Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
177/14.8TARMR.E1
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: EXECUÇÃO DE COIMAS E CUSTAS
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - A atribuição de competência material do tribunal afere-se pela natureza da matéria em causa.

II - Perante a contextura normativa, os processos de execução por coima transcendem os estritos quadros dos processos de execução de natureza cível, contemplados no art.º 129.º da LOSJ. Com efeito, o regime procedimental não tem a virtualidade de subverter a natureza das questões substantivas subjacentes ao título executivo, e que ainda podem vir a ser suscitadas em sede de execução. É, aliás, a nosso ver, essa a razão nuclear das ressalvas feitas no n.º 2 do artigo 129.º da LOSJ e a que melhor se enquadra numa ideia de coerência do sistema judicial.

III - A atribuição de competência material às secções de competência genérica da instância local respectiva, para as execuções por coima, é o que mais coerente se apresenta com a consagração, no art.º 131.º da LOSJ, da competência das “secções de competência genérica da instância local (…) para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável” e com o disposto nos artigos 89.º, n.º1, e 61.º do RGCO.

IV - O Tribunal materialmente competente para a execução de coima aplicada por entidade administrativa é o Tribunal para onde teria cabido competência para a impugnação judicial dessa decisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam, precedendo conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de Execução por Coima nº 177/14.8TARMR, da Comarca de Santarém (Rio Maior - Instância Local - Secção de Competência Genérica - Juiz 1), o Ministério Público recorre do despacho judicial, datado de 25 de Novembro de 2015, que decidiu declarar a incompetência absoluta daquele tribunal para tramitar tais autos, em que é executada A., Lda., absolvendo esta da instância e ordenando a remessa dos mesmos às secções de execução competentes.

O Ministério Público extrai da motivação do recurso as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do despacho proferido a fls. 133 e ss. dos autos, no qual a Mma. Juíza a quo declarou a Instância Local de Rio Maior materialmente incompetente para conhecer da presente execução, determinando a remessa dos autos para a Secção de Execução do Entroncamento;

2. Sustentou o Tribunal a sua posição na interpretação das disposições conjugadas dos arts. 129.º e 131.º, ambos da LOSJ, concluindo que a competência em matéria de execução de coimas emergente de decisão proferida por entidade administrativa é da Secção de Execução;

3. Não existe norma expressa na LOSJ quanto à competência para conhecer as execuções de coima aplicada por entidade administrativa;

4. A competência material das secções de execução encontra-se delimitada pelos “processos de execução de natureza cível”;

5. A presente execução não se trata de processo de natureza cível uma vez que à mesma, segundo dispõe o art. 89.º, n.º 2, do RGCO, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa;

6. A ressalva prevista na parte final do n.º 2 do art. 129.º da LOSJ reporta-se, apenas a execuções relativas a pedido de indemnização cível enxertado no processo-crime (desde que não carecido de liquidação prévia).

7. À luz dos critérios norteadores da interpretação da Lei, designadamente o elemento sistemático e teleológico não faria sentido a secção de competência local ser a competente para apreciar a impugnação judicial da decisão administrativa e não ser a competente para a execução dessa mesma decisão administrativa;

8. No decurso da acção executiva a seu devido tempo podem, em abstracto, ser suscitadas questões relativas à exequibilidade da decisão administrativa, que constituam causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação tais como, prescrição ou nulidades, as quais pela natureza dos problemas que concatenam, não podem ser classificadas como questões de “natureza cível”;

9. O disposto no art. 129.º, n.ºs 1 e 2, da LOSJ, corresponde, no essencial, ao que dispunha o art. 126.º, n.ºs 1 e 2, da LOFTJ aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28/08;

10. No âmbito da Lei n.º 52/2008 de 28/08 a Jurisprudência já sufragava entendimento de que seriam os juízos criminais, e não os juízos de execução, os detentores de competência material para o conhecimento de execução de coima aplicada por entidade administrativa;

11. Na falta de norma expressa na LOSJ terá de ser aplicável o disposto no art. 130.º, n.º 1, als. als. a) e e), daquela Lei, na interpretação de que a competência para conhecer a execução de coima aplicada por decisão de autoridade administrativa pertence à Secção de Competência Genérica;

