Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
755/22.1T8PTM.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: MANDATO FORENSE
RENÚNCIA AO MANDATO
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia do mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário.
II - O regime do artigo 47.º do CPC visa precisamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte, quando o patrocínio é obrigatório, e esta não consegue constituir novo mandatário de imediato.
III – Por isso o advogado renunciante continua ligado ao mandato, durante 20 dias, até, dentro deste prazo, o mandante constituir novo mandatário, extinguindo-se, então, o primeiro mandato.
IV – Não é inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do CPC nos termos acima referidos.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA e BB instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, pedindo que:
a) seja declarado resolvido o contrato de arrendamento objeto destes autos e que os réus sejam condenados no despejo imediato do locado, entregando-o livre de pessoas e bens, no estado em que o rececionaram;
b) os réus sejam solidariamente condenados a pagar as rendas vencidas e que ascendem ao montante global de € 16.170,00, bem como no pagamento das rendas vincendas até efetiva entrega do locado;
c) na eventualidade dos réus não procedessem à entrega do locado, que sejam condenados a pagar aos autores o montante equivalente ao dobro da renda, a título de indemnização, pela ocupação do imóvel, entre a data da resolução e da sua entrega efetiva.
Alegam, em síntese, que por documento particular, datado de 22 de maio de 2016, denominado “contrato de arrendamento para habitação de duração limitada”, foi cedido aos réus o uso e fruição da fração autónoma, identificada com a letra ..., correspondente ao ... andar, do prédio urbano designado de lote n.º ..., sito na Urbanização ..., freguesia e concelho de Portimão, pelo período de um ano, com início a 1 de Junho de 2018 e termo a 31 de maio de 2019, e com possibilidade de renovação por iguais e sucessivos períodos, mediante o pagamento de uma renda mensal que foi fixada no montante de € 420,00, e que deveria ser paga até ao dia 8 do mês anterior àquele a que dissesse respeito, mediante transferência bancária.
Mais alegam que os réus não pagaram as rendas referentes aos meses de agosto, setembro, outubro de 2018, no valor de € 1.260,00, a renda referente a dezembro de 2018, no valor de € 420,00, tendo pago parcialmente as rendas referentes ao meses de janeiro de 2019 e de fevereiro 2019, faltando pagar, por conta dos referidos meses, os valores de € 20,00 e de € 150,00, e também não pagaram as rendas referentes a março e abril de 2019 no valor de € 840,00, tendo pago parcialmente a renda referente a junho de 2014, faltando entregar € 40,00, encontrando-se também por pagar as rendas referentes aos meses de julho, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2019, no valor global de € 2.100,00, e deixaram igualmente por pagar as rendas referentes aos anos de 2020 e de 2021, nem as referentes aos meses de janeiro a março de 2022.
Alegam, por último, que a autora se opôs à renovação do contrato de arrendamento, observando a antecedência de dois meses, fixada no nº 2 da cláusula 2ª, não tendo os réus feito a entrega do locado a 31 de maio de 2019, a que acresce não terem também pago as rendas já vencidas que ascendem ao montante de € 1.6170,00.
Os réus contestaram, contrapondo que, sem prejuízo da carta que a autora lhes remeteu na qual se opunha à renovação do contrato, a mesma permitiu que os réus permanecessem no locado, tendo recebido e feito suas as rendas referentes aos meses e anos posteriores a essa comunicação, e que pagaram as rendas referentes aos meses de janeiro, fevereiro, junho, novembro e dezembro de 2019, maio e julho de 2020 e agosto de 2021.
Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Designado o dia 14.10.2022 para realização da audiência de julgamento, veio o mandatário dos réus, em 10.10.2022, renunciar ao mandato e requerer que «os autos sejam suspensos até que os Réus constituam novo mandatário e assim deve ser dada sem efeito a audiência agendada para o dia 14 de outubro de 2022».
Sobre o requerido pelo mandatário renunciante foi proferido, em 12.10.2022, o seguinte despacho:
« REFª: 43510960 - Conforme decorre do art.º 47.º, n. º2 do Cod. de Proc. Civ, a renúncia ao mandato, por não ser imediatamente eficaz, não gera uma qualquer situação de suspensão imediata da instância, nem mesmo quando o advogado renunciante patrocina o próprio autor e o patrocínio é obrigatório.
Pelo que inexiste qualquer fundamento legal que autorize a suspensão da tramitação destes mesmos autos, motivo pelo qual se indefere a suspensão requerida.
Cumpra a secção o disposto no art.º 47.º, n. º2 do Cod. de Proc. Civ.»
