Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5613/16.6T8ALM.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tendo sido enviadas para o domicílio dos RR. constante do contrato, consideram-se recebidas e eficazes as comunicações, uma vez que a responsabilidade do seu não recebimento pelos RR. apenas a estes pode ser assacada, isto nos termos do art.º 224.º, n.º 2, Cód. Civil.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 5613/16.6T8ALM.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) intentou contra (…) e mulher (…) a presente acção pedindo que seja declarada a impossibilidade de cumprimento e, consequentemente, declarar-se resolvido o contrato promessa de compra e venda entre eles celebrado, e os RR. condenados a restituir-lhe o valor do sinal em dobro, na quantia de € 199.518,00, acrescida de juros.
Alega, em síntese, que celebrou com os RR. um contrato promessa de compra e venda, relativo ao prédio urbano sito na Rua (…), n.º 9, actual lote 153, (…), freguesia de Corroios, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o nº (…) da referida freguesia e descrito na matriz urbana sob o artigo (…), pelo preço de € 384.074,38, tendo entregue a título de sinal a quantia de € 99.759,00, correspondente a três entregas de € 14.963,94, € 34.915,85 e € 49.879,21. O remanescente do preço seria pago pela entrega de € 134.675,05 e pela permuta do prédio urbano do A., cuja escritura se realizaria em simultâneo. Notificados para a realização da escritura de compra e venda, os RR. não compareceram.
Mais alega que veio a tomar conhecimento de que o imóvel se encontra registado a favor do Banco (…), que o adquiriu em execução judicial movida contra a sociedade (…) – Utilidades, Equipamentos e Investimentos Imobiliários, S.A., sociedade a quem os RR. haviam prometido comprar o prédio.
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O R. (…) contestou, invocando a ilegitimidade da R. mulher, que não contratou com o A.
Alega o R. que foi acordado que seria a (…), S.A., a realizar a escritura com o A. e que foi desde logo entregue as chaves do imóvel, passando o A. a viver no imóvel, remetendo para a (…) a responsabilidade pela não realização da escritura. Acrescenta que o A. não lhe entregou nem o valor da venda do seu prédio nem o remanescente do preço acordado. Conclui dizendo não ter culpa na não realização da escritura, pelo que devem ser improcedentes os pedidos.
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O processo seguiu os seus termos e, depois de realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu o seguinte:
a) declarar resolvido o contrato-promessa celebrado entre A. e RR.;
b) condenar os RR. no pagamento ao A. a quantia de € 99.759,00 acrescida de juros à taxa legal, contados desde 05.11.2016, até integral pagamento.
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Desta sentença recorre o R. contestante impugnando a matéria de facto bem como a decisão de direito; defende a revogação da sentença.
Invocou também nulidades da sentença.
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Foram colhidos os vistos.
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Quanto à nulidade da sentença, começaremos por reproduzir, na íntegra, o despacho que sobre a arguição recaiu por com ele concordarmos inteiramente.
É este o seu teor:
«O R. invoca a nulidade da sentença por não especificar os fundamentos de facto e de direito que a fundamentam e por existir contradição entre a matéria de facto provada, a sua motivação e consequente decisão.
«Apesar de invocar as nulidades referidas, o R. fá-lo de forma conclusiva e genérica, sem cuidar de identificar as partes concretas da sentença que se apresentam com falta de fundamentação ou em que se verifica contradição entre os fundamentos e a decisão, pois nada de concreto foi referido.
«O R. refere ainda que a sentença viola os artºs. 202º, nº 2, 204º e 205º, da Constituição da Republica Portuguesa, porque não assegurou a defesa dos direitos do R. ao não fundamentar a sentença.
«No entanto, não se compreende em que contexto o R. invoca tal violação, nem em que parte da sentença se baseia para concluir que ela viola os princípios dos artºs 202º, nº 2, 204º e 205º da CRP.
«Compulsada a sentença dela resulta a fundamentação de facto e de direito, com a qual se encontra sustentada a decisão, tendo sido apreciadas as questões suscitadas.
