Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5821/19.8T8STB-G.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - No artigo 6.º, n.º 1, do D-L n.º 268/94, de 25.10 estão contempladas apenas as atas de assembleias de condóminos que documentam as deliberações de onde nasce a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condómino e não também a deliberação que certifica a existência da dívida e do seu montante.
2 - O artigo 6.º, n.º 1, do D-L n.º 268/94 não faz depender a exequibilidade das atas da assembleia de condomínio da comunicação das deliberações que aquelas documentam aos condóminos ausentes.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 5821/19.8T8STB-G.E1

(1.ª Secção)

Relator: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
Condomínio do prédio sito na Avenida (…), 71, em Setúbal, exequente nos autos movidos contra (…) e (…), interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Execução de Setúbal, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o qual indeferiu liminarmente o requerimento executivo.

A decisão sob recurso tem o seguinte teor:
«A presente execução tem como título executivo as atas de reunião da assembleia de condóminos que deliberaram sobre as quotizações dos condóminos bem como a quota-parte nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns de que são condóminos os executados (a que corresponde a fração G correspondente ao 1.º andar letra C).
Tais atas constituem títulos executivos, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25.10.
No entanto, para que as mesmas sejam exequíveis é necessário que sejam eficazes relativamente ao devedor, seja porque participou nas deliberações, esteve presente na assembleia, ou, não tendo participado nem comparecido à assembleia, lhe seja dado efetivo conhecimento das deliberações tomadas, e que só assim o vinculam.
No caso concreto, resulta do teor das atas dadas à execução que os executados não participaram nas deliberações nem estiveram presentes nas assembleias, desconhecendo-se se foram notificados das deliberações tomadas, pois não foi junto qualquer documento que confirme que tal sucedeu.
Para que o título executivo seja exequível a obrigação exequenda tem de ser certa, líquida e exigível (artigo 713.º do Código de Processo Civil).
No caso concreto, a obrigação é certa porque está perfeitamente determinada e é líquida, no entanto não é exigível pois a prestação é exigível quando está vencida e ele só se vence quando o devedor é interpelado judicial ou extrajudicialmente para cumprir a obrigação em certo prazo ou fixando-se o seu termo.
Se o vencimento da prestação não resultar diretamente do título executivo, o exequente deve com o requerimento executivo juntar documento que comprove o vencimento da obrigação.
No caso concreto, nada disso aconteceu, limitando-se o exequente a juntar aos autos cópias das atas de assembleia de condóminos onde se deliberou sobre as quotizações dos condóminos, bem como a quota-parte nas despesas necessárias à conservação e fruição nas partes comuns de que são condóminos os executados.
Nestes termos, entende-se que o título não possui exequibilidade, situação que equivale à falta de título executivo, o que é razão suficiente para indeferir liminarmente o requerimento executivo (artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil ex vi do artigo 551.º, n.º 3, do invocado Código).
Pelo exposto, decide-se indeferir liminarmente o requerimento executivo.
Custas pelo exequente.
Notifique.»

I.2.
O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«I – O presente recurso vem interposto do douto despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo, pondo, por essa via, termo ao processo.
II – O Tribunal a quo considerou que, apesar da dívida ser certa e liquida, não é eficaz perante o devedor, pois, no seu entendimento, a mesma só é exigível quando está vencida e ela só se vence quando o devedor é interpelado judicial ou extrajudicialmente para cumprir a obrigação em certo prazo ou fixando o seu termo, e por isso concluiu que o título não possui exequibilidade.
III - As atas que constituem título executivo apresentado à presente ação executiva, cumprem com os requisitos constantes do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, constando das mesmas o valor que cabe a cada condómino e a periodicidade de pagamento, pelo que, estando ultrapassada a data de vencimento a mesma é exigível.
IV – Do regime legal contido no Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10 não consta que ao requerimento executivo, além das atas, que cumpram os ditames legais, tenham de ser apresentados outros documentos, constituindo as atas das assembleias de condóminos títulos executivos simples e não compostos, em consonância com espirito do legislador aquando da criação do regime jurídico contido no Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10.
V– Sem prescindir, os executados foram convocados para as assembleias de condóminos e, quando ausentes, foi-lhes comunicado o teor das deliberações, tendo mais tarde sido interpelados para pagamento.
VI – Não obstante, a executada foi citada no âmbito da ação executiva, tendo uma vez mais tido contacto com o teor das deliberações, sendo que, esta não apresentou embargos de oposição à execução, pelo contrário, propôs o pagamento da dívida em prestações, que não foi aceite porque a mesma impôs como condição a devolução de uma quantia já penhorada no processo.
VII – É também entendimento do exequente, ora recorrente, que Tribunal a quo violou o princípio da cooperação quando decidiu não conceder ao exequente a possibilidade de, em determinado prazo, apresentar prova documental que comprovasse que as deliberações lhes foram comunicadas e que estes foram interpelados para proceder ao pagamento da dívida.
VIII – Caso tivesse sido concedido o referido prazo, teria sido feita a junção dos talões de registo que comprovam o envio das comunicações e ou interpelações dirigidas aos executados.
IX – Desta forma, é entendimento do exequente, ora recorrente, que deve o despacho recorrido ser substituído por outro que julgue a ação executiva procedente, admitindo-se, por conseguinte, a penhora da fração autónoma designada pela letra G correspondente ao 1.º andar letra C, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida (…), 71, da freguesia de S. Sebastião, concelho de Setúbal, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º (…) e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob n.º (…), da supra indicada freguesia.
Nestes termos e nos mais de Direito, V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta decisão ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.»