Realizada a audiência de julgamento na data designada, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, ao abrigo dos citados preceitos legais, julgo a presente ação procedente e, em consequência:
A) Declaro resolvido o contrato de arrendamento relativo à fração autónoma, identificada pela letra ..., correspondente ao ... andar, do prédio urbano, designado de lote n.º ..., sito na Urbanização ..., freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º ...35 da freguesia de Portimão.
B) Condeno os réus a entregarem o arrendado aos autores no prazo de um mês, nos termos do art.º 1087.º do Código Civil;
C) Condeno, os réus, solidariamente, no pagamento das rendas vencidas no montante global de €16 170,00 (dezasseis mil cento e setenta euros) e, bem assim, no pagamento de €420,00 (quatrocentos e vinte euros) por cada mês que, após março de 2022, decorra, até à efetiva entrega da fração referida em a) aos autores, devoluta de pessoas e bens, valor esse que será elevado ao dobro após o trânsito em julgado da presente sentença, nos termos do art.º 2 do art.º1045.º do Código Civil.
Respondem ainda os réus pelo pagamento das custas (artigo 527.º, n. os 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho).»
Inconformados, os réus interpuseram o presente recurso, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«a) A decisão de não suspender o processo na sequência da renúncia ao mandato é nula, por violar os direitos de representação forense e de defesa constitucionalmente consagrados;
b) O mandato forense é uma relação entre cliente e advogado que se baseia na confiança;
c) Quebrada a confiança da relação entre cliente e advogado, não podem as partes dessa relação ser obrigadas a manter a mesma, quando já não confiam uma na outra;
d) Entender doutra forma o mandato forense, é violar a relação cliente-advogado que se baseia na confiança entre essas duas pessoas, é limitar quer a liberdade do advogado em exercer livremente a sua profissão, quer a liberdade do cliente em mandatar advogado que tenha a sua confiança;
e) Os presentes autos são processo de constituição obrigatória de advogado;
f) A decisão de que se recorre de manter a data de julgamento e a realização dessa audiência de julgamento, sem que estivessem garantidas a defesa e os direitos constitucionais dos Recorrentes à defesa, violam a lei e a Constituição da República Portuguesa;
g) A sentença proferida violou todos os direitos fundamentais dos Recorrentes a uma defesa, e não se argumente com a eficácia da notificação dos mesmos da renúncia do mandatário;
h) Essa renúncia tem de ter efeitos imediatos, sob pena de violação do direito à defesa e à própria liberdade de mandato;
i) Entre a renúncia ao mandato, o despacho de não suspensão do julgamento em virtude da renúncia, a realização deste, e a notificação da sentença mediaram apenas dezasseis dias, sendo que, entre a data efectiva da notificação dos Recorrentes e a sentença decorreram nove dias;
j) A interpretação feita tem de ser declarada nula, tal como despacho que manteve a realização da audiência de julgamento, devendo ser revogado tal despacho e em consequência revogada a douta sentença e ordenada a repetição do julgamento;
l) A decisão de que se recorre violou por erro de aplicação e interpretação os artigos 20.º da CRP, 67.º, 88.º e 89.º do EOA, e artigos 40.º e 47.º do CPC.
Nestes termos, e nos que serão objecto de mui douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve o despacho de manutenção da realização da audiência de julgamento ser declarado nulo e por isso revogado, declarada nula a sentença proferida nos autos na sequência da nulidade de tal despacho, revogada a sentença proferida, e a final, ordenada a repetição da audiência de julgamento.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão a decidir é a de saber se a renúncia do mandato implicava a não realização da audiência de julgamento.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos[1]:

1.º Por documento particular, datado de 22.01.2016, epigrafado de “Contrato de Arrendamento, a autora AA cedeu aos réus o uso e fruição da fração autónoma, identificada pela letra ..., correspondente ao ... andar, do prédio urbano, designado de lote n.º ..., sito na Urbanização ..., freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º ...35 da referida freguesia de Portimão, pelo período de um ano, com início a 01 de junho de 2018 e termo a 31 de maio de 2019, e com possibilidade de renovação por iguais e sucessivos períodos.
2.º Estabeleceram as partes, no referido acordo, que a referida cedência era feita mediante o pagamento pelos requeridos de uma contrapartida pecuniária mensal, no montante de €420,00 (quatro centos e vinte euros), que deveria ser paga, até ao dia 8 do mês anterior àquele a que dissesse respeito, mediante transferência bancária para o IBAN ... do Banco Santander Totta.
3.º A fração autónoma referida encontra-se registada a favor de ambos os autores pela ap. n.º 17 de 02.09.2003, com menção que à data se encontravam casados entre si no regime de separação de bens.
4.º Através de carta datada de 22.03.2019 que foi remetida aos réus em 25.03.2019, e, pelos mesmos rececionada em data não concretamente apurada, a autora, declarou que se opunha à renovação do contrato celebrado entre as partes, fazendo consignar, em tal comunicação, que o contrato cessaria em 31.05.2019.
5.º Os réus não pagaram as rendas referentes aos meses de agosto, setembro, outubro de 2018, no valor de €1260,00 (mil duzentos e sessenta euros).
6.º Os réus também não pagaram a renda referente a dezembro de 2018, no valor de €420,00 (quatrocentos e vinte euros).
7.º Os réus pagaram parcialmente as rendas referentes ao mês de janeiro de 2019 e de fevereiro 2019, faltando pagar, por conta de cada um dos referidos meses, os valores de €20,00 (vinte euros) e de €150,00 (cento e cinquenta euros).
8.º Os réus não pagaram as rendas referentes a março e abril de 2019, no valor de €840,00 (oitocentos e quarenta euros).
9.º Os réus pagaram apenas parcialmente a renda referente a junho de 2019, faltando entregar €40,00 (quarenta euros).
10.º Os réus não pagaram as rendas referentes aos meses de julho, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2019, no valor global de €2100,00 (dois mil e cem euros).
11.º E também não pagaram as rendas referentes aos anos de 2020 e de 2021, nem as rendas referentes aos meses de janeiro a março de 2022 e que perfazem €11 340,00 (onze mil trezentos e quarenta euros).
E foi considerado não provado:
1. Que os réus tivessem pago as rendas referentes aos meses de janeiro, fevereiro, junho, novembro e dezembro de 2019; maio e julho de 2020 e agosto de 2021.

O DIREITO
Sustentam os recorrentes que «deve o despacho de manutenção da realização da audiência de julgamento ser declarado nulo e por isso revogado, declarada nula a sentença proferida nos autos na sequência da nulidade de tal despacho, revogada a sentença proferida, e a final, ordenada a repetição da audiência de julgamento».
Mas não lhes assiste razão[2].
Dispõe o artigo 47º do CPC:
«1 - A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.
2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte.
3 - Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;
b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados;
c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.
4 - Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º.
5 - O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito a exame do processo, pelo prazo de 10 dias.
6 - (…)»
Deste preceito decorrem regimes diversos quanto ao momento da eficácia da revogação e da renúncia e dentro desta nos casos em que o patrocínio é ou não obrigatório.
Esta diversidade é assim explicada por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[3]:
«(…). Com a notificação da revogação do mandato este extingue-se, cumprindo ao mandante constituir novo mandatário para que não fique numa situação de falta de patrocínio judiciário. Daí em diante, se a parte pretender praticar algum ato processual em ação em que seja exigido patrocínio judiciário por advogado, só poderá fazê-lo mediante a designação de novo advogado (…).
(…). Diverso é o regime nos casos de renúncia. Esta é imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário por advogado não for obrigatório. Já nos demais casos, deu-se guarida à necessidade de tutelar os interesses da parte patrocinada, persistindo o mandato por mais 20 dias após a notificação da renúncia, sendo o mandante advertido dos efeitos que decorrem da falta de constituição de novo mandatário.»
Acrescentam aqueles autores que se trata «de um regime que parece equilibrado na medida em que, nos casos de renúncia, obsta a que se produzam efeitos imediatos que poderiam, por exemplo, refletir-se na preclusão relacionado com a prática de atos cujo prazo estivesse ainda em curso (v.g. prazo para o autor apresentar articulado de réplica ou para cada uma das partes interpor recurso da sentença entretanto proferida). Com efeito, enquanto perdurar o mandato forense por essa via mantém-se os deveres que normalmente emergem dos termos que conjuguem as regras de direito civil com normas do EOA.»
No acórdão n.º 671/2017, de 13.10[4], o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário.
Escreveu-se naquele aresto:
«A norma em causa procede a uma conciliação entre os interesses do mandatário, os do mandante e ainda aos interesses da boa administração da justiça. Assim se compreende que a revogação e a renúncia do mandato judicial tenham lugar no próprio processo e que a renúncia seja pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no n.º 3 (artigo 47.º, n.º 2, do CPC). O regime do artigo 47.º do CPC visa justamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte, quando o patrocínio é obrigatório e a parte não consegue imediatamente constituir novo mandatário. Daí que o advogado renunciante continue ligado ao mandato, durante 20 dias, até, dentro deste prazo – de dimensão perfeitamente razoável – o mandante constituir novo mandatário, extinguindo-se, então, o primeiro mandato.
