Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1360/17.0T8ABF.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE ACTIVA
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Por estar subtraído aos poderes representativos do condomínio e configurar um dano de feição eminentemente pessoal, o administrador do condomínio não tem legitimidade activa para deduzir o pedido de condenação da Ré na quantia respeitante a danos morais sofridos pelos titulares de fracções autónomas.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1360/17.0T8ABF.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local de Competência Cível de Albufeira – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção declarativa de condenação proposta por “Condomínio Urbanização Jardins (…)” contra “(…) – Unipessoal, Lda.”, o Autor veio interpor recurso da sentença proferida nos autos.
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O Autor pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 8.055,29, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.
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Para o efeito e em síntese, o Autor alega que contratou os serviços da Ré para realização de obra de reparação de um terraço, que foi executada, mas com falhas, o que importou infiltrações.
A Ré reconheceu a sua responsabilidade em refazer a obra mas não compareceu para dar início à obra e o Autor contratou os serviços de terceiro para reparar os defeitos, face ao perigo iminente de tal situação criar prejuízos ao condomínio e aos condóminos.
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Devidamente citada, a Ré apresentou contestação onde se defendeu por excepção pondo em causa a sua legitimidade e bem assim suscitando a ineptidão da petição inicial. Mais afirma que o Autor não denunciou atempadamente os defeitos, concluindo pela prescrição do direito que se pretendia exercer.
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O Autor respondeu à matéria de excepção e requereu a condenação da Ré como litigante de má fé.
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Foi proferido despacho a convidar o Autor a aperfeiçoar a factualidade alegada na petição inicial e a parte activa respondeu positivamente a essa decisão.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal «a quo» decidiu:
A) julgar procedente a excepção de ilegitimidade activa quanto ao montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) e juros peticionados a título de danos morais, absolvendo a Ré nesta parte da instância.
B) julgar a presente acção improcedente por virtude de verificação de excepção de caducidade, absolvendo a Ré do pedido.
C) julgar improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé, absolvendo-a de tal pedido.
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O recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações continham as seguintes conclusões:
«1. Vem, o presente recurso, interposto da douta decisão que julgou a acção improcedente, absolvendo a ora Recorrida do pedido, nos termos que nela vêm descritos, pelo que versa o recurso quer sobre a matéria de facto, quer de Direito.
2. O Tribunal a quo julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa quanto ao montante peticionado a título de danos morais, absolvendo a Recorrida naquela parte.
3. Discordamos deste entendimento porquanto é o condomínio que tem legitimidade para representar os condóminos, quer pelos danos patrimoniais, quer não patrimoniais, em que se vejam lesados por danos provenientes de partes comuns do prédio que afectam o interior das suas habitações.
4. No entanto, e ainda que assim se não considerasse, sempre se dirá que o momento oportuno para se conhecer excepções é o despacho saneador, tendo havido lugar a audiência prévia, não podendo relegar-se tal matéria apenas para a sentença, de tal modo não permitindo sequer a oportunidade processual que o Autor sempre teria quer ao exercício do contraditório, quer em requerer a intervenção provocada dos condóminos visados ou ainda, estes a requerer a sua intervenção espontânea, para neles fazer valer os seus direitos, e por forma a sanar a eventual questão de ilegitimidade activa, enquanto partes visadas pelos factos e danos em que se funda o pedido do Autor.
5. Nestes termos, andou mal pois o Tribunal a quo ao julgar procedente a excepção de ilegitimidade activa.
Sem prescindir,
6. A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo considerou como provada a seguinte matéria factual, que importa reapreciar:
“2. Provado apenas que as obras referidas em 1 Foram executadas apenas em 2 a 4 m2 do terraço referido em 1, visando corrigir infiltrações no tecto dos apartamentos imediatamente abaixo do terraço de cobertura.
7. E julgou erradamente os seguintes factos que considerou não provados, e que portanto importam também reapreciar:
“a) Na sequência do referido em 2 o isolamento (impermeabilização) do terraço cobertura não foi executado correctamente, continuando a deixar passar a água das chuvas.
b) O que veio a originar infiltrações nas fracções abaixo do terraço pela Ré intervencionado.
c) O Autor solicitou monitorização, registo fotográfico e aconselhamento técnico.
d) Foram detectadas irregularidades no método de aplicação da tela asfáltica, ou seja, o isolamento (impermeabilização) não fora executado correctamente.
e) A Ré não compareceu para dar início à obra, na data por si adiantada.
f) Na sequência do referido de 3 a 6 dos factos provados, a Ré nada fez.
g) Ao Autor não restou outra alternativa que não contratar um terceiro para reparar os defeitos da obra executada pela Ré, o que o Autor fez sem mais delongas.
h) Isto por forma a evitar o aumento das infiltrações na fracção situada abaixo do terraço mal intervencionado, com a chegada das chuvas.
i) Os valores referidos de 8 a 11 resultaram da reparação da obra originária e defeituosamente executada pela Ré e (…).
(...)
k) O A. teve de suportar as quantias referidas de 8 a 11 para corrigir os defeitos da obra que a Ré executou.
l) As infiltrações referidas em b) estavam correlacionadas com falhas no isolamento, que apenas poderiam ser detetadas no período das chuvas abundantes.
m) E assim aconteceu, quer após as chuvas, quer após as deslocações dos proprietários do apartamento H32, e dos apartamentos abaixo deste, se deslocarem aos seus imóveis, detetaram que a obra referida em 2 não havia sido bem realizada, pois as infiltrações haviam retornado.
n) Posto isto, comunicaram tal facto ao Autor, que consequentemente e imediatamente comunicou aos RR”.
8. Da prova produzida em audiência de julgamento, e dos documentos juntos aos autos, outro deveria ter sido o entendimento.
9. Pelo que não se entende como o Tribunal, apesar de tudo indicar o contrário, ter considerado que o Autor não havia apresentado prova do direito de que se arroga.
10. Efectuada a análise da prova produzida, incluindo os depoimentos prestados em audiência e os documentos juntos, entende-se, ao invés, ter o Tribunal recorrido, apreciando-a incorrectamente, fixado por forma não criteriosa a matéria em causa.
11. Assim, o Tribunal recorrido não deveria ter considerado provado o facto constante do n.º 2.
12. E, deveria ter julgado como provado os factos que sob as alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), k), l), m) e n) considerