Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
537/22.0T9SLV.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: INCUMPRIMENTO REQUISITOS DO ARTIGO 412º DO CPP
CRIMES FISCAIS
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 11/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Não ostentando a decisão qualquer erro manifesto na apreciação das provas aí indicadas, ou seja, não revelando estas um sentido contrário ao que se fixou na decisão recorrida, nem a decisão tendo firmado um sentido logicamente impossível, com exclusão de factos essenciais ou com consideração de factos incompatíveis, mais não haverá do que concluir não enfermar a mesma do vício de contradição insanável da fundamentação a que se reporta o artigo 410.º, nº 2, alínea b) do CPP.
II - A alegação recursiva, conclusiva e desrespeitadora do regime estabelecido no artigo 412º do CPP, sem indicação concretizada das provas que, na perspetiva dos recorrentes, sustentam o alegado erro de julgamento da matéria de facto, limitando-se a manifestar a divergência de entendimento relativamente à convicção formada pelo julgador, está condenada ao insucesso.

III - Importante na determinação concreta da pena única será a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação do tipo de relação entre os mesmos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente. O que se pretende é a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena única dentro da moldura penal do concurso, tendo sempre em conta as exigências especiais de socialização decorrentes do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

II - Levando em consideração a integração social e profissional do arguido e, bem assim, a circunstância de ao mesmo nunca ter sido aplicada uma pena privativa da liberdade, não se vislumbra que apenas o cumprimento efetivo da pena em estabelecimento prisional satisfaça de forma adequada as necessidades preventivas que o caso reclama, afigurando-se-nos que a ressocialização do arguido será ainda possível se o mesmo se mantiver recluído, junto da sua família, evitando-se o carácter estigmatizante do cumprimento da pena em meio prisional, mas restringindo-o, ainda assim, na sua liberdade e fazendo-o sentir a reprovação dos crimes praticados em razão do seu confinamento, cumprindo a pena em Regime de Permanência na Habitação, fiscalizado através de meios de controlo à distância, nos termos do artigo 43º do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo de Competência Genérica de … - Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 537/22.0T9SLV, foram os arguidos AA, casado, nascido a …1973, em …, filho de CC e de DD, portador do CC nº …, residente no …, …, BB, solteiro, nascido a …1966, na .., em …, filho de CC e de DD, portador do … nº …, residente na Rua da …, … e EE, Lda., sociedade por quotas, pessoa coletiva nº …, com sede na Rua da …, … condenados nos seguintes termos:

- O arguido AA, pela prática, em coautoria, de:

a) um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 3, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e pelos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º ambos do Código Penal, ex vi artigo 3.º, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

b) Um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 7.º, n.º 3 e 105.º, nºs 1, 2, 4 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, em conjugação com os artigos 27.º, 28.º e 41.º, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;

c) Um crime de frustração de créditos, previsto e punível pelos artigos 7.º, n.º 3 e 88.º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

d) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em a) a c), na pena única de 3 (três) anos de prisão.

- O arguido BB pela prática, em coautoria, de:

a) Um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 3, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e pelos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º ambos do Código Penal, ex vi artigo 3.º, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 225 (duzentos e vinte e cinco) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 1.462,50€ (mil, quatrocentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos);

b) Um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 7.º, n.º 3 e 105.º, nºs 1, 2, 4 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, em conjugação com os artigos 27.º, 28.º e 41.º, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na pena de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de 6,50€N(seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 1.495,00€ (mil, quatrocentos e noventa e cinco euros);

c) Um crime de frustração de créditos, previsto e punível pelos artigos 7.º, n.º 3 e 88.º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 845,00€ (oitocentos e quarente e cinco euros); d) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em a) a c), na pena única de 390 (trezentos e noventa) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 2.535,00€ (dois mil, quinhentos e trinta e cinco euros).

- A arguida EE, Lda, pela prática, em coautoria, de:

a) Um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º 1, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e pelos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º ambos do Código Penal, ex vi artigo 3.º, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 550 (quinhentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 8,00€ (oito euros), perfazendo o montante total de 4.400,00€ ( quatro mil e quatrocentos euros);

b) Um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 6.º, n.º 1 e 105.º, nºs 1, 2, 4 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, em conjugação com os artigos 27.º, 28.º e 41.º, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na pena de 650 (seiscentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 8,00€ (oito euros), perfazendo o montante total de 5.200,00€ (cinco mil e duzentos euros);

c) Um crime de frustração de créditos, previsto e punível pelos artigos 6.º, n.º 1 e 88.º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00€ (oito euros), perfazendo o montante total de 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros);

d) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em i) a k), na pena única de 900 (novecentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00€ (oito euros), perfazendo o montante total de 7.200,00€ (sete mil e duzentos euros);

***

Inconformados com tal decisão, vieram os arguidos interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

Conclusões dos recorrentes

“a) Por sentença datada de 25-06-2025, foram os arguidos condenados no seguinte:

1. Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 3, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e pelos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º ambos do Código Penal, ex vi artigo 3.º, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

2. Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 7.º, n.º 3 e 105.º, nºs 1, 2, 4 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, em conjugação com os artigos 27.º, 28.º e 41.º, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;

3. Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria material, de um crime de frustração de créditos, previsto e punível pelos artigos 7.º, n.º 3 e 88.º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

4. Condenar o arguido AA em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em a) a c), na pena única de 3 (três) anos de prisão;

5. Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 3, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e pelos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º ambos do Código Penal, ex vi artigo 3.º, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 225 (duzentos e vinte e cinco) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 1.462,50€ (mil, quatrocentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos);

6. Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 7.º, n.º 3 e 105.º, nºs 1, 2, 4 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, em conjugação com os artigos 27.º, 28.º e 41.º, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na pena de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 1.495,00€ (mil, quatrocentos e noventa e cinco euros);

7. Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria material, de um crime de frustração de créditos, previsto e punível pelos artigos 7.º, n.º 3 e 88.º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 845,00€ (oitocentos e quarente e cinco euros);

8. Condenar o arguido BB em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em e) a h), na pena única de 390 (trezentos e noventa) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 2.535,00€ (dois mil, quinhentos e trinta e cinco euros);

9. Condenar a arguida EE, Lda, pela prática, em coautoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º 1, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e pelos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º ambos do Código Penal, ex vi artigo 3.º, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 550 (quinhentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 8,00€ (oito euros), perfazendo o montante total de 4.400,00€ ( quatro mil e quatrocentos euros);

10. Condenar a arguida EE, Lda, pela prática, em coautoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 6.º, n.º 1 e 105.º, nºs 1, 2, 4 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, em conjugação com os artigos 27.º, 28.º e 41.º, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na pena de 650 (seiscentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 8,00€ (oito euros), perfazendo o montante total de 5.200,00€ (cinco mil e duzentos euros);

11. Condenar a arguida EE, Lda, pela prática, emcoautoria material, de um crime de frustração de créditos, previsto e punível pelos artigos 6.º, n.º 1 e 88.º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00€ (oito euros), perfazendo o montante total de 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros);

12. Condenar a arguida EE, Lda, em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em i) a k), na pena única de 900 (novecentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00€ (oito euros), perfazendo o montante total de 7.200,00€ (sete mil e duzentos euros);

b) Os arguidos não se conformam com a sentença recorrida e consideram que foram incorrectamente julgados e apreciados pelo tribunal “a quo” os factos provados 3, 5, 6, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 a 38 e 40, sendo que, em todos estes factos, apenas deveria constar o nome do arguido Vasco Luz.

c) É ao arguido BB quem exerce as funções de gerente de facto na sociedade arguida, pois, ficou demonstrado em toda a prova produzida que o arguido AA não exerce as funções de gerente de facto;

d) Nos períodos constantes nos autos, ou seja, de Janeiro de 2019 a Janeiro de 2021, e nos períodos de Outubro a Dezembro de 2021, o arguido AA exercia o cargo de Gerente de Direito, uma vez que, ainda figurava no pacto social da sociedade arguida, com o cargo de gerente.

e) O arguido AA, durante esse período, apenas assinou um orçamento, sendo que tal facto, não lhe confere actos de gestão, tal como estão explanados no Código das Sociedades Comerciais, para ser considerado gerente de facto.

f) O arguido AA, desde finais do ano 2018, quando adoeceu deixou de exercer o cargo de gerente de facto, tendo assumido essa função, o arguido BB.

g) O arguido AA está de baixa médica prolongada desde 12 de Março de 2020 e perdura até aos dias de hoje, conforme declaração junta aos autos, emitida pela Segurança Social.

h) Desde logo, a Mm.ª Juiz de Direito do Tribunal a quo deveria ter valorado de forma isenta, imparcial e verdadeira os depoimentos das testemunhas, FF, GG e HH, uma vez que, todas elas convivem com ambos os arguidos e sabem do seu quotidiano.

i) A testemunha FF, ao contrário daquilo que a Mm.ª a quo quis deixar transparecer com o seu comentário (“de cada vez que respondia, olhava para as mãos que esfregava nervosamente, todas as respostas que dava eram curtas e sem concretização”), foi bastante assertivo e verdadeiro, pois conhece bem a realidade da empresa e do seu funcionamento. As perguntas que lhe foram feitas, salvo o devido respeito por melhor opinião, eram de resposta curta e concisa, foi o que a testemunha fez.

j) O Tribunal recorrido não conseguiu ficar isento, nem à margem do que verdadeiramente se passou naquela audiência de discussão e julgamento, em virtude do certificado registo criminal do arguido AA, pois partiu imediatamente para a presunção da culpa, quando deveria tê-lo feito à contrário.

k) O Tribunal recorrido valorou mal os documentos juntos aos autos pela testemunha II, uma vez que, não teve em conta as datas apostas em tais documentos.

l) As datas constantes nos documentos juntos aos autos pela testemunha II (diga-se que, esta foi a única testemunha que o Tribunal recorrido valorou e considerou para efeitos das condenações não coincidem com as datas que estão em causa nos autos.

m) Por isso, não pode o arguido AA, ser condenado como foi, uma vez que, tais documentos dizem respeito a períodos que não estão em causa nos presentes autos.

n) Deve este VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, corrigir tal erro, absolvendo o arguido AA da prática de todos os factos pelos quais está acusado, uma vez que, o arguido BB assumiu a responsabilidade dos factos constantes da douta acusação, no que toca ao crime de abuso de confiança fiscal e abuso contra a segurança social.

o) Todas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público, indicaram que durante o período constante dos autos, o arguido AA não exercia funções de gerência.

p) Pelo que, dúvidas não restam que, o arguido AA, deve ser absolvido.

q) E deve ser absolvido, não só porque não praticou os factos, mas, e se ainda dúvidas houvessem, e em obediência do principio do In dubiu pro reo, uma vez que, na dúvida, deve o arguido ser absolvido, pois em caso de dúvida nunca deve o arguido ser penalizado.

r) O arguido AA já não é gerente da sociedade arguida, nem gerente de facto, nem gerente de direito, uma vez que, já foi alterado e actualizado o pacto social da sociedade arguida, conforme certidão permanente junta aos autos.

s) A Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” assenta a sua condenação apenas e tão-só na testemunha II, tendo em consideração os documentos juntos por esta testemunha, no dia da audiência de discussão e julgamento – troca de email’s – os quais estão datados, todos eles em períodos que nada condizem com os períodos dos autos.

t) No processo 537/22.0 T9SLV, fala-se nos períodos de Janeiro de 2019 a Janeiro de 2021;

u) No processo 50/23.9IDFAR, fala-se no período de Outubro de 2021 a Dezembro de 2021.

v) Os emails juntos aos autos, pela testemunha II, falam que a contratação do orçamento foi realizado em junho de 2021. E depois, só já em meados de 2022 é que surge um email em que está a assinado o nome do arguido AA.

w) A fundamentação e a argumentação da Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” não está bem, nomeadamente pela forma como valorou estes documentos. Fê-lo de uma forma errada.

x) Como consequência desse erro da apreciação da prova, deu origem à condenação do arguido AA, numa pena de prisão efectiva.

y) A Mm.ª Juiz não valoriza o depoimento das testemunhas: FF, GG, HH, porque alegadamente estas testemunhas – as quais foram arroladas pelo Ministério Público – estariam a “favor” do arguido.

z) O depoimento destas testemunhas foi idêntico, quer na audiência de discussão e julgamento, quer na fase de inquérito.

aa)A testemunha HH até se poderia ter recusado a depor, uma vez que é mulher do arguido AA, no entanto, a mesma decidiu prestar depoimento e respondeu ao que lhe foi questionado, de uma forma esclarecedora e bastante calma. Referindo que, não sabia da proveniência do dinheiro, sendo certo que, referiu que a sociedade arguida lhe devia dinheiro a título dos salários em atraso.

bb) A Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” andou mal, muito mal mesmo, ao valorar, da forma como valorou, os documentos juntos aos autos pela testemunha II.

cc) Esta testemunha tem interesse no desfecho do processo, desde logo porque contratualizou os serviços da sociedade arguida e tais serviços não foram concluídos pela sociedade arguida, tendo havido a ruptura do contrato de empreitada que havia sido assinado entre a testemunha e o arguido BB, logo, nunca poderia a Mm.ª Juiz concluir, da forma como concluiu, mencionado e frisando que, esta testemunha se mostrou totalmente credível.

dd) E sublinhamos a forma como o Tribunal recorrido fundamentou esta questão, nomeadamente: “Salienta-se que a testemunha II não tem qualquer interesse no desfecho da causa, não tendo qualquer ligação aos arguidos e à sociedade, motivo pelo qual o seu depoimento se mostrou totalmente credível, por oposição ao prestado, desde logo, por HH e por BB, cujos laços familiares a AA motivam declarações que não correspondem à verdade, numa tentativa de evitar mais uma condenação deste e, eventualmente, uma pena de prisão. (…)”.

ee) Ora, é precisamente aqui que a Mm.ª Juiz está errada, ao fazer este juízo de valor, basta lermos o teor dos emails, para percebermos que houve uma ruptura entre a testemunha, a sociedade arguida e o arguido BB, não tendo estes terminado a obra que haviam iniciado.

ff) A Mm.ª Juiz, salvo o devido respeito por melhor opinião, partiu logo de um raciocínio totalmente viciado, nem tendo em atenção as datas constantes nos ditos documentos, pois se tivesse tomado atenção aos mesmos tinha-se apercebido que nunca poderia valor tal prova como o fez, pois tais períodos não correspondem aos períodos constantes dos autos, pelo que, nunca poderia condenar o arguido da forma como fez.

gg) A verdade é que, a Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” valorou incorrectamente a prova produzida na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente não valorou convenientemente os depoimentos das testemunhas FF, HH, GG e à contrário sensu, a testemunha II.

hh) O arguido AA nunca esteve preso. O meio prisional só iria causar estigma na sua vida.

ii) O arguido AA já não praticará qualquer ilícito penal, pelo menos desta natureza, uma vez que já não faz parte da sociedade arguida, pois renunciou à gerência.

jj) O Arguido AA continua doente.

kk)O arguido AA continua de baixa médica.

ll) O arguido AA sofre de obesidade mórbida, e associado à sua doença, padece de várias outras doenças que lhe surgiram por força da obesidade mórbida de que padece.

mm) O meio prisional não será o que melhor se adequa, sendo certo porém que, o arguido já não está ligado à sociedade arguida, pelo que, não restam dúvidas que, não voltará a cometer tais ilícitos penais.

nn) A máxima de que: “é preferível absolver um culpado do que condenar um inocente”, tem que ser aplicada, porque é precisamente aqui se norteia o principio do “in dubiu pro reo”.

oo) Após a produção de prova, se restar dúvida razoável e insanável sobre factos essenciais para a condenação, o Tribunal deve decidir a favor do arguido.

pp) O principio do in dubiu pro reo não se confunde com a livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP), mas funciona como limite a essa apreciação.

qq) Sabemos que o Juiz tem a liberdade de valorar as provas, mas não pode condenar se a dúvida for insuperável. as provas, no entanto, tal apreciação está vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum.

rr) Tal liberdade de decidir tem que se pautar pelo bom senso e a experiência de vida, temperados pela capacidade critica de distanciamento e ponderação, aparecendo limitada pelo dever de perseguir a verdade material, devendo por isso ser sempre, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e susceptível de motivação e controlo – cfr. artigo 374.º, n.º 2 do CPP.

ss) O artigo 127.º do CPP patenteia um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

tt) A sentença recorrida violou as regras da experiência, decidindo contrariamente às mesmas ao decidir que alguém, que não teve qualquer acto de gestão na sociedade arguida, nos períodos compreendidos entre Janeiro de 2019 e Janeiro de 2021 e entre Outubro e Dezembro de 2021, possa ser condenado da forma como foi, apenas pelo juízo mal formado dos seus antecedentes criminais, não tendo a Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” conseguido manter-se distante disso.

uu) Concluímos que a forma como nos surgem equacionadas as matérias supra referidas na sentença recorrida constituem um atropelo às regras da lógica e da experiência, consubstanciando diversas situações subsumíveis ao disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

vv) Na sentença em apreço não se lançou mão das regras da experiência comum e da “normalidade das coisas”, pois se tal o fizesse a decisão redundaria na absolvição do arguido AA.

ww) Atendendo à prova produzida na audiência de discussão e julgamento sempre se diria que a absolvição do arguido AA era de se impor ao caso concreto.