Estando, por força da lei, o mandatário judicial constituído ligado ao mandato, no momento em que ocorreu a audiência de julgamento, não pode afirmar-se que se tenha verificado qualquer perturbação relativamente ao exercício do direito à tutela efetiva que afetasse a posição processual da recorrente. O facto de a audiência de julgamento ter prosseguido, sem que a embargante estivesse representada, resultou da ausência do advogado, que, segundo o Tribunal recorrido, incumpriu os seus deveres deontológicos. Por outro lado, independentemente de uma eventual quebra na relação de confiança entre a mandante e o mandatário, o certo é este não poderia deixar de cumprir as obrigações a que se encontrava adstrito enquanto o mandato não pudesse considerar-se extinto.
Não há, por isso, qualquer risco, em situação de normalidade e desde que se use a diligência devida, de a parte deixar de exercer os direitos processuais por virtude da renúncia do mandato, visto que a lei contempla mecanismos que permitem assegurar a representação processual sem prejuízo para a defesa dos interesses que se pretende fazer valer na ação.
A especialidade do regime tem, pois, a fundamentá-la uma razão material bastante – a celeridade da administração da justiça – razão essa congruente com a prossecução, por parte do legislador ordinário, de interesses e valores constitucionais dotados de particular relevância. Tanto basta para que se conclua que, face ao parâmetro contido no artigo 20.º da CRP, não merece a norma sob juízo qualquer censura.»
Também na vigência do CPC revogado, o Tribunal Constitucional apreciou a constitucionalidade do artigo 39.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, tendo afirmado no Acórdão n.º 314/2007[5], de 16.05, que da aplicação do artigo 39.º do CPC resulta que a renúncia ao mandato por parte de advogado constituído não tem como consequência a imediata extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do mandatário para com o seu cliente, mantendo-se o dever do mandatário renunciante de prestar assistência ao mandante.
E assim julgou não desconforme à Constituição a interpretação segundo a qual aqueles preceitos não atribuem à apresentação de renúncia pelo mandatário judicial efeito suspensivo do prazo para apresentação das alegações de recurso, que estava em curso no momento em que a renúncia foi formalizada.
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que quatro dias antes da realização da audiência de julgamento, em 10.10.2022, o mandatário dos réus renunciou ao mandato e requereu que os autos fossem suspensos até que aqueles constituíssem novo mandatário, dando-se sem efeito a audiência de julgamento agendada para o dia 14.10.2022.
A Sr.ª Juíza a quo inferiu o pedido de suspensão da instância nos termos do despacho acima transcrito, proferido em 12.10.2022.
No dia da audiência de julgamento, compareceu apenas a mandatária dos autores e uma testemunha, tendo a Sr.ª Juíza proferido o seguinte despacho:
«Devidamente notificado, o Ilustre Mandatário dos Réus não compareceu, sendo certo que a renúncia ao mandato que formalizou nos autos não justifica a sua ausência.
Pelo que se determina a comunicação da falta de comparência à respetiva ordem profissional.»
Ora, a decisão de realização da audiência de julgamento não posterga o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, princípios consagrados no artigo 20.º da CRP, e que consubstanciam uma manifestação do imperativo de constitucionalização de direitos fundamentais numa dimensão organizacional, procedimental e processual.
É que tais direitos permaneceram incólumes, na medida em que a renúncia ao mandato ainda não havia produzido efeitos - a notificação da renúncia ocorreu precisamente no dia do julgamento[6] -, pelo que caberia ao mandatário assegurar a realização da audiência de julgamento em representação dos réus.
Na confrontação dos interesses em presença - interesses do mandante e o desiderato de boa administração da justiça - distinta conclusão hermenêutica redundaria, necessariamente, num expediente dilatório, que atentaria contra o dever de administração célere da justiça[7].
Até à data da audiência, os réus estiveram sempre representados por mandatário, o qual foi conformando a ação de acordo com a estratégia processual gizada em consonância com os réus, tendo participado até então em todos os atos realizados.
Na data do julgamento, aquele mandatário não compareceu, sendo certo que tal ausência não constituía causa de adiamento do julgamento (art. 603.º, n.º 1, do CPC), pelo que se realizou a audiência de julgamento como tinha de ser.
Por conseguinte o recurso improcede, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras.
Vencidos no recurso, suportarão os réus/recorrentes as respetivas custas – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
*
Évora, 30 de março de 2023
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)

__________________________________________________
[1] Mantém-se a redação e a numeração dos factos constantes da sentença.
[2] Seguiremos na exposição o acórdão da Relação de Guimarães de 18.03.2021, proc. 2128/15.3T8VNF-A.G1, in www.dgsi.pt, em cuja fundamentação nos revemos inteiramente.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, pp. 84/85.
[4] Disponível in www.tribunalconstitucional.pt.
[5] In www.tribunalconstitucional.pt. Entendimento reiterado no Acórdão n.º 188/2010, de 12.05.
[6] Cfr. avisos de receção juntos aos autos (referências citius10560435 e 10560996).
[7] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 18.03.2021, que vimos seguindo de perto.