Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
320/20.8GBSSB.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: GRAVAÇÃO ILÍCITA
FOTOGRAFIA ILÍCITA
DIFAMAÇÃO AGRAVADA
INSTAGRAM
IDENTIFICAÇÃO DO UTILIZADOR
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O Instagram é uma rede social de partilha, entre os seus utilizadores, de fotografias e vídeos. Permite comunicação, também entre os seus utilizadores. E é gratuita.
No Instagram, qualquer pessoa pode criar um perfil de utilizador, sem verificação dos dados que, para tanto, utilize. Daqui decorrendo que qualquer pessoa pode utilizar dados pessoais de outrem – intencionalmente ou por mera coincidência – na criação de uma conta no Instagram. Sendo possível identificar o utilizador da conta de Instagram, através de consulta junto do Facebook.
II – Não assumindo o arguido a prática dos factos que lhe são imputados nos autos e não tendo obtido qualquer resultado a consulta feita ao Facebook, da conjugação dos elementos probatórios considerados pelo Tribunal de 1.ª Instância não conseguimos atingir a certeza considerada indispensável, num processo crime, a dar como provado que tenha sido criada e pertencesse ao arguido a conta de Instagram em que foi colocada gravação de operação policial de detenção de um indivíduo e comentário escrito sobre a mesma.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 320/20.8GBSSB, do Juízo de Competência Genérica ... [Juiz ...] da Comarca ..., o Ministério Público acusou
(i) AA, nascido a .../.../2000, natural da freguesia ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., Quinta ..., na Quinta ...,
pela prática, em autoria material, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punível pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal;
(ii) DD, nascido a .../.../2001, natural da freguesia ... do concelho ..., filho de EE e de FF, residente na Rua ..., em ...,
pela prática, em autoria material e na forma consumada, de:
- um crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punível pelo artigo 199.º, n.º 1 e 2, alínea a) e b) do Código Penal;
- um crime de difamação agravada, previsto e punível pelos artigos 189.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal.

Ambos os Arguidos apesentaram contestação escrita, onde oferecem o merecimento dos autos.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 13 de janeiro de 2023, foi decidido:
«(…)
julga-se a acusação do Ministério Público parcialmente procedente e em conformidade:
a) ABSOLVO o Arguido AA da prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, 1 (um) crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal;
b) CONDENO o Arguido DD, pela prática, em autoria, na forma consumada, e em concurso efetivo de:

b.1. 1 (um) crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º 1 e 2, alínea a) e b) do Código Penal, na pena parcelar de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de €990,00 (novecentos e noventa euros);
b.2. 1 (um) crime de difamação agravada, previsto e punido pelo artigo 182.º, n.º1 e 184.º do Código Penal, na pena parcelar de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de €522,50 (quinhentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos);
b.3. Operando o cúmulo jurídico, condeno o Arguido na pena única de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta), num total de € 1.155,00 (mil, cento e cinquenta e cinco euros).
c) CONDENO o Arguido no pagamento das CUSTAS PROCESSUAIS, que englobam o pagamento da taxa de justiça, que se fixa em 2 (duas) unidades de conta, bem como os demais encargos com o processo (cfr. artigos 513.º, 514.º do Código do Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais).»

Inconformado com tal decisão, o Arguido DD dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«I. O Recorrente não se conforma com a Decisão que resultou da Sentença, que o condenou pela prática de dois crimes que não cometeu.
II. O Tribunal a quo não baseou a sua Decisão num correto encadeamento dos factos, numa rigorosa avaliação da parca prova existente nos autos, da inexistência de perícias e muito menos nos depoimentos das testemunhas que considerou, diga-se até com razão, não ser possível ligarem diretamente o Recorrente aos crimes pelos quais vem condenado
III. Aspetos relevantes de direito e da matéria de facto foram incorretamente julgados, o que veio a redundar na condenação ora posta em crise, com a apresentação do presente recurso.
IV. Com o mais elevado respeito, o Tribunal a quo não andou bem e pecou pela injusta e infundada Decisão que proferiu.
V. Entende-se que o Tribunal a quo chegou a conclusões que não poderia ter chegado com a prova produzida em sede de julgamento, existindo um claro erro de julgamento, resultando numa clara violação dos princípios constitucionais da presunção da inocência e do in dubio pro reo, favoráveis ao Arguido.
VI. Também a falta de exame crítico da prova, que desde já se alega a sua evidência na sentença proferida pelo Tribunal a quo, leva à nulidade prevista no Art.º 379.º nº 1 al. a) do C.P.P.
VII. É que no caso que aqui se discute, não se alcança o mecanismo probatório pelo qual, o Tribunal a quo, se socorreu para, no que diz respeito ao Recorrente, dar como provados os ponto 7.º e 9.º a 11.º da douta sentença.
VIII. De forma a concluir pelos factos provados e pelos factos não provados, o Tribunal a quo, no que diz respeito ao Recorrente, formou a sua convicção, aproveitando-se da seguinte motivação de facto:
1. “(…) No que tange à dinâmica dos factos e palavras proferidas, o teor do auto de notícia foi corroborado pelas declarações prestadas pelas testemunhas GG e HH, Militares Autuantes, os quais prestaram depoimentos distanciados, objetivos, coerentes e, em larga medida, harmoniosos entre si, facultando, quanto a esta matéria, uma única versão dos factos;
2. Ademais, as testemunhas em apreço não têm qualquer relação de amizade/inimizade/familiar com os Arguidos, não se vislumbrando qualquer motivo para que faltassem à verdade. Como tal, os depoimentos destas testemunhas lograram convencer o Tribunal;
3. Relativamente ao facto vertido nos pontos 7), tomámos em consideração, desde logo, o teor do auto de visionamento de vídeo e de extração de fotogramas, constantes de fls. 41 a 43, sendo que da imagem 1, 2 e 3 é possível verificar que o utilizador «...» publicou uma «história», na rede social «instagram», contendo uma gravação do momento da detenção do Arguido AA, contendo os dizeres que ficaram consignados;
4. A imputação de tal publicação ao Arguido DD decorreu do facto do nome de utilizador do publicante coincidir com o nome próprio e apelido do Arguido, seguido da data de aniversário do mesmo;
5. Ademais, ouvidas as testemunhas GG e HH, os mesmos declararam que ambos os Arguidos costumam frequentar o local dos factos, o qual é conotado com o tráfico de drogas, justificando várias patrulhas da polícia, sendo costume andarem juntos, pertencendo ao mesmo grupo;
6. Concatenando todos estes factos, dúvidas não restaram a este Tribunal que o Arguido DD foi o Autor da publicação em causa;
7. Não descuramos que a testemunha EE, mãe do Arguido DD, referiu que o nome de utilizador do seu filho é «Ds», porém, as suas declarações afiguraram-se titubeantes e pouco firmes, denotando parcialidade, razão pela qual não foram consideradas;
8. Quanto aos factos elencados nos pontos 8) a 11) o Tribunal firmou a sua convicção com base na interpretação da factualidade dada como provada à luz das regras da experiência comum, uma vez que as condutas externas dos Arguidos apenas são condicentes com o carater voluntário de cada um dos comportamentos, e com a existência subjetiva das representações e intenções elencadas nestes pontos da matéria de facto;
9. (…) Quanto à factualidade dada como não provada, a sua consignação nestes termos decorreu do teor das declarações prestadas por GG e HH que esclareceram que, no momento dos factos descritos em 1., o Arguido DD não estava presente.”
IX. O Recorrente não aceita que se tenham dado como factos provados, os pontos 7. e 9. a 11. da douta sentença, sendo estes os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados
X. Questiona-se, quais foram os elementos que caracterizam a experiência comum, pelos quais se socorreu o Tribunal a quo para formular a sua convicção e dar como provados os pontos 7., 9. a 11. da douta sentença.
XI. Embora seja evidente que no decorrer da audiência de discussão e julgamento, se tenha apurado que um utilizador «...», publicou uma «história» na rede social “instagram”, contendo uma gravação do momento da detenção do Arguido AA, contendo os dizeres referidos no ponto 7. dos factos provados da douta sentença,
XII. Já a imputação de tal publicação ao Recorrente, pelo decorrer do facto do nome de utilizador «...» coincidir com o nome próprio e apelido do Recorrente, seguido da data de aniversário, é uma conclusão que o Recorrente considera ambígua, inconclusiva, redundante e, diga-se, até perigosa, num mundo cada vez mais informatizado e tecnológico.
XIII. A criação de um perfil de utilizador na rede social “Instagram”, está ao dispor de qualquer cidadão, podendo ser oferecido o nome de utilizador e data de nascimento que o utilizador deseje, bem como proceder a publicações de fotogramas, vídeos e escritos que o utilizador entenda.
XIV. A título de exemplo, no decorrer do prazo para apresentação do presente recurso, em apenas 2 (dois) minutos, foi possível à defesa do Recorrente criar um perfil na rede social “Instagram”, com o nome de utilizador «...», averbada a uma conta “Gmail”, criada no mesmo espaço de tempo, com o endereço eletrónico “...”.
XV. O nome de utilizador empregue na rede social “Instagram” e no endereço eletrónico da conta “Gmail” são idênticos ao nome do Recorrente, no entanto não foi a pessoa do Recorrente que criou os perfis em questão.
XVI. No entanto, todos esses elementos “identificativos”, poderão levar a que terceiros associem, erradamente, um qualquer cidadão a um perfil de uma rede social, tão só porque dispõem de nomes idênticos.
XVII. Mais evidente se torna essa (errada) associação, caso esse perfil com um nome de utilizador, contenha fotogramas desse concreto cidadão.
XVIII. E a verdade é que por meio da utilização das redes sociais, é possível, nos dias que correm, forjar, num curto espaço de tempo, a identidade de qualquer um por meio da criação de um perfil com o nome e fotografias dessa pessoa.
XIX. Ficando ao dispor desse utilizador, desconhecido, a publicação do conteúdo que bem entender.
XX. Jamais poderia ter concluído o Tribunal a quo que foi o Recorrente a publicar a «história» na rede social «Instagram», porquanto a Testemunha GG referiu: “Através deste nome, entrámos no Instagram e a fotografia dele estava lá” (Audiência de julgamento – dia 05 de Janeiro de 2023 - Gravação n.º 20230105141452_3696131_2871817), ou seja, a testemunha, através da pesquisa do nome «...», na rede social Instagram, encontrou um perfil com a fotografia do Recorrente e por isso concluiu que era este, sem margem dúvidas, o autor da publicação.
XXI. Sendo que a própria testemunha, no minuto [00:24:17] e ss. do seu depoimento, afirma que se apercebeu da existência de um vídeo a circular “através dos grupos WhatsApp”, “do nosso posto e de outros grupos que estamos associados”,
XXII. Assim, questiona-se de que forma é que, o auto de visionamento de vídeo e a extração de fotogramas, constantes de fls. 41 a 43, o facto nome do utilizador do publicante coincidir com o nome próprio e apelido do Arguido, seguido da data de aniversário do mesmo e, ouvidas as testemunhas GG e HH, os mesmos declararem que ambos os Arguidos costumam frequentar o local dos factos, sendo costume andarem juntos, pertencendo ao mesmo grupo, levasse a que o Tribunal a quo concluísse que o nome de utilizador «...» fosse um perfil criado pelo Recorrente e que tenha sido este último a publicar a «história» com os escritos do ponto 7. dos factos provados da douta sentença?
XXIII. O que a parca prova presente nos autos demonstra a fls. 42, 43, 44 e 102, é que existe um conjunto de capturas de ecrã (printscreens) de vídeos publicados (histórias) pelos utilizadores «...» (Imagens 1, 2 e 3) e «gsousa2975» (Imagem 4), sendo que as restantes capturas de ecrã (Imagens 5, 6, 7, 8 e 9) não detêm o utilizador associado.
XXIV. Não foi realizada qualquer prova pericial foi realizada para se chegarem às conclusões a o que o Tribunal a quo chegou.
XXV. Nem tão pouco foram apreendidos ao Recorrente, computadores ou telemóveis ou outros aparelhos análogos, a fim de ser apurado o seu “rasto digital”.
XXVI. Nem sequer foi ouvida testemunha do círculo familiar, ou de amizades do Recorrente, que pudesse declarar ao Tribunal, por meio de conhecimento direto, que o perfil de “Instagram” «...», fosse efetivamente do Recorrente.
XXVII. Sendo que da prova produzida em audiência de julgamento, o que se extraiu foi que a Testemunha GG, de forma extremamente vaga, tenha aferido a identificação do Recorrente, por meio de um perfil com o nome idêntico ao do Recorrente e com uma fotografia sua.
XXVIII. E de forma errada, o Tribunal a quo retirou conclusões vagas e muito dúbias quanto ao depoimento prestado pela testemunha em questão.
XXIX. Quem garante a este Tribunal que esse perfil de rede social não foi criado pelas próprias testemunhas, a fim de incriminar o Recorrente, pelo simples facto deste “ser amigo do Arguido AA” e de ambos serem “conhecidos” pelas testemunhas, em função das patrulhas policiais por estes últimos realizadas?
XXX. Ou que tenha o perfil «instagram» sido criado por uma outra pessoa terceira, alheia a este processo, querendo-se fazer passar pelo Recorrente?
XXXI. A testemunha EE, mãe do Recorrente DD, aproveitando as palavras da motivação de facto, referiu “que o nome de utilizador do seu filho é «Ds» (…)”.
XXXII. Porém, o Tribunal a quo considerou que as suas declarações afiguraram-se “(…) titubeantes e pouco firmes, denotando parcialidade, razão pela qual não foram consideradas”.
XXXIII. No entanto, erradamente, o vago depoimento das testemunhas de acusação, permitiu que, sem margem para dúvidas, aquele perfil de rede social “Instagram” era do Recorrente e que foi o mesmo o Autor da publicação e dos escritos nela contidos.
XXXIV. Veja-se que, apesar de terem sido solicitadas, nos presentes autos, durante a fase de inquérito, informações junto da “Google Ireland Limited” (Cfr. Fls. 92) e da “...” (Cfr. Comunicação com a Ref.ª do Tribunal A quo n.º 5650199, a fls…), a fim de se aferir a identidade do utilizador do perfil de Instagram «...», a verdade é que não se apurou a identidade do utilizador «...».
XXXV. Perante todos estes factos, a inexistência de prova cabal, o vago depoimento das Testemunhas de acusação, a inexistência de perícias realizadas durante a investigação, jamais poderia ter dado, o Tribunal a quo, como provados os factos melhor descritos nos pontos 7.º e 9.º a 11.º da douta sentença.
XXXVI. Na verdade, existiram apenas suspeitas sobre o arguido e a prova da publicação das aludidas «histórias» não se concretizou de forma cabal e sem margem para dúvida.
XXXVII. Assim sendo dada a redutora prova da acusação, que se produziu em sede de audiência de julgamento, patente em meras suspeitas não consubstanciadas por outra prova cabal, não se efetuou prova da factualidade acusatória e de modo indubitável, inexistindo prova testemunhal bastante, sendo a prova documental redutora, inexistindo prova pericial e existindo meras suspeitas, as mesmas deveriam ter sido consideradas insuficientes para que o Tribunal a quo formulasse a sua convicção, sem outros dados ou prova objetivável, tendo em consideração os princípios constitucionais da presunção de inocência e do in dubio pro reo, favoráveis ao Arguido.
XXXVIII. Ora, o princípio da livre convicção constitui regra de apreciação da prova em Direito Penal, sendo que, para conduzir à condenação, tal prova deve ser plena, pelo que, na decisão de factos incertos, a dúvida determina necessariamente a absolvição do arguido, de harmonia com o princípio da presunção de inocência que enforma também o direito processual penal e tem consagração constitucional no Art.º 32.º, n.º 2 da Lei Fundamental.
XXXIX. Assim, o juiz deve pronunciar-se de forma favorável ao arguido quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa: o non liquet da questão da prova deve ser sempre valorado a favor daquele.
XL. Nas palavras de Figueiredo Dias, em o Ónus de Alegar e de Provar, “(…) A absolvição por falta de prova em todos os casos de persistência de dúvida no espírito do tribunal não é consequência de qualquer ónus da prova, mas sim resultado da incidência do princípio in dubio pro reo. Um non liquet na questão da prova tem que ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo (…)”.
XLI. Na realidade, “(…) o direito à presunção de inocência constitucionalmente garantido não é incompatível com que se admita que a convicção judicial num processo penal se possa formar sobre a base de uma prova indiciária. Ponto é que essa convicção em sentido desfavorável ao arguido se alcance para além de toda a dúvida razoável, através de juízos objetivos e motiváveis (…)” - cfr. acórdão da Relação do Porto, de 18.12.2002, proferido no Proc. nº 0210996, disponível em www.dgsi.pt.
XLII. Assim, dada a ausência de prova cabal, importaria ter sido dado como não provada a factualidade controvertida e absolver o Recorrente nessa parte.
XLIII. Pelo que e no mais, dada a ausência de prova cabal e perante as dúvidas referenciadas, mediante a falta de verificação dos demais elementos típicos objetivos e subjetivos, mesmo na vertente agravada, deveria o Recorrente ter sido absolvido dos crimes de gravações e fotografias ilícitas e difamação pelos quais foi condenado, mesmo na vertente agravada, bem como deveria ter sido igualmente prejudicada a análise do concurso de crimes.
XLIV. É que tal como se demonstrou, em nenhum momento processual se fez prova para concluir que não restam dúvidas que o Recorrente foi o Autor da publicação em causa.
XLV. Não estabeleceu o Tribunal a quo as conexões - se é que elas existem - entre os atos criminosos de forma a se poder concluir, com a necessária segurança, que o crime pelo qual o Recorrente foi condenado foi cometido por este.
XLVI. No mínimo o Tribunal a quo violou um dos princípios fundamentais do nosso Direito Penal, o princípio da presunção da inocência.
XLVII. Bem sabemos que, o Julgador aprecia e valora livremente a prova, fá-lo de acordo com a sua convicção e experiência, e com base numa prática de deduções e induções lógicas a partir dos factos probatórios.
XLVIII. Porém, é indispensável que exista prova inequívoca para que seja valorada e, não pode o Tribunal assentar a sua decisão na convicção que haja feito, partindo de pressupostos errados, incertos e ignorando factos de extrema importância.
XLIX. A prova existente nos autos e prova produzida em Audiência de Julgamento não foi clara, e muito menos suficiente para concluir pela conduta criminosa do aqui Recorrente.
L. Com o devido respeito, o Tribunal a quo formou a sua convicção com base em meras convicções e suspeitas, violando o princípio in dúbio pro reo.
LI. A convicção do Tribunal é livre, mas não pode ser arbitrária, deve fundamentalmente, pautar-se pela verdade material, e deveria concluir, em face do exposto, no mínimo, pela absolvição do Recorrente.
LII. Estabelece o art.º 127.º do Código de Processo Penal que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
LIII. Este princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, encontrando-se vinculado à busca da verdade e às regras da experiência e da lógica comum.
LIV. O erro de julgamento em matéria de facto a que se reporta o art.º 412º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, ocorre quando o Tribunal considera provado um determinado facto sem que tenha sido efetuada prova em audiência de discussão e julgamento de que tal facto realmente ocorreu e, igualmente, quando considera como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado.
LV. Trata-se de um erro que se forma no processo cognoscitivo e, sobretudo, valorativo do julgador, podendo desdobrar-se, por essa via, em erro na apreciação da prova e erro na respetiva valoração, traduzido na violação das regras de experiência que servem de parâmetro à apreciação da prova ao abrigo do disposto no art.º 127.º do Código de Processo Penal.
Impõem solução diversa:
• uma melhor apreciação do conjunto da prova produzida, designadamente:
• Toda prova documental junta aos autos.
• A correta apreciação dos depoimentos prestados pelas testemunhas:
GG (20230105141452_3696131_2871817.wma,[00:08:27] a [00:25:59]);
HH (20230105144106_3696131_2871817.wma,[00:07:48] a [00:20:59]);
EE (20230105150220_3696131_2871817. Wma, [00:00:53] a [00:12:15]).