«Das alegações do R. parece apenas resultar uma discordância com a fundamentação, o que apenas poderá ser objecto de recurso, mas não de nulidade, como o R. pretende.
«Conclui-se, assim, que o R. se limitou a genericamente invocar um conjunto de nulidades e a violação da lei fundamental, sem cuidar de identificar e sustentar tal invocação, o que impede o tribunal de concretamente se pronunciar quanto às eventuais questões, nos termos consignados no nº 1 do artº 641º, CPC, nada mais restando do que dizer que da análise da sentença resulta que não se verificam as invocadas nulidades, nem as violações de princípios constitucionais, nela tendo sido tratadas as questões suscitadas e a que as partes tiveram ocasião de se pronunciar».
A arguição cinge-se a generalidades sem que identifique quais são os erros que levam à nulidade. Isto para além de, como é habitual, confundir nulidades da sentença com erro de julgamento.
Mais do que generalidades, são vulgaridades.
Em relação ao primeiro aspecto, notamos que a invocação da falta de fundamentação de facto e de direito só pode ser assacada à falta de leitura da sentença. Só quem não a leu [embora o recorrente diga que a leu atentamente (p. 28 das alegações)] ou a não percebeu (caso em que a deficiência não está na sentença) pode dizer que dela não constam os factos provados e não provados e que dela não constam as razões de direito que levaram à decisão.
O mesmo se dirá a respeito da obscuridade e ambiguidade dos fundamentos; quais são elas, qual foi a parte que o recorrente não percebeu? Não identifica.
E qual a contradição entre a decisão e os fundamentos? Quais são os fundamentos da sentença que contraditam a decisão?
Arguir a nulidade da sentença, nos termos em que o recorrente o fez, roça a litigância de má fé por não ter qualquer cabimento, por se tratar de uma arguição, esta sim, sem qualquer fundamento. O único resultado deste tipo relativamente comum de arguição de nulidade é a perda de tempo de quem tem de lhe responder: como já se escreveu, o recorrente já ganhou alguma coisa: o tempo que os outros perderam.
Assim, julga-se improcedente a arguição da nulidade da sentença.
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A impugnação da matéria de facto dirige-se, em primeiro lugar, às respostas negativas aos artigos 14.º e 29.º da contestação.
O art.º 19.º é o seguinte:
E, depois de celebrado o contrato promessa, entre o Autor e o Réu, foi decidido, por acordo do Autor, do Réu e do legal representante da sociedade (…), S.A., (…) que a escritura de compra e venda do prédio urbano objecto de ambos os contratos promessa, seria feita directamente pela (…), S.A., ao Autor.
O art.º 29.º é o seguinte:
O Autor recebeu a quantia de € 107.241,54, correspondente à venda do prédio urbano, e que deveria entregar ao Réu, mas nunca chegou a entregar.
A impugnação baseia-se nos dois únicos depoimentos prestados em audiência: o do A. e o da testemunha (…), ex-mulher do A..
Não é de estranhar, perante esta prova pessoal, que o tribunal pouco ou nenhum valor lhe tenha dado, antes se baseando mais nos documentos e na confissão do R. na sua contestação.
E a transcrição que o recorrente faz dos depoimentos não é suficiente para alterar a matéria de facto. Quanto ao depoimento da ex-mulher do A., a única coisa útil que dele consta é que a testemunha habitou na casa prometida vender de Dezembro de 2004 a Setembro de 2015; quanto ao mais afirma peremptoriamente desconhecer os contornos do negócio. Não obstante, depois de transcrever o depoimento, o recorrente escreve: «[p]elo que, e contrariamente ao que fez parecer crer, esta testemunha sabia do negócio em causa e acompanhou diretamente o mesmo, tanto mais que era mulher do Autor e os registos provisórios de aquisição do prédio foram feitos também em seu nome por ser casada com o Autor no regime de comunhão de adquiridos». É fantástico tal como é fantástica a observação seguinte: «[e]sta testemunha não demonstrou apenas conhecer o momento a partir do qual o casal, composto por ela e pelo Autor, passaram a residir no prédio objeto do contrato promessa referido em 1 dos factos provados, mas também demonstrou conhecer outros factos relevantes, designadamente os factos descritos nos artigos 14º e 29 da contestação»!
