu direito a ser livre; No mesmo sentido: - Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, edição da Universidade Católica, 2008, pág. 829, adianta que “Por decisões privativas de liberdade deve entender-se todas as decisões que ordenam detenção, prisão ou internamento, quer elas sejam definitivas quer sejam transitórias...” e “Também está incluída a obrigação de permanência na habitação, seja como medida de coacção seja como pena”, o que, resulta, em seu entendimento, da substituição da expressão “pessoa legalmente presa, detida ou internada em estabelecimento destinado à execução de reacções criminais privativas de liberdade” ocorrida com a reforma do Código Penal de 1995. - Maia Gonçalves, no seu Código Penal Português, anotado e Comentado, na anotação n.º 2, ao art. 352º, avança que, a alteração visou precisamente o alargamento do âmbito da tipicidade de modo a incluir todas as formas de privação de liberdade, incluindo, portanto, a obrigação de permanência no domicílio. Acresce que, de acordo com a unidade do sistema jurídico, a obrigação de permanência na habitação, enquanto medida coactiva, foi equiparada à prisão, seja para contagem do tempo de prisão (art. 80°, do CP), seja para verificação dos pressupostos de aplicação ou ainda para efeitos de reexame dos mesmos pressupostos (arts. 193°, n°2 e 213°, respectivamente, ambos do CPP). (…) A questão está em saber se o novo texto, além da alteração da terminologia, pretendeu alterar o âmbito da previsão, alargando-a a situações que estão para além das tipificadas na anterior redacção, concretamente à obrigação de permanência na habitação prevista no artigo 201º do actual Código de Processo Penal, ou, em maior pormenor, se a expressão “legalmente” tem âmbito diferente da expressão “imposta nos termos da lei”. A expressão “legalmente privado da liberdade” pode englobar várias interpretações, nomeadamente: A de quem, por decisão judicial, está privado da sua liberdade, independentemente do meio, modo ou circunstância ou alcance em que está coarctada a sua capacidade de se movimentar, o seu direito a ser livre; A adiantada, pelo citado Paulo Pinto de Albuquerque, respeitando às decisões privativas de liberdade englobam todas as decisões que ordenam detenção, prisão ou internamento, quer elas sejam definitivas quer sejam transitórias, pelo que ali também estará incluída a obrigação de permanência na habitação - OPH -, principalmente, quando acompanhada de vigilância electrónica, como ocorria no caso em análise. Acresce que, seguindo o mesmo entendimento, o Prof. Figueiredo Dias, no âmbito da elaboração das actas de revisão do Código Penal, esclareceu que a expressão “pessoa legalmente privada de liberdade” está utilizada no sentido de abranger também as medidas de segurança, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação. Sabemos que este entendimento não é pacífico, apesar de maioritário, no sentido por nós desenvolvido e seguido. (…) Todavia, pelos motivos apontados, entendemos que a previsão do citado art. 352° do CP abrange todas as situações de quem se encontre "legalmente privado da liberdade", incluindo os arguidos sujeitos à obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, dado que esta constitui uma privação da liberdade, nos termos previstos no art° 201° do CPP. Acontece que no caso dos autos não é preciso tomar posição nesta querela, pois que existe no mesmo uma variante que é a da inexistência de VE quando se deu a fuga. Na verdade, após ter sido ouvido em 1.º interrogatório judicial de arguido detido, foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de OPH, tendo sido transportado pela polícia à morada que indicou como sua residência por, segundo consta da fundamentação da decisão da matéria de facto da sentença recorrida, pertencer a um seu irmão … sendo que quando o arguido lá chegou, constatou que o irmão já não residia ali, pelo que teve de se ir embora… Apesar de muito a propósito não esclarecerem os presentes autos, depreende-se que naquela morada não estava ninguém à espera do arguido para lhe montar a VE! Também muito a propósito, não esclarecem os presentes autos quantos dias depois de ter sido despejado pela polícia à porta da casa é que o IRS lá foi para montar a VE ao arguido! O certo é que, quando o IRS lá foi, ele não estava lá. Recorde-se que o art.º 352.º contempla a situação de quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir. Quer isto dizer serem dois os elementos do tipo objectivo do ilícito: encontrar-se o agente legalmente privado da liberdade; e evadir-se. Ora se é insofismável a verificação do primeiro, também o é a inexistência do segundo. Vejamos: Evadir significa escapar de, escapar furtivamente, fugir às ocultas – o que, para acontecer, implica que o agente esteja vigiado, guardado, sob custódia. Electrónica, pessoal ou material. Ora um indivíduo formalmente colocado em vigilância electrónica, mas que não esteja efectivamente sujeito a vigilância electrónica, por ela não ter sido ainda instalada, embora sabendo encontrar-se em determinado local legalmente privado da liberdade, aí deixado sem guarda pelas autoridades à espera que alguém lá vá ter consigo para lha instalarem, não comete o crime de evasão se no entretanto sair desse local e se for embora, pois que não está a lesar a segurança da custódia oficial, que é o bem jurídico protegidos pelo tipo[2], por pura e simplesmente não existir qualquer espécie de custódia (electrónica, pessoal ou material – presente, remota ou distraída) no momento em que ele se vai embora. Na verdade, o arguido não pode ser encarregue de se vigiar a si próprio para se impedir a si próprio de fugir entre o momento em que é levado a casa por ter sido formalmente colocado sob vigilância electrónica e o momento em que, tempos depois, a vigilância electrónica lhe seja efectivamente aplicada[3]. Do exposto se conclui, sem necessidade de outros argumentos, não ter o arguido cometido o crime de evasão. IV Termos em que se decide: 1.º Julgar procedente o recurso e, em consequência, absolver o cidadão C do crime de evasão, p. e p. pelo art.º 352.º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual fora condenado. 2.º Não é devida tributação (art.º 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). # Évora,19-12-2013 (elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga) JOÃO MARTINHO DE SOUSA CARDOSO ANA BARATA BRITO __________________________________________________ [1] Parecendo ser no mesmo sentido o acórdão da Relação de Guimarães de 16-1-2012, sumariado na CJ, 2012, I-309. [2] Cristina Líbano Monteiro, em "Comentário Conimbricence do Código Penal", 1999, tomo III, pág. 395, em anotação ao art.º 352.º. [3] Que é, afinal, a situação de facto de que parte o acórdão da Relação do Porto de 16-03-2011, referido acima no texto, embora isso não resulte do sumário respectivo. |