xx)A Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” entendeu mal, a nosso ver, que se o arguido AA tivesse deixado definitivamente de trabalhar na empresa, não faria sentido que o irmão, o arguido BB, lhe fosse entregar orçamentos para “passar a limpo”.

yy) Com efeito, e salvo o devido respeito por melhor opinião, mas para além do registo da Conservatória da sociedade, nenhuma prova consta dos autos que a arguido tomasse decisões relativas ao destino da sociedade, sendo que a simples aposição pontual da sua assinatura quando instado por quem tinha efectiva responsabilidade nos destinos da sociedade não permite responsabilizá-lo criminalmente, e muito menos o facto de ter “passado a limpo” um orçamento.

zz) Sendo que, os documentos juntos aos autos pela testemunha II, jamais poderiam ser valorados como forma em detrimento da restante prova documental junta e das prova testemunhal. Até o próprio inspector tributário, JJ, não mencionou qualquer tipo de acção que indiciasse ou levasse a crer que a versão carreada para os autos pelos arguidos AA e BB era falsa, ou seja, que o AA não exercia, desde pelo menos finais do ano 2018 quaisquer actos de gestão na referida sociedade arguida.

aaa) Em suma, devem os pontos mencionado supra, da matéria de facto dada como provada, serem alterados passando a configurar como não provados.

bbb) São, as seguintes, as provas que, em nosso entender impõem decisão diversa da recorrida e que servem para comprovar que não foi o arguido quem praticou o crime de abuso de confiança fiscal, muito menos o crime de frustração de créditos, pois o arguido, pois nunca, em tempo algum, deu ordens a quem quer que fosse para depositar dinheiro na conta da testemunha HH.

ccc) Em primeiro lugar temos as declarações do próprio arguido que negou a prática dos factos e explicou que “desde 12 de Março de 2020 que se encontra de baixa médica” e que está ausente do trabalho, sendo que, quem toma e assume o comando da sociedade arguida é o outro sócio da sociedade, BB. Disse ainda que: “quem gere a firma é o irmão”, BB.

ddd) Curioso, a Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” não valorou o depoimento do contabilista da sociedade arguida, porque diz que este mentiu. No entanto, não foi levantado qualquer auto por falsidade de depoimento contra a referida testemunha. E não foi feito, porque a Mm.ª Juiz sabe a testemunha esta a falar verdade. Sabe que, realmente desde, pelo menos, a o inicio da baixa médica, que o arguido AA não pratica actos de gerência/administração da sociedade arguida. E sabe-o não só deste processo, mas de outros processos em que já ouviu a mesma versão e valorou-a. Poder-se-á ouvir nas gravações do áudio da sessão do dia 17.06.2025, onde a testemunha terá referido o seguinte: “desde Março de 2020, desde que o AA ficou de baixa, os contactos a partir daí, são com o BB”.

eee) Da análise crítica da prova não se pode concluir como concluiu o douto tribunal “a quo”, devendo os factos provados n.ºs 3, 5, 6, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 a 38 e 40 serem dados como não provados, pelo menos, no que respeita ao arguido AA, tendo em conta as declarações dos arguidos AA e BB, conjugado com o depoimento das testemunhas FF, HH, GG, JJ, tendo sido transcritos excertos desses depoimentos e que impõem decisão diversa da ora recorrida e que deverão ser renovadas, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que determina a final a alteração da sentença, devendo resultar na absolvição do arguido AA.

fff) Pode-se concluir que os factos dados como provados se encontram em contradição a prova feita com a decisão proferida.

ggg) Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, deverá o arguido AA ser absolvido.

hhh) Os factos provados n.º 7, 8, 9, 12 e 15 também se encontram mal julgados porquanto, em bom rigor, o julgador deve ter na base do seu labor o ius naturalismo e a consciência jurídica geral e, bem assim, o poder autárquico da norma jurídica, ora o que esteve na base da criminalização já não existe, encontra-se afastado ou inexistente o bem jurídico, não existindo na norma tal elemento, o mesmo é vazio e tem força somente ao implodir o estatuído. O juiz administra a justiça em nome do povo, que é de onde emerge a consciência jurídica geral, existindo hoje em dia uma alteração dessa mesma consciência jurídica, logo não faz sentido que os nossos tribunais continuem a punir e a punir situações de abuso de confiança fiscal, nomeadamente à Autoridade Tributária, quando esta é um dos piores exemplos que, todos nós, contribuintes temos. Não existindo assim qualquer juízo de valor a proteger, nomeadamente o bom exemplo que o Estado nos dá, a nós, povo português.

iii) Vejamos pois, o gerente de Direito é investido nos termos do Código das Sociedades Comerciais por essa via, automaticamente, com poderes para administrar e representar a sociedade. O gerente de facto é quem materialmente e ontologicamente exerce actos de gestão e representação da sociedade, pelo que, no caso concreto, o AA apenas é o gerente de Direito, sendo que, quem exerce os actos de gestão de facto é o sócio BB, conforme ficou provado pelo depoimento das várias testemunhas, nomeadamente FF, HH, GG e até do próprio Inspector Tributário, JJ.

jjj) Parece-nos que a sentença recorrida parece perfilhar o entendimento segundo o qual, tratando-se o crime de abuso de confiança fiscal (processo 50/23.9 IDFAR), um crime omissivo, o pagamento do IVA liquidado e declarado à Administração Fiscal, é exigível assim que decorra o prazo para o efeito mesmo que o sujeito tributário não tenha recebido a quantia do cliente/devedor.

kkk) Trata-se de um entendimento com algum apoio jurisprudencial.

lll) É certo que o IVA é devido desde a respectiva venda, facturação, liquidação e declaração aos serviços, e não desde o momento do pagamento da transacção que lhe deu origem. Por isso, o pagamento do IVA liquidado e declarado é exigível logo que decorra o respectivo prazo, tenha ou não sido recebido do devedor seguinte.

mmm) Mas se as coisas se passam assim a nível fiscal, não é, porém, lícito concluir que para efeitos criminais, isto é da consumação de um crime de abuso de confiança fiscal, é indiferente saber se ocorreu ou não efectiva a cobrança do imposto aos clientes.

nnn) Salvo o devido respeito, importa não confundir a responsabilidade tributária pelo imposto devido com a responsabilidade penal tributária. O facto gerador da responsabilidade tributária é autónomo da responsabilidade criminal: a obrigação tributária existe independentemente do crime.

ooo) Ora, afigura-se-nos - conforme de resto constitui doutrina e jurisprudência amplamente maioritárias - que o crime de abuso de confiança fiscal tem, como um dos seus elementos objectivos, a dedução ou o recebimento da prestação tributária, o que, no âmbito do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), significa que o devedor tributário só pode praticar esse crime se tiver recebido o montante da prestação tributária, se esta lhe tiver sido entregue pelo adquirente.

ppp) No caso IVA, só comete o crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º do RGIT, aquele sujeito passivo que tendo efectivamente recebido o montante devido pela cobrança do imposto e esteja por isso obrigado à sua entrega ao Estado, o não faça no prazo legalmente fixado para tal.

qqq) Assim sendo, a douta sentença entra, na modesta opinião da recorrente, em contradição da fundamentação, na medida que não foi dado como provado o valor exacto que a arguida sociedade recebeu dos clientes, nem o que foi pago posteriormente, nem o valor que ainda está em dívida.

rrr) Pelo que a sociedade arguida e o arguido BB só poderiam ser condenados pelo facto de não terem entregue nos cofres do Estado a quantia que efectivamente recebeu até à data limite de pagamento.

sss) Assim parece existir contradição insanável na fundamentação, verificando-se o vício da alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.

ttt) Quanto ao crime de frustração de créditos, as mesmas considerações se tecem quanto a este tipo e crime, sendo que, nunca houve qualquer tentativa de frustração de créditos da parte do arguido BB. O que houve foi a tentativa de liquidar salários em dívida com a funcionária HH, tal como a própria referiu e que foi corroborado pelo próprio arguido, pois se se tratasse de uma verdadeira frustração de créditos, nenhum dinheiro passaria pela conta da sociedade arguida, e isso o Tribunal apurou que é falso.

uuu) Por isso, devem todos os arguidos ser absolvido da prática deste tipo de crime, por não o terem praticado.

vvv) Quanto à medida concreta da pena aplicada quer à sociedade arguida, quer ao arguido BB, a mesma é exagerada e desajustada à realidade, pois tendo em conta que o arguido BB é primário, e que os seus rendimentos são diminutos, entendemos que o quantitativo diário aplicado ao arguido é exagerado, assim como os dias de multa em que o mesmo foi condenado, pelo que, deve o Venerando Tribunal da Relação de Évora repor a verdade e a razoabilidade.

www) O arguido AA deve ser absolvido da prática de todos os factos pelos quais esta acusado e pelos quais foi condenado, por não ser ele o gerente de facto da dita sociedade arguida.

xxx) Os recorrentes requerem ainda que, havendo lugar a alegações, sejam as mesmas produzidas por escrito, nos termos legais.”

Solicitam, pois, os recorrentes a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que os absolva da prática dos crimes que lhe vêm imputados ou, subsidiariamente, que lhes aplique penas mais reduzidas.

*

Os recursos foram admitidos.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência dos recursos e pela consequente manutenção da sentença recorrida, tendo apresentado os seguintes fundamentos:

Resposta do Ministério Público

“QUESTÃO PRÉVIA

Como é consabido são as “Conclusões” – resumo das razões do pedido -, extraídas pelo recorrente, que definem e delimitam o objecto do recurso, conforme resulta do art. 412º, nº1, do C.P.P.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o Tribunal de recurso tem de apreciar (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2ª Edição, pág. 335), sem prejuízo daquelas que são do conhecimento oficioso do Tribunal, e caso este disponha de elementos suficientes para tomar uma decisão.

As conclusões do recurso são uma enunciação, de forma clara e objectiva, da síntese dos fundamentos expostos no corpo das alegações, pelas quais o recorrente entende que se justifica a revogação da decisão recorrida.

Ora, da peça de interposição do recurso apresentada pelos arguidos o que resulta é que as conclusões por si formuladas mais não são do que a repetição ipsis verbis da motivação do recurso interposto.

A mera repetição, nas conclusões, das alegações apresentadas na motivação do recurso, constitui, em nosso modesto entender, uma ausência de conclusões, a qual deve implicar a rejeição do recurso.

Por outro lado, a apresentação de motivação em nome dos três arguidos, não só torna incompreensível e confusa a explanação dos fundamentos do recurso – não se percebe onde começam umas e acabam outras-, como também dificulta, e muito, a apreciação do recurso, já que os fundamentos do recurso diferem de arguido para arguido.

II.B – DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

Para o caso de assim não se entender, sempre se dirá que os arguidos assentam o seu recurso, essencialmente, em cinco questões distintas:

a) Erro notório na apreciação da prova;

b) Aplicação ao arguido AA, de uma pena de prisão efectiva;

c) Violação do principio in dúbio pro reo;

d) Dosimetria da pena imposta aos arguidos BB e “EE”;

e) Não verificação dos elementos constitutivos dos crimes pelos quais os arguidos acabaram por ser condenados.

Relativamente à primeira questão, depois de começarem por alegar que se verifica um erro notório na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, os Recorrentes acabaram por se insurgir sobre determinados factos dados como provados, quais sejam os factos dados como provados nos pontos 2,5,6,8,10,11,12,13,14,15,16,17 a 38 e 40.

No entender dos Recorrentes, a douta sentença recorrida enferma de erro na apreciação da prova pelo facto de a M.ma Juiz recorrida ter valorado o depoimento de uma testemunha, o II, e os documentos por este apresentados, quando, no seu entendimento, deveria ter valorado, não só as declarações dos arguidos, como também o depoimento das testemunhas FF, HH e GG.

Mais entendem os recorrentes que, por isso, a M.ma Juiz recorrida desconsiderou a prova efectivamente produzida, e condenou-os sem lhe conceder o benefício da dúvida, violando assim o principio “in dúbio pro reo”.

Entende o arguido AA que a pena de 3 anos de prisão efectiva que lhe foi imposta é desadequada, já que nunca esteve preso, não praticará qualquer ilícito penal desta natureza já que renunciou à gerência da firma EE, e encontra-se doente.

Referem também os arguidos BB e EE que as penas que lhe goram impostas são exageradas e desajustadas da realidade, já que não foram levados em conta os seguintes elementos: o arguido BB é primário, os seus rendimentos são diminutos.

Por ultimo teceram os arguidos algumas considerações sobre a verificação, ou não, dos elementos constitutivos dos crimes pelos quais acabaram por ser condenados, designadamente o facto de não ter sido apurado, de forma clara, e precisa, os montantes efectivamente recebidos pelos arguidos dos seus clientes.

Ora, é nosso parecer que aos Recorrentes não assiste qualquer razão, e pelos motivos que passamos a explanar.

III - DA RESPOSTA À MOTIVAÇÃO

Temos para nós, quanto ao primeiro dos fundamentos, que a douta sentença recorrida não padece de qualquer dos vícios elencados pelo art. 410º, nº2, do C.P.P., designadamente o facto de a matéria dada como provada ter sido indevidamente apreciada.

Tais vícios, como unanimemente se reconhece, têm que resultar da própria decisão, e verifica-se o vício de erro na apreciação da prova, quando se dá como provado algo que é notoriamente errado, o que de forma evidente, não sucede no caso concreto.

O vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º, nº2, al. c), do C.P.P., só pode servir de fundamento à motivação de recurso desde que resulte do texto da sentença recorrida, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum (ver neste sentido o douto Ac. do T. C. de 19/11/1996, in BMJ nº 461, pág. 93).

Verifica-se este erro notório de apreciação da prova quando se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, o qual tem de ser observado no texto da decisão recorrida.

Ora, da análise da douta sentença recorrida não se extrai esse ou qualquer outro vício da sentença.

Pretendem os arguidos, ora recorrentes, que se faça uma reapreciação da matéria de facto, por forma a que a mesma seja dada como não provada.

Ora, como ao Tribunal “ad quem” está vedada a realização de um novo julgamento que incida sobre a totalidade da decisão, o que este poderá fazer é uma reavaliação dos pontos concretos da matéria de facto que sejam indicados pelo recorrente.

Para tanto, preceitua o art. 412º, nº1, do C.P.P., que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

E acrescenta o nº 3, do referido preceito legal, que “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas”.

Tem, assim, o recorrente o ónus de especificar com clareza os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, e mencionar quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Com este dever legal de indicação precisa, concreta, clara, pretende-se permitir ao recorrente que aponte ao Tribunal “ad quem” o que na sua perspectiva foi mal julgado, e oferecer uma proposta de correcção que possa ser avaliada.

Ora, como bem resulta da motivação, os arguidos não cumpriram, minimamente, com tal dever, pelo que a consequência jurídica será a de verem impossibilitado o conhecimento da matéria de facto por parte do Tribunal superior.

Na verdade, os arguidos limitaram-se a referir que o depoimento prestado pela testemunha II, e os documentos por este apresentados, não se mostram suficientes para que pudessem ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos 3,5,6,8,10,11,12,13,14,15,16,17 a 38 e 40 da matéria fáctica estabelecida na douta sentença recorrida.

Os arguidos indicaram os pontos da matéria de facto que consideram não poderem ser dados como provados – indicaram os pontos suprarreferidos.

Mas quanto à indicação das concretas provas que impõem decisão diversa, apenas indicaram a sua versão dos factos.

Como muito bem se refere na fundamentação da douta sentença foi a apreciação conjunta dos depoimentos prestados por todas as testemunhas, a apreciação dos documentos juntos aos autos, tudo o que foi apreciado de forma crítica e objectiva, que permitiu chegar à determinação dos factos dados como provados.

As testemunhas inquiridas, cada uma na sua medida, acabaram por trazer à audiência de julgamento alguns elementos indiciários, ainda que pequenos e limitados, mas pertinentes e fundamentados, que, apreciados de forma conjunta, conjugada e concertada, permitiram à M.ma Juiz recorrida chegar à conclusão que os arguidos praticaram, em co-autoria, os factos dados como provados.

Cada uma dessas testemunhas trouxe um pedaço de vida que foi apreciado livremente pelo Tribunal, de forma clara, objectiva, imparcial, o qual, depois de conjugado com a demais prova produzida em audiência, permitiu chegar à fixação da matéria de facto.

Não se vislumbra, pois, qualquer erro na apreciação que se fez da prova produzida em audiência de julgamento.

Não obstante, e mesmo que assim não se entenda, sempre se deverá levar em conta que não podem os arguidos atacar a decisão recorrida porque esta antes deu credibilidade à versão dos factos constantes da acusação, e não à sua versão dos factos.

Isto porque, na realidade, o pode fazer e precisamente porque tal versão é susceptível de ser interpretada da forma como foi apresentada pelos meios de prova produzidos na audiência de julgamento.

Uma coisa é não agradar aos recorrentes o resultado da avaliação que se fez da prova – e não agradou, dada a interposição do recurso -, e outra é detectar-se no processo da formação da convicção do julgador erros claros de julgamento.

O recurso não serve para fazer vencer a tese nascida da convicção interior dos recorrentes, não coincidente com a que foi a convicção do Tribunal, ou para fazer apreciações genéricas sobre a apreciação da prova, sem lograr pôr em crise a decisão recorrida, indicando a violação dos passos objectivos que levaram à decisão sobre a matéria de facto.

Esquecem os recorrentes que o julgador é livre de apreciar as provas, embora vinculado aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica.

Por força deste princípio da livre apreciação da prova, o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova é insindicável pelo tribunal do recurso, havendo apenas que indagar se a decisão recorrida é contrariada pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio, suposta pela ordem jurídica.

Ora, no caso concreto o Tribunal a quo iniciou a fundamentação enunciando os meios de prova determinantes para a formação da sua convicção, e apreciou a credibilidade que lhe mereceram tais meios de prova, escolhendo uns em detrimento de outros lançando mão de um meio que tem aqui especial relevo e que é a imediação.

Ao fixar a matéria de facto nos exatos termos em que o fez, o tribunal a quo valorou correta e criteriosamente, sem dúvidas, a prova produzida à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.

Não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de primeira instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes se mostra necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica por violação de regras de experiência comum, o que, manifestamente, os recorrentes não lograram fazer.

Uma mera discordância subjetiva quanto à factualidade dada como provada, com base numa análise e valoração da prova diferente da efetuada pelo tribunal a quo não basta para colocar em crise o fundadamente decidido como no caso.

Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.

A prova produzida em audiência é livremente valorável pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereça.

No caso concreto o tribunal recorrido valorou de forma exaustiva, minuciosa, conjugada e assertiva os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos, sendo que, pela conferência do texto da decisão recorrida, não se vislumbra que o julgador tenha tido dúvidas sobre a verificação dos factos que considerou assentes.

A motivação da decisão de facto é bem esclarecedora quer quanto aos meios de prova que sustentaram a convicção formada, quer quanto ao percurso lógico seguido na sua formação, nenhuma falha ou incorreção se detetando no exame crítico da prova.

Foram valorados todos os elementos probatórios, principalmente os de ordem testemunhal, mas também todos os outros, como os de ordem documental, que foram dissecados, um por um, pela M.ma Juiz recorrida.

Analisando a douta sentença recorrida verificamos que é assertiva a fundamentação que dela se extrai, que essa decisão permite compreender o raciocínio lógico que presidiu e orientou a sua prolação.

Efectuando todo esse percurso, o que fez sem qualquer erro, o Tribunal a quo não teve dúvidas de que os arguidos praticaram efectivamente os factos que lhe vêm imputados.

Concluindo, a matéria de facto dada como provada e como não provada na douta decisão recorrida resulta de uma correcta e ponderada análise de todos os elementos de prova produzidos, pelo que não merece qualquer censura nessa parte.

Fez, assim, a M.ma Juiz “a quo” uma correcta apreciação da prova produzida na audiência de julgamento, pelo que deverá improceder o primeiro dos fundamentos do recurso interposto pela arguida.

Considera depois o arguido AA, ainda que de forma velada, que foi violado o princípio “in dubio pro reo”.

O princípio in dúbio pro reo “é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (Constituição da Republica Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 4ª Ed., pág. 519).

A violação do referido princípio ocorre quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronta com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos, e, perante essa dúvida, decide contra o arguido.

Não se trata de uma dúvida hipotética, abstracta, ou de uma mera hipótese sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas antes de uma dúvida assumida pelo próprio julgador.

Não é uma qualquer dúvida, mas uma dúvida insanável, razoável e objectivável.

Não se trata aqui da dúvida que o recorrente entende que o tribunal não teve, mas devia ter tido.

Ora, no caso concreto, o Tribunal não teve dúvidas.

Inexistindo essa dúvida razoável na formulação do juízo factual fica afastado o princípio in dubio pro reo (Ac. STJ de 27.05.2010, 15.07.2008, Ac. Rel. Porto de 22.06.2011, 17.11.2010, todos disponíveis in www.dgsi.pt).

De facto, na douta sentença recorrida vêm explicados, de forma inteiramente congruente e plausível, os meios de prova a que conferiu credibilidade e as razões por que a conferiu, não se extraindo minimamente da fundamentação da decisão recorrida que o julgador tenha tido dúvidas sérias e razoáveis sobre a prova de qualquer dos factos que considerou assentes, os quais se encontram sem margem para dúvidas corretamente subsumidos nos tipos legais de crime imputados aos arguidos.

No caso inexiste qualquer desconformidade insanável entre a prova produzida em julgamento, na qual o tribunal recorrido fundamentou a sua convicção e os factos que, com base em tal prova, veio a considerar provados, sendo certo que no juízo alcançado pelo tribunal não se vislumbra qualquer atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a fundamentação da sentença tem suporte na regra estabelecida no art.127º do C.P.P., de acordo com a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio in dubio pro reo.

Conclui-se, pois, que o tribunal a quo apreciou a prova de modo racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo ao tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal dos recorrentes sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.127º do C.P.P.

Quanto ao fundamento da aplicação, ao arguido AA da pena de prisão de 3 anos efectiva, afigura-se-nos que ao recorrente não assiste qualquer razão.

Como bem referiu a M.ma Juiz recorrida, o arguido AA já sofreu 9 (nove) condenações anteriores pela prática de actos de semelhante natureza.

Já beneficiou de todo o tipo de penas, as quais não surtiram qualquer efeito dissuasor.

O referido arguido praticou os factos que lhe são imputados nos presentes atos quando se encontrava a decorrer o período de suspensão da execução das penas de prisão que lhe foram aplicadas no âmbito dos processos nº 400/15.1 IDFAR e 331/16.8 T9SLV.

A seu favor apenas se encontra o facto de se encontrar inserido familiarmente.

“…o arguido manifesta uma personalidade com tendência à prática de crimes fiscais/tributários, não sendo positivamente influenciado pela aplicação de penas não detentivas de liberdade”, assim concluiu a M.ma Juiz recorrida.

Já não é possível sustentar um juízo de prognose para o seu comportamento futuro, e no sentido de não voltar a praticar actos da mesma natureza.

Razão pela qual foi afastada a possibilidade de, uma vez mais, se suspender a execução da pena de prisão em que o referido arguido foi condenado.

Quanto às penas que foram aplicadas aos arguidos BB e “EE”, as mesmas não se mostram exageradas, nem injustas, nem excessivas, nem desproporcionadas.

Repare-se que o valor da taxa diária encontrada para cada um dos arguidos não se afastou muito do seu limite mínimo, e os dias de multa fixados compreendem-se no grau de culpa dos arguidos.

Improcedem, pois, em nosso modesto entender, os fundamentos invocados pela recorrente para que a douta decisão proferida seja alterada.

Quanto ao ultimo dos fundamentos, vieram os Recorrentes defender que não podiam ser condenados pela prática dos referidos crimes, pelo simples facto de não ter sido dado como provado o valor exacto que os arguidos receberam dos seus clientes, nem o que foi pago por estes posteriormente, nem o valor que ainda está em dívida.

Partem os recorrentes do pressuposto de que não ficou provado que tenham recebido o montante da prestação tributária, que esta lhes tenha sido efectivamente entregue pelos seus clientes.

Ora, basta ler com atenção a matéria fáctica dada como provada para se chegar à conclusão contrária.

De facto, apurou-se, quanto ao IVA, que nas facturas emitidas foi liquidado imposto que foi efectivamente recebido dos seus clientes – veja-se o ponto 30 da matéria de facto.

Montante esse que não foi entregue ao Estado, como devia, antes foi desviado pelos arguidos, até para contas suas particulares, para fugirem aos processos de execução fiscal já pendentes, impedindo o Estado de receber os referidos impostos.

Pelo que terá de improceder, consequentemente, o recurso interposto pelos recorrentes, confirmando-se integralmente a douta sentença recorrida.”

*

A Exmª. Procuradora-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, tendo-se pronunciado pela concordância e reiteração dos argumentos expostos na resposta apresentada pelo Ministério Público junto da primeira instância.

*

Não tendo sido aduzidos novos argumentos no parecer do Ministério Público junto desta Relação, não houve lugar ao cumprimento do disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação

II.I Delimitação do objeto do recurso

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.1

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:

A) Apreciar se a sentença recorrida enferma do vício consagrado no artigo 410º nº 2, alínea c) do CPP, concretamente, contradição insanável da fundamentação2, e se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, com desrespeito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP e do princípio do in dúbio pro reo. B) Determinar se existiu erro de julgamento em matéria de direito: a) Relativamente à qualificação jurídica dos factos que o recorrente entende deverem ser tidos por provados, em virtude de os mesmos não integrarem os elementos objetivos e subjetivos dos crimes das condenações. d) Relativamente aos princípios e regras legalmente previstos para a determinação das medidas das penas.

*

II.II - A decisão recorrida

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados e não provados os seguintes factos:

“II - Factos Provados.

Do processo n.º 537/22.0T9SLV

1. A sociedade arguida é uma sociedade por quotas, com sede na Rua da …, vila e freguesia de …, do concelho de ….

2. Tem por objeto social “Arquitectura, engenharia, construção civil. Restauro e reparação de edifícios. Fiscalização e coordenação de obras. Arrendamento de imóveis. Gestão e Administração Imobiliária. Compra e venda de imoveis, e revenda dos adquiridos para esse fim. Tratamento de processos administrativos para legalização e aprovação de projetos de construção. Comércio, importação, exportação e representação de materiais de construção”.

3. Os arguidos AA e BB são os sócios gerentes da sociedade arguida “EE”, sendo que a mesma se obriga com a assinatura de um só gerente.

4. A sociedade arguida encontra-se inscrita como contribuinte da segurança social no regime contributivo “000” – regime geral dos trabalhadores por conta de outrem.

5. Os arguidos AA e BB, agindo na qualidade de gerentes da sociedade arguida, entregaram na Segurança Social as declarações de remunerações dos trabalhadores e dos membros dos órgãos estatutários, ao seu serviço, tendo deduzido as contribuições devidas à segurança social nas remunerações efetivamente pagas de janeiro de 2019 a janeiro de 2021, relativo ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem (código 000), as quais não entregaram nos cofres daquela entidade, num montante total de € 18.028,54, conforme o seguinte quadro:

(…)

6. Assim, os arguidos AA e BB, agindo na qualidade de gerentes da sociedade arguida, deviam ter procedido à entrega na Segurança Social dos mesmos descontos, o que não fizeram.

7. O pagamento deveria ter sido feito até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que as contribuições respeitavam e,

8. Nem os arguidos nem a sociedade arguida procederam à entrega das quantias mencionadas, sequer, nos noventa dias subsequentes ao termo legal do prazo legal de entrega da prestação.

9. Acresce que os arguidos AA, BB e EE, Lda. foram regularmente notificados, a 30.06.2021 (arguido AA e sociedade arguida) e a 10.01.2023 (arguidos BB e AA) para procederem ao pagamento, em 30 (trinta) dias, das supra apontadas quantias, acrescidas dos respetivos juros e do valor da coima aplicável, não tendo procedido ao pagamento de qualquer quantia nesse prazo.

10. Os arguidos ao decidirem da afetação dos meios financeiros da sociedade arguida, optaram por não proceder ao pagamento das quotizações declaradas devidas à Segurança Social, o que fizeram em nome pessoal e em proveito da firma arguida.

11. Em detrimento das contribuições à Segurança Social descontadas nos salários dos trabalhadores, que retiveram, dele se apropriando indevidamente.

12. Os arguidos AA e BB, na qualidade de gerentes da sociedade atuaram como se descreve com o propósito, concretizado, de fazer reverter a favor do património da empresa arguida o valor das quotizações da segurança social, que utilizaram em benefício da sociedade arguida, a qual se encontrava a atravessar um período de dificuldades económicas.

13. Não procederam os arguidos ao pagamento da quantia referida aos Cofres do Estado, nem no termo do prazo dos respetivos pagamentos, nem no prazo de 90 dias contado desses mesmos prazos nem até à presente data.

14. Agiram os arguidos AA e BB em nome e no interesse da sociedade arguida, bem como nos seus próprios interesses.

15. Sabiam os arguidos que tais quantias pertenciam ao Estado e sabiam que tais quantias ao Estado deviam ser entregues.

16. Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, que desde janeiro de 2019 se consolidou no seu modo de agir e por decorrência no modo de agir da sociedade, de desde esse período não pagar mensalmente as supra descritas importâncias pecuniárias à Segurança Social, bem sabendo que tal conduta contínua e duradoura era proibida e punida por lei.

Do processo n.º 50/23.9IDFAR

17. A sociedade arguida, “EE, Lda.”, é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto consiste em “Arquitectura, engenharia e construção civil. Restauro e reparação de edifícios. Fiscalização e coordenação de obras. Arrendamento de imóveis. Gestão e administração imobiliária. Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Tratamento de processos administrativos para legalização e aprovação de projectos de construção. Comércio, importação, exportação e representação de materiais de construção”, a que corresponde fiscalmente o CAE (Classificação de Actividades Económicas) …-R3.

18. Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a sociedade arguida encontra-se coletada na área do Serviço de Finanças do concelho de …, com o NIPC … e é sujeito passivo de imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral desde 07/03/2007.

19. O arguido, AA, exerce funções de gerente (de facto e de direito) da sociedade arguida desde a sua constituição, em 07/03/2007, até à presente data.

20. O arguido, BB, sócio da sociedade arguida, também começou a exercer as funções de gerente de facto da aludida sociedade, pelo menos desde janeiro de 2019 até à presente data.

21. Nessa qualidade, a responsabilidade pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, incluindo o pagamento de impostos ao Estado, no período em causa nos autos, esteve, exclusivamente, a cargo dos ora arguidos.

22. A sociedade arguida, por intermédio do seu contabilista certificado, remeteu à Direção Geral dos Impostos, no dia 15/02/2022, a declaração periódica de IVA nº …, relativa às operações praticadas no exercício da referida atividade comercial, nomeadamente no período 2021/12T (4º trimestre de 2021).

23. Com efeito, durante os meses de outubro, novembro e dezembro, a sociedade arguida desenvolveu a sua atividade de forma efetiva e com regularidade, no decurso da qual emitiu faturas aos seus clientes.

24. Pese embora tenha cumprido, tempestivamente, a obrigação de entrega da declaração periódica de IVA referente ao período 2021/12T, não entregou, nos cofres do Estado, a respetiva prestação tributária até ao prazo legal de pagamento, ou seja, até 25/02/2022.

25. No 4º trimestre de 2021 a sociedade arguida emitiu cerca de treze faturas, tendo faturado um montante global de € 202.293,08, incluindo este valor cerca de € 37.827,16 de IVA liquidado (do qual a sociedade teria que ter entregue € 33.219,22 por via do efeito de dedução).

26. A saber:

Documento / ATCUD NIF Emitente Adquirente Data de Emissão Total IVA Base Tributável

(…)

27. Concretizando:

a. As faturas n.ºs FT 1/114 e FT 1/117 foram emitidas em 11/10/2021 e 21/12/2021, respetivamente, ao cliente KK, nos montantes de € 7.915,05 e € 5.276,70, constando nos registos contabilísticos como recebidas por caixa em 31/10/2021 e 31/12/2021, respetivamente. Contudo, a fatura n.º FT 1/114 foi paga em 15 /10/2021 e a factura n.º FT 1/117 em 21/12/2021, ambas por transferência bancária para a conta da Caixa … (de ora em diante …) n.º PT…, titulada não pela arguida “EE, Lda.”, apesar de no descritivo daquelas transferências constar “TRF p/Arquipillar”, mas pelo arguido BB.

b. A fatura n.º FT 5/116 foi emitida em 05/11/2021 ao cliente II, no montante de € 2.656,80, constando nos registos contabilísticos como recebida por caixa em 30/11/2021, tendo o cliente pago em numerário.

c. A fatura n.º FR 5/118 foi emitida em 25/11/2021 à cliente LL, no montante de € 1.811,79, constando nos registos contabilísticos como recebida por caixa em 30/11/2021. Contudo, a fatura n.º FR 5/118 foi paga, em 02/11/2021, por transferência bancária para a conta da Caixa … (de ora em diante …) n.º PT…, titulada não pela arguida “EE”, mas pelo arguido BB.

d. A fatura n.º FT 1/116 foi emitida em 23/11/2021 à cliente MM, no montante de € 10.175,16, constando nos registos contabilísticos como recebida por caixa em 30/11/2021. Contudo, a fatura n.º FT 1/116 foi paga em 08/12/2021, por transferência bancária, para a já referida conta da … n.º PT…, titulada pelo arguido, BB.

e. A fatura n.º FR 6/54 foi emitida em 31/12/2021 ao cliente NN, no montante de € 2.460,00, constando nos registos contabilísticos como recebida por caixa em 31/12/2021. Sucede que esta foi paga, em três transferências bancárias - € 999,00 em 08/06/2021, € 990,90 em 09/06/2021, para a já referida conta da …n.º PT…, titulada pelo arguido, BB, e € 455,45 em 20/08/2021 para a conta … n.º PT…, a qual é titulada por HH, trabalhadora dependente da arguida “EE, Lda.” e esposa do arguido AA. A fatura n.º FR 6/54, foi emitida no montante de € 2.460,00, contudo apenas foi pago o montante de € 2.445,35, ficando por pagar € 14,65, pelo que, calculando o IVA contido no valor recebido, a sociedade arguida recebeu € 457,26 ao invés de € 460,00 (valor liquidado na fatura).