Nada disto se pode retirar do depoimento desta testemunha, seja para o art.º 14.º seja para o art.º 29.º.
Quanto às declarações do A., cremos que existe uma confissão na medida em que refere que não entregou ao recorrente a quantia de cerca de € 107.000,00 («não ia deixar que ele recebesse o resto do dinheiro»).
Assim, acrescenta-se o n.º 8-A com a seguinte redação: O Autor não entregou ao R. a quantia de € 107.241,54, correspondente à venda do prédio urbano indicado na cláusula 2.ª, al. c), do contrato promessa.
Em relação ao art.º 29.º da contestação, nada se retira das declarações do A. sobre este assunto.
Assim, não se dá tal facto por provado.
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Ainda neste âmbito, o recorrente defende que devem ser dados por provados os art.º s 16.º a 24.º e 26.º da contestação que se referem ao facto de o A. ter passado a residir no prédio prometido vender. Entendemos que tal não é necessário pois que já está provado que houve tradição da coisa (n.º 10).
Referem-se também a uma acção em que o A. pede a condenação do Banco (…) a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio mas isto nenhuma relevância tem para a acção uma vez que a causa de pedir é apenas o incumprimento do contrato promessa e o pedido a devolução do dinheiro entregue. título de sinal.
Assim, não se aditam estes factos.
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A matéria de facto é a seguinte:
1 – A. e RR. subscreveram o escrito particular, datado de 30.05.2003, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, de que existe cópia a fls. 9 e 10, com o seguinte teor:
“Contrato Promessa de Compra e Venda que fazem
1º Outorgante: (…) (…) e mulher (…) (…), ambos residentes em Rua (…), (…), 2490 Ourém.
2º Outorgante: (…)
Os primeiros outorgantes prometem comprar à (…), S.A., pessoa colectiva nº (…), o prédio urbano sito na Rua (…), n.º 9, na (…), freguesia de Corroios, concelho do Seixal, inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora com o n.º (…) da freguesia de Corroios, para o qual foi emitida a licença de utilização n.º (…), passada pela Câmara Municipal do Seixal em 19 de Outubro de 1999 e por este contrato prometem vender ao segundo outorgante que promete comprar o aludido prédio mediante as cláusulas e condições seguintes:
PRIMEIRA – O preço desta prometida compra e venda será de € 384.074,38 (trezentos e oitenta e quatro mil, setenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos).
SEGUNDA – O preço ajustado na cláusula anterior será pago nos termos e cláusulas seguintes:
a) Na presente data, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 14.963,94 (catorze mil, novecentos e sessenta e três euros e noventa e quatro cêntimos), para os quais, os primeiros outorgantes dão plena quitação;
b) No prazo de 15 (quinze) dias, contados desta data, a título de reforço de sinal a quantia de € 34.915,85 (trinta e quatro mil, novecentos e quinze euros e oitenta e cinco cêntimos) mediante contra-recibo;
c) Uma prestação do preço de compra e venda correspondente a € 199.519,16 (cento e noventa e nove mil quinhentos e dezanove euros e dezasseis cêntimos) pela permuta de um prédio urbano de que o segundo outorgante é legítimo proprietário e possuidor, sito na Rua das (…), nº 42, em Pinhal do (…), freguesia de Corroios, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora com o n.º (…), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…).
d) Uma prestação de € 134.675,05 (cento e trinta e quatro mil seiscentos e setenta e cinco euros e cinco cêntimos) correspondente ao remanescente do preço de compra e venda que será entregue no acto da escritura pública de compra e venda.
TERCEIRA – A permuta prevista na alínea c) da cláusula anterior, nos termos da qual o segundo outorgante liquida uma parte do preço de compra e venda, deverá ser outorgada em acto notarial a realizar simultaneamente com a outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel da (…). O primeiro outorgante deverá assegurar, como condição de outorga de permuta retro mencionada, a realização imediata, no mesmo notário para efeito indicado pelo segundo outorgante, da compra e venda do imóvel prometido em venda pelo primeiro outorgante e pela qual a (…), S.A., transmitirá para o segundo outorgante a propriedade desse imóvel.