I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).

II.2.
No caso, a única questão que cumpre apreciar consiste em saber do acerto da decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo.

II.3.
FACTOS
Resulta dos autos a seguinte factualidade:
1 – O Condomínio do prédio sito na Avenida (…), n.º 71, em Setúbal apresentou à execução três atas de assembleia geral do condomínio realizadas, respetivamente, nos dias 3 de março de 2016 (ata n.º 1/2016), 4 de março de 2017 (ata n.º 1/2017) e 8 de abril de 2019 (ata n.º 3/2019).
2 – As obrigações exequendas são as quotas e contribuições para o fundo de maneio dos executados relativas a maio-junho de 2013 (50,00€; 25,00€x2)), janeiro de 2014 a agosto de 2019 (1.990,36€; 29,27€x68meses) e as quotas extraordinárias relativas a junho, julho e agosto de 2019, no valor de 90,00€ (30,00€x3).
3 - Da ata n.º 1/2016 consta que foi aprovado o orçamento para o ano de 2016 bem como a definição das quotizações para o exercício de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2016; e que foi deliberado executar a dívida da condómina (…) relativa à sua quota-parte nas quotizações do condomínio nos seguintes períodos: maio e junho de 2013 (50,00€); julho a dezembro de 2013 (175,62€); ano de 2014 (351,24€) e ano de 2015 (351,24€).
4 - Da ata n.º 1/2017 consta que foi aprovado o orçamento para o ano de 2017 e as quotizações para o exercício de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2017; e que foi deliberado executar a dívida da condómina (…) relativa à sua quota-parte nas quotizações do condomínio nos seguintes períodos: maio e junho de 2013 (50,00€); julho a dezembro de 2013 (175,62€); ano de 2014 (351,24€); ano de 2015 (351,24€) e ano de 2016 (351,24€).
5 - Da ata n.º 3/2019 consta o seguinte:
- «No ponto Dois foi colocada à consideração e votação a proposta de orçamento de receitas e despesas para o exercício de 08/04/2019 a 31/12/2019, cujo montante de receitas se encontra fixado em € 9.558,00 (nove mil e quinhentos e cinquenta e oito euros). As quotizações calculadas de acordo com a permilagem de cada fração mantêm-se inalteradas, tendo a assembleia deliberado unanimemente que o prazo de pagamento das quotizações se vence ao dia 30 de cada mês/respetivo».
- «No ponto Três da ordem de trabalhos a assembleia analisou e discutiu os orçamentos apresentados para a reparação da cobertura do prédio e das fachadas, tendo aprovado por maioria dos condóminos presentes e representados o orçamento da empresa (…), Construção e Reforma com o NIF (…), assim como que, perante a insuficiência da verba do condomínio para o pagamento integral da(s) obra(s), o condomínio efetuará o pagamento da quantia de € 9.765,00 (nove mil e setecentos e sessenta e cinco euros) e o remanescente, no valor de € 11.520,00 (onze mil e quinhentos e vinte euros) que será suportada, equitativamente, por todas as frações correspondente ao pagamento mensal de € 30,00 (trinta euros) durante 12 meses, com vencimento ao dia 30 de cada mês, com início no mês de junho de 2019 e termino no mês de maio do ano de 2020».

II.4.
Mérito do recurso
Na decisão sob recurso o tribunal de primeira instância decidiu que os títulos dados à execução – três atas de assembleias de condomínio – não possuem exequibilidade porquanto das mesmas não resulta diretamente o vencimento da prestação que está a ser exigida aos executados e o exequente não juntou aos autos, juntamente com o requerimento executivo, documento comprovativo do vencimento da obrigação exequenda.
Insurge-se o apelante contra tal decisão, defendendo que as atas dadas à execução cumprem com os requisitos constantes do artigo 6.º, n.º 1, do D-L n.º 268/94, de 25.10, pois consta das mesmas o valor devido por cada condómino e a periodicidade de pagamento, mas que de qualquer forma se o tribunal a quo tivesse concedido ao exequente a possibilidade de apresentar prova documental comprovativa da comunicação das deliberações aos executados, o exequente teria feito a junção dos talões de registo que comprovam o envio das comunicações que lhes foram dirigidas.
Apreciando.
Toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva – artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. Ou seja, é pelo título executivo que se determinam a legitimidade ativa e passiva para a execução e o âmbito desta, sem prejuízo de aquele (o título executivo) poder ter de ser complementado (artigos 714.º a 716.º do CPC).
Rui Pinto[1] afirma que o título executivo tem as seguintes funções: a de representação da causa de pedir, isto é, de representação dos factos de aquisição do direito ou poder a uma prestação, uma função de delimitação do âmbito objetivo e subjetivo da ação executiva – o título executivo ao determinar a causa de pedir e o pedido determina no plano objetivo o objeto da prestação e o seu quantum e, por este a medida da penhora ou da apreensão e no plano subjetivo determina o credor e o devedor – e uma função constitutiva, ou seja, o título executivo atribui a exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das medias coativas impostas ao executado pelo tribunal.
A exequibilidade do direito à prestação depende das seguintes condições:
a) A obrigação exequenda deve constar do título executivo;
b) A obrigação exequenda deve ser certa, líquida e exigível.
Segundo Lebre de Freitas[2] o título executivo constitui um pressuposto de caráter formal, condicionando extrinsecamente a exequibilidade do direito na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa de suficiente para a admissibilidade da ação executiva formal e que a certeza, a liquidez e a exigibilidade são pressupostos de caráter material que condicionam intrinsecamente a exequibilidade do direito, porquanto sem eles não é admissível a satisfação coativa da pretensão.
Os factos relativos à exigibilidade e determinação da obrigação exequenda podem não resultar do título executivo; nesse caso, devem ser demonstrados no início da execução (artigo 713.º do CPC); quando resultem logo do título executivo, a sua verificação presume-se pelo título e só em oposição à execução poderão ser postas em causa[3].
A “certeza” e a “liquidez” da obrigação consubstanciam a qualidade da determinação do pedido: a obrigação é “certa” quando a prestação se encontra qualitativamente determinada e é “líquida” quando está quantitativamente determinada.
Quanto à “exigibilidade”, esta pressupõe a verificação do facto do qual depende o cumprimento da obrigação: interpelação do credor, decurso do prazo de vencimento, ocorrência da condição, realização da contraprestação. Assim, a obrigação é exigível quando deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação ao devedor. Está nessas condições, por exemplo, a obrigação que, à data da propositura da execução, se encontre vencida.
Importa sublinhar que o conceito de “exigibilidade” da obrigação não se confunde com o conceito de “vencimento”. Como refere Lebre de Freitas[4], «a obrigação pura cujo devedor não tenha sido ainda interpelado não está vencida e, no entanto, a prestação é exigível (artigo 777.º, n.º 1, CC)».
Como supra referimos, no caso em apreço os títulos dados à execução são três atas de assembleia de condóminos.
De acordo com o disposto nas disposições conjugadas do artigo 703.º, n.º 1, al. d), do CPC e do artigo 6.º, n.º 1, do D-L n.º 268/94, de 25.10, as atas das assembleias de condóminos constituem título executivo para a execução da obrigação de pagamento da quota-parte do proprietário de fração autónoma nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do prédio e ao pagamento dos serviços de interesse comum, nas condições previstas no n.º 1 do referido artigo 6.º do D-L n.º 268/94, de 25.10.
Prescreve o supra referido artigo 6.º, n.º 1, que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
A jurisprudência divide-se, entre outras, quanto à seguinte questão: para que as atas da assembleia de condóminos constituam títulos executivos, ao abrigo do normativo acima citado, é necessário que aquelas constituam as obrigações de pagamento a cargo de cada condómino ou basta que elas declarem/liquidem as dívidas incumpridas?
Alguns tribunais superiores têm defendido que o artigo 6.º, n.º 1, do D-L n.º 268/94 abrange tanto as atas que aprovam certa despesas ou contribuição, como as atas que liquidam a responsabilidade de certo condómino que está em situação de incumprimento, argumentando que esta tese é aquela que melhor se enquadra na interpretação da lei, atento o disposto no artigo 9º/1 do Código Civil – a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo o espírito do legislador, como resulta do preâmbulo do citado D.-L. n.º 268/94, o de conferir eficácia executiva às atas das reuniões da assembleia dos condóminos de forma a evitar o recurso à ação declarativa em matérias em que estão em jogo questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia – neste sentido, entre outros, Ac. RE de 17-02-2011, processo n.º 4276/07.4TBPTM.E1, Ac. RL de 07.07.2011, proc. n.º 42780/06.9YYLSB.L1-2, Ac. RG de 21.11.2013, processo n.º 6017/10.0TBBRG-A.G1, Ac. RC de 01.03.2016, processo n.º 129/14.8TJCBR-A.C1, Ac. RC de 04.6.2013, proc. n.º 607/12.3TBFIG-A.C1, Ac. RE de 12.09.2019, proc. 3751/18.0T8OER-A.E1 e Ac. do STJ de 14.10.2014, proc. n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1.
Outros fazem uma interpretação mais restrita do referido normativo, só admitindo como título executivo a ata da assembleia de condóminos que documente a deliberação de onde nasça a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condómino e não também a deliberação que declara a dívida exata depois de vencida, argumentando que a assembleia de condóminos quando declara que o condómino está em dívida com determinado valor reconhece apenas que ele deixou de liquidar a contribuição anteriormente fixada, dentro do prazo estabelecido para o efeito, ou seja, não contém a fonte da obrigação do condómino, limitando-se a constatar a existência dessa dívida – assim, por exemplo, Ac. RL de 11.10.2012, processo n.º 1515/09.0TBSCR.L1-2, Ac. RL de 23/3/2012, proc.º n.º 524/06.6TCLRS.L1.6, Ac. RL de 17/2/2009, proc. n.º 532/05.4TCLRS-7, Ac. RE de 28.01.2010, proc. n.º 6924/07.7TBSTB.E1.
Que dizer?
A letra da lei é o ponto de partida de toda a interpretação da lei e constitui também limite à busca do sentido ou espírito da lei.
No caso do artigo 6.º, n.º 1, do D-L n.º 268/94 a letra da lei atribuí força executiva à ata que documenta a deliberação que fixa o montante das contribuições devidas por cada condómino (necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum) e não também à ata que contém uma deliberação certificadora da existência da dívida e respetivo montante. Citamos Rui Pinto[5]: «o preceito do artigo 6.º, n.º 1 é construído na contraposição de dois momentos: o momento da deliberação de constituição da obrigação (“ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum que não devam ser suportados pelo condomínio) e o momento posterior de o condómino ter deixado por pagar a sua parte (“o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”). A ligação entre ambos é feita pela atribuição de força executiva à ata que documenta a deliberação – “constitui título executivo contra” aquele».
Mas, na interpretação, o elemento gramatical (letra da lei) tem de ser utilizado sempre conjuntamente com o elemento lógico, isto é, o “espírito da lei”. Como ensina Batista Machado[6], «é evidente que o enunciado linguístico que é a “letra da lei” é apenas um significante, portador de um sentido (“espírito”) para que nos remete. Por isso, quando se fala em “interpretação literal” quer-se apenas referir aquela modalidade de interpretação muito cingida ao texto e que extrai das palavras deste o sentido que elas mais naturalmente comportam, fazendo porventura descaso doutros elementos interpretativos».
Os preâmbulos das leis constituem um dos elementos para apreensão do significado do texto da lei. No caso, resulta do preâmbulo do D-L n.º 268/94, de 25 de Outubro, que o legislador pretendeu dar eficácia ao regime da propriedade horizontal, possibilitando ao administrador do condomínio a cobrança coerciva das contribuições, a cargo dos condóminos, para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e para o pagamento de serviços de interesse comum. Ora, um dos instrumentos de que o legislador se socorreu para atingir tal desiderato foi, precisamente, atribuir força executiva às atas das reuniões das assembleias de condómino, desonerando a administração do condomínio de recorrer previamente à ação declarativa para obter uma sentença condenatória dos condóminos incumpridores. Ou seja, o motivo de política legislativa que ditou a regra prevista no artigo 6.º, n.º 1 e que ilumina o espírito da lei consiste na facilitação da cobrança de dívidas dos condóminos de forma a que a administração do condomínio não tenha de recorrer previamente a uma ação declarativa de condenação para obter um título executivo contra os condóminos incumpridores. Porém, o legislador não quis atribuir essa força executiva a qualquer ata, designadamente a atas que apenas liquidam a responsabilidade dos condóminos relapsos pois de outra forma tê-lo-ia dito. E compreende-se que assim seja porquanto não podemos olvidar que do título executivo deve poder retirar-se com um grau de segurança razoável a fonte da obrigação do executado, ou seja, os factos de aquisição do direito ou poder à prestação exequenda porquanto aquele serve de base à execução. E, como se afirma no acórdão da RL de 11.10.2012[7], «em princípio não estarão à altura destes pressupostos meras declarações da existência da dívida, provenientes dos credores ou equiparados – ou seja, no caso, uma deliberação da assembleia de condóminos em que se afirme a existência da dívida de um determinado condómino, maxime de condómino que não tenha estado presente na assembleia ou que, tendo estado presente, nela não tenha demonstrado reconhecer a dívida. O facto de o condómino eventualmente não impugnar tal deliberação (artigo 1433.º do Código Civil) não valerá como confissão da dívida (artigo 352.º e seguintes do Código Civil)».
Ademais, perguntar-se-á para quê convocar a assembleia de condóminos para produzir uma ata de cobrança, quando basta executar a ata da assembleia em que foram deliberadas e aprovadas as contribuições e despesas e as quotas-parte dos condóminos no respetivo pagamento e prazos de vencimento respetivos? Com efeito, considerando que as obrigações e encargos dos condóminos são em regra sujeitos a prazos de pagamento, a sua exigibilidade resulta do confronto entre o prazo declarado na ata e a data do requerimento executivo e ao condomínio bastará proceder à liquidação dos valores em mora, nos termos do art. 716.º do CPC. Como é referido no ac. RL de 11.10.2012[8], a ata de assembleia de condóminos que aprova as despesas e a quota-parte das contribuições de cada condómino «comprova a constituição de uma obrigação e bem assim a data do seu vencimento. Assim, decorrido o aludido prazo de pagamento, documentará uma obrigação que é certa e exigível e que poderá ser liquidada no requerimento executivo, por meio da indicação das prestações que não foram pagas e que estão, assim, em dívida (cfr. artigos 802.º e 805.º, n.º 1, do CPC)».
Por conseguinte, não se vê razão para concluir que o artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25.10 abrange as atas que se limitam a reconhecer a existência da dívida e o respetivo montante.
Em face do exposto, perfilhamos o entendimento de que no artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25.10 estão contempladas apenas as atas de assembleias de condóminos que documentam as deliberações de onde nasce a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condómino e não também a deliberação que certifica a existência da dívida e do seu montante.
Dito isto, e volvendo ao caso sub judice, resulta do requerimento executivo que as obrigações exequendas são as quotas e contribuições para o fundo de maneio dos executados relativas a maio-junho de 2013 (50,00€; 25,00€x2)), janeiro de 2014 a agosto de 2019 (1.990,36€; 29,27€x68meses) e as quotas extraordinárias relativas a junho, julho e agosto de 2019, no valor de 90,00€ (30,00€x3).
As atas dadas à execução são as atas de assembleias de condomínio realizadas, respetivamente, nos dias 5-03-2016 (ata n.º 1/2016), 04- 03-2017 (ata n.º 1/2017) e em 8-04-2019 (ata n.º 3/2019).
Verifica-se que:
(i) Da ata n.º 1/2016 consta que foi aprovado o orçamento para o ano de 2016 bem como a definição das quotizações para o exercício de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2016; e que foi deliberado executar a dívida da condómina (…) relativa à sua quota-parte nas quotizações do condomínio nos seguintes períodos: maio e junho de 2013 (50,00€); julho a dezembro de 2013 (175,62€); ano de 2014 (351,24€) e ano de 2015 (351,24€).

(ii) Da ata n.º 1/2017 consta que foi aprovado o orçamento para o ano de 2017 e as quotizações para o exercício de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2017; e que foi deliberado executar a dívida da condómina (…) relativa à sua quota-parte nas quotizações do condomínio nos seguintes períodos: maio e junho de 2013 (50,00€); julho a dezembro de 2013 (175,62€); ano de 2014 (351,24€); ano de 2015 (351,24€) e ano de 2016 (351,24€);

(iii) Da ata n.º 3/2019 consta o seguinte:

- «No ponto Dois foi colocada à consideração e votação a proposta de orçamento de receitas e despesas para o exercício de 08/04/2019 a 31/12/2019, cujo montante de receitas se encontra fixado em 9558€ (nove mil e quinhentos e cinquenta e oito euros). As quotizações calculadas de acordo com a permilagem de cada fração mantêm-se inalteradas, tendo a assembleia deliberado unanimemente que o prazo de pagamento das quotizações se vence ao dia 30 de cada mês/respetivo».

- «No ponto Três da ordem de trabalhos a assembleia analisou e discutiu os orçamentos apresentados para a reparação da cobertura do prédio e das fachadas, tendo aprovado por maioria dos condóminos presentes e representados o orçamento da empresa (…), Construção e Reforma com o NIF (…), assim como que, perante a insuficiência da verba do condomínio para o pagamento integral da(s) obra(s), o condomínio efetuará o pagamento da quantia de 9765€ (nove mil e setecentos e sessenta e cinco euros) e o remanescente, no valor de € 11.520,00 (onze mil e quinhentos e vinte euros) que será suportada, equitativamente, por todas as frações correspondente ao pagamento mensal de € 30,00 (trinta euros) durante 12 meses, com vencimento ao dia 30 de cada mês, com início no mês de junho de 2019 e término no mês de maio do ano de 2020».

- Da ata resulta consta ainda a liquidação do valor da responsabilidade da executada (…) relativa à sua quota-parte nas quotizações do condomínio nos seguintes períodos: maio e junho de 2013 (50,00€); julho a dezembro de 2013 (175,62€); ano de 2014 (351,24€), ano de 2015 (351,24€), ano de 2016 (351,24€), ano de 2017 (351,24€), ano de 2018 (351,24€), janeiro a abril de 2019 (117,08€).

Deste modo, nenhuma das atas apresentadas à execução contém a deliberação de aprovação das quotizações para os exercícios dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2018; e relativamente ao exercício do ano de 2019 a ata n.º 3/2019 apenas aprovou as quotizações devidas a partir de 8 de abril de 2019 até 31.12.2019, bem como as quotizações extraordinárias.

Em face do exposto supra, concluímos que o exequente não apresentou título executivo quanto às quotizações devidas pelos executados relativas aos seguintes períodos: maio e junho de 2013 e janeiro de 2014 a abril de 2019 exclusive.

Vejamos, agora, o que sucede quanto às demais obrigações exequendas, a saber, as quotas e contribuições para o fundo de reserva por referência ao período compreendido entre abril e dezembro de 2019 e as quotizações extraordinárias para as obras de reparação da cobertura e fachadas dos prédios.

O tribunal a quo colocou em causa (também) a exequibilidade da ata n.º 3/2019 em virtude de resultar do respetivo teor que os executados «não estiveram presentes na assembleia de 8 de abril de 2019, desconhecendo-se se foram notificados das deliberações ali tomadas, pois não foi junto qualquer documento que o comprovasse».

É sabido que aos condóminos ausentes têm de ser comunicadas as deliberações tomadas nas assembleias de condomínio; com efeito, o artigo 1432.º, n.º 6, do Código Civil dispõe que «As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias”.

Porém, o artigo 6.º, n.º 1, do D-L nº 268/94 não faz depender a exequibilidade das atas da assembleia de condomínio da comunicação das deliberações que aquelas documentam aos condóminos ausentes.

Efetivamente, em face daquele normativo legal são condições de exequibilidade da ata da assembleia de condóminos:

(i) A aprovação do montante das despesas e valores;

(ii) O estabelecimento da quota-parte de cada condómino, devidamente identificado; e

(iii) O respetivo prazo de vencimento.

A qualidade de título executivo das atas das assembleias de condóminos decorre unicamente de as mesmas conterem os requisitos indicados no artigo 6.º do DL 268/94 e não de quaisquer outros, designadamente, de a ata ser comunicada aos condóminos – no mesmo sentido, Ac. RP de 16.05.2007 e Ac. RG de 14.02.2013, ambos consultáveis em www.dgsi.pt., nos quais se refere que a falta de comunicação terá como único efeito dilatar para mais tarde (para quando seja efetuada por qualquer meio idóneo – carta registada com aviso de receção ou outro mais solene, como seja a citação) o início do prazo de impugnação e não o início da possibilidade de execução.

No caso em apreço, o tribunal a quo reconhece que a obrigação é certa, porque está perfeitamente determinada, e é líquida.

A ata n.º 3/2019 contém a deliberação sobre o prazo de vencimento das obrigações de pagamento das quotas e contribuições para o fundo de reserva por referência ao período compreendido entre abril e dezembro de 2019 e das quotizações extraordinárias para as obras de reparação da cobertura e fachadas dos prédios.

Pelo que a referida ata é exequível, em face do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do D-L n.º 268/94.

A inoponibilidade das deliberações documentadas na ata n.º 3/2019 aos executados resultante da (eventual) falta de comunicação do seu teor àqueles condóminos (ausentes da referida assembleia) é fundamento de oposição à execução, mas não sendo ela uma condição de exequibilidade da ata que documenta as deliberações, não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (cfr. artigos 726.º, n.º 2 e 734.º, n.º 1, ambos do CPC).

Por conseguinte, mal andou o tribunal a quo ao indeferir liminarmente o requerimento executivo quanto às quotas e contribuições para o fundo de reserva por referência ao período compreendido entre abril e dezembro de 2019 e às quotizações extraordinárias para as obras de reparação da cobertura e fachadas dos prédios.


*

A manifesta falta de título executivo implica o indeferimento liminar do requerimento executivo, de acordo com o disposto no artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC.

A lei permite o indeferimento liminar parcial do requerimento executivo; o artigo 726.º, n.º 3, do CPC dispõe que «É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados».

Em face de todo o exposto, impõe-se:

(i) o indeferimento liminar do requerimento executivo relativamente às quotas e contribuições para o fundo comum de reserva por referências aos períodos compreendidos entre maio de 2013 e junho de 2013 e janeiro de 2014 a abril de 2019 exclusive, confirmando-se nesta parte, ainda que com diferente fundamento, a decisão recorrida; e

(ii) o prosseguimento da ação executiva no que respeita às quotas e contribuições para o fundo de reserva por referência ao período compreendido entre abril e dezembro de 2019 e as quotas extraordinárias para as obras de reparação da cobertura e fachadas dos prédios.

Sumário:

(…)


III. DECISÃO
Em face do exposto, julgam parcialmente procedente a apelação e, em conformidade:
1 - Ordenam o prosseguimento da execução para satisfação dos valores devidos pelos executados quanto às quotas e contribuições para o fundo de reserva por referência ao período compreendido entre abril e dezembro de 2019 e às quotizações extraordinárias para as obras de reparação da cobertura e fachadas dos prédios;
2 – Confirmam, no mais, embora com diferente fundamento, a decisão recorrida.

Sem custas na presente instância recursiva porquanto o recorrente procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e, não tendo havido resposta às alegações de recurso, não há lugar a custas de parte (artigos 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do CPC).
Notifique.

Évora, 11 de março de 2021.
Cristina Dá Mesquita
José António Moita
Silva Rato
__________________________________________________
[1] A Ação Executiva, 2019 Reimpressão, AAFDL Editora, pp. 136-141.
[2] A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, GestLegal, pp. 39-40.
[3] Lebre de Freiras, ob. cit., p. 41.
[4] Ob. cit., p. 101.
[5] Novos Estudos de Processo Civil, A Execução de dívidas do condómino, Petrony, p. 198.
[6] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 25.ª Reimpressão, Almedina, pp. 181-182.
[7] Processo n.º 1515/09.0TBSCR.L1-2, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Processo n.º 1515/09.0TBSCR.L1-2, consultável em www.dgsi.pt.