Nestes termos e nos mais de Direito e com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, roga que seja dado provimento ao presente recurso, com efeito, revogando-se a Douta Sentença proferida e, ser a mesma substituída por outra decisão, considerando os argumentos, que com respeito a toda a prova produzida se verteram, assim se cumprindo a Lei, se realizando o Direito, que absolva o Recorrente, da prática de 1 (um) crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo Art.º 199.º. n.º 1 e 2, alínea a) e b) do Código Penal e da prática de 1 (um) crime de difamação agravada, previsto e punido pelo Art.º 189, n.º 1 e 184.º do Código Penal

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1ª- A presente resposta é atinente ao recurso interposto pelo arguido DD, no que concerne à douta decisão judicial que, em sede de julgamento, o condenou na pena única de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de € 1.155,00 (mil, cento e cinquenta e cinco euros), após operado o cúmulo jurídico, pela prática de um crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º 1 e 2, alínea a) e b) do Código Penal, na pena parcelar de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de € 990,00 (novecentos e noventa euros) e um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo artigo 182.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal, na pena parcelar de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de € 522,50 (quinhentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos), o qual pugna pela sua absolvição.
2.ª- Não lhe assiste razão, já que a douta sentença está bem fundamentada e a sua motivação está explanada de forma coerente, logo, não existe qualquer nulidade de sentença.
3.ª- Não é só a informação junta aos autos por parte de uma entidade que gere uma rede social que permite chegar à identificação do titular de um perfil de tal rede social.
4.ª- De facto, poderá e deverá o Tribunal lançar mão das regras da experiência e aferir dessa titularidade, apreciando e conjugando todos os meios de prova que foram produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento.
5.ª- E foi exatamente o que ocorreu na situação que aqui curamos.
6.ª- Como tal, deverá o recurso a que agora se responde improceder e manter-se a sentença nos seus exatos termos.

Contudo, V. Exas. farão, como sempre
JUSTIÇA!»
û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunto, emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
«Ponderando os termos da decisão recorrida, a motivação do recurso interposto pelo arguido e a resposta do Ministério Público na primeira instância, manifestamos a nossa concordância com os termos desta e o parecer de que não deve o recurso obter provimento, por não merecer reparo a decisão recorrida



Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.[[2]]

Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância são colocadas as questões:
- da nulidade da sentença, por omissão ou insuficiência do exame crítico das provas;
- da incorreta valoração da prova produzida em julgamento – a violação do princípio in dúbio pro reo.
û
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:
«a) Da acusação pública:
1. No dia 07 de abril de 2020, pelas 17.30 horas, o arguido AA encontrava-se na Rua ..., na Quinta ..., juntamente com outros jovens, local conotado com o consumo e tráfico de estupefacientes.
2. Nessa sequência, os militares da G.N.R., GG e HH, que se encontravam de serviço, devidamente identificados e fardados, abeiraram-se do grupo de jovens e questionaram sobre a presença dos mesmos naquele local, atento o estado de emergência em que o país se encontrava, na sequência da pandemia de Covid-19, e a proibição de circulação na via pública, tendo procedido a uma revista dos mesmos, encontrando na posse do arguido AA um pedaço de produto suspeito de ser estupefaciente.
3. Os militares da GNR informaram o arguido AA que deveria acompanhá-los ao posto da GNR ..., onde o produto que tinha na sua posse seria sujeito a teste rápido e pesagem, tendo o arguido dito “Não vou a lado nenhum! Não fiz mal a ninguém! Estou aqui na rua sossegado a fumar uma!”
4. Os militares da GNR advertiram o arguido AA que deveria cessar com tais comportamentos e acompanhá-los, tendo o arguido respondido, novamente “Eu não vou contigo a lado nenhum! Já te disse!”, começando a correr em direção oposta à dos militares da GNR.
5. Logo que foi alcançado pelos militares da GNR, foi dada voz de detenção ao arguido AA que começou a gritar, na direção dos demais jovens que o acompanhavam “Filmem esta merda, caralho! Vejam como é que é a polícia na Quinta ...!”, enquanto mexia os braços e avançava o corpo para a frente para impedir que o algemassem.
6. Atento o apelo do arguido AA, um individuo não concretamente apurado, munido de aparelho telefónico com câmara, começou a captar imagens e som da atuação dos militares da GNR supra identificados, enquanto procediam à algemagem e contenção do arguido AA.
7. Posteriormente, o arguido DD publicou o vídeo mencionado em 6. na sua página de Instagram, com as seguintes legendas “É a polícia que temos na Quinta ... cambada de sem vida em vez de fazerem o trabalho deles não é só estas merdas; E estas vergonhas mesmo não têm mais nada pa fazer; porcos d merda N valem uma merda; Que nojo bófias bem fdps fse; Cambada de palhaços, posto da GNR ... tudo merda!”
8. Ao agir da forma descrita em 3.º, 4.º e 5.º, o arguido AA pretendia evitar que os militares procedessem à sua detenção, mesmo sabendo que aqueles, por dever de ofício, tinham que o deter como veio a acontecer.
9. Ao agir da forma descrita em 7 o arguido DD sabia que publicava numa rede social um vídeo contendo imagens dos militares da GNR, contra a vontade dos mesmos.
10. Ao legendar as referidas imagens da forma descrita em 7º, o arguido DD fê-lo com o propósito de ofender na sua honra, dignidade e consideração os militares da GNR, GG e HH, que se encontravam no exercício das suas funções, como o arguido bem sabia.
11. Os arguidos agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal
Mais se provou:
12. O Arguido AA prestou o seu consentimento a prestar trabalho a favor da comunidade;
13. À data dos factos o Arguido AA tinha 19 anos de idade;
14. À data dos factos o Arguido DD tinha 19 anos de idade;
15. O Arguido AA não trabalha desde dezembro de 2022;
16. Não está inscrito no centro de emprego;
17. Não tem rendimentos;
18. Reside em casa do pai, na companhia deste;
19. É o progenitor que suporta as despesas do agregado familiar;
20. Estudou até ao 11.º ano de escolaridade;
21. O Arguido DD não trabalha desde janeiro de 2022;
22. Reside em casa da progenitora, na companhia desta.
23. Não aufere rendimentos;
24. As suas despesas são suportadas pela progenitora;
25. Estudou até ao 7.º ano de escolaridade;
26. O Arguido AA não tem antecedentes criminais.
27. O Arguido DD tem registados os seguintes antecedentes criminais:
a) Por sentença transitada em julgado em 08.07.2020, proferida no âmbito do processo n.º 486/18...., o Arguido foi condenado pela prática, em 28.12.2017, de um crime de violência depois da subtração, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano;
b) Por sentença transitada em julgado em 06.09.2022, proferida no âmbito do processo n.º 447/20...., o Arguido foi condenado pela prática, em 24.05.2020 e em 14.06.2020, de dois crimes de condução sem habilitação legal na pena única de 130 dias de multa, à razão diária de €5,00, num total de € 650,00.»

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:
«Com relevância para a boa decisão da causa ficaram por provar os seguintes factos:
a) Que o Arguido DD se encontrasse no local e momento descrito em 1.
b) O arguido DD, munido de aparelho telefónico com câmara, começou a captar imagens e som da atuação dos militares da GNR supra identificados, enquanto procediam à algemagem e contenção do arguido AA.
c) Ao agir da forma descrita em 6º, o arguido DD sabia que recolhia as imagens e som contra a vontade dos militares da GNR GG e HH.»

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«Para a formação da sua convicção o Tribunal atendeu à prova documental e testemunhal indicada na acusação pública, uma vez que os Arguidos apenas pretenderam prestar declarações quanto às suas condições socioeconómicas.
Tais elementos probatórios foram sujeitos a contraditório em sede de audiência de julgamento, tendo sido apreciados e ponderados à luz das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer que sempre devem presidir à formulação da livre convicção do Julgador.
Assim, no que respeita à matéria de facto dada como provada:
A factualidade descrita nos pontos 1) a 6) decorreu, em primeira linha, do teor do auto de notícia de fls. 4-5, o qual faz fé pública dos factos percecionados pelos Agentes Autuantes, mormente, dia, hora, local dos factos, intervenientes, diligências realizadas e comportamentos dos presentes.
No que tange à dinâmica dos factos e palavras proferidas, o teor do auto de notícia foi corroborado pelas declarações prestadas pelas testemunhas GG e HH, Militares Autuantes, os quais prestaram depoimentos distanciados, objetivos, coerentes e, em larga medida, harmoniosos entre si, facultando, quanto a esta matéria, uma única versão dos factos.
Ademais, as testemunhas em apreço não têm qualquer relação de amizade/inimizade/familiar com os Arguidos, não se vislumbrando qualquer motivo para que faltassem à verdade. Como tal, os depoimentos destas testemunhas lograram convencer o Tribunal.
Relativamente ao facto vertido nos pontos 7), tomámos em consideração, desde logo, o teor do auto de visionamento de vídeo e de extração de fotogramas, constantes de fls. 41 a 43, sendo que da imagem 1, 2 e 3 é possível verificar que o utilizador «...» publicou uma «história», na rede social «instagram», contendo uma gravação do momento da detenção do Arguido AA, contendo os dizeres que ficaram consignados.
A imputação de tal publicação ao Arguido DD decorreu do facto do nome de utilizador do publicante coincidir com o nome próprio e apelido do Arguido, seguido da data de aniversário do mesmo.
Ademais, ouvidas as testemunhas GG e HH, os mesmos declararam que ambos os Arguidos costumam frequentar o local dos factos, o qual é conotado com o tráfico de drogas, justificando várias patrulhas da polícia, sendo costume andarem juntos, pertencendo ao mesmo grupo.
Concatenando todos estes factos, dúvidas não restaram a este Tribunal que o Arguido DD foi o Autor da publicação em causa.
Não descuramos que a testemunha EE, mãe do Arguido DD, referiu que o nome de utilizador do seu filho é «Ds», porém, as suas declarações afiguraram-se titubeantes e pouco firmes, denotando parcialidade, razão pela qual não foram consideradas.
Quanto aos factos elencados nos pontos 8) a 11) o Tribunal firmou a sua convicção com base na interpretação da factualidade dada como provada à luz das regras da experiência comum, uma vez que as condutas externas dos Arguidos apenas são condicentes com o carater voluntário de cada um dos comportamentos, e com a existência subjetiva das representações e intenções elencadas nestes pontos da matéria de facto.
Ademais, encontra-se enraizado na consciência da sociedade portuguesa que atuações como as que ficaram descritas não são toleradas pelo ordenamento jurídico.
No respeita aos factos espelhados nos pontos 15 a 20, 21 a 25 os mesmos decorreram das declarações dos Arguidos, sendo certo que se tratam de factos pessoais, relativos às suas condições sócio económicas, e que inexiste nos autos qualquer elemento que infirme a veracidade das mesmas.
Por fim, os antecedentes criminais dos Arguidos e respetiva idade à data dos factos advieram da análise dos certificados de registo criminal dos Arguidos.
Quanto à factualidade dada como não provada, a sua consignação nestes termos decorreu do teor das declarações prestadas por GG e HH que esclareceram que, no momento dos factos descritos em 1., o Arguido DD não estava presente.»
û
Conhecendo.
(i) Da nulidade da sentença, por omissão ou insuficiência do exame crítico das provas
Invoca o Recorrente DD que da sentença recorrida não se alcança o raciocínio que permitiu considerar como provados os factos que constam dos pontos 7, 9 a 11.

Vejamos se lhe assiste razão.
A obrigatoriedade da sentença conter não só a indicação das provas que serviram para estruturar a convicção do Tribunal, mas também o seu exame crítico, surgiu com a revisão do Código de Processo Penal de 1998 – Lei n.º 59/98, de 25 de agosto – e seguiu-se ao julgamento de inconstitucionalidade, com fundamento na violação do direito ao recurso, da interpretação do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal que se bastava com a mera enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª Instância, não exigindo a clarificação do processo de formação da convicção do julgador [acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 2 de dezembro, e n.º 639/99, de 22 de novembro].
A fundamentação da sentença, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, há-de conter a «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»
Esta norma corporiza exigência consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.
Dever de fundamentação que, reportado à sentença, abrange a matéria de facto e a matéria de direito, para que tal peça processual contenha os elementos que, por via das regras da experiência ou de critérios lógicos, conduziram o Tribunal a proferir aquela decisão e não outra.

Dispõe-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º
Ou seja, de acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de fundamentação gera a nulidade da sentença.

Do exame da sentença recorrida não resulta o defeito que o Recorrente lhe aponta.
Efetivamente, na parte da sentença dedicada à motivação da decisão de facto, quem julgou revelou as razões para ter considerado como provada a factualidade que consta dos pontos 7, 9 e 11 – (i) o visionamento das imagens que constam de fls. 41 a 43 dos autos, (ii) a publicação pelo utilizador ... de gravação do momento da detenção de AA, com os dizeres aí assinalados, (iii) o nome do utilizador publicante coincidir com o nome próprio e apelido do Arguido DD, seguido da data de aniversário do mesmo, (iv) as testemunhas GG e HH terem declarado que AA e DD pertencem ao mesmo grupo e costumam andar juntos, sendo frequentadores do local onde ocorreram os factos em causa nestes autos.
Ou seja, o raciocínio de quem julgou mostra-se, pois, perfeitamente revelado.
A não aceitação dele é questão diversa da invocação da sua ausência.

Pelo que não ocorre a falta ou insuficiência do exame crítico da prova.
Improcedendo os recursos, neste segmento.

(ii) Da incorreta valoração da prova produzida em julgamento
A violação do princípio in dúbio pro reo
Entende o Recorrente que estando ao dispor de qualquer pessoa a criação de perfil de utilizador com características que podem coincidir com elementos de identificação de outrem, e não tendo sido concretizada qualquer diligência com vista à identificação do criador da conta “danny-silvaa17” ou do seu utilizador aquando da publicação de gravação do momento da detenção de AA, não pode afirmar-se, com a certeza indispensável a um processo crime, que foi o autor de tal publicação.

Com o propósito de bem expressar o nosso entendimento, impõe-se se precisem conceitos.
Em causa está o modo como pode sindicar-se a valoração da prova feita em 1.ª Instância, determinante para a fixação dos factos que aí se consideraram como provados e não provados – sindicância que pode fazer-se num primeiro momento fora e, depois, no âmbito dos vícios que devem ser aferidos perante o texto da decisão em causa [dito de outra forma, e respetivamente, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto e no domínio da impugnação restrita da matéria de facto].

A impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto [ou aquela que se encontra fora do âmbito da previsão do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal], depende da observância dos requisitos consagrados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, ou seja:
«(...)
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(...)»
E ocorrendo impugnação da matéria de facto, com observância das regras acabadas de mencionar, o Tribunal, conforme se dispõe no n.º 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, «procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta de verdade e a boa decisão da causa
Encontramo-nos no domínio dos vícios do julgamento. No domínio do erro na “aquisição” da prova, que ocorre quando o Julgador perceciona mal a prova – porque o conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, efetivamente, foi dito por quem os prestou.
Erro do Julgador, no momento em que perceciona a prova, em que toma contacto com ela, e não no momento em que a avalia. Erro que pode viciar a avaliação da prova, mas que a antecede e dela se distingue.
Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, página 1131, em anotação ao artigo 412.º do Código de Processo Penal, afirma que «a especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (...)»; «a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (...) mais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento».
«(...) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado (...).».[[3]]
De onde é lícito concluir que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».[[4]]
Ou seja, a gravação das provas funciona como “válvula de segurança” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto.

A sindicância da matéria de facto pode, ainda, obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão [e não do julgamento] – impugnação restrita da matéria de facto –, de conhecimento oficioso, que podem constituir fundamento de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito [n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal].
Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.
Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”[[5]]
A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[6]]
O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.» [[7]]

Não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Mas tal valoração é, também, sindicável.
O que equivale a dizer que a matéria de facto pode ainda sindicar-se por via da violação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Neste preceito legal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante[[8]], pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas exceções decorrentes da “prova vinculada” [artigos 84.º (caso julgado), 163.º (valor da prova pericial), 169.º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344.º (confissão) do Código de Processo Penal] e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova [artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal] e o do “in dubio pro reo” [artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa].[[9]]
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevante para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
«O ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objetivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objetivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a perceção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova.
A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos atos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extratos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.
A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex..
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma perceção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjetivo, que se vincula o juiz à perceção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão [[10]]
E, seguindo tais ensinamentos, não resta senão concluir que não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.