f. A fatura n.º FR 5/119 foi emitida em 25/11/2021 ao cliente OO, no montante de € 26.235,90, constando nos registos contabilísticos como recebida por caixa em 30/11/2021. Contudo, esta foi paga em sete transferências bancárias - € 5.000,00 em 24/03/2021, € 4.480,00 em 25/03/2021, € 4.740,00 em 10/08/2021, €4.000,00 em 15/11/2021, € 3.110,00 em 16/11/2021, € 4.000,00 em 03/12/2021 e € 905,90 em 04/12/2021, para a já referida conta da … n.º PT…, titulada pelo arguido, BB.

g. A fatura n.º FR 6/53 foi emitida em 31/12/2021 ao cliente PP, no montante de € 3.100,01, constando nos registos contabilísticos como recebida por caixa em 31/12/2021. Sucede que esta foi paga por transferência bancária para a conta … n.º PT…, a qual é titulada por HH.

h. A fatura n.º FT 1/112 foi emitida em 01/10/2021 ao cliente QQ, no montante de € 2.029,50, constando nos registos contabilísticos como recebida por caixa em 31/10/2021. Contudo, esta foi paga em duas transferências bancárias - € 1.014,75 em 16/07/2021 e € 1.014,75 em 18/10/2021, para a conta da … n.º PT…, a qual é titulada por BB.

i. A fatura n.º FR 5/114 foi emitida em 25/10/2021 ao cliente RR, no montante de € 28.597,50, sendo a única fatura que consta nos registos contabilísticos como recebida por bancos, designadamente em 31/10/2021. Na verdade, tal transferência foi efetuada em 26/10/2021 para a conta da … n.º…, a qual é, efetivamente, titulada pela arguida “EE”.

j. As faturas n.º s FT 1/113 e FT 1/115 foram emitidas em 11/10/2021 e 11/11/2021, respetivamente, à cliente SS, ambas no montante de € 5.842,5, constando nos registos contabilísticos como recebidas por caixa em 31/10/2021 e 30/11/2021, respetivamente. Sucede que a fatura n.º FT 1/113 foi paga em 12/10/2021 e a fatura n.º FT 1/115 em 11/11/2021, ambas por transferência bancária para a já referida conta … n.º PT…, titulada pelo arguido, BB.

k. A fatura n.º FR 5/115 foi emitida em 03/11/2021 ao cliente TT, no montante de € 100.349,67, sendo a única fatura que consta nos registos contabilísticos como não recebida. Sucede que, tal fatura foi paga conjuntamente com outras doze emitidas ao mesmo, tendo todos os pagamentos ocorrido entre 01/02/2017 e 27/09/2019, as quais foram pagas, por transferência bancária, para contas tituladas, à data, pela arguida “EE”, junto do … e do …, os quais perfazem o total de € 384.372,01.

(…)

28. A sociedade arguida prestou serviços no montante de €202.293,08 (duzentos e dois mil, duzentos e noventa e três euros e oito cêntimos), pelo que foi liquidado IVA, nas facturas emitidas, no montante de €37.827,16 (trinta e sete mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezasseis cêntimos).

29. Em face do exposto, do montante total faturado pela sociedade arguida no 4º trimestre de 2021, a mesma recebeu, efetivamente, dos seus clientes, IVA no valor de € 37.824,42 (trinta e sete mil, oitocentos e vinte e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), por força da correção na fatura n.º FR 6/54, pelo que, recebeu imposto suficiente para fazer acompanhar a respetiva declaração periódica de meio de pagamento, no montante de €33.219,22 (trinta e três mil, duzentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos), por via do efeito de dedução, cfr. infra se discrimina:

(…)

30. No período de Outubro a Dezembro de 2021, a sociedade arguida liquidou e recebeu, efetivamente, dos seus clientes IVA no valor de € 37.824,42 (trinta e sete mil, oitocentos e vinte e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), não tendo feito, através dos arguidos, a entrega do imposto liquidado e recebido nesse período, nos cofres do Estado, até ao termo do prazo para cumprimento da obrigação, ou seja, até ao dia 25 do 2º mês seguinte àquele que se referia, como se impunha.

31. A sociedade arguida e os arguidos, AA e BB foram notificados, no dia 07/06/2023, pela Administração Tributária, para efetuarem o pagamento da referida prestação tributária em dívida, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável.

32. Contudo, os arguidos não entregaram tais quantias, nos Cofres do Estado, no prazo legal, ou seja, até 25/02/2022, nem supriram essa falta nos 90 dias seguintes ao termo do mesmo.

33. Encontrando-se por pagar, à data de 20/11/2023, € 33.219,22 (trinta e três mil, duzentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos) de imposto e € 11.659,24 (onze mil, seiscentos e cinquenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos), de coima, a que acrescem € 2.846,86 (dois mil, oitocentos e quarenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos) de juros de mora e € 578,20 (quinhentos e setenta e oito euros e vinte cêntimos) de custas.

*

34. O recebimento dos valores faturados pela sociedade arguida, durante o 4º trimestre de 2021 (2021/12T), foi, numa parte significativa, efetuado através de contas bancárias tituladas pelo arguido BB e por HH, através das quais foram recebidos, pelo menos, € 70.674,46 (setenta mil, seiscentos e setenta e quatro euros e quarenta e seis cêntimos).

35. Sucede que, à data de 01/10/2021, a sociedade arguida possuía já cerca de 152 processos de execução fiscal instaurados (entre 09/07/2010 e 22/09/2021), fazendo, da sociedade arguida, devedora, à Fazenda Nacional, de um valor que ascendia, à data de 29/11/2023, a € 172.282,64 (cento e setenta e dois mil, duzentos e oitenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos).

36. Vejamos:

(…)

37. Os processos referidos no ponto que antecede foram eletronicamente instaurados, com a emissão dos respetivos títulos executivos, sendo as respetivas citações também efetuadas por meios informáticos.

38. Em todos eles, a sociedade arguida foi citada com o envio de citação para a caixa postal eletrónica.

39. Na verdade, os arguidos, em representação da sociedade arguida, perfeitamente conscientes da existência das dívidas fiscais da mesma e supra referidas, bem como da pendência dos respetivos processos executivos, por serem sócios gerentes da mesma e por via das liquidações emitidas e também das diligências de penhora, no âmbito desses processos de execução fiscal que se iniciaram, pelo menos, a 09/07/2010, congeminaram um plano para evitar o pagamento dos impostos devidos, pagamento que se refletiria no seu património já que eram sócios gerentes da sociedade arguida.

40. Em momentos anteriores a sociedade arguida já tinha sido alvo de diversas penhoras bancárias, sendo que, a última a ter efeitos práticos ocorreu em 15/06/2019, com a Autoridade Tributária a penhorar e aplicar em processos de execução fiscal, um saldo de € 5.765,08 detido pela sociedade arguida numa conta titulada junto do ….

41. Foi assim que, antevendo a penhora das quantias recebidas pela sociedade arguida no âmbito daqueles processos de execução fiscal, elaboraram um plano que consistiu em ocultar, através do depósito nas contas do arguido BB e de HH, o recebimento por parte da sociedade arguida de, pelo menos, € 70.674,46 (setenta mil, seiscentos e setenta e quatro euros e quarenta e seis cêntimos), com o propósito de frustrar os créditos tributários devidos pela sociedade arguida aos cofres do Estado.

*

42. Os arguidos, em representação da pessoa coletiva, também arguida, decidiram, em data não concretamente apurada, do 4º trimestre de 2021, em cumprimento de um plano previamente delineado e como medida de gestão, deixar de pagar o IVA devido à Fazenda Nacional.

43. Isto, apesar de, nesse período de tempo, a sociedade arguida, nas suas transações comerciais, ter liquidado e recebido, dos seus clientes, o respetivo imposto.

44. Os arguidos, em representação e no interesse da pessoa coletiva arguida, bem sabiam que tal quantia não lhes pertencia, nem à sociedade arguida, que dela não podiam dispor e que deviam entregá-la, atempadamente, à Administração Tributária.

45. Não obstante, decidiram não entregar tal quantia e agir com o intuito concretizado de se apoderar da referida quantia de IVA liquidado, beneficiando, assim, a pessoa coletiva arguida que se encontrava com dificuldades financeiras, e os próprios, bem sabendo que tal quantia pertencia à Fazenda Nacional, a quem estavam obrigados a entregá-la e que agiam contra a vontade desta, lesando os seus interesses e obtendo, dessa forma, um locupletamento indevido, em prejuízo da Fazenda Nacional, o que quiseram e lograram.

*

46. Os arguidos eram conhecedores da existência das dívidas à Fazenda Nacional e dos seus valores, bem como da insuficiência de bens suscetíveis de responder e, antevendo a penhora de tais quantias monetárias, decidiram receber € 70.674,46 (setenta mil, seiscentos e setenta e quatro euros e quarenta e seis cêntimos) do montante faturado pela sociedade arguida, durante o 4º trimestre de 2021, nas contas bancárias tituladas pelo arguido BB e pela esposa do arguido AA, HH, a fim de se furtarem ao pagamento das quantias devidas, pela sociedade arguida, aos cofres do Estado.

47. Os arguidos, em representação da arguida, “EE”, agiram cientes que tinham impostos e coimas liquidados e em dívida à Fazenda Nacional, sendo conhecedores da existência da pendência de processos de execução fiscal decorrentes de tais dívidas, tendo alienado e onerado o seu património com o propósito alcançado de frustrar os créditos tributários, bem sabendo que os seus bens móveis e imóveis, bem como valores existente na conta bancária da sociedade arguida, eram insuficientes para a satisfação dos créditos em dívida à Fazenda Nacional.

48. Com efeito, os arguidos em representação da sociedade arguida, há muito sabiam ser devedores de impostos e de coimas à Fazenda Nacional, cujo pagamento lhes estava imputado, tendo procedido como supra descrito, com o intuito de se furtarem à cobrança dos créditos tributários no valor que, atualmente, ascende a mais de € 172.282,64, retirando daí a correspondente vantagem patrimonial ilegítima, no montante de € 70.674,46 (setenta mil, seiscentos e setenta e quatro euros e quarenta e seis cêntimos), o que quiseram e lograram.

*

49. Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, tendo atuado sempre, livre, voluntária e conscientemente, com o propósito reiterado de se apropriarem de tais quantias, beneficiando da circunstância da administração fiscal não atuar atempada e eficazmente sobre situações semelhantes.

Condições socioeconómicas do arguido AA

50. O arguido nasceu a ….1973.

51. Tanto à data dos factos, como na atualidade, o arguido vive com a família constituída, esposa e filha, em casa de habitação própria, construída pelo casal em 2008 com recurso a empréstimo bancário.

52. Tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade.

53. Foi desenhador de construção civil, sendo essa uma das suas funções na sociedade arguida.

54. A filha do arguido, com … anos, é aluna, em …, no ensino superior no curso de ….

55. A esposa do arguido mantém uma vinculação à sociedade arguida, auferindo pelo menos o equivalente ao salário mínimo nacional.

56. Tem problemas de saúde crónicos, com diagnóstico de obesidade, problemas respiratórios, de circulação e outros associados, com referência a estados depressivos, mantendo acompanhamento médico especializado, com uma adesão oscilante, estando atualmente a receber subsídio de doença no valor diário de 15,62€, além de remuneração não concretamente apurada enquanto gerente da sociedade arguida.

57. Na atualidade e desde há alguns anos, quando a empresa deixou de ser rentável e, para manter os seus encargos, o casal tem vindo a desfazer-se do património herdado pela esposa do arguido, para equilibrar as finanças da família.

58. O arguido centra o quotidiano na família nuclear e alargada, entre a filha, os pais e os sogros, estes últimos já idosos que requerem por vezes apoio ao nível da saúde.

59. Por sentença transitada em julgado em 26.03.2012, no âmbito do processo n.º 396/10.6…, que correu termos no Tribunal Judicial de … – ….º Juízo, foi condenado numa pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, pela prática em /10/2008, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

60. Por sentença transitada em julgado em 18.06.2012, no âmbito do processo n.º 433/12.0…, que correu termos no Tribunal Judicial de …– ….º Juízo, foi condenado numa pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 4,00€, pela prática em 01.04.2008, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social. A pena foi extinta em 02.03.2016.

61. Por sentença transitada em julgado em 24.11.2014, no âmbito do processo n.º 261/13.5…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, pela prática em 16.11.2011, de um crime de abuso de confiança fiscal.

62. Por sentença transitada em julgado em 08.05.2015, no âmbito do processo n.º 306/13.9…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, pela prática em 15.02.2013, de um crime de abuso de confiança fiscal. A pena foi extinta em 16.05.2017.

63. Por sentença transitada em julgado em 08.09.2015, no âmbito do processo n.º 159/14.0…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 4 meses de prisão, substituída por 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em //2013, de um crime de abuso de confiança fiscal.

64. Por sentença transitada em julgado em 09.11.2016, no âmbito do processo n.º 372/15.2…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 6 meses de prisão, substituída por 170 dias de multa, à taxa diária de 4,00€, pela prática no período que mediou entre 15 de julho de 2010 e 20 de junho de 2013, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

65. Por sentença transitada em julgado em 01.03.2018, no âmbito do processo n.º 400/15.1…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sujeita à condição de no prazo da suspensão pagar à autoridade tributária o valor de 10.000,00€, pela prática em //2014, de um crime de abuso de confiança fiscal.

66. Por sentença transitada em julgado em 24.09.2018, no âmbito do processo n.º 331/16.8…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sujeita à condição de proceder ao pagamento mensal de 250,00€, pela prática em 15.02.2016, de um crime de abuso de confiança fiscal.

67. Por sentença transitada em julgado em 05.07.2024, no âmbito do processo n.º 17/22.4…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sujeita à condição de no prazo da suspensão pagar à autoridade tributária o valor de 4.681,77€, pela prática em 02.12.2020, de um crime de abuso de confiança fiscal.

Condições socioeconómicas do arguido BB

68. O arguido nasceu a … 1966.

69. Tem como habilitações literárias a licenciatura em Arquitetura.

70. Além de exercer funções de gerente na sociedade arguida, é encarregado geral de obras.

71. Não recebe um salário fixo, variando a sua remuneração mensal entre os 500,00€ e os 800,00€.

72. O agregado familiar é composto por si e pelos pais.

73. Residem em habitação da qual os pais do arguido são proprietários.

74. Os pais do arguido encontram-se reformados, auferindo em conjunto cerca de 700,00€ de pensão de reforma.

75. Contraiu um crédito bancário no valor de 5.000,00€, o qual se encontra a ser liquidado em prestação mensais de 159,00€.

76. O arguido padece de diabetes, gastando mensalmente com medicação cerca de 30,00€.

77. Não regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal.

Condições socioeconómicas da arguida EE, Lda.

78. A sociedade arguida atualmente encontra-se em laboração, e tem ao seu serviço cinco trabalhadores.

79. A sua sede está instalada no rés-do-chão de um imóvel que é propriedade do pai dos arguidos, não pagando qualquer contrapartida.

80. Tem uma faturação mensal de cerca de 30.000,00€.

81. No ano de 2022 apresentou um prejuízo fiscal de 13.750,89€.

82. Por sentença transitada em julgado em 26.03.2012, no âmbito do processo n.º 396/10.6…, que correu termos no Tribunal Judicial de … – ….º Juízo, foi condenada numa pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 12,00€, pela prática em /10/2008, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

83. Por sentença transitada em julgado em 24.11.2014, no âmbito do processo n.º 261/13.5…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 350 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, pela prática em 16.11.2011, de um crime de abuso de confiança fiscal.

84. Por sentença transitada em julgado em 08.09.2015, no âmbito do processo n.º 159/14.0…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em //2013, de um crime de abuso de confiança fiscal.

85. Por sentença transitada em julgado em 09.11.2016, no âmbito do processo n.º 372/15.2…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática no período que mediou entre 15 de julho de 2010 e 20 de junho de 2013, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

86. Por sentença transitada em julgado em 01.03.2018, no âmbito do processo n.º 400/15.1…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em //2014, de um crime de abuso de confiança fiscal.

87. Por sentença transitada em julgado em 24.09.2018, no âmbito do processo n.º 331/16.8…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em 15.02.2016, de um crime de abuso de confiança fiscal.

88. Por sentença transitada em julgado em 05.07.2024, no âmbito do processo n.º 17/22.4…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 350 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em 02.12.2020, de um crime de abuso de confiança fiscal.

III. Factos não provados.

a. A sociedade arguida encontra-se inscrita como contribuinte da segurança social no regime contributivo “669” – regime dos membros dos órgãos estatutários.

b. O pagamento das quotizações à Segurança Social deveria ter sido feito até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições respeitavam.

c. Nas circunstâncias referidas no ponto 9 da matéria de facto dada como provada, os arguidos foram notificados a 19.12.2019.

d. Nas circunstâncias referidas no ponto 27 da matéria de facto dada como provada, alínea e), o montante de 455,45€ foi transferido para a conta do arguido BB.”

***

II.III - Apreciação do mérito do recurso

A) Do invocado vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b) do CPP – concretamente, da contradição insanável da fundamentação – e do incumprimento dos requisitos da impugnação da matéria de facto estabelecidos no artigo 412.º, nºs 3 e 4 do CPP

Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”. Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto em sentido amplo, ou a invocação de um erro de julgamento – com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 – não se confunde com a invocação dos vícios consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, que denominamos de impugnação restrita. Na impugnação restrita, diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo, os vícios da decisão, consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP e invocados no recuso, deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Conforme decorre do disposto no artigo 412.º, nº 3.º do CPP, o erro de julgamento, ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

A este propósito, preceitua o art.º 412.º do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso:

“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c ) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Relativamente à satisfação dos requisitos da impugnação da matéria de facto previstos no preceito transcrito, escreve Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação à referida norma, no Comentário do Código de Processo Penal que “[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (…)” ; “[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (…) [m]ais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento”. “(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.”3

Com efeito, para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação da mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis. Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação e das conclusões do recurso, que deverão ser elaboradas de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso.

Ora, na situação dos autos, a análise da alegação recursiva e respetivas conclusões torna evidente que a impugnação ampla da matéria de facto não foi realizada com respeito pelos mencionados requisitos estabelecidos no artigo 412.º do CPP. De facto, na motivação e nas conclusões dos recursos em apreciação, alegam os recorrentes relativamente à decisão recorrida, que a mesma valorou erradamente as declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas produzidos em julgamento, por referência à documentação constante dos autos, solicitando a este tribunal que proceda à reapreciação da prova no que diz respeito a determinados factos constantes dos factos provados. Porém, fizeram-no sem terem cuidado de dar cabal cumprimento ao disposto no artigo 412º do CPP. Com efeito, apesar de os recorrentes referirem na sua motivação a existência de factos incorretamente tidos por provados – concretamente constantes dos pontos n.ºs 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 a 38 e 40 dos factos provados – não fizeram, porém, alusão às passagens concretas da gravação nas quais as declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas se encontram reproduzidos, nem procederam à transcrição dos respetivos excertos4, não tendo, pois, elaborado a sua motivação de forma a indicar concretamente as provas que, na sua perspetiva, sustentam o alegado erro de julgamento. Limitaram-se a manifestar a sua divergência de entendimento relativamente à convicção formada pela julgadora. É o que se extrai claramente das conclusões do recurso, nas quais, relativamente à impugnação da matéria de facto, mais não se consignou do que a mencionada discordância, nos seguintes termos:

“(…) b) Os arguidos não se conformam com a sentença recorrida e consideram que foram incorrectamente julgados e apreciados pelo tribunal “a quo” os factos provados 3, 5, 6, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 a 38 e 40, sendo que, em todos estes factos, apenas deveria constar o nome do arguido BB.

c) É ao arguido BB quem exerce as funções de gerente de facto na sociedade arguida, pois, ficou demonstrado em toda a prova produzida que o arguido AA não exerce as funções de gerente de facto;(…)

h) Desde logo, a Mm.ª Juiz de Direito do Tribunal a quo deveria ter valorado de forma isenta, imparcial e verdadeira os depoimentos das testemunhas, FF, GG e HH, uma vez que, todas elas convivem com ambos os arguidos e sabem do seu quotidiano.(…)

j) O Tribunal recorrido não conseguiu ficar isento, nem à margem do que verdadeiramente se passou naquela audiência de discussão e julgamento, em virtude do certificado registo criminal do arguido AA, pois partiu imediatamente para a presunção da culpa, quando deveria tê-lo feito à contrário.(…)

n) Deve este VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, corrigir tal erro, absolvendo o arguido AA da prática de todos os factos pelos quais está acusado, uma vez que, o arguido BB assumiu a responsabilidade dos factos constantes da douta acusação, no que toca ao crime de abuso de confiança fiscal e abuso contra a segurança social.(…)

w) A fundamentação e a argumentação da Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” não está bem, nomeadamente pela forma como valorou estes documentos. Fê-lo de uma forma errada.(…)

bb) A Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” andou mal, muito mal mesmo, ao valorar, da forma como valorou, os documentos juntos aos autos pela testemunha II. (…)

ff) A Mm.ª Juiz, salvo o devido respeito por melhor opinião, partiu logo de um raciocínio totalmente viciado, nem tendo em atenção as datas constantes nos ditos documentos, pois se tivesse tomado atenção aos mesmos tinha-se apercebido que nunca poderia valor tal prova como o fez, pois tais períodos não correspondem aos períodos constantes dos autos, pelo que, nunca poderia condenar o arguido da forma como fez.

gg) A verdade é que, a Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” valorou incorrectamente a prova produzida na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente não valorou convenientemente os depoimentos das testemunhas FF, HH, GG e à contrário sensu, a testemunha II.(…)”.

Tal alegação tipo de recursiva, conclusiva e desrespeitadora do regime estabelecido no artigo 412º do CPP, está, pois, condenada ao insucesso.

*

Alega o recorrente que na sentença recorrida se deteta o vício previsto nas alíneas b) do nº 2 do artigo 410º do CPP, ou seja, a contradição insanável da fundamentação, sem que, no entanto, justifique minimamente tal alegação. Ressalvado o devido respeito, carece de sentido a arguição do identificado vício. Vejamos. Tal como acima referimos, o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, tal como os demais previstos no nº 2 do artigo 410º do CPP, ocorre nas situações em que a simples leitura da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, permite concluir ter-se verificado a referida contradição, o que não sucede, de todo, na situação vertente. Efetivamente, confrontando a sentença recorrida, nela não se descortina qualquer contradição lógica entre os factos provados, nem entre estes e a motivação da respetiva convicção probatória. Atentemos nos termos da decisão no excerto atinente à aludida motivação:

“(…) IV. Motivação da matéria de facto

A convicção do tribunal relativamente aos factos dados como provados foi o resultado de uma apreciação crítica da prova produzida, nos seguintes termos:

Para prova dos factos referidos em 1 a 11 e 17 a 38 e 40, o Tribunal considerou as declarações prestadas pelo arguido BB (irmão do arguido AA), que acabou por admitir os factos constantes em ambas as acusações, com exceção de dois: que o seu irmão também era gerente de facto da empresa e que os montantes transferidos para a conta titulada pela esposa do irmão se destinavam a evitar a penhora dos mesmos. O arguido assumiu-se como único culpado pela prática dos crimes imputados, alegando que o seu irmão não exerce funções na empresa desde 2017, limitando-se a “passar a limpo alguns orçamentos”. Alegou ainda que os 3.000,00€ transferidos para a conta bancária da esposa do irmão, trabalhadora da sociedade arguida, visavam o pagamento dos montantes salariais que lhe eram devidos, mas que estavam em atraso. Por fim, salvaguardou-se nas dificuldades financeiras que a empresa atravessava para justificar o comportamento assumido, explicando que o objetivo era o de garantir que a empresa continuava a laborar e que os progenitores, que ficaram como fiadores de um empréstimo contraído pela sociedade, não perdiam a sua habitação. O arguido AA negou o exercício de poderes de facto na sociedade arguida a partir de finais de 2018, escudando-se em problemas de saúde que culminaram com uma baixa médica a partir de março de 2020 (a qual não se coloca em causa, face à declaração da Segurança Social junta pelo arguido em sede de audiência de julgamento). De acordo com o arguido, limitou-se a passar a limpo alguns orçamentos e a apor a sua assinatura em certos documentos, tudo a pedido do irmão. UU, técnica superior da Segurança Social, de forma sincera e objetiva, confirmou o valor devido àquele Instituto pela sociedade arguida, a título de quotizações retidas e não pagas entre janeiro de 2019 e janeiro de 2021, asseverando que até à data nada foi liquidado. FF, trabalhador na sociedade arguida há cerca de 20 anos e que deixou transparecer algum desconforto durante a prestação do seu depoimento (de cada vez que respondia, olhava para as mãos que esfregava nervosamente; todas as respostas que dava eram curtas e sem concretização), contou que o arguido AA deixou de assumir a direção da empresa num momento anterior à pandemia Covid-19, a qual passou a ser exercida pelo arguido BB. JJ, Inspetor Tributário desde 2006, de forma clara e fluída, explicou o motivo pelo qual se iniciou o presente processo e elucidou tudo aquilo que apurou durante a investigação (v.g. a emissão de faturas, o efetivo pagamento das mesmas e a transferência dos respetivos montantes diretamente para as contas pessoais de BB e HH). GG, contabilista certificado da sociedade arguida entre 2007 e 31.12.2024, alegou que o arguido AA geriu a empresa até ao momento em que iniciou o período de baixa médica, tendo a partir desse momento todos os contactos sido feito com o arguido BB. HH, esposa do arguido AA, trouxe uma narrativa semelhante à das restantes testemunhas, no sentido de que AA está doente desde 2018, tendo a dada altura deixado de gerir a sociedade EE. Mais contou que a transferência realizada para a conta bancária por si titulada visava o pagamento de ordenados em atraso, da qual só teve conhecimento quando se deparou com o dinheiro na conta. II, que contratou a sociedade arguida no primeiro semestre de 2021 para construção de uma piscina, confirmou que uma das prestações do valor total de obra foi pago em numerário. Sucede que esta testemunha, ao longo do seu depoimento, mencionou que os contactos eram feitos com ambos os arguidos, fossem eles por e-mail, chamada telefónica e mesmo presenciais. De acordo com II, tanto o arguido AA, como o arguido BB se deslocavam, juntos ou individualmente, a sua casa para verem a obra. Sendo que a final, como a obra não estava a ser realizada como acordado, acabou por ser o arguido AA quem resolveu a situação. No decurso do seu depoimento, o Tribunal determinou oficiosamente a junção da cópia dos e-mails de que a testemunha se fazia acompanhar, os quais comprovam que foram trocados diversos e-mails entre si e o arguido AA, cujo conteúdo, com solicitação de pagamentos e negociações para rescisão do contrato, demonstram que ao contrário daquilo que os arguidos e as testemunhas a eles ligadas tentaram fazer crer, AA não deixou de exercer as funções de gerente de facto na sociedade. E não colhe a tese de que os e-mails poderão ter sido enviados pelo arguido BB, a partir do computador do arguido AA, que poderia ter configurado uma assinatura automática, a qual o primeiro não eliminava antes de os enviar. E isto porque no e-mail datado de 16.03.2022, o autor do e-mail menciona “No seguimento da conversa com o BB venho por este meio esclarecer (…)”. Se tal e-mail tivesse sido redigido por BB, certamente que não teria tal teor. Salienta-se que a testemunha II não tem qualquer interesse no desfecho da causa, não tendo qualquer ligação aos arguidos ou à sociedade, motivo pelo qual o seu depoimento se mostrou totalmente credível, por oposição ao prestado, desde logo, por HH e por BB, cujos laços familiares a AA motivam declarações que não correspondem à verdade, numa tentativa de evitar mais uma condenação deste e, eventualmente, uma pena de prisão. É que o arguido BB não tem condenações averbadas no seu registo criminal, estando certamente ciente, com base na experiência do irmão, que na primeira condenação os Tribunais dão preferência a penas não privativas de liberdade. Mas AA tem um extenso registo criminal, razão pela qual o arguido BB tentou arcar com as culpas sozinho. FF tem um vínculo laboral duradouro com a sociedade arguida e, consequentemente, com os arguidos, sendo tal vínculo em regra um fator fortemente influenciador do conteúdo do depoimento das testemunhas, nomeadamente por medo de represálias. GG, além de ter tido uma longa relação profissional com os arguidos (quase 20 anos), faltou à verdade durante o seu depoimento, tendo desmentido alguma vez ter falado com um Inspetor Tributário sobre os factos imputados à empresa, o que não corresponde à verdade, uma vez que a testemunha JJ referiu que durante a investigação inquiriu o contabilista da empresa (o que também resulta do auto de inquirição fls. 417). Deste modo, a versão de que o arguido AA não exercia a gerência de facto na sociedade desde 2018, não colhe. De salientar que o arguido apenas admitiu que assinava alguns documentos, nomeadamente orçamentos que passava a limpo, por se encontrar junto aos autos um orçamento com a sua assinatura (fls. identificadas como 89 a 91 do 2.º volume). E a verdade é que se o arguido tivesse deixado definitivamente de trabalhar na empresa, não faria qualquer sentido que o irmão lhe fosse entregar orçamentos para “passar a limpo”. A circunstância de o arguido se encontrar em situação de incapacidade temporária para o trabalho, como bem se sabe, atendendo à realidade frequentemente vivenciada, não é impeditiva de, na prática, continuar a trabalhar. Foi igualmente relevante o teor da certidão permanente da sociedade arguida (fls. 7 a 10 do processo principal), do relatório preliminar a fls. não numeradas do processo principal, do mapa das quotizações retidas e não pagas (fls. 11 do processo principal), dos extratos de remunerações (fls. 54 a 106 do processo principal), das notificações para pagamento voluntário (fls. 31 a 35 e 113 a 115 do processo principal), a declaração periódica (fls. 272 e 273, do 2.º volume do apenso), a documentação contabilística a fls. identificadas como 26 1 do 2.º volume, as informações bancárias da … (fls. 23, 24, 32, 58 e 60 do apenso), os recibos, faturas e comprovativos de transferências (fls. identificadas como 53, 61, 63, 71 a 74, 76 a 79, 82, 93 a 103, 114, 115, 118 a 125 do 2.º volume do apenso), as faturas recibo a fls. 316 do apenso, as informações bancárias da … (fls. 62 a 67, 168, 171, 235 e 236 do apenso), as informações bancárias do … referentes à conta … (fls. 160 a 164 do apenso), a declaração periódica do IVA (fls. 272 e 273 do 2.º volume, do apenso), a informação a fls. 381 e 382 do 3.º volume, do apenso, a lista de processos a fls. 376 a 380, do 3.º volume e a descrição de dívidas a fls. 384 a 414 do 3.º volume. Os factos provados em 12 a 16, 39 e 41 a 49 referem-se ao elemento subjetivo, cuja prova, por envolver um processo psíquico, salvo se existir uma manifestação espontânea do elemento volitivo por parte do agente, exige uma análise dos elementos probatórios recolhidos de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. Por essa razão, resulta também provado que os arguidos, por si e em representação da sociedade arguida, agiram de forma livre, deliberada e consciente, cientes da punibilidade da sua conduta, uma vez que qualquer pessoa (critério do homem médio) que agisse do modo que se mostra referido em 5 a 11 e 22 a 32 age no quadro das circunstâncias factuais descritas em 12 a 16, 39 e 41 a 49, bem se podendo dizer que estas últimas se inferem daquelas. A este propósito, diga-se que a justificação apresentada pelo arguido BB para parte dos valores recebidos terem sido transferidos diretamente para a conta de HH, não colhe. É que não obstante o arguido ter mencionado dificuldades e atrasos no pagamento dos salários dos trabalhadores, apenas a trabalhadora HH, esposa do arguido AA, viu o seu salário ser pago diretamente por um dos clientes da sociedade. Se tal prática se tivesse estendido aos restantes trabalhadores, o alegado por BB até poderia merecer colhimento. Mas considerando a relação familiar de HH com os gerentes da sociedade e a circunstância de naquele trimestre os arguidos se terem tentado furtar à penhora dos montantes devidos pela sociedade arguida ao Estado, solicitando aos clientes que as transferências bancárias fossem feitas diretamente para a conta pessoal de BB, o Tribunal não dúvida da real intenção subjacente às transferências bancárias feitas a HH. Quanto aos factos elencados nos pontos 51 a 58, 68 a 76 e 78 a 81, relativos às condições socioeconómicas dos arguidos e da sociedade arguida, a convicção do tribunal resulta do teor do relatório social para determinação da sanção do arguido AA (referência eletrónica n.º …), das declarações prestadas pelo arguido BB, por si e em representação da sociedade arguida e da cópia da última declaração de IRC submetida pela sociedade, validada e liquidada nos competentes serviços de finanças (referência eletrónica n.º 13642180). De referir que o Tribunal omitiu a factualidade constante do relatório social cuja veracidade se afastou em sede de audiência de julgamento (que o arguido AA deixou de ter atividade regular desde 2019 e que manifesta sentido crítico quanto às ocorrências, uma vez que este negou os factos) ou que está em oposição com o declarado naquela diligência (nomeadamente quanto à remuneração de HH). Estando o arguido AA ainda a trabalhar na sociedade arguida, o que certamente não faz gratuitamente, não foi possível apurar os valores auferidos por este, por força da defesa apresentada. Os antecedentes criminais dos arguidos e da sociedade arguida foram aferidos com base no teor dos certificados de registo criminal juntos aos autos (referência eletrónica n.º …, … e …).

*

Não resultaram provados os factos descritos sob a numeração III. porquanto:

No atinente à factualidade constante dos pontos a. e b., trata-se de matéria em relação à qual não foi produzida qualquer prova em audiência de julgamento que a confirmasse. No que tange aos factos vertidos em c., analisadas as notificações para pagamento voluntário (fls. 31 a 35 e 113 a 115), constata-se que a data de notificação dos arguidos não corresponde à que consta na acusação pública. Relativamente à factologia exarada no ponto d., analisada a documentação a fls. identificadas como 73 e 74 do 2.º volume, é possível verificar que aquele montante não foi transferido para o IBAN do arguido BB, mas sim da testemunha HH. (…)”

Ao invés do que defendem os recorrentes na sua alegação recursiva, analisado o texto da decisão recorrida – quer no que diz respeito ao elenco fáctico, quer no que tange à respetiva convicção probatória que acabámos de transcrever – constata-se que a conexão lógica existente entre os factos que o tribunal recorrido julgou provados e não provados, os meios de prova em que se baseou e a valoração criteriosa que fez dos mesmos, não só não indiciam a invocada contradição, como, ao invés, permitem inferir exatamente o contrário, ou seja, que os meios de prova tidos em conta sustentam logicamente a decisão e que a factualidade provada e não provada se encontra expurgada de qualquer contradição.

Assim, não ostentando a decisão qualquer erro manifesto na apreciação das provas aí indicadas, ou seja, não revelando estas um sentido contrário ao que se fixou na decisão recorrida, nem a decisão tendo firmado um sentido logicamente impossível, com exclusão de factos essenciais ou com consideração de factos incompatíveis, mais não haverá do que concluir não enfermar a mesma do vício invocado no recurso a que se reporta o artigo 410.º, nº 2, alínea b) do CPP. A discordância do recorrente quanto à factualidade provada poderia eventualmente sustentar a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412º do CPP – a qual nos encontramos impedidos de conhecer pelas razões acima explicitadas – não suportando, de todo, a alegação da existência de nenhum dos vícios previstos ao artigo 410º, nº 2 do CPP. *

B) Do erro de julgamento em matéria de direito

a) Relativamente à qualificação jurídica dos factos que os recorrentes entendem deverem ser tidos por provados

Propugnam os recorrentes que a factualidade a seu ver apurada nos autos não permite concluir pela prática dos crimes de abuso de confiança à segurança social, de abuso de confiança fiscal e de frustração de créditos pelos quais foram condenados, em virtude de: - Quanto ao arguido AA, não se ter demonstrado que o mesmo exercia a gerência de facto; - Quanto ao arguido BB e quanto à empresa EE, Ldª, não se ter apurado o recebimento das quantias relativamente às quais deveriam ter entregue IVA e não se ter demonstrado qualquer intuito de frustrar créditos.

Considerando que o recurso fez assentar os pedidos de absolvição na impugnação da decisão quanto à matéria de facto, a improcedência de tal impugnação, nos termos sobreditos, prejudica, obviamente, o conhecimento das questões associadas a tal pedido, entre elas a da subsunção dos factos aos identificados crimes, pois que resultaram provados todos os factos constitutivos dos crimes das condenações, designadamente os questionados no recurso, atinentes ao exercício da gerência de facto por ambos os arguidos, ao recebimento das quantias relativamente às quais deveria ter sido entregue IVA e ao intuito de frustrar os créditos do Estado.

Sempre se dirá, ainda, que se equivocam totalmente os recorrentes ao afirmarem que “(…) parece-nos que a sentença recorrida parece perfilhar o entendimento segundo o qual, tratando-se o crime de abuso de confiança fiscal (processo 50/23.9 IDFAR), um crime omissivo, o pagamento do IVA liquidado e declarado à Administração Fiscal, é exigível assim que decorra o prazo para o efeito mesmo que o sujeito tributário não tenha recebido a quantia do cliente/devedor. Trata-se de um entendimento com algum apoio jurisprudencial. É certo que o IVA é devido desde a respectiva venda, facturação, liquidação e declaração aos serviços, e não desde o momento do pagamento da transacção que lhe deu origem. Por isso, o pagamento do IVA liquidado e declarado é exigível logo que decorra o respectivo prazo, tenha ou não sido recebido do devedor seguinte. Mas se as coisas se passam assim a nível fiscal, não é, porém, lícito concluir que para efeitos criminais, isto é da consumação de um crime de abuso de confiança fiscal, é indiferente saber se ocorreu ou não efectiva a cobrança do imposto aos clientes. (…)”.

Ao contrário do que afirma o recorrente, a sentença recorrida toma posição expressa sobre esta matéria, consignado que: “(…) O crime de abuso de confiança fiscal é um crime de dano. Os crimes de dano caraterizam-se por o preenchimento do tipo depender da ocorrência da lesão do bem jurídico protegido, ao contrário do que acontece com os crimes de perigo, que se caraterizam por a sua atuação típica implicar agir de modo a criar perigo de lesão de determinados bens jurídicos. Podemos distinguir entre crime de perigo abstrato, concreto ou abstrato-concreto. No crime de perigo abstrato há uma presunção inilidível de que a conduta típica coloca em perigo o bem jurídico, não sendo necessário que o coloque efetivamente em perigo. Já o crime de perigo concreto pressupõe a colocação em perigo do bem jurídico. No crime de perigo abstrato-concreto, o tipo inclui apenas aquelas condutas que se revelam adequadas a criar perigo para o bem jurídico, cabendo ao tribunal fazer a prova da potencialidade da ação a causa a lesão. No que respeita ao tipo objetivo de ilícito, o seu preenchimento exige (i) a obrigação de entrega pelo agente ao credor tributário; (ii) a dedução ou recebimento da prestação tributária pelo agente, nos termos da lei; e (iii) a conduta de não entrega, total ou parcial, no tempo devido, da prestação tributária. Qualifica-se como um crime omissivo puro, consumando-se no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, haja ou não haja entrega da declaração tributária, não sendo exigida uma intenção de apropriação desses montantes. Contudo, nos casos em que a prestação tributária pressuponha uma autoliquidação, é exigível que o agente tenha recebido a prestação tributária devida. A este propósito, cumpre relembrar a jurisprudência uniformizada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2015, no sentido de que caso esteja em causa a omissão de entrega à administração tributária de prestação tributária de valor superior a 7.500€ relativa a quantias derivadas do Imposto sobre o Valor Acrescentado, em relação às quais haja obrigação de liquidação, e que tenham sido liquidadas, apenas estará preenchido este ilícito criminal, se o agente as tiver, efetivamente, recebido , isto é, se o montante da prestação tributária lhe tiver sido entregue pelo adquirente até ao momento da entrega da respetiva declaração periódica à Autoridade Tributária.”5 A sentença é claríssima a respeito da questão despropositadamente convocada pelos recorrentes. O que sucedeu foi que, ao contrário do que estes propugnam, entendeu o tribunal que as prestações tributárias, “in casu” devidas ao Estado a título de entregas de IVA, se reportam a quantias liquidadas, ou seja, efetivamente recebidas, conforme resulta do elenco dos factos provados, já consolidado6 7. Não se compreende, pois, todo o argumentário apresentado no recurso acerca de uma corrente jurisprudencial não aplicada na sentença, dissertando de forma espúria sobre as diferenças entre a responsabilidade tributária e a responsabilidade penal tributária.

A sentença contém, aliás, uma ampla exposição sobre os ilícitos penais pelos quais os recorrentes foram condenados, sendo que, não se encontrando colocada nos recursos qualquer questão válida, de natureza jurídica, relativamente à subsunção, nada mais haverá a acrescentar a tal respeito. *

b) Relativamente aos princípios e regras legalmente previstos para a escolha e determinação das medidas das penas

Nos seus recursos, os arguidos BB e EE, Ldª questionam, subsidiariamente, as medidas concretas das penas parcelares que lhe foram aplicadas, e, bem assim, as dosimetrias das penas únicas, que consideram excessivas. O arguido AA, por seu turno, não obstante focar a sua defesa na alegação da inexistência de gerência de facto da qual faz decorrer o pedido de absolvição, propugna que lhe não seja aplicada uma pena de prisão cumprida em meio prisional, porquanto refere nas conclusões hh) a mm) que: “hh) O arguido AA nunca esteve preso. O meio prisional só iria causar estigma na sua vida. ii) O arguido AA já não praticará qualquer ilícito penal, pelo menos desta natureza, uma vez que já não faz parte da sociedade arguida, pois renunciou à gerência. jj) O Arguido AA continua doente. kk) O arguido AA continua de baixa médica. ll) O arguido AA sofre de obesidade mórbida, e associado à sua doença, padece de várias outras doenças que lhe surgiram por força da obesidade mórbida de que padece. mm) O meio prisional não será o que melhor se adequa, sendo certo porém que, o arguido já não está ligado à sociedade arguida, pelo que, não restam dúvidas que, não voltará a cometer tais ilícitos penais.”

Vejamos então se lhes assiste razão.

Não deixando de ter presente que nos recursos sobre a medida da pena, ao tribunal ad quem caberá tão somente verificar o respeito pelas normas e pelos princípios gerais que regulam tal matéria, não abrangendo a reapreciação a realizar no recurso «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada»8, analisemos então as circunstâncias do caso em apreço no que tange à determinação das penas parcelares e das penas únicas aplicadas aos arguidos pelo tribunal a quo. Pela prática dos crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, de abuso de confiança fiscal e de crime de frustração de créditos, a sentença recorrida optou pela aplicação ao arguido ao arguido AA, respetivamente, das penas de 1 ano e 6 meses de prisão, 1 ano e 10 meses de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única de 3 anos de prisão. Ao arguido BB, foram aplicadas, respetivamente, pela prática dos mesmos crimes, as penas parcelares de 225 (duzentos e vinte e cinco), 230 (duzentos e trinta) e 130 (cento e trinta) dias de multa, todos à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), e, em cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única de 390 (trezentos e noventa) dias de multa, também à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 2.535,00€ (dois mil, quinhentos e trinta e cinco euros). À arguida EE, Ldª foram aplicadas, respetivamente, as penas parcelares de 550 (quinhentos e cinquenta), 650 (seiscentos e cinquenta) e 300 (trezentos) dias de multa, todos à taxa diária de 8,00€ (oito euros), tendo-lhe sido aplicada, em cúmulo jurídico, a pena única de 900 (novecentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00€ (oito euros), perfazendo o montante total de 7.200,00€ (sete mil e duzentos euros). No que tange à determinação das penas parcelares – e após ter optado, fundadamente, pela aplicação de penas de multa ao arguido BB (atendendo à ausência de antecedentes criminais), e de penas de prisão ao arguido AA (tendo em conta o extenso passado criminal que o mesmo apresenta, que conta já com a aplicação de várias penas de prisão suspensas na sua execução) – ajuizou a decisão recorrida da seguinte forma9: “(…) Tratando-se de crime tributário, o Tribunal terá que atender ao prejuízo causado pelo crime quando se debruçar sobre a operação de determinação da medida da pena (cfr. artigo 13.º do Regime Geral das Infrações Tributárias). Feita a opção pela aplicação de uma pena de multa, é preciso considerar que o nosso Código Penal consagra o sistema de dias de multa, o que significa que a determinação da pena de multa concretamente aplicável passa, em primeiro lugar, por fixar os dias de multa, em função dos critérios do artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal (como resulta do artigo 47.º, n.º 1 do Código Penal), atendendo-se, portanto, à culpa do agente e às exigências de prevenção. É na segunda operação que se fixa o quantitativo diário em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, constituindo um fator de maior igualdade e justiça ao impor o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna, mediante a atribuição de relevância autónoma à sua capacidade económica e garantindo um maior efeito preventivo especial, pois a repercussão psicológica da multa no condenado será tanto maior quanto mais se mostre proporcionada aos seus haveres . As consequências económicas da pena de multa para o condenado têm que assemelhar-se em gravidade à pena privativa de liberdade, representando simultaneamente, uma censura do facto e uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma penal violada, mas sem implicar um processo de dessocialização tanto do condenado como da sua família, colocando em causa mínimos de subsistência.

Assim, é essencial que a aplicação concreta da pena de multa não configure uma forma disfarçada de absolvição.

Do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social

O crime de abuso de confiança contra a segurança social é punível, no que aqui releva, com pena de prisão entre 1 mês e 3 anos ou com pena de multa entre 10 e 360 dias, conforme resulta da conjugação dos artigos 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, do Código Penal, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias. Contudo, dispõe o n.º 3 do artigo 12.º do Regime Geral das Infrações Tributárias que “os limites mínimo e máximo das penas de multa previstas para os diferentes tipos legais de crime são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada”, o que no caso equivale, em abstrato, a uma pena de multa de 20 a 720 dias. Quanto às exigências de prevenção geral e especial (nas pessoas dos arguidos AA e BB) que no caso se fazem sentir, dão-se aqui por reproduzidas as considerações feitas aquando a escolha da pena a aplicar àquele crime. As exigências de prevenção especial para a sociedade arguida são médio-altas, considerando os seus antecedentes criminais, já tendo sido condenada pela prática de dois crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social e cinco crimes de abuso de confiança fiscal, embora a condenação quanto ao último crime praticado tenha ocorrido em momento posterior à prática dos factos sub judice. Quanto à ilicitude, esta é média-alta, tendo em conta o montante total das contribuições não entregues e o período temporal em que perdurou a omissão. A culpa é média-alta, atendendo à modalidade com que atuaram, a do dolo direto, sem prejuízo da motivação subjacente. Pelo exposto, conclui-se que é consentânea com a culpa dos arguidos, necessária para significar o desvalor dos factos praticados, bem como adequada para despersuadir a prática de novos crimes, a aplicação: - Ao arguido AA, da pena de 1 ano e 6 meses de prisão; - Ao arguido BB, da pena de 225 dias de multa; - À arguida EE, Lda., da pena de 550 dias de multa.

Do crime de abuso de confiança fiscal

O crime de abuso de confiança fiscal é punível, no que aqui releva, com pena de prisão entre 1 mês e 3 anos ou com pena de multa entre 10 e 360 dias, conforme resulta da conjugação dos artigos 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, do Código Penal e 105.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias. Contudo, dispõe o n.º 3 do artigo 12.º do Regime Geral das Infrações Tributárias que “os limites mínimo e máximo das penas de multa previstas para os diferentes tipos legais de crime são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada”, o que no caso equivale, em abstrato, a uma pena de multa de 20 a 720 dias. Quanto às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, dão-se aqui por reproduzidas as considerações feitas supra. O grau de ilicitude é médio-alto, atento o número e o valor das prestações tributárias não entregues, não esquecendo que o tipo de ilícito cometido pelos arguidos varia entre 7.500,00€ e 50.000,00€. A culpa é média-alta, atendendo à modalidade do dolo com que atuaram, a do dolo direto e a motivação para a prática dos factos, a existência de dificuldades económicas da sociedade arguida. Pelo exposto, conclui-se que é consentânea com a culpa dos arguidos, necessária para significar o desvalor dos factos praticados, bem como adequada para despersuadir a prática de novos crimes, a aplicação: - Ao arguido AA, da pena de 1 ano e 10 meses de prisão; - Ao arguido BB, da pena de 230 dias de multa; - À arguida EE, da pena de 650 dias de multa.

Do crime de frustração de créditos

O crime de frustração de créditos é punível, no que aqui releva, com pena de prisão entre 1 ano e 2 anos ou com pena de multa entre 10 e 240 dias, conforme resulta da conjugação dos artigos 47.º, n.º 1, do Código Penal e 88.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Contudo, dispõe o n.º 3 do artigo 12.º do Regime Geral das Infrações Tributárias que “os limites mínimo e máximo das penas de multa previstas para os diferentes tipos legais de crime são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada”, o que no caso equivale, em abstrato, a uma pena de multa de 20 a 480 dias. Quanto às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, dão-se aqui por reproduzidas as considerações feitas supra. O grau de ilicitude é médio-alto, atento o valor do património oculto e a forma utilizada para a sua ocultação. A culpa é média-alta, atendendo à modalidade do dolo com que atuaram, a do dolo direto e a motivação para a prática dos factos, a existência de dificuldades económicas da sociedade arguida. Pelo exposto, conclui-se que é consentânea com a culpa dos arguidos, necessária para significar o desvalor dos factos praticados, bem como adequada para despersuadir a prática de novos crimes, a aplicação: - Ao arguido AA, da pena de 1 ano e 6 meses de prisão; - Ao arguido BB, da pena de 130 dias de multa; - À arguida EE, Lda., da pena de 300 dias de multa.

* Cumpre agora fixar o quantitativo diário da multa, atendendo às condições económicas e financeiras dos arguidos e aos seus encargos (reflexo do princípio da igualdade). Tal quantitativo terá, necessariamente, de se fixar entre 1,00€ e 500,00€ para as pessoas singulares, e entre 5,00€ e 5.000,00€ para as pessoas coletivas ou entidades equiparadas, de acordo com o artigo 15.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias. Assim, tendo em consideração a situação económica e financeira dos arguidos e os seus encargos, fixa-se o quantitativo diário da multa para o arguido AA em 6,50€ para a arguida EE, Lda., em 8,00€.(…)” * Reiteramos que quanto à medida da pena, ao tribunal ad quem caberá apenas verificar o respeito pelas normas e pelos princípios gerais. E tão somente isso. Daqui resulta que o tribunal de recurso só deve intervir na escolha da pena e da sua medida concreta quando detetar incorreções no processo da sua determinação, quer ao nível da valoração factual, quer no que diz respeito à aplicação das normas legais que regem a matéria em causa. Tal sindicância não abrange, pois, a fiscalização do quantum exato da pena, na perspetiva da realização de uma nova determinação da mesma, devendo manter-se a pena concretamente aplicada sempre que se verifique que a sua fixação assentou numa correta aplicação das regras e dos princípios legais e constitucionais e que, consequentemente, não se revela desajustada, nem desproporcionada. Como é sabido a medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, determina-se, de acordo com o disposto no artigo 40º do CP, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, com respeito pelos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP. Ora, analisados os factos – nos quais se descrevem as atuações dos recorrentes, o período e contexto em que ocorreram, o propósito que aqueles visaram alcançar e as suas motivações e, bem assim, os elementos relativos às suas condições pessoais – pensamos, que, ao contrário do que se sustenta no recurso, o doseamento das penas parcelares foi feito com acerto e com justificação bastante, sendo que todas as circunstâncias indicadas no artigo 71º do CP foram tidas em conta na fundamentação constante da sentença recorrida, não se descortinando qualquer vulneração das regras e dos princípios legais aplicáveis. Manter-se-ão, pois, as penas parcelares aplicadas na sentença.

*

Atento o disposto no artigo 77º, n.º 1 do Código Penal “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.”

O pressuposto essencial para a efetuação do cúmulo jurídico de penas parcelares é a prática de diversas infrações pelo mesmo arguido antes de transitar em julgado a condenação por qualquer delas. Ou seja, para se proceder ao cúmulo jurídico é necessário que se verifiquem requisitos de ordem processual e material, nomeadamente, que se trate de penas relativas a crimes praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, que se trate de crimes cometidos pelo mesmo arguido e que se trate de penas parcelares da mesma espécie.

A finalidade subjacente às regras estabelecidas para a punição do concurso de crimes é a de permitir avaliar em conjunto factos que têm contemporaneidade processual. Ora, é precisamente esta situação que se verifica nos presentes autos quanto ao concurso efetivo e real dos crimes pelos quais os arguidos foram condenados, importando, pois, apurar se as penas únicas aplicadas se revelam adequadas, tomando em consideração os factos, as personalidades e as condições pessoais dos agentes.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material, com a fixação da pena única pretende-se sancionar o agente pelo conjunto dos factos integradores do cúmulo jurídico enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento delituoso. Tudo deverá passar-se “(…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências especiais de socialização).(…)”10

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação do tipo de relação entre os mesmos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente. O que se pretende é a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de uma tendência criminosa, bem como fixar a medida concreta da pena única dentro da moldura penal do concurso, tendo sempre em conta as exigências especiais de socialização decorrentes do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

* Atentemos na factualidade provada relativa às situações pessoais dos arguidos, que extraímos dos factos provados, e que, conjuntamente com a análise dos factos subjacentes às condenações dos crimes em concurso, relevam na ponderação que nos cumpre realizar: - (…) Condições socioeconómicas do arguido AA

50. O arguido nasceu a ….1973.

51. Tanto à data dos factos, como na atualidade, o arguido vive com a família constituída, esposa e filha, em casa de habitação própria, construída pelo casal em 2008 com recurso a empréstimo bancário.

52. Tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade.

53. Foi desenhador de construção civil, sendo essa uma das suas funções na sociedade arguida.

54. A filha do arguido, com … anos, é aluna, em …, no ensino superior no curso de ….

55. A esposa do arguido mantém uma vinculação à sociedade arguida, auferindo pelo menos o equivalente ao salário mínimo nacional.

56. Tem problemas de saúde crónicos, com diagnóstico de obesidade, problemas respiratórios, de circulação e outros associados, com referência a estados depressivos, mantendo acompanhamento médico especializado, com uma adesão oscilante, estando atualmente a receber subsídio de doença no valor diário de 15,62€, além de remuneração não concretamente apurada enquanto gerente da sociedade arguida.

57. Na atualidade e desde há alguns anos, quando a empresa deixou de ser rentável e, para manter os seus encargos, o casal tem vindo a desfazer-se do património herdado pela esposa do arguido, para equilibrar as finanças da família.

58. O arguido centra o quotidiano na família nuclear e alargada, entre a filha, os pais e os sogros, estes últimos já idosos que requerem por vezes apoio ao nível da saúde.

59. Por sentença transitada em julgado em 26.03.2012, no âmbito do processo n.º 396/10.6…, que correu termos no Tribunal Judicial de … – ….º Juízo, foi condenado numa pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, pela prática em /10/2008, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

60. Por sentença transitada em julgado em 18.06.2012, no âmbito do processo n.º 433/12.0…, que correu termos no Tribunal Judicial de … – ….º Juízo, foi condenado numa pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 4,00€, pela prática em 01.04.2008, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social. A pena foi extinta em 02.03.2016.

61. Por sentença transitada em julgado em 24.11.2014, no âmbito do processo n.º 261/13.5I…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, pela prática em 16.11.2011, de um crime de abuso de confiança fiscal.

62. Por sentença transitada em julgado em 08.05.2015, no âmbito do processo n.º 306/13.9…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, pela prática em 15.02.2013, de um crime de abuso de confiança fiscal. A pena foi extinta em 16.05.2017.

63. Por sentença transitada em julgado em 08.09.2015, no âmbito do processo n.º 159/14.0…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 4 meses de prisão, substituída por 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em //2013, de um crime de abuso de confiança fiscal.

64. Por sentença transitada em julgado em 09.11.2016, no âmbito do processo n.º 372/15.2…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 6 meses de prisão, substituída por 170 dias de multa, à taxa diária de 4,00€, pela prática no período que mediou entre 15 de julho de 2010 e 20 de junho de 2013, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

65. Por sentença transitada em julgado em 01.03.2018, no âmbito do processo n.º 400/15.1…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sujeita à condição de no prazo da suspensão pagar à autoridade tributária o valor de 10.000,00€, pela prática em //2014, de um crime de abuso de confiança fiscal.

66. Por sentença transitada em julgado em 24.09.2018, no âmbito do processo n.º 331/16.8…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sujeita à condição de proceder ao pagamento mensal de 250,00€, pela prática em 15.02.2016, de um crime de abuso de confiança fiscal.

67. Por sentença transitada em julgado em 05.07.2024, no âmbito do processo n.º 17/22.4…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenado numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sujeita à condição de no prazo da suspensão pagar à autoridade tributária o valor de 4.681,77€, pela prática em 02.12.2020, de um crime de abuso de confiança fiscal.

Condições socioeconómicas do arguido BB

68. O arguido nasceu a ….1966.

69. Tem como habilitações literárias a licenciatura em Arquitetura.

70. Além de exercer funções de gerente na sociedade arguida, é encarregado geral de obras.

71. Não recebe um salário fixo, variando a sua remuneração mensal entre os 500,00€ e os 800,00€.

72. O agregado familiar é composto por si e pelos pais.

73. Residem em habitação da qual os pais do arguido são proprietários.

74. Os pais do arguido encontram-se reformados, auferindo em conjunto cerca de 700,00€ de pensão de reforma.

75. Contraiu um crédito bancário no valor de 5.000,00€, o qual se encontra a ser liquidado em prestação mensais de 159,00€.

76. O arguido padece de diabetes, gastando mensalmente com medicação cerca de 30,00€.

77. Não regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal.

Condições socioeconómicas da arguida EE, Lda.

78. A sociedade arguida atualmente encontra-se em laboração, e tem ao seu serviço cinco trabalhadores.

79. A sua sede está instalada no rés-do-chão de um imóvel que é propriedade do pai dos arguidos, não pagando qualquer contrapartida.

80. Tem uma faturação mensal de cerca de 30.000,00€.

81. No ano de 2022 apresentou um prejuízo fiscal de 13.750,89€.

82. Por sentença transitada em julgado em 26.03.2012, no âmbito do processo n.º 396/10.6…, que correu termos no Tribunal Judicial de … –….º Juízo, foi condenada numa pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 12,00€, pela prática em /10/2008, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

83. Por sentença transitada em julgado em 24.11.2014, no âmbito do processo n.º 261/13.5…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 350 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, pela prática em 16.11.2011, de um crime de abuso de confiança fiscal.

84. Por sentença transitada em julgado em 08.09.2015, no âmbito do processo n.º 159/14.0…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em //2013, de um crime de abuso de confiança fiscal.

85. Por sentença transitada em julgado em 09.11.2016, no âmbito do processo n.º 372/15.2…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática no período que mediou entre 15 de julho de 2010 e 20 de junho de 2013, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

86. Por sentença transitada em julgado em 01.03.2018, no âmbito do processo n.º 400/15.1…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em //2014, de um crime de abuso de confiança fiscal.

87. Por sentença transitada em julgado em 24.09.2018, no âmbito do processo n.º 331/16.8…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em 15.02.2016, de um crime de abuso de confiança fiscal.

88. Por sentença transitada em julgado em 05.07.2024, no âmbito do processo n.º 17/22.4…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, foi condenada numa pena de 350 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em 02.12.2020, de um crime de abuso de confiança fiscal.(…)”

*

A fixação das molduras penais do concurso, de acordo com as regras doutrinarias e jurisprudenciais, no caso subjudice, encontra-se possibilitada pela igual natureza das penas a considerar em cada um deles – 3 penas de prisão relativamente ao arguido AA, 3 penas de multa relativamente ao arguido BB e 3 penas de multa quanto à arguida EE, Ldª – devendo ter como limites mínimos as penas parcelares mais graves – 1 ano e 10 meses de prisão quanto ao arguido AA; 230 dias de multa relativamente ao arguido BB e 650 dias de multa quanto à arguida EE, Ldª – e como limites máximos a soma aritmética das penas parcelares – 4 anos e 10 meses de prisão quanto ao arguido AA; 585 dias de multa relativamente ao arguido BB e 1500 dias de multa quanto à arguida EE.

Os crimes em concurso real e efetivo preenchem três tipos penais diferentes, mas de natureza semelhante, afetando todos bens jurídicos do foro patrimonial, uma vez que o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social lesa o património da Segurança Social e os crimes de abuso de confiança fiscal e de frustração de créditos lesam o património do Estado. Pese embora cometidos em ocasiões diferentes, todos os crimes foram praticados mediante um modus operandi comum ou semelhante, revelando o meio de execução similitudes, com os propósitos, concretizados, de lesar o Estado ou a Segurança Social.

Refere a sentença recorrida que “(…) Olhando para os factos no seu conjunto, constata-se que estes estão relacionados entre si, foram executados de modo homogéneo (não entrega dos tributos/quotizações e ocultação de quantias monetárias para evitar a sua penhora para pagamento de dívidas fiscais) e têm na sua origem a mesma motivação. E se quanto ao arguido BB ainda podemos falar de uma pluriocasionalidade, ainda que prolongada no tempo, o mesmo já se não verifica para o arguido AA, que manifesta uma personalidade desconforme ao direito, com tendência para a prática de crimes de natureza fiscal/tributária.(…)”.

Estamos de acordo com tal apreciação. Porém, cremos que a factualidade provada nos fornece elementos que, em sede de apreciação global dos comportamentos criminosos, deveremos igualmente valorar, e que nos conduzirão a dosimetrias das penas únicas inferiores às fixadas na decisão recorrida. Com efeito, não obstante a reiteração das condutas, praticadas dolosamente, e o desvalor que lhes está associado, julgamos assumir também relevância a circunstância de os arguidos AA e BB, na qualidade de gerentes de facto e de direito da sociedade arguida, terem utilizado o valor das quotizações, que não entregaram à Segurança Social, em benefício da sociedade arguida, que se encontrava a atravessar um período de dificuldades económicas, conforme expressamente se consignou no facto provado nº 12.11 Terá sido a situação financeira particular difícil vivida pela empresa um dos fatores determinantes da prática dos crimes das condenações. Tal circunstância, não obviando, naturalmente, à prática dos crimes, deverá ser, a nosso ver, valorada favoravelmente, no processo de determinação das penas únicas.

Acresce que a ausência de antecedentes criminais do arguido BB, depõe em muito a seu favor. Em sentido oposto militam os extensos antecedentes criminais do arguido AA, considerando as nove condenações pela prática de atos de semelhante natureza12, já tendo beneficiado da aplicação de penas de multa, penas de prisão substituídas por multa e de penas de prisão suspensas na sua execução, as quais não surtiram qualquer efeito dissuasor. Porém, parece-nos que não poderemos também deixar de ter em conta que, conforme se refere nos pontos 56. e 57. dos factos provados13, este arguido sofre de problemas de saúde graves – incluindo alguns com referência a estados depressivos – que justificaram a atribuição do subsídio de doença que atualmente recebe, e que, não obstante não o terem impedido de continuar a exercer as funções de gerente da empresa, não terão deixado de influenciar a forma como desempenhou as mencionadas funções, legitimando uma menor valoração da censurabilidade das suas condutas.

Tais circunstâncias, associadas às demais tidas em conta na sentença recorrida, revelam, a nosso ver, um quadro global de ilicitude e censurabilidade, que se concilia com a determinação de penas únicas mais próximas do limiar inferior das molduras abstratas dos concursos, pelo que, atendendo à gravidade e às circunstâncias atinentes à globalidade dos factos praticados, à natureza dos crimes e às personalidades refletidas nos mesmos e no mais que evidenciam os percursos de vida dos arguidos, entendemos que as medida das penas únicas encontradas pelo tribunal “a quo” se revelam excessivas, afigurando-se-nos adequadas as penas de 2 anos de prisão para o arguido AA, de 300 dias para o arguido BB e de 750 dias para a arguida EE, Ldª, que se fixarão.

*

Nenhum reparo nos merece a sentença recorrida no que tange às justificações apresentadas para não proceder à substituição das penas aplicadas aos arguidos e que foram as seguintes:

“Da substituição ou suspensão da execução da pena de prisão

O efeito criminógeno do cumprimento das penas de prisão, potenciado pela dessocialização decorrente da interrupção das relações familiares, profissionais e sociais, bem como pela desconfiança que se gera na comunidade em relação a quem já esteve preso, leva a que se deva considerar a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º do Código Penal) ou a sua substituição por multa ou trabalho a favor da comunidade (artigos 45.º e 58.º do Código Penal), ou a proibição do exercício de profissão, função ou atividade, públicas ou privadas (artigo 46.º, n.º 1, do Código Penal) de modo a não pôr em causa o efeito ressocializador da pena.

A pena de prisão pode ainda ser executada em regime de permanência na habitação, com recurso a meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal. São as considerações de prevenção especial que devem ser tidas em conta no momento de determinar se a pena de prisão deve ser substituída e, em caso afirmativo, na escolha da pena de substituição adequada e suficiente a realizar a finalidade de reintegração do agente.

É de afastar desde logo a proibição do exercício de profissão, função ou atividade, públicas ou privadas, por não ter aplicação ao caso concreto. Afasta-se também a sua substituição por multa, que só é aplicável se a pena de prisão determinada for em medida não superior a um ano, assim como a substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade e a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, que só são aplicáveis se a pena de prisão determinada for em medida não superior a dois anos, pelo que a pena de prisão fixada em 3 anos ultrapassa o limite legalmente fixado para a aplicação de qualquer umas das três, ao abrigo dos artigos 43.º, n.º 1, alínea a), 45.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1 do Código Penal. Quanto à suspensão da pena de prisão, consagra o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”. Como já referido supra, as exigências de prevenção especial são elevadas, considerando o total de nove condenações pela prática de atos de semelhante natureza (já foi condenado por três crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social – cuja consumação implica a não entrega de prestações de natureza contributiva àquele Instituto – e seis crimes de abuso de confiança fiscal – cuja consumação implica a não entrega de prestações tributárias à Administração Tributária – sendo que apenas no âmbito do processo n.º 17/22.4… a decisão transitou em julgado já após a prática dos factos aqui em discussão), já tendo beneficiado da aplicação de penas de multa, penas de prisão substituídas por multa e mesmo penas de prisão suspensas na sua execução, as quais não surtiram qualquer efeito dissuasor. Aliás, o arguido praticou os factos aqui em discussão no decurso do período de suspensão das penas de prisão aplicadas no âmbito dos processos 400/15.1… e 331/16.8….

A seu favor milita a circunstância de estar bem inserido no contexto familiar.

O que se conclui é que o arguido manifesta uma personalidade com tendência à prática de crimes fiscais/tributários, não sendo positivamente influenciado pela aplicação de penas não detentivas de liberdade. Como tal, não é possível sustentar um juízo de prognose positivo no seu comportamento futuro no sentido de não voltar a praticar atos idênticos.

A aplicação de outra suspensão da pena de prisão ao arguido só serviria para lhe suscitar um sentimento de impunidade.

Apenas com o cumprimento de uma pena de prisão efetiva é que o arguido será capaz de interiorizar a ilicitude dos seus comportamentos. Concluindo, a suspensão da execução da pena de prisão não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, motivo pelo qual o arguido deverá cumprir a pena de prisão de 3 anos em estabelecimento prisional.

Da substituição da pena de multa aplicada à arguida EE, Lda..

No que respeita à pena de multa aplicada às pessoas coletivas e entidades equiparadas, estão previstas no Código Penal como penas de substituição, a admoestação (artigo 90º-C), a caução de boa conduta (artigo 90º-D) e a vigilância judiciária (artigo 90º-E), as quais, para serem decretadas, implicam a formulação de um juízo segundo o qual as mesmas realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. A apreciação da aplicação de uma pena substitutiva ao agente traduz-se num poder/dever do Tribunal de apreciação dos requisitos legais para eventual aplicação ou denegação dessa mesma pena14. A substituição da pena de multa por uma admoestação terá lugar quando (i) à pessoa coletiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de m ulta em medida não superior a 240 dias; (ii) o dano tiver sido reparado e (iii) se o tribunal concluir que, por este meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigos 90.º-C, n.º 1 e 60.º, n.º 2 do Código Penal. Mas, se nos três anos anteriores ao facto o agente tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação, em regra, não haverá lugar à aplicação desta pena substitutiva, como resulta do disposto no artigo 60.º, n.º 3, ex vi artigo 90.º-C, n.º 1, ambos do Código Penal. A aplicação desta pena substitutiva não poderá colocar em causa os limiares mínimos das expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico15. Caso a pena de multa a aplicar à pessoa coletiva ou entidade equiparada seja igual ou inferior a 600 dias, esta pode ser substituída por caução de boa conduta, como garantia desta mesma boa conduta, a fixar entre 1.000€ e 1.000.000€, pelo prazo de um a cinco anos, ao abrigo do artigo 90.º-D, n.º 1 do Código Penal. Por fim, a pena de multa pode ser substituída por vigilância judiciária, “se à pessoa coletiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 600 dias”, podendo “o tribunal limitar-se a determinar o seu acompanhamento por um representante judicial, pelo prazo de 1 a 5 anos, de modo que este proceda à fiscalização da atividade que determinou a condenação, bem como à fiscalização do cumprimento efetivo de um programa de cumprimento normativo com medidas de controlo e vigilância idóneas para prevenir crimes da mesma natureza ou para diminuir significativamente o risco da sua ocorrência” – artigo 90.º-E, n.º 1 do Código Penal. No caso concreto, não se equaciona a aplicação de qualquer pena substitutiva, por ter sido aplicada à sociedade arguida uma pena de multa em quantitativo superior a 600 dias (900 dias).(…”

*

Subscrevemos integralmente todas as considerações transcritas, que se nos afiguram acertadas e respeitadoras dos critérios legais.

Com efeito, inexistem nos autos elementos que suportem a substituição da pena de multa aplicada à arguida EE, Ldª.

No que diz respeito à não aplicação de penas de substituição da pena de prisão aplicada ao arguido AA, a decisão recorrida afigura-se-nos igualmente justificada. Nos termos do artigo 45.º, n.º 1 do Código Penal, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano “é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”. Mais decorre do artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal que a substituição da pena de prisão não superior a 2 anos por prestação de trabalho a favor da comunidade deve ocorrer sempre que o Tribunal concluir, “nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”.

Por seu turno, no que diz respeito à suspensão da execução da pena de prisão nos termos do artigo 50º do CP, o percurso criminal do arguido, para além de ser revelador de que o mesmo não assimilou ainda a ilicitude e o desvalor das suas condutas, demonstra igualmente que a ameaça da prisão contida nas três suspensões de execução de penas de prisão que lhe foram aplicadas não se revelou bastante para o afastar da criminalidade, tendo voltado a delinquir, praticando crimes de natureza semelhante. Dito de outro modo, o arguido revela não ter aprendido com os seus erros anteriores, deixando evidente a ineficácia das condenações anteriores aos factos sub judice e das solenes censuras nelas contidas para o reencaminhar para um comportamento conforme aos bens jurídicos tutelados pelas normas em causa. Estas as razões pelas quais, não obstante a sua integração social e o facto de ter mostrado arrependimento pela prática dos factos, entendemos, não se revelar possível realizar o juízo de prognose favorável, exigido pelo artigo 50º do CP, que sustentaria a suspensão da execução da pena de prisão.

Todas as mencionadas possibilidades de substituição foram, pois, criteriosamente valoradas pelo tribunal recorrido, conforme resulta do excerto transcrito, não se revelando adequada a última, atendendo às fortes exigências de prevenção especial e não se revelando possíveis as duas primeiras atendendo à pena de 3 anos de prisão aplicada. A verdade é que, ainda que a dosimetria da pena de prisão o permitisse, a gravidade das condutas do arguido e as elevadas necessidades de prevenção especial, sempre levariam a que se concluísse que uma pena de multa ou de trabalho, aplicadas como penas de substituição, não seriam suficientes para realizar as finalidades da punição.

Sucede que o abaixamento da pena única de prisão, agora aplicada ao arguido AA na medida concreta de 2 anos, passa a consentir a ponderação da aplicação do regime de Permanência na Habitação, o que faremos de seguida.

* O Regime de Permanência na Habitação encontra a sua previsão legal no artigo 43º do CP, sendo que, com a atual redação de tal norma penal, conferida pela Lei nº 94/2017 de 23.08, o referido regime veio a consagrar-se também como forma de execução da pena, e não apenas como pena de substituição, sendo esta última a única natureza que resultava da anterior redação do mencionado preceito. Com efeito, dogmaticamente, o Regime de Permanência na Habitação assume atualmente uma natureza mista: de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio – na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional – e de mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão – uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do artigo 43º, nº 1, al. c), do Código Penal.

Na situação vertente, encontramo-nos perante a apreciação deste regime na sua vertente de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, uma vez que avaliamos a possibilidade de substituir o cumprimento efetivo da pena de prisão pelo mencionado Regime de Permanência na Habitação.

Ora, dispõe, então, o artigo 43º do Código Penal, que: “Artigo 43.º Regime de permanência na habitação 1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. 3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. 4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente: a) Frequentar certos programas ou atividades; b) Cumprir determinadas obrigações; c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado; d) Não exercer determinadas profissões; e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas; f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.”

A norma transcrita – à qual subjaz o entendimento de que o cumprimento em meio prisional das penas curtas de prisão deve ser evitado por não contribuir necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado – admite expressamente que o condenado em pena de prisão efetiva não superior a dois anos possa cumprir a pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, regime que se situa a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do condenado.

Como pressupostos formais deste regime, exige-se que a condenação em pena de prisão efetiva não seja superior a dois anos (artigo 43.º, n.º 1, al. a) do CP) e, bem assim, o consentimento do condenado e das pessoas maiores de 16 anos que com ele coabitem (artigo 43.º, n.º 1, do CP e artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 7, da Lei n.º 33/2010, de 02.09).

Como pressuposto material, o artigo 43.º, n.º 1 do CP exige que o tribunal conclua que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, ou seja, as finalidades preventivo-especiais, no sentido da reintegração social do recluso, “preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, sem prejuízo de satisfazer também exigências de prevenção geral positiva, “servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes” (artigo 42.º, n.º 1, do CP). É no âmbito deste enquadramento jurídico que importa ponderar se a factualidade provada na decisão recorrida suporta a aplicação do Regime de Permanência na Habitação. Pensamos que sim. Com efeito, está em causa pena de prisão efetiva não superior a dois anos (concretamente, 2 anos), sendo que, não se encontrando prestados os devidos consentimentos, a averiguação de tal requisito formal, bem como da verificação das demais condições materiais para instalação da vigilância eletrónica caberá ao tribunal recorrido.

Quanto ao requisito material, levando em consideração a integração social e familiar do arguido e, bem assim, a circunstância de ao mesmo nunca ter sido aplicada uma pena privativa da liberdade, não se vislumbra que apenas o cumprimento efetivo da pena em estabelecimento prisional satisfaça de forma adequada as necessidades preventivas que o caso reclama. Pelo contrário, o contacto do condenado com o nocivo ambiente do meio prisional sempre será de evitar caso aquele reúna as condições necessárias ao cumprimento da pena de prisão em regime domiciliário devidamente controlado por meios de controlo à distância. Nestes termos, afigura-se-nos que a ressocialização do arguido será ainda possível se o mesmo se mantiver recluído, junto da sua família, evitando-se o carácter estigmatizante do cumprimento da pena em meio prisional, mas restringindo-o, ainda assim, na sua liberdade e fazendo-o sentir a reprovação dos crimes praticados em razão do seu confinamento à habitação.

Conclui-se, assim, que se encontra verificado o requisito material do qual a lei faz depender a aplicação do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com meios de fiscalização de controlo à distância, o que se determinará, na condição de vir a atestar-se a verificação dos requisitos formais acima enunciados, verificação que deverá ser feita pelo tribunal recorrido.

*

Atendendo às razões enunciadas, os recursos merecem provimento parcial, pelo que se decidirá alterar a decisão recorrida em conformidade.

***

III - Dispositivo

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial aos recursos, decidindo, consequentemente, revogar a decisão recorrida no que tange às penas únicas aplicadas aos recorrentes, mantendo-se no mais o decido na sentença, fixando-se aquelas da seguinte forma:

- Pena única de 2 (dois) anos de prisão aplicada ao arguido AA, que o mesmo cumprirá em Regime de Permanência na Habitação, desde que seja prestado o seu consentimento, bem como das restantes pessoas que o devam prestar, e desde que se verifiquem as condições materiais e técnicas necessárias à instalação dos meios de vigilância e controlo eletrónico;

- Pena única de 300 (trezentos) dias de multa aplicada ao arguido BB, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 1.950,00€ (mil, novecentos e cinquenta euros);

- Pena única de 750 (setecentos e cinquenta) dias de multa aplicada à arguida EE, Ldª, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de 4.875,00€ (quatro mil, oitocentos e setenta e cinco euros).

*

Em conformidade com o decidido, deverá o tribunal de primeira instância dar cumprimento ao disposto nos artigos 4º nºs 1 a 5 e 7º n.º 2 todos da Lei nº 33/2010 de 2 de setembro, consignando-se que a falta de algum dos consentimentos legalmente exigidos ou das condições materiais e técnicas necessárias à instalação dos meios de vigilância e controlo eletrónico determinará o cumprimento da pena em meio prisional.

***

Sem custas (artigo 513º, nº 1 do CPP).

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 25 de novembro de 2025

Maria Clara Figueiredo

Laura Maurício

Francisco Moreira das Neves

Sumário

I - Não ostentando a decisão qualquer erro manifesto na apreciação das provas aí indicadas, ou seja, não revelando estas um sentido contrário ao que se fixou na decisão recorrida, nem a decisão tendo firmado um sentido logicamente impossível, com exclusão de factos essenciais ou com consideração de factos incompatíveis, mais não haverá do que concluir não enfermar a mesma do vício de contradição insanável da fundamentação a que se reporta o artigo 410.º, nº 2, alínea b) do CPP.

II - A alegação recursiva, conclusiva e desrespeitadora do regime estabelecido no artigo 412º do CPP, sem indicação concretizada das provas que, na perspetiva dos recorrentes, sustentam o alegado erro de julgamento da matéria de facto, limitando-se a manifestar a divergência de entendimento relativamente à convicção formada pelo julgador, está condenada ao insucesso.

III - Importante na determinação concreta da pena única será a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação do tipo de relação entre os mesmos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente. O que se pretende é a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena única dentro da moldura penal do concurso, tendo sempre em conta as exigências especiais de socialização decorrentes do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

II - Levando em consideração a integração social e profissional do arguido e, bem assim, a circunstância de ao mesmo nunca ter sido aplicada uma pena privativa da liberdade, não se vislumbra que apenas o cumprimento efetivo da pena em estabelecimento prisional satisfaça de forma adequada as necessidades preventivas que o caso reclama, afigurando-se-nos que a ressocialização do arguido será ainda possível se o mesmo se mantiver recluído, junto da sua família, evitando-se o carácter estigmatizante do cumprimento da pena em meio prisional, mas restringindo-o, ainda assim, na sua liberdade e fazendo-o sentir a reprovação dos crimes praticados em razão do seu confinamento, cumprindo a pena em Regime de Permanência na Habitação, fiscalizado através de meios de controlo à distância, nos termos do artigo 43º do CP.

..............................................................................................................

1 Como é sabido, do artigo 412.º, nº 1 do CPP decorre que o recurso se compõe de duas partes: a motivação e as conclusões. Na motivação, o recorrente exporá, com clareza, as razões, de facto e de direito, que fundamentam o seu pedido de alteração do decidido na decisão recorrida; nas conclusões, resumirá aquelas razões. Ou seja, podendo o recorrente tratar na motivação, de forma desenvolvida, as razões da sua discordância, as conclusões devem conter a indicação clara, precisa e concisa das razões de facto e de direito com base nas quais se pede o provimento do recurso. Conforme facilmente se apreende, com esta exigência formal a lei pretende que se dê ao Tribunal de recurso uma rápida e fácil perceção das questões a resolver, devidamente identificadas e demarcadas entre si.

Ora, analisados os termos dos recursos, constatamos que, pese embora aí se encontrem identificadas as conclusões, as mesmas não cumprem a função para a qual foram criadas e que determinaram a sua obrigatoriedade, pois que mais não consubstanciam do que a reprodução quase integral da motivação do recurso, não revelando qualquer preocupação de síntese conclusiva, conforme bem faz notar o Ministério Público na sua resposta aos recursos. Porém, considerando que as pretensões recursivas se encontram identificadas e levando em conta que as respostas aos convites ao aperfeiçoamento das conclusões, na grande maioria das situações, não se têm revelado profícuas, optamos por conhecer dos recursos sem formulação do aludido convite.

2 Não obstante, na resposta ao recurso, o Ministério Público ter vindo identificar a invocação pelos recorrentes do vício de erro notório na apreciação da prova, cremos que o fez por lapso, pois que nas conclusões do recurso – concretamente na conclusão uu) – apenas encontramos alusão ao vício da decisão previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 410 do CPP, ou seja, ao vício de contradição insanável da fundamentação.

3 3.ª edição, página 1121.

4 Apenas na conclusão ddd) do recurso se faz uma brevíssima e inconsequente referência ao depoimento da testemunha GG, contabilista da empresa, nos seguintes termos “Poder-se-á ouvir nas gravações do áudio da sessão do dia 17.06.2025, onde a testemunha terá referido o seguinte: “desde Março de 2020, desde que o AA ficou de baixa, os contactos a partir daí, são com o BB”.

Por seu turno, na conclusão ccc) referem-se duas afirmações do arguido AA, apresentadas como se de transcrições se tratassem, mas que, como se pode atestar pelo seu teor, constituem reprodução do conteúdo das declarações de tal arguido em discurso indireto (“ccc) Em primeiro lugar temos as declarações do próprio arguido que negou a prática dos factos e explicou que “desde 12 de Março de 2020 que se encontra de baixa médica” e que está ausente do trabalho, sendo que, quem toma e assume o comando da sociedade arguida é o outro sócio da sociedade, BB. Disse ainda que: “quem gere a firma é o irmão”, BB.)

5 Negritos acrescentados.

6 Concretamente dos factos constantes dos pontos 27, 28, 29 e 30 dos factos provados.

7 Refere a sentença na subsunção dos factos ao crime de abuso de confiança fiscal:

“Revertendo ao caso em presença e face à factualidade apurada, não subsistem dúvidas que os arguidos preencheram com as suas condutas os elementos típicos do crime de abuso de confiança fiscal.

Resulta da matéria de facto dada como provada que a sociedade arguida, enquanto sujeito passivo de IVA, se encontra enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral e que os arguidos exerciam as funções de gerentes na sociedade. Mais se provou que no 4.º trimestre de 2021, a sociedade arguida emitiu faturas, liquidando o respetivo IVA, no total de 37.827,16€, o qual recebeu. Contudo, os arguidos não entregaram aquela nos cofres do Estado no prazo legal, e não supriram essa falta nos 90 dias seguintes ao termo do mesmo, nem depois de notificados pela Administração Tributária, para efetuarem o pagamento da referida prestação tributária em dívida, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável.

De referir que a circunstância de a fatura referida no ponto 27 k da matéria de facto dada como provada ter sido paga entre 2017 e 2019, nada releva. A fatura atinente a esses pagamentos foi emitida em novembro de 2021, entrando assim no último trimestre de 2021, tendo o pagamento do IVA corresponde de ser feito por referência a esse período.” (negrito acrescentado)

8 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 197, Aequitas – Editorial Notícias, 1993.

9 Optando-se por se não transcrever a explanação teórica sobre a matéria da determinação da medida da pena.

10 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 291.

11 “12. Os arguidos AA e BB, na qualidade de gerentes da sociedade atuaram como se descreve com o propósito, concretizado, de fazer reverter a favor do património da empresa arguida o valor das quotizações da segurança social, que utilizaram em benefício da sociedade arguida, a qual se encontrava a atravessar um período de dificuldades económicas.”

12 Já foi condenado por três crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social por e seis crimes de abuso de confiança fiscal, sendo que apenas no âmbito do processo n.º 17/22.4… a decisão transitou em julgado já após a prática dos factos da condenação nos presentes autos, tendo, aliás, o arguido praticado estes factos no decurso do período de suspensão das penas de prisão aplicadas no âmbito dos processos 400/15.1… e 331/16.8….

13 É e a seguinte a sua redação: “56. Tem problemas de saúde crónicos, com diagnóstico de obesidade, problemas respiratórios, de circulação e outros associados, com referência a estados depressivos, mantendo acompanhamento médico especializado, com uma adesão oscilante, estando atualmente a receber subsídio de doença no valor diário de 15,62€, além de remuneração não concretamente apurada enquanto gerente da sociedade arguida.

57. Na atualidade e desde há alguns anos, quando a empresa deixou de ser rentável e, para manter os seus encargos, o casal tem vindo a desfazer-se do património herdado pela esposa do arguido, para equilibrar as finanças da família.”

14 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.06.2021 (Relator Luís Teixeira), Processo n.º 149/19.6T9MBR.C1), disponível em: www.dgsi.pt

15 Cfr. DIAS, Figueiredo, Direito Penal Português Parte Geral - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, p. 387