QUARTA – para outorga da escritura pública do imóvel sito na (…) e aqui prometido em compra e venda, o segundo outorgante notificará, por carta registada e com a antecedência de quinze dias, ao primeiro outorgante a data, hora e cartório notarial onde as escrituras serão outorgadas. Mediante a recepção desta comunicação, o primeiro outorgante deverá assegurar a presença, na mesma data, hora e local da (…), S.A.
QUINTA – A escritura de permuta e de compra e venda será realizada até 31 de Agosto de 2003 e será marcada pelo segundo outorgante.
SEXTA – As despesas, impostos e emolumentos notariais referentes à escritura de compra e venda serão suportados pelo segundo outorgante.
Os outorgantes, nas respectivas qualidades em que outorgam, declaram que as cláusulas acima transcritas correspondem a real vontade dos outorgantes os quais prometem-se mutuamente no pontual e integral cumprimento deste contrato promessa de compra e venda.
Outorgado em 30 de Maio de 2003 e produz efeitos nesta data” (artºs. 1º, 2º, 3º e 4º da petição inicial).
2 – Na data do contrato (30.05.2003) o A. entregou aos RR. o valor de € 14.963,94, pelo qual deram os mesmos quitação (artº 5º da petição inicial).
3 - No prazo de 15 dias após a celebração do referido contrato promessa, entregou o A. aos RR, a título de reforço de sinal, o montante de € 34.915,85 que estes receberam (artº 6º da petição inicial).
4 - O mandatário do A. remeteu ao R. (…), a carta registada com aviso de recepção, datada de 22.09.2003, de que existe cópia a fls. 11 a 14, com o seguinte teor:
“Assunto: compra e venda de imóvel sito na Rua (…), lote 153, (…).
Exmº. Senhor,
A m/constituinte acima identificada, na qualidade de promitente compradora, mandatou-me para notificar V. Exª. que a escritura pública de compra e venda referente ao lote acima identificado será realizada no dia 7 de Outubro de 2003, às 16 horas, no 2º Cartório Notarial de Almada. Para o efeito, deverá V. Exª. fornecer, com a máxima urgência possível, fotocópia dos seguintes documentos:
- certidão comercial relativa à sociedade promitente vendedora;
- identificação dos intervenientes que outorgarão a dita escritura em representação da sociedade vendedora;
- certidão da licença de utilização emitida pela Câmara Municipal do Seixal.
Na data da escritura deverão ser apresentados os documentos originais.
Mais informa a m/constituinte que o imóvel objecto da prometida compra e venda não se encontra registado na matriz predial (Repartição de Finanças) em nome da sociedade promitente vendedora, pelo que há necessidade de se efectuar o pertinente averbamento para que a m/constituinte possa liquidar e pagar a Sisa devida pela transmissão do aludido imóvel” (artº 14º da petição inicial).
5 – A carta atrás referida foi remetida para o domicílio dos RR. constante do contrato promessa e foi devolvida com a anotação “Não atendeu” “Avisado 03/09/26” (artº 15º da petição inicial).
6 - Os RR. não compareceram na escritura notarial agendada (artº 16º da petição inicial).
7 - A pedido dos RR. e a título de novo reforço de sinal, ainda que não acordado no contrato promessa, entregou o A aos RR., no primeiro semestre de 2004, o montante de € 49.879,21 que estes receberam (artº 7º da petição inicial).
8 – A. e R. subscreveram o escrito particular denominado “Declaração”, datado de 17 de Agosto de 2004, de que existe cópia a fls. 83, com o seguinte teor:
“Eu, (…) declaro para os fins tidos por convenientes que autorizei (…) a proceder à venda do imóvel a que alude a alínea c) da cláusula segunda do contrato promessa de compra e venda, referente ao prédio sito na Rua (…), nº 8, (…), outorgado em 30 de Maio de 2003. Mais declaro que, por mútuo acordo foi o imóvel sito na Rua das (…), n.º 42, transaccionado em compra e venda com intervenção directa de (…), pelo preço e condições fixadas por mim.
Eu, (…) declaro que nesta data recebi a quantia de € 107.241,54 (cento e sete mil duzentos e quarenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) referente à venda do imóvel sito na Rua das (…), n.º 42, em Vale de (…) e prometo entregar a referida quantia bem como a quantia de € 134.675,05 a que alude a alínea c) do mesmo contrato a (…) no acto da escritura pública de compra e venda referente ao imóvel sito na Rua (…), nº 8, na (…), em conformidade com o contrato promessa celebrado em 30 de Maio de 2003.
Declaram ambos os outorgantes que dão plena quitação as respectivas obrigações na permuta e pagamento referente ao imóvel sito na Rua das (…), nº 42, Vale de (…), na freguesia de Corroios” (artº 27º da contestação).
8-A- O Autor não entregou ao R. a quantia de € 107.241,54, correspondente à venda do prédio urbano indicado na cláusula 2.ª, al. c), do contrato promessa.
9 – Por escritura pública outorgada em 18 de Agosto de 2004, de que existe cópia a fls. 84 a 89, o A. declarou vender a (…), pelo preço de € 100.000,00, o prédio urbano sito na Rua das (…), nº 42, Pinhal (…), freguesia de Corroios, concelho do Seixal, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o nº (…) – (artº 30º da contestação).
10 - O A. habita o imóvel da Rua (…), nº 9, na (…) desde, pelo menos, Dezembro de 2004, para onde foi viver juntamente com a sua mulher (…) – (artºs 15º e 16º da contestação).
11 - Pela Ap. (…) de 2011/05/26, o prédio prometido comprar foi registado a favor do Banco (…), S.A., por aquisição em processo de execução contra a (…) – Utilidades, Equipamentos e Investimentos Imobiliários, S.A. (artº 19º da petição inicial).
12 – O A. remeteu ao R. (…), a carta registada com aviso de recepção, datada de 09.11.2015, de que existe cópia a fls. 28 a 30, com o seguinte teor:
“Assunto: Resolução de contrato promessa e indemnização
No seguimento do contrato promessa de compra e venda, realizado no dia 30 de Maio de 2003 que se dá por inteiramente reproduzido, em que V. Exª. e a sua mulher me prometiam vender o prédio urbano sito na Rua (…), nº 9, (…), freguesia de Corroios, concelho do Seixal, inscrito na matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora com o n.º (…) da freguesia de Corroios, com licença de utilização n.º (…), da Câmara Municipal do Seixal de 19 de Outubro de 1999.
Considerando que pelo menos em 22 de Agosto de 2003, 13 de Setembro de 2005, 31 de Maio de 2007 e 18 de Agosto de 2008 foi marcada a escritura pública para executar o contrato promessa.
Considerando que V. Exªs. nunca compareceram nessas marcações e até hoje a dita escritura pública foi sempre protelada e nunca se concretizou por V. responsabilidade.
Considerando finalmente que paguei a título de sinal a quantia de € 99.759,00.
Venho, por este meio, nos termos do art.º 432º e seguintes do Código Civil resolver o mencionado contrato-promessa e exigir nos termos legais a devolução do sinal em dobro, i. é. € 199.518,00 no prazo máximo de 10 dias a contar da data desta carta, bem como de todas as despesas que tive com o infausto contrato (…)” (artº 23º da petição inicial).
13 – O A. remeteu à R. (…), a carta registada com aviso de recepção, datada de 09.11.2015, de que existe cópia a fls. 23 a 25, com o seguinte teor:
“Assunto: Resolução de contrato promessa e indemnização
No seguimento do contrato promessa de compra e venda, realizado no dia 30 de Maio de 2003 que se dá por inteiramente reproduzido, em que V. Exª. e a sua mulher me prometiam vender o prédio urbano sito na Rua (…), nº 9, (…), freguesia de Corroios, concelho do Seixal, inscrito na matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora com o n.º (…) da freguesia de Corroios, com licença de utilização n.º (…), da Câmara Municipal do Seixal de 19 de Outubro de 1999.