12. O despacho recorrido é ilegal por violação do disposto nos arts. 129.º, n.º 1 e 2, 130.º, 131.º, todos da LOSJ e art. 89.º, ns. 1 a 3 do RGCO;

13. O despacho recorrido deverá ser revogado e em seu lugar deverá ser proferido despacho que considere competente a Secção de Competência Genérica da Instância Local de Rio Maior para conhecer dos presentes autos de execução, seguindo-se os demais termos até final,

14. Sem conceder, a entender-se existir incompetência absoluta, consideramos que, em rigor, não deverá ser declarada a absolvição da instância, o que, em teoria, significa que a execução não poderá prosseguir, mas apenas ordenada a remessa dos autos para o suposto Tribunal materialmente competente, nos termos do art. 104.º, do DL n.º 49/2014 de 27/03 por se tratar de execução anteriormente pendente, assim se fazendo JUSTIÇA

Não houve resposta ao recurso.

Neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer (fls. 165 a 171), citando a jurisprudência maioritária deste Tribunal da Relação, nomeadamente os acórdãos proferidos em 19-11-2015 (proc.370/02.6TBFAR.E1, 892/07.2TAFAR.E1, 1625/08,1TAFAR.E1 e 2720/09.5TAFAR.E1), não obstante – certamente por lapso, pois não aponta razões para divergir – pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso.

Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, o processo foi à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.
Uma única questão, em breve síntese, é suscitada no presente recurso, a de saber qual é o tribunal/secção competente para tramitar a execução para cobrança de uma coima aplicada por uma autoridade administrativa (se a secção de competência genérica da instância local, ou se, pelo contrário, a secção de execução).

2 - A decisão recorrida.

O despacho objeto do recurso é do seguinte teor:

[“Dispõe o artigo 129º n.º 1 da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto, entrada em vigor no dia 1 de setembro de 2014, que compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

Acrescenta o seu n.º 2 que “Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, às secções de família e menores, às secções do trabalho, às secções de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível.” (sublinhado nosso).

O artigo 131º estabelece, por sua vez, que as secções genéricas da instância local, no que ora nos interessa, são competentes para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável.

Resulta evidente do exposto que, em matéria de execução, as secções de instância local criminal apenas têm competência para executar decisões, (em sentido amplo, quer sejam sentenças, decisões de recursos de contraordenação, despachos de aplicação de multas, custas e indemnizações) por si proferidas, sendo certo que relativamente às sentenças, com a ressalva da parte final do n.º2 do artigo 129º supra citado.

Ora, não se incluindo a presente execução de coima e custas em nenhum dos casos supra referidos, porquanto não foram as mesmas aplicadas por nenhuma decisão deste tribunal, terá necessariamente de cair na regra geral prevista no n.º1 do artigo 129º que atribui competência às secções de execução.

A este entendimento não obvia o facto do referido preceito se referir aos processos de execução de natureza cível. Com efeito, tal qualificativo reporta-se à natureza da execução e não à origem do respetivo título executivo ou à natureza do processo onde a mesma teve origem. Para efeitos de qualificação da natureza da execução como cível, deve-se apenas considerar a execução patrimonial das decisões proferidas, por contraponto à natureza criminal da execução que inclui, a título de exemplo, a passagem de mandados de captura; a substituição de uma pena de multa por dias de trabalho; o pagamento da multa em prestações ou a sua conversão em prisão subsidiária.

Tanto assim é que é o próprio artigo 129º n.º 2 que exclui do número anterior as execuções proferidas por secção criminal, utilizando a expressão “estão excluídos do número anterior”.

Ora, se tal exclusão decorresse já, e por si só, da própria natureza da execução por referência à natureza do processo que deu origem à decisão que lhe serve de base, seria totalmente redundante e desprovida de sentido utilizar a expressão referida.

Se o legislador teve necessidade de consagrar a expressão “estão excluídos do número anterior” deveu-se inequivocamente ao facto das execuções referidas no número dois do artigo 129º terem ou poderem ter natureza cível.

E isto, porque, na hermenêutica legislativa o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, conforme resulta do disposto no artigo 9º n.º 3 do Código Civil.

Acresce que o artigo 131º cria uma norma especial relativa à execução de custas, multas e indemnizações, atribuindo competência às secções de competência genérica da instância local (que se desdobra em secções cíveis e secções criminais) para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável.

É certo que este preceito não se refere expressamente às coimas. No entanto, estas deverão ser, para estes efeitos, equiparadas à multa penal, conforme dispõe o artigo 89º n.º 2 do Decreto-lei n.º 433/82 de 27 de outubro.

Esclarece-se que este preceito não atribui qualquer competência para a execução das coimas, limitando-se a remeter o seu regime de execução, com as necessárias adaptações, para o regime previsto no Código de Processo Penal para a execução da multa. O que, na prática, significa, como bem refere António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, nas suas Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas” (3ª Edição, Almedina, página 288), a remissão para os artigos 491º e 510º do CPP, onde, por sua vez, se faz remissão para o Regulamento das Custas Processuais.

Assim, aplicando-se também às coimas o regime das multas criminais, vamos novamente cair no artigo 129º – no n.º2, sendo da competência das secções criminais a execução de coimas que decorram de decisão proferida por esses tribunais (em sede de recurso de contraordenação); e no n.º1 – sendo da competência das secções de execução nos restantes casos (ou seja quando as mesmas decorram de uma decisão administrativa).

Sendo certo que a equiparação da coima às multas processuais, seguiria o regime do artigo 131º da Lei 63/2013 que apenas atribui competência às instâncias locais para executar multas de decisões por si proferidas, o que, mais uma vez, não é o caso.

Em reforço do elemento literal de interpretação que se vem defendendo está o elemento teleológico, na medida em que o espírito que enformou a reforma da organização judiciária foi precisamente o princípio da especialização, nenhuma razão se vislumbrando para que uma execução de natureza cível, ou seja, de natureza meramente patrimonial ocupe as secções de competência genérica, quando exista na comarca secções de execução. Tendo, ainda, sido esse o principal objetivo também da própria reforma executiva - libertar os tribunais que declaram o direito da atividade executiva.

A incompetência material consubstancia uma incompetência absoluta, nos termos do disposto no artigo 96º alínea a) do CPC, consistindo numa exceção dilatória e que implica a absolvição do R. da instância, nos termos do disposto nos artigos 577º alínea a) e 99º n.º 1 do CPC.

Em face do exposto, declaro a incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer a presente execução e, em consequência, a absolvição do R. da instância.

Após trânsito, remeta os autos às secções de execução competentes e dê a correspondente baixa. Notifique”].

3 - Apreciação do mérito do recurso.
A questão, ora posta ao conhecimento deste tribunal, já foi suficientemente debatida no âmbito de vários recursos, com o mesmo objeto, aqui julgados, um dos quais subscrito pelo ora relator, enquanto adjunto (Processo 892/07.2TAFAR.E1 – relator António João Latas, acessível in www.dgsi.pt), pelo que não vemos objetivas razões para não secundar o entendimento dominante no sentido de que a competência para tramitar a execução para cobrança de uma coima (e das custas respetivas) cabe, no caso, à secção de competência genérica da instância local de Rio Maior e não às secções de execução. [1]

Como se disse no referido acórdão, embora referindo-se a uma secção criminal, pois aquela instância local de competência genérica estava desdobrada em secções cíveis e secções criminais, que aqui se aplica, mutatis mutandis:

“2.1. Foi objeto de acórdãos recentes deste tribunal da Relação a decisão de questão de competência em razão da matéria em tudo idêntica à que é objeto do presente recurso, os quais têm decidido unanimemente que o tribunal competente para a execução por coima e custas aplicadas por decisão administrativa, é o tribunal de competência especializada em matéria penal e não as Secções de execução de Instância central ou local, contrariamente ao entendimento expresso nas decisões judiciais de 1ª Instância que deram origem a recursos interpostos pelo MP, tal como se verifica no caso presente.

Assim, limitamo-nos a enunciar as principais razões pelas quais sufragamos aquele mesmo entendimento, remetendo para uma análise e fundamentação mais ampla da questão para o Ac RE proferido nesta mesma data no processo com o NUIPC 1255/11.0TAFAR.E1, relator, Alberto Borges.

2.1. Em nosso ver, a competência das secções criminais da Instância local ou central para conhecer da execução por coima aplicada por entidade administrativa resulta essencialmente da remissão do art. 89º nº1 para o art. 61º, do Regime das Contraordenações (RGCO) aprovado pelo Dec-lei 433/82, com as alterações subsequentes, normas estas que não foram consideradas pelo despacho recorrido.

Na verdade, o art. 89º nº1 do RGCO determina que a execução da coima por falta de pagamento será promovida perante o tribunal competente nos termos do art. 61º do RGCO, ou seja, perante o tribunal materialmente competente para conhecer do recurso de impugnação judicial em cuja área territorial se tiver consumado a infração. Ora, mantendo no essencial a opção legislativa anterior, o art. 130º nº1 e) da atual Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) aprovada pela Lei 62/2013 de 26 de agosto, atribui competência material-regra para “Julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação” às secções criminais das instâncias locais, “salvo os recursos expressamente atribuídos a secções de competência especializada de instância central ou a tribunal de competência territorial alargada”, sem prejuízo, ainda, da competência atribuída às secções de pequena criminalidade pela al. b) do nº3 do mesmo art. 130º.

Sendo estes tribunais, com competência em matéria criminal, os competentes para julgar os recursos de contraordenações por disposição expressa e direta da LOSJ em conformidade, aliás, com a natureza da coima, que constitui sanção de direito público sancionatório, são eles igualmente competentes para a execução de coima por remissão expressa do art. 89.º nº1 do RGCO, sem que possa entender-se que a competência atribuída aos tribunais pelas normas especiais ora citadas, foi derrogada pelo artigo 129.º da LOSJ ao dispor genericamente que “Compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil”.

Assim e tendo ainda em conta os demais argumentos corroboratórios expendidos, entre outros, no Ac RE supracitado, a competência para a execução da coima aplicada por decisão administrativa pertence às secções criminais que teriam competência para julgar os respetivos recursos de impugnação judicial, tal como entendimento expresso no recurso do MP.

Deste modo e considerando ainda que nos termos do artigo 38º da LOSJ a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito ocorridas posteriormente (com as ressalvas ali explicitadas), mantem-se a competência da secção criminal da instância local de (…) para prosseguir com a execução pelas custas aplicadas pela autoridade administrativa.

2.2. Por último, sempre se diga, no que respeita aos efeitos da declaração de incompetência material por parte de tribunal criminal, que esta incompetência, integrando a nulidade insanável de conhecimento oficioso prevista na al. e) do art. 119.º do CPP, não teria como efeito a absolvição da instância mas sim a remessa do processo para outro tribunal por disposição expressa do art. 33º CPP, solução já seguida no CPP de 1929, que não obstante incluir a incompetência do juízo entre as exceções processuais como tal catalogadas no art. 138º do CPP, tratava-a como verdadeiro pressuposto processual negativo ao prever no art. 145º a remessa do processo para o tribunal competente como efeito da declaração de incompetência.”

No mesmo sentido, o acórdão desta Relação de 19-11-2015 (processo 2720/09.5TAFAR.E1- relator João Amaro), onde se disse, nomeadamente, o seguinte:

“Analisando estes textos legais, verifica-se que a competência das “secções de execução”, delimitada no transcrito artigo 129º da LOSJ, é reservada, por regra, ao âmbito dos processos de execução de natureza cível (nº 1 do preceito).

O nº 2 do citado artigo 129º vem em reforço dessa mesma ideia, ao tratar das exclusões à aludida “regra”, clarificando, na sua parte final, a exclusão referente às execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível.

Por seu lado, a competência da instância local está definida no artigo 130.º da LOSJ, de uma forma que, obviamente, abrange todas a matérias residuais (competindo-lhe, por conseguinte, tramitar todas as execuções que não corram perante as “secções de execução”).

Perante um quadro legal assim delineado, é patente a relevância, para efeitos de fixar a competência em análise, da natureza a atribuir à execução por coima (se cível ou se criminal).

Ora, a nosso ver, a execução para cobrança de uma coima aplicada por autoridade administrativa não possui, manifestamente, natureza de “execução cível” (não é um meio de cobrança de uma dívida pecuniária, não pode ser vista apenas na sua vertente patrimonial).

Na verdade, a coima é uma sanção (tem caráter punitivo), decorre da prática de uma contraordenação (de uma conduta típica, ilícita e censurável), sendo a execução por coima, no fundo, um meio coercivo de cumprimento de tal sanção.

Veja-se, a propósito, que a coima é passível, desde que a lei o preveja (e pode prever), de ser “total ou parcialmente substituída por dias de trabalho…”, quando o tribunal “concluir que esta forma de cumprimento se adequa à gravidade da contraordenação e às circunstâncias do caso” (artigo 89-A do RGCO).

Atente-se também que, depois de instaurada a execução por coima, podem suscitar-se questões como a amnistia da infração ou a prescrição da coima, questões que, como se nos afigura evidente, possuem natureza contraordenacional, para as quais as secções de execução não estão vocacionadas nem direcionadas.

Em suma: a execução por coima não tem natureza cível, nem faz qualquer sentido, com o devido respeito, equiparar a execução para cobrança coerciva de uma coima a uma execução de natureza cível.

Por outro lado, preceitua o artigo 89º, nºs 1 e 2, do RGCO (norma não derrogada pela LOSJ) que a execução por não pagamento da coima será promovida perante o tribunal competente, segundo o artigo 61º”, “aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa”.

Ora, o tribunal competente para conhecer da impugnação da decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima é o tribunal criminal, pelo que, também por aqui, não sendo paga a coima, a respetiva execução terá de ser promovida perante o tribunal criminal (o tribunal competente para a decisão da impugnação).

E esta é até, perante a natureza da matéria em causa, a única solução harmoniosa, pois que, e repete-se o acima dito, na execução por coima podem, eventualmente, suscitar-se questões relacionadas com a amnistia da infração, ou como a prescrição da coima, etc..

Face a todo o predito, e com o devido respeito por diferente opinião, não faz qualquer sentido, nem tem apoio legal, entender-se que as secções de execução são competentes para a execução para cobrança coerciva de uma coima aplicada por uma autoridade administrativa em processo de contraordenação. (…)”

Em conclusão:

- A atribuição de competência material afere-se pela natureza da matéria em causa.

- Perante a contextura normativa, os processos de execução por coima transcendem os estritos quadros dos processos de execução de natureza cível, contemplados no art.º 129.º da LOSJ. Com efeito, o regime procedimental não tem a virtualidade de subverter a natureza das questões substantivas subjacentes ao título executivo, e que ainda podem vir a ser suscitadas em sede de execução. É, aliás, a nosso ver, essa a razão nuclear das ressalvas feitas no n.º 2 do artigo 129.º da LOSJ e a que melhor se enquadra numa ideia de coerência do sistema judicial.

- A atribuição de competência material às secções de competência genérica da instância local respectiva, para as execuções por coima, é o que mais coerente se apresenta com a consagração, no art.º 131.º da LOSJ, da competência das “secções de competência genérica da instância local (…) para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável” e com o disposto nos artigos 89.º, n.º1, e 61.º do RGCO.

- O Tribunal materialmente competente para a execução de coima aplicada por entidade administrativa é o Tribunal para onde teria cabido competência para a impugnação judicial dessa decisão.

Por isso, a secção de competência genérica da instância local de Rio Maior é a competente para prosseguir os ulteriores trâmites da execução instaurada pelo Ministério Público contra a executada para cobrança de coima e custas aplicadas em processo contraordenacional.

III - DECISÃO
Pelo exposto, concede-se total provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ordenando-se a sua substituição por outra que, considerando a Secção de Competência Genérica da Instância Local de Rio Maior materialmente competente para a execução, determine o seu normal prosseguimento.

Sem custas.

(Texto processado e integralmente revisto pelo relator)

Évora, 26 de abril de 2016

Fernando Ribeiro Cardoso

Gilberto Cunha

_________________________________________________
[1] - Neste mesmo sentido, para além dos acórdãos citados pelo Ministério Público, os acórdãos desta Relação de 19-11-2015, relatora Isabel Duarte (proc. 650/14.8TAFAR.E1) e jurisprudência aí citada, acórdão de 03-12-2015, relator Sílvio Sousa (Proc. n.º1223/11.2TAFAR.E1), 19-01-2016, relatora Maria Filomena Soares (Proc. n.º 835/14.7 TAFAR.E1), todos acessíveis in www.dgsi.pt .