Posto isto, e de regresso ao processo, não resultando das conclusões da motivação do recurso que se assinalem divergências entre aquilo que foi dito no decurso da audiência de julgamento e aquilo que quem julgou diz que se disse, nessa mesma ocasião, o desconforto do Recorrente relativamente à factualidade considerada como provada deve ser ponderado ao nível da violação do disposto no artigo 127.º desse Código e, num segundo momento, através da verificação de algum dos vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo compêndio legal.

O Instagram é uma rede social de partilha, entre os seus utilizadores, de fotografias e vídeos. Permite comunicação, também entre os seus utilizadores. E é gratuita.
No Instagram, qualquer pessoa pode criar um perfil de utilizador, sem verificação dos dados que, para tanto, utilize.
E daqui decorre que qualquer pessoa pode utilizar dados pessoais de outrem – intencionalmente ou por mera coincidência – na criação de uma conta no Instagram.
Acresce que é possível identificar o utilizador da consta de Instagram, através de consulta junto do Facebook.
Tal consulta foi feita nos autos, mas não obteve qualquer resultado.

Porque assim é, da conjugação dos elementos probatórios considerados pelo Tribunal de 1.ª Instância [– (i) o visionamento das imagens que constam de fls. 41 a 43 dos autos, (ii) a publicação pelo utilizador ... de gravação do momento da detenção de AA, com os dizeres aí assinalados, (iii) o nome do utilizador publicante coincidir com o nome próprio e apelido do Arguido DD, seguido da data de aniversário do mesmo, (iv) as testemunhas GG e HH terem declarado que AA e DD pertencem ao mesmo grupo e costumam andar juntos, sendo frequentadores do local onde ocorreram os factos em causa nestes autos –] não conseguimos atingir a certeza considerada indispensável, num processo crime, a dar como provado que tenha sido criada e pertencesse ao Arguido, ora Recorrente, a consta de Instagram com o endereço ... e que tenha sido o mesmo quem aí colocou gravação do momento da detenção de AA, com os dizeres “É a polícia que temos na Quinta ... cambada de sem vida em vez de fazerem o trabalho deles é só merdas; E estas vergonhas mesmo não têm mais nada pa fazer; porcos d merda N valem uma merda; Que nojo bofias bem fdps fse; Cambada de palhaços, porto da GNR ... tudo merda!”

Admitimos que sim, mas não arriscamos afirmá-lo.
E porque não conseguimos ultrapassar o estado de dúvida, não resta senão convocar a aplicação do princípio in dubio pro reo.
E os acontecimentos em questão devem imputar-se a indivíduo não identificado.
Em conformidade com o que acaba de se concluir, impõe-se alterar a matéria de facto considerada na 1.ª Instância, por forma a:
- eliminar, de entre os factos provados, o que consta dos pontos 9., 10. e 11.,
- alterar o que consta do ponto 7, que passará a ter a seguinte redação: «Posteriormente, indivíduo não identificado publicou o vídeo mencionado em 6. na sua página de Instagram, com as seguintes legendas “É a polícia que temos na Quinta ... cambada de sem vida em vez de fazerem o trabalho deles não é só estas merdas; E estas vergonhas mesmo não têm mais nada pa fazer; porcos d merda N valem uma merda; Que nojo bófias bem fdps fse; Cambada de palhaços, posto da GNR ... tudo merda!”»
- considerar como não provada a matéria que consta dos pontos 9, 10 e 11, com as letras d), e) e f), respetivamente.

Ora, perante a factualidade agora assente, impõe-se concluir que não se encontram preenchidos os elementos constitutivos dos crime de gravação e fotografias ilícitas e de difamação, que se imputam ao Arguido DD.
Devendo o mesmo ser absolvida da sua prática.
E procedendo o recurso que interpôs.



III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento ao recurso interposto pelo Arguido DD e, em consequência,
a) alterar a matéria de facto considerada como provada e não provada, pela forma que acima se deixou assinalada;
b) absolver o Arguido da prática dos crime de gravação e fotografias ilícitas e de difamação, que lhe são imputados nos presentes autos.

Sem tributação.
û
Évora, 2023 outubro 10
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Carlos Alberto Gameiro de Campos Lobo
Renato Amorim Damas Barroso

_____________________________________

[1] ] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] ] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] 3] No mesmo sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17.ª Edição, páginas 965 e 966.
[4] 4] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 2005 e de 9 de março de 2006, processos n.º 2951/05 e n.º 461/06, respetivamente, acessíveis in www.dgsi.pt.
[5] 5] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.
[6] 6] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.
[7] 7] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.
[8] 8] O julgamento surge, na estrutura do processo penal, como o momento de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.
[9] 9] O princípio in dubio pro reo, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.
Dito de outra forma, o princípio in dubio pro reo constitui imposição dirigida ao Juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
[10] ] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, relatado pelo Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos
– acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.