Considerando que pelo menos em 22 de Agosto de 2003, 13 de Setembro de 2005, 31 de Maio de 2007 e 18 de Agosto de 2008 foi marcada a escritura pública para executar o contrato promessa.
Considerando que V. Exªs. nunca compareceram nessas marcações e até hoje a dita escritura pública foi sempre protelada e nunca se concretizou por V. responsabilidade.
Considerando finalmente que paguei a título de sinal a quantia de € 99.759,00.
Venho, por este meio, nos termos do art.º 432º e seguintes do Código Civil resolver o mencionado contrato-promessa e exigir nos termos legais a devolução do sinal em dobro, i. é. € 199.518,00 no prazo máximo de 10 dias a contar da data desta carta, bem como de todas as despesas que tive com o infausto contrato (…)” (artº 23º da petição inicial).
14 - As cartas atrás referidas foram remetidas para o domicílio dos RR. constante do contrato promessa e foram devolvidas com a anotação “Não atendeu” “Avisado”.
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Apenas está em questão saber se o R. deve ser condenado a restituir as quantias que recebeu por força do contrato promessa ou se não deve ser condenado em qualquer pagamento.
Liminarmente, notaremos que o R. recebeu dinheiro do A. que tinha a sua causa num contrato promessa e, consequentemente, num contrato definitivo de compra e venda a realizar futuramente; este último não se realizou.
Temos, por este motivo, muita dificuldade em aceitar que o R. nada tenha que devolver, dado o disposto no art.º 289.º, n.º 1, por força da remissão feita pelo art.º 443.º, ambos do Cód. Civil.
O recorrente defende que não havia lugar para a resolução do contrato por (1.º) não ter conhecimento das cartas que lhe foram enviadas, por (2.º) a resolução do contrato promessa também não ser possível pelo facto de o Autor ter na sua posse o prédio que foi objeto do contrato promessa de compra e venda e por (3.º) não haver incumprimento definitivo.
Conclui: pelo que não se vê como é que se pode decretar a resolução do contrato promessa e o Réu condenado nos termos que constam da sentença.
Em nada disto tem razão.
Em primeiro lugar, as cartas foram enviadas para o domicílio que consta do contrato e não há notícia que o recorrente, caso tenha mudado de domicílio, o tivesse comunicado ao A.. Como se escreve na sentença recorrida, «a comunicação produz efeitos logo que chega ao poder do seu destinatário, sendo considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. Assim, tendo sido enviadas para o domicílio dos RR. constante do contrato, consideram-se recebidas e eficazes as comunicações, uma vez que a responsabilidade do seu não recebimento pelos RR. apenas a estes pode ser assacada», isto nos termos do art.º 224.º, n.º 2, Cód. Civil (cfr., sobre o valor do domicílio como ponto de contacto, Castro Mendes, Direito Civil Teoria Geral, vol. I, poli., pp. 417-419).
Em segundo lugar, a tradição da coisa não impede a resolução nem é sinal de interesse na manutenção do negócio. A tradição da coisa e sua utilização pelo promitente comprador não lhe confere uma posse mas sim uma detenção pelo que a sua posição jurídica é apenas a que resulta do contrato promessa. Não sendo a tradição impedimento da resolução, a consequência óbvia desta é que o promitente comprador deve abandonar a casa — nada mais. Por outro lado, a tradição da coisa cria mais interesse em realizar o contrato definitivo, não em manter indefinidamente em vigor o contrato promessa.
Por último, como se pode afirma que não há incumprimento definitivo se a casa prometida vender é agora de terceiro? Pode o recorrente ainda cumprir o contrato promessa? Pode o recorrente vender hoje o prédio? Claro que não (cfr., por exemplo, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 4 de Fevereiro de 2016).
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 13 de Setembro de 2018
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho