Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
301/12.5TBVRS-E.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: USUFRUTO
USO E HABITAÇÃO
DISTINÇÃO
CONDIÇÃO
CONSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:

I – Não tendo sido constituído a favor da embargada o usufruto sobre o imóvel dos autos, por não se ter verificado a condição a que as partes subordinaram tal constituição, não podia a embargada, titular do direito de uso e habitação, dar de arrendamento aquele imóvel.
II - O direito de uso e habitação é limitado à satisfação das necessidades do titular e da sua família, sendo um direito estritamente pessoal (intuitu personae) e, por isso, intransmissível e insuscetível de ser onerado com qualquer garantia real.
III – Não podem, por isso, em execução movida contra a embargada, serem penhoradas rendas devidas pela ocupação do imóvel por um terceiro, com fundamento na existência de um direito de uso e habitação da embargada. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que C… move a I…, veio A… deduzir os presentes embargos de terceiro, alegando, em resumo, que foram penhoradas rendas no âmbito da aludida execução, relativamente à fração autónoma identificada pela letra “A”, a que corresponde a loja do prédio urbano sito no Campo Grande, nº 334, em Lisboa, a qual foi por si adquirida e por sua mãe, M…, por sucessão hereditária por óbito de M… na proporção de ½ e por óbito de H…, quanto ao outro ½, tendo a embargante, por escritura de 17/06/2017, adquirido, por partilha, a totalidade da referida fração, sendo por disposição testamentaria atribuído à embargada o direito de uso e habitação sobre ½ da mesma fração, pelo que as rendas desta pertencem à embargante, enquanto proprietária da fração, da mesma forma que lhe pertence o depósito dessas rendas.
Termina pedindo que os embargos sejam julgados procedentes com as legais consequências.
Os embargos foram liminarmente admitidos, sendo notificadas as partes primitivas para, querendo, contestarem.
Contestou apenas a exequente, impugnando a factualidade alegada, tendo concluído pela improcedência dos embargos.
Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho onde se considerou que os autos “contêm já todos os elementos necessários para apreciação do mérito da causa”, sendo, em consequência proferido saneador-sentença, em cujo dispositivo se consignou:
«Nos termos expostos, o Tribunal decide:
a) Julgar parcialmente procedentes os embargos de terceiro, com o consequente levantamento da penhora incidente sobre ½ dos montantes penhorados e que foram depositados pela sociedade «Planeta Colorido II-Reprografia, Lda.» pela ocupação da fração autónoma designada pela letra “A”;
b) Condenar a Embargante A… e a Embargada C… no pagamento das custas e demais encargos com o processo, na proporção de 50% cada uma.
Registe e notifique, sendo também o (a) Senhor (a) Agente de Execução e a sociedade «Planeta …, Lda.» para, em dez dias, esclarecer nos autos de execução quais os montantes que depositou na «Caixa Geral de Depósitos, S. A» relativos à ocupação da fração autónoma designada pela letra “A” de que é usufrutuária a executada/embargada I…, com a indicação das respetivas datas.»
Inconformada, a embargante apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as seguintes conclusões:
«a) A recorrente é dona e legítima proprietária da fração autónoma na sua integralidade, não obstante a mesma estar subdividida em duas lojas (A e B);
b) O arrendamento a que se referem os factos provados, celebrado com a executada I…, nunca deu origem a qualquer depósito, designadamente aquele que foi penhorado, como deriva da sentença cuja copia se junta;
c) Nem a mesma, mesmo que se considere ser titular do direito de uso e habitação, tem legitimidade para receber qualquer renda, da mesma forma que carece de legitimidade para contratar a locação do mesmo bem – art. 1488º do Cod. Civil;
d) Assim, é a ora recorrente, enquanto titular do direito de propriedade, a exclusiva titular do bem penhorado, tendo lançado mão do meio processual próprio para defesa do seu direito – art. 342.º, n.º 1, do Cod. Proc. Civil.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida na parte que afirma pertencer à executada metade do depósito de rendas, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir é a de saber se deve ser levantada a penhora da totalidade das quantias depositadas na Caixa Geral de Depósitos pela sociedade que ocupa a fração autónoma em causa, e não apenas de metade dessas quantias, como se decidiu no saneador-sentença recorrido.

III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
São os seguintes os factos considerados provados na 1.ª instância:
1. A exequente C… intentou em 23/03/2012 a execução contra a executada I…, a qual corre termos neste Juízo de Execução de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o nº 301/12.5TBVRS;
2. Nos autos de execução referidos em 1), em 04/12/2012[1] a senhora Agente de Execução notificou a sociedade «Planeta …, Lda» para a penhora de créditos, presentes e futuros, vencidos de que seja devedora à executada I…, proveniente de rendas, até ao montante de 136.171,75 €;
3. Foi lavrado o escrito que faz fls. 11 verso a 15 verso destes autos[2], no essencial com o seguinte teor:
«Partilha e Cessão de Quinhão Hereditário. No dia dezassete de Junho de dois mil e dezasseis, no Cartório Notarial sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, número dezanove, segundo andar esquerdo, em Lisboa, perante mim, Frederico Fernandes Soares Franco, respetivo Notário, compareceram como outorgantes:
Primeira: M…, viúva (…)
Segunda: A…, solteira, maior (…)
E disseram:
Que, no dia nove de maio de dois mil e oito, na freguesia de lumiar, concelho de Lisboa, faleceu H… (…) no estado de casado com a ora primeira outorgante sob o regime da comunhão de adquiridos, com última residência habitual na Rua Virgílio Correia, nº 5, 1º Esqº em Lisboa, que não deixou testamento, nem qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como herdeiros o cônjuge sobrevivo e a sua única filha, ora primeira e segunda outorgantes
(…).
Que, pela presente escritura procedem à partilha dos seguintes bens deixados pelo referido H…:
Verba Um. Metade da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão com estabelecimento para stand de automóveis e entrada pelos números 334-A e 334-B, com o valor patrimonial tributário de € 48.688,10, correspondendo à referida quota ideal o valor de € 24.334,05, a que atribuem igual valor,
(…);
que faz parte integrante do prédio urbano sito em Campo Grande, números 334, 334-A e 334-B, na freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número noventa e sete, da anterior freguesia de Campo Grande, do mesmo concelho, constituído em propriedade horizontal registada pela inscrição apresentação um, de vinte e nove de dezembro de mil novecentos e oitenta e nove, e inscrito na matriz da freguesia de Alvalade, sob o artigo 3145;
(…).
Que os referidos bens foram adquiridos pelo referido falecido na constância do matrimónio com a ora primeira outorgante, tendo o bem identificado na verba um sido adquirido a título gratuito e os restantes a título oneroso, conforme atestaram.
Que totalizam os bens a partilhar o valor de duzentos e oitenta e seis mil setecentos e setenta e oito euros e sessenta cêntimos, pelo que pertence (considerando arredondamentos):
a) à primeira outorgante, a importância de cento e trinta e um mil duzentos e dezassete euros e vinte e oito cêntimos por conta da sua meação nos bens comuns do casal, e de setenta e sete mil setecentos e oitenta euros e sessenta e sete cêntimos por conta do seu quinhão hereditário, num total de duzentos e oito mil novecentos e noventa e sete euros e noventa e cinco cêntimos;
b) à segunda outorgante, a importância de setenta e sete mil setecentos e oitenta euros e sessenta e sete cêntimos por conta do respetivo quinhão hereditário.
Que, então, procedem à partilha e em pagamento do que lhes pertence, adjudicam (considerando arredondamentos):
a) à primeira outorgante, três quartos do bem identificado na verba número dois e três quartos do bem identificado sob a verba número três (um quarto do imóvel) no valor de cento e noventa e seis mil oitocentos e vinte e cinco euros e noventa e um cêntimos, pelo que leva a menos do que lhe pertence o valor de doze mil cento e setenta e dois euros e quatro cêntimos, que lhe é devido em dinheiro, a título de tornas pela presente partilha; e
b) à segunda outorgante, a totalidade do bem identificado na verba número um, um quarto do bem identificado na verba número dois e um quarto do bem identificado na verba número três (um quarto do imóvel), no valor total de oitenta e nove mil novecentos e cinquenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos, pelo que leva a mais do lhe pertence o valor de doze mil cento e setenta e dois euros e dois cêntimos, que lhe cabe pagarem dinheiro, a título de tornas pela presente partilha (…).
Que se responsabilizam pela atempada promoção do registo predial do presente ato, estando cientes do prazo e da necessidade de instruir o mesmo com comprovativos da liquidação dos impostos devidos.
Pela primeira outorgante foi ainda dito:
(…).
Que pela presente e por conta da quota disponível, cede gratuitamente à sua filha, ora segunda outorgante, o quinhão hereditário que lhe pertence na herança indivisa aberta por óbito de M…, natural da freguesia e concelho de Aljustrel, falecido em sete de Julho de dois mil e seis, na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, no estado de casado com I…, mas dela separado de pessoas e bens, que teve última residência habitual na Rua Cipriano Dourado, nº 14, 9º frente, em Lisboa.
Que o referido quinhão corresponde a cinquenta por cento da herança e é-lhe atribuído o valor de cento e quinze mil euros.
Que da referida herança fazem apenas parte bens imóveis.
Disse a segunda outorgante:
Que aceita a presente cessão, nos termos exarados, e que fica sendo a titular da totalidade da referida herança.
Assim o outorgaram.
(…).
Esta escritura foi lida e o seu conteúdo explicado, a quem assim outorgou, em voz alta e na sua presença.
(…) O Notário (…)».
4. A Embargante A… registou a seu favor, pela Ap. 2 de 2008/12/12 a aquisição de ½ da fracção autónoma designada pela letra “A” (estabelecimento para stand de automóveis com entrada pelos nºs 334-A e 334-B) do prédio urbano sito na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 97/19890825 e inscrito na matriz sob o artigo 3145 e pela Ap. 2589 de 2016/08/18 registou a seu favor a aquisição do outro ½.;
5. A embargada I… registou a seu favor pela Ap. 3 de 2008/12/12 o Direito de Uso e Habitação da fracção autónoma designada pela letra “A” (estabelecimento para stand de automóveis com entrada pelos nºs 334-A e 334-B) do prédio urbano sito na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 97/19890825 e inscrito na matriz sob o artigo 3145;
6. M… e A… intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra I… e «Planeta …, Lda» a qual correu termos sob o nº 2011/1.TVLSB, na qual foi deduzida reconvenção nos seguintes termos: a) Serem as autoras condenadas a reconhecer que a fracção autónoma designada pela letra “A” (estabelecimento para stand de automóveis com entrada pelos nºs 334-A e 334-B) do prédio urbano sito na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 97/19890825 e inscrito na matriz sob o artigo 3145 é efetiva propriedade da Ré Inês; b) Ser declarado que a Ré I… adquiriu a fracção por usucapião, condenando-se as autoras a reconhecê-lo, com as legais consequências;
7. Na acção nº 2011/11.1TVLSB no dia 09 de Maio de 2014 realizou-se a audiência prévia, sendo lavrada a acta que faz fls. 17 verso a 18 verso destes autos, no essencial com o seguinte teor:
«ACTA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Processo: 2011/11.1TVLSB.
Espécie: Acção de Processo Ordinário.
Autoras: M… e A….
Réus: I… e Planeta …, Lda.
Data: 09 de Maio de 2014, pelas 9:30 horas.
(.…).
De seguida, pela Mmª Juíza foi tentada a conciliação das partes, tendo os ilustres Mandatários das mesmas, após um período de conversação e troca de impressões, declarado acordarem pôr termo ao presente litigio que segue apenas para apuramento do pedido reconvencional nos seguintes termos:
1- As Autoras procedem à partilha da fracção objecto dos presentes autos em termos de ser a mesma adjudicada pelo seu valor patrimonial à Autora A…, que assim ficará com a propriedade da mesma.
2- A Autora A… constitui a favor da Ré I… o usufruto vitalício sobre a mesma fracção.
3- No âmbito dos actos de administração como usufrutuária, a Ré I… compromete-se a mensalmente entregar à Autora A… metade do valor das rendas efetivamente recebido.
4- A Autora A… assume a obrigação de outorgar título de venda da fracção, se tal lhe for solicitado pela Ré I… no prazo de 15 dias, condicionado ao facto de o preço de venda não ser inferior a € 300.000 (trezentos mil euros), sendo o resultado da venda repartido em partes iguais por ambas;
5- O acordo agora estabelecido será objecto de título apto à realização do registo-escritura ou contrato particular autenticado -a celebrar no prazo de 60 dias a contar desta data, ficando a cargo da Ré o pagamento dos encargos fiscais subjacentes à efectivação da partilha e constituição de usufruto, bem como os encargos de registo da escritura ou contrato;
6- As partes reconhecem legitimidade à Ré I… para de imediato desencadear todo e qualquer mecanismo judicial ou extra judicial, incluindo promover o despejo por falta de pagamento de rendas relativamente ao inquilino que ocupa a fracção objecto dos presentes autos;
7-As custas em dívida serão suportadas por Autoras e Rés em partes iguais, prescindindo ambas das de parte e procuradoria na parte disponível.
(…).
De seguida, pela Mmª Juíza, foi proferida a seguinte:
SENTENÇA
Uma vez que se encontram presentes a Autora A… e a Ré I…, estando a ilustre Mandatária das Autoras munida de procuração com poderes especiais relativamente à A. faltosa, considerando o acordo que agora as partes enunciaram, que se refere a relações jurídicas disponíveis, homologo-o, condenando em consequência Autoras e Rés a cumpri-lo nos seus devidos termos.
As custas serão pagas por Autoras e Rés em partes iguais, prescindindo ambas das de parte e procuradoria na parte disponível. Registe e notifique. Da sentença que antecede, foram os presentes notificados, os quais declararam ficar cientes».
8. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, no essencial com o seguinte teor:
«Contrato de Arrendamento
Entre: 1 – I…, viúva (…) na qualidade de senhoria, enquanto titular do direito de uso e habitação do locado, ao diante designado por PRIMEIRA; e
2 - Planeta …, Limitada, com sede na Rua do Campo Grande, nº 334-B, em 1700-097 Lisboa, representada pelos seus gerentes Am…i e Ni… (…) na qualidade de inquilino, ao diante designada por SEGUNDA; foi dito e fica estabelecido o seguinte:
I. A PRIMEIRA é titular do direito de uso e habitação da fracção autónoma loja, com entrada pelo nº 334-A do prédio urbano sito no Campo Grande, freguesia do Campo Grande, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o art. 463 da referida freguesia, com licença de utilização nº 176 emitida pela Câmara Municipal de Lisboa em 9 de Fevereiro de 2001.
II. Pelo presente contrato a PRIMEIRA dá de arrendamento à SEGUNDA a identificada fracção autónoma e a SEGUNDA toma a mesma de arrendamento, nos seguintes termos e condições:
a) O arrendamento é efectuado pelo prazo de dez anos, com início em 1 de Junho de 2011 e termo em 31 de Maio de 2021, podendo ser renovado por iguais períodos caso não ocorra a sua denúncia ou rescisão;
b) O objecto do arrendamento será o de estabelecimento de papelaria e reprografia, não lhe podendo ser dado outro uso sem o consentimento expresso do senhorio;
c) A renda mensal é de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) e será paga pelo inquilino ao senhorio através de depósito ou cheque a entregar à senhoria, até ao oitavo dia útil do mês anterior aquele a que disser respeito, aplicando-se, em cada ano de vigência do contrato, a actualização correspondente ao valor do índice de actualização das rendas comerciais;
d) a SEGUNDA obriga-se a manter o local objecto do presente contrato em perfeito estado de conservação e limpeza e a entrega-lo no mesmo estado em que foi recebido;
e) a SEGUNDA não poderá efectuar quaisquer obras no local objecto do presente contrato sem o consentimento prévio e escrito dos PRIMEIROS; em caso de proceder a obras autorizadas, estas ficam a fazer parte do local, não podendo a SEGUNDA exercer direito de retenção ou pedir qualquer indemnização por força da realização das mesmas;
f) na data em que for conferida a posse do local objecto do presente contrato à SEGUNDA, o que ocorre na data da assinatura do presente contrato, passarão a ser da sua conta as despesas inerentes à utilização do mesmo local, designadamente com água, telefone, gaz, esgotos e electricidade, se a elas houver lugar; g) a denúncia do presente contrato pela inquilina terá de ser efectuada com, pelo menos, 120 dias de antecedência.
Lisboa, 1 de Junho de 2011. A PRIMEIRA (…) A SEGUNDA (…)».
9. I… intentou contra “Planeta …, Lda.» acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, a qual correu termos sob o nº 461/15.3T8LSB na qual pede a condenação da Ré no pagamento do montante de 93.516,50 € acrescido dos juros de mora, referente a rendas das fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio urbano sito no Campo Grande, nº 334, Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo 463;
10. Na acção referida em 9) na audiência de julgamento realizada em 30 de Junho de 2017, foi apresentado escrito, no essencial com o seguinte teor:
«Transacção
Entre: 1-Inês Jacinta da Silva Pinto, e 2-Planeta … Limitada, respectivamente autora e ré nos autos que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, proc. nº 461/15.3T8LSB do Juízo Central Cível de Lisboa-Juiz 6 é feita a seguinte transacção:
1 - De acordo com os moldes consignados na transacção do processo que correu termos na extinta 1ª Vara Cível de Lisboa, com o proc. nº 2011/11.1TVLSB em que a Autora nos presentes autos foi constituída usufrutuária sobre as fracções letras “A” e “B” do prédio urbano sito no Campo Grande, nº 334, freguesia do Campo Grande, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o art. 463, e nos termos da decisão proferida nestes mesmos autos, com a referencia 357842260 de 26.09.2106, já transitada em julgado, é admitida por ambas as partes que a Autora, na qualidade de usufrutuária, tem legitimidade para receber as rendas, celebrar contratos de arrendamento e praticar os actos inerentes ao seu direito em relação à referida fracção.
2 - A Autora, como pressuposto da celebração de novos contratos de arrendamento na sua qualidade de usufrutuária, e tendo em vista a respectiva declaração dos contratos na repartição de finanças competente, bem como, atenta a natureza de contratos comerciais o efectivo pagamento fiscal da retenção na fonte, compromete-se a proceder, de imediato, a seguir à presente transacção ao registo do usufruto e à alteração da titularidade tributária.
3 - Esta inscrição registral e o requerimento para alteração matricial, são condições suspensivas da alteração do contrato em vigor para a fracção “B” e a celebração de novo contrato de arrendamento para a fracção “A” entre Autora e Ré alteração e contrato esses que deverão ser assinados no prazo máximo de 8 dias a partir da prova do registo e da alteração matricial.
4 - O valor das rendas que passarão a vigorar, serão: a) na alteração contratual da fracção “B”, € 1.000,00; b) no novo contrato da fracção “A”, € 1.250,00.
5 - Quanto às quantias em dívida do contrato que incide sobre a fracção “B”, estas são as seguintes de que a Ré é devedora. a) De Novembro de 2012, até Junho de 2017, e mantendo-se até à prévia alteração contratual a renda em € 750,00, a quantia de € 42.000,00, a qual na parte líquida se encontra depositada na conta da CGD 0197042672250, por incerteza de identidade de senhorio, questão que com a presente transacção e a correspondente sentença homologatória será ultrapassada, e no montante restantes se encontra regularizada pelas retenções na fonte regularmente pagas conforme documentos que o representante legal da Ré exibiu, comprometendo-se a R. a assegurar o pagamento do valor não assegurado através dos depósitos sobre o valor total das rendas e retenções da fonte em dívida; b) da quantia de € 2.000,00, referente a quatro meses a € 500,00 cada, montante em falta para cobrir o valor integral compensatório acordado entre as partes para a celebração do contrato de arrendamento em relação a tal loja, a liquidar em simultâneo com a alteração contratual de aumento da renda para € 1.000,00.
6 - Em consequência da definição do titular do rendimento, a Ré autoriza expressamente o levantamento pela Autora de todas as quantias depositadas na supra referida conta da Caixa Geral de Depósitos e relativa às rendas da fracção “B”, valor esse que adicionado às retenções na fonte depositadas e provadas perfazem o valor integral da dívida de rendas da alínea a) da cláusula anterior.
7 - Sobre a fracção “A” constata-se que o contrato que existia sobre a mesma fora feito pela Autora para fins comerciais e ainda na qualidade de titular do direito de uso e habitação registado como legado da herança aberta por M…, pelo que o mesmo era inválido na sua formulação e na natureza das partes, sendo insusceptível de ratificação.
8 - Porém atento o facto dos efeitos que a invalidade acarreta, ambas as partes fixam o montante total em virtude da ocupação da Ré e devido à Autora em € 50.000,00 (cinquenta mil euros, pagos 25.000,00 com a assinatura do novo contrato de arrendamento nos moldes supra previstos, euros 12.500,00 até 31 de Dezembro de 2017 e euros 12.500,00 até 60 de Junho de 2018, que já tem em conta o valor das obras realizadas e não susceptíveis de serem levantada, que ficarão pertença da fracção e cujo valor é considerado aos referidos € 50.000,00.
9 - Por seu turno no novo contrato celebrado entre Autora e Ré, a primeira já na qualidade de usufrutuária, a renda é fixada em € 1.250,00, contrato esse que será depositado nas finanças e sujeito à retenção mensal fiscal e no qual o objecto do arrendamento será o exercício de qualquer actividade compreendida no objecto da inquilina.
10 - Atentas as penhoras de créditos em execuções em que a Autora é executada, em concreto a execução fiscal 3344201501064231 e execução fiscal 3344201701003119 e apensos movida pelo 11º Bairro Fiscal de Lisboa e execução cível a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Loulé-Juízo de Execução-Processo nº 301/12.5TBVRS, a Autora compromete-se e vincula-se a, com os pagamentos constantes da presente transação a destina-los a regularizar as dívidas em execução, dado que a Ré já foi expressamente notificada das penhoras de créditos sobre a Autora, ficando esta obrigada a indemnizar a Ré de todas as importâncias que a Ré eventualmente tenha de pagar em tais execuções em função das penhoras notificadas e por igual valor às quantias de rendas entretanto directamente liquidadas, o que poderá ser feito por compensação, regularizadas as quantias exequendas pela Autora.
11 - Com o presente acordo, as partes reconhecem ter liquidados os valores decorrentes da renda até à data da sua assinatura.
12 - Custas em partes iguais, prescindindo de custas de parte.
13-As partes desde já renunciam ao direito de interpor recurso da sentença homologatória que sobre a presente transacção recair. A Autora (…) A Ré (…) Os Advogados (…)”;
11. Nos autos nº 461/15.3T8LSB, teve lugar a audiência de julgamento (continuação) no dia 30 de Junho de 2017, sendo lavrada a acta que faz fls. 49 verso a 50 verso destes autos, no essencial com o seguinte teor:
«Processo: 461/15.3T8LSB. Ação de Processo Comum.
Ata de Audiência de Julgamento (continuação).
No dia 30 de Junho de 2017, pelas 9 horas e 30 minutos, nesta cidade de Lisboa Juízo Central Juiz 6, onde se encontrava a Drª Isabel Lourenço, juiz de Direito, comigo, Escrivã Auxiliar, Alcides Trigo Gonçalves, sendo a hora marcada no competente despacho, ordenou a Mmª Juiz que se fizesse a chamada das pessoas convocadas nos presentes autos de ação de processo comum nº 461/15.3T8LSB, em que são:
Autora: I…. Ré: Planeta …, Ldª (…).
Presentes: Os Ilustres Mandatários das Partes, a Autora I…, o Legal Representante da Ré Am…, a Testemunha da Autora A…, as Testemunhas da Ré Nai…; Ni…, A… e R….
Reaberta a audiência às 10.00 horas, pelos Ilustres Mandatários das partes foi junto aos autos documento contendo o acordo a que chegaram com vista a pôr fim ao litígio. Mais requereram que seja aditado ao acordo hoje junto a cláusula 14ª do seguinte teor:
14 - Os pagamentos na presente transacção serão efectuados, conforme instruções da Autora, por cheque da conta da Ré no Montepio Geral emitidos em nome do Ilustre Mandatário com poderes especiais Dr. Alberto Raposo e enviados para o seu domicilio profissional na Rua Marquês de Fronteira, nº 113-1º 1070-292 Lisboa. Constatando-se agora a existência de um erro material na cláusula 8ª do acordo requerem as Partes ao abrigo do artº 249 do C.C. seja relevado o erro material de escrita na cláusula 8ª da transacção de modo a que onde se lê “até 60 de Junho de 2018” se passe a ler “até 30 de Junho de 2018”.
Seguidamente, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte:
Despacho
Nos presentes autos de acção comum que I… move a Planeta …, Lda foi junto neste acto requerimento de transacção, consubstanciando o acordo alcançado entre as partes para pôr fim ao litígio e bem assim o aditamento constante supra que consubstancia a cláusula 14ª daquele. Atenta a qualidade dos sujeitos intervenientes no acto e o facto de o objecto da lide se encontrar na sua livre disponibilidade, homologa-se a transacção levada a efeito nestes autos, e seu aditamento, nos precisos termos, condenando as partes a cumprir o acordado, com o que se julga extinta a instância-arts 283º nº 2, 290º nºs 1 e 3 e 277º alínea d), do CPC. Custas na forma acordada. Mais se releva o erro de escrita constatado e onde consta “até 60 de Junho de 2018”, passa a constar “até 30 de Junho de 2018”. De todo o conteúdo do Despacho que antecede ficaram os presentes notificados. Para constar se lavrou a presente ata que depois de lida e achada conforme vai ser assinada (…)».
12. Nos autos de execução de que estes embargos de terceiro constituem apenso, em 27 de Novembro de 2018 a senhora Agente de Execução procedeu à penhora dos créditos existentes junto da «Caixa Geral de Depósitos, S. A» de que a executada I… é titular referentes a rendas pagas pela sociedade “Planeta …, Lda.” pela ocupação dos imóveis de que a executada é usufrutuária, no montante de 30.131,03 €.

Não se consideraram factos não provados.

O DIREITO
Não tendo a recorrente procedido à impugnação da matéria de facto, tem-se por intocada a factualidade dada como assente pelo tribunal recorrido, situando-se assim o objeto do presente recurso no estrito plano da impugnação de direito, com os contornos assinalados supra.
Escreveu-se na decisão recorrida:
«À data da penhora, a embargante A… era proprietária de ½ da referida fracção autónoma, aquisição inscrita pela Ap. 2, de 2008/12/12/12 e veio a adquirir a outra metade por partilha de herança, aquisição inscrita pela Ap. 2589, de 2016/08/18, e a embargada I… tem inscrito a seu favor, pela Ap. 3 de 2008/12/12 o direito de uso e habitação sobre ½ da referida fração.
Está também assente que a aqui embargante e sua mãe M… instauraram contra a embargada I… e a sociedade “Planeta …, Lda” a ação que correu termos sob o nº 2011/11.1TVLSB na qual foi realizada em 19 de Maio de 2014 a audiência prévia, sendo realizada transação nos termos da qual a fracção autónoma designada pela letra “A” foi adjudicada à ora embargante A… que constituiu a favor da embargada I… usufruto vitalício sobre a mesma, comprometendo-se esta a entregar-lhe metade do valor das rendas efetivamente recebidas.
A questão que se coloca é saber se a penhora dos montantes depositados pela sociedade «Planeta …, Lda» na «Caixa Geral de Depósitos, S. A» pela ocupação dos imóveis de que a executada I… é usufrutuária ofende o direito da ora embargante A….
A nosso ver, a resposta a tal questão só pode ser positiva, tendo por referencia os montantes depositados relativos à ocupação pela sociedade «Planeta …, Lda» da fração autónoma designada pela letra “A”.
Na verdade, resulta dos elementos carreados para estes autos, para os autos de execução e restantes apensos que, relativamente à fracção autónoma designada pela letra “A” a executada ora embargada I… é titular do direito de uso e habitação desde 12/12/2008, ou seja desde momento anterior à celebração do contrato de arrendamento, mas esse seu direito incide apenas sobre ½ da fração autónoma, pelo que lhe assistiria apenas direito a receber metade da renda pertencendo a outra metade à titular do direito de propriedade e titular do uso e habitação na proporção de ½, no caso a ora embargante A….
Do exposto, resulta que das rendas pagas pela sociedade «Planeta …, Lda» pela ocupação da fração autónoma designada pela letra “A” apenas 50% pertencem à executada I… e apenas essa parte da renda poderia ser penhorado à ordem dos autos de execução.
(…).
Pelo exposto, procederão os presentes embargos de terceiro, devendo ser restituídos à embargante os montantes penhorados correspondentes a ½ do valor depositado pela sociedade «Planeta …, Lda» pela ocupação da fração autónoma designada pela letra “A”, isto logo que a sociedade preste os necessários esclarecimentos nos autos.
Respondendo agora à questão enunciada, diremos que partindo do principio que os montantes depositados pela sociedade “Planeta …, Lda» na «Caixa Geral de Depósitos, S. A» pela ocupação dos imóveis de que a executada I… é usufrutuária (30.131,03 €) e penhorados pela senhora Agente de Execução no dia 27/11/2018, respeitam à totalidade das rendas acordadas, sendo certo que relativamente à fracção autónoma designada pela letra “A” a ora embargada I… é titular do direito de uso e habitação mas apenas incidente sobre ½, sendo a ora embargante A… titular do outro ½, então a penhora incidente sobre ½ dessas rendas ofende o direito da ora embargante e deve ser levantada.»
A primeira questão que importa desde logo esclarecer, é se a embargada é usufrutuária do imóvel em causa ou se é titular do direito de uso e habitação, pois, como veremos infra, estamos perante direitos reais diferentes, o que determina soluções diferentes a dar ao pleito e, em última análise, a procedência ou improcedência do recurso.
Na decisão recorrida, como se vê do excerto acima transcrito, parece entender-se que estamos perante direitos de natureza idêntica, pois ora se diz que a executada/ embargada, é usufrutuária, ora se afirma que a mesma é titular do direito de uso e habitação, quando de todo assim não é.
Vejamos.
Está provado que nos autos de ação ordinária que correram termos na extinta 1ª Vara Cível de Lisboa, sob o nº 2011/1.TVLSB, que a ora embargante e a sua mãe M… intentaram contra a aqui embargada I… e a sociedade Planeta …, Lda., estes vieram a terminar com a realização de uma transação, na qual as autoras procederam à partilha da fração em causa, sendo a mesma adjudicada à embargante, que assim ficou a ser a única proprietária da mesma, tendo a embargante constituído a favor da embargada I… “o usufruto vitalício sobre a mesma fração”, comprometendo-se esta a entregar mensalmente à embargante “metade do valor das rendas efetivamente recebido”, podendo ainda a embargada proceder, de imediato, aos atos tendentes à cobrança das rendas e despejo do inquilino que ocupe a fração (cfr. pontos 1, 2, 3 e 4 da transação).
Estipulou-se, porém, no ponto 5 da transação:
«O acordo agora estabelecido será objecto de título apto à realização do registo-escritura ou contrato particular autenticado -a celebrar no prazo de 60 dias a contar desta data, ficando a cargo da Ré o pagamento dos encargos fiscais subjacentes à efectivação da partilha e constituição de usufruto, bem como os encargos de registo da escritura ou contrato».
Ou seja, as partes subordinaram a constituição do usufruto à condição de, no prazo de 60 dias, ser outorgada escritura ou contrato particular autenticado, o que não veio a suceder naquele prazo, nem posteriormente.
Inexistindo o respetivo contrato, não há constituição de usufruto a favor da embargada I… (art. 1440º do Código Civil).
Esta embargada é, sim, titular do direito de uso e habitação, o qual, aliás, se encontra registado a seu favor.
O Código Civil define o direito de uso como “a faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respetivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família”[3]. E acrescenta: “quando este direito se refere a casa de morada, chama-se direito de habitação”[4].
Sobre a distinção entre usufruto e direito de uso escrevem Pires de Lima e Antunes Varela[5]:
«O usufruto é, quanto ao gozo da coisa e a despeito da sua raiz pessoal (…), o espelho fiel da propriedade; o seu titular, desde que respeite o destino económico da coisa, pode comportar-se exactamente como um proprietário.
O direito de uso, mais adstrito à pessoa do titular, absorve apenas algumas das faculdades de gozo (as ligadas à utilização imediata da coisa ou ao consumo directo dos frutos) compreendidos na propriedade plena.»
Como refere A. Santos Justo[6], o direito de uso e habitação «é limitado à satisfação das necessidades do titular e da sua família», acrescentando tratar-se também de «um direito estritamente pessoal (intuitu personae) e, por isso, intransmissível[7] e insuscetível de ser onerado com qualquer garantia real[8]».
E, por ser um direito inalienável, o direito de uso e habitação tem, como consequência, ser também um direito impenhorável[9].
No que ao caso importa, a existência do direito de uso e habitação da embargada não lhe dá o direito a receber as rendas da fração em causa e, como tal, não pode subsistir a decisão proferida.
Na verdade, o contrato de arrendamento a que se alude no ponto 8 dos factos provados é absolutamente estranho ao depósito de rendas que, por força da penhora realizada, determinou a dedução dos presentes embargos de terceiro, sendo certo que a própria devedora sociedade Planeta …, Lda., não reconhece à embargada Inês Pinto legitimidade para celebrar o dito contrato de arrendamento, como resulta da sentença proferida na ação com o nº de processo 1291/18.0T8LSB, na qual a embargada demandou a referida sociedade, e que correu seus termos no Juízo Central Cível de Lisboa[10] – Juiz 14, proc., cuja cópia foi junta com as alegações de recurso, na qual a embargada demandou aquela sociedade.
Aí se escreveu o seguinte:
«…, a Ré reconhece que não chegou a ser celebrado qualquer contrato de arrendamento relativo à loja com entrada pelo nº 334-A, uma vez que não se verificou a condição necessária para que tal acontecesse.
Na verdade, conforme decorre da factualidade provada, foi celebrado contrato de arrendamento reconhecidamente “inválido”, tendo inclusivamente a Ré invocado tal nulidade para justificar a “suspensão” do pagamento de qualquer contraprestação pela utilização do espaço…».
Neste conspecto, afigura-se irrelevante a factualidade constante dos pontos 9 a 11 dos factos provados, a qual diz respeito a uma transação que a sociedade Planeta … manifestamente não cumpriu.
Ademais, o contrato de arrendamento que aqui importa considerar é aquele que foi celebrado em 1 de outubro de 2005, entre M… – anterior proprietário da fração “A” - e a sociedade Planeta …, cuja cópia foi junto aos autos por esta última (cfr. fls. 102 vº a 103 vº.).
Não pode, assim, considerar-se que metade das rendas da aludida fração estão adstritas à embargada considerando a existência de um direito de uso e habitação, pois tal viola claramente o comando ínsito no art. 1488º do Código Civil: «[o] usuário e o morador não podem trespassar ou locar o seu direito, nem onerá-lo por qualquer modo».
Deve, por isso, ser levantada a penhora que incide sobre a totalidade das rendas depositadas pela sociedade Planeta … pela ocupação do dito imóvel, e não apenas de metade, como se decidiu na decisão recorrida, restituindo-se à recorrente, proprietária do imóvel, a totalidade das quantias depositadas.
O recurso merece, pois, provimento.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se os embargos totalmente procedentes, com o consequente levantamento da penhora que incide sobre a totalidade das quantias depositadas pela sociedade Planeta …, Lda., pela ocupação da fração designada pela letra “A”.
Custas aqui e na 1ª instância, a cargo da embargada/exequente C….
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Évora, 16 de janeiro de 2020
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso
Tomé Ramião
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[1] A data correta é 14/12/2012, como pudemos comprovar no Citius, através da consulta dos autos de execução.
[2] As folhas corretas são 17 verso a 21 verso.
[3] Artigo 1484º, nº 1.
[4] Artigo 1484º, nº 2.
[5] In Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1984, p. 546.
[6] Direitos Reais, 6ª Edição, Coimbra Editora, p. 446.
[7] Cfr. art. 1488º do Código Civil
[8] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, p. 551.
[9] Cfr. Acórdãos desta Relação de 07.12.2017, proc. 3028/14.0TBSTB-D.E1 e 16.05.2019, proc. 3028/14.0TBSTB-D.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. doc. de fls. 91 a 96, junto com as alegações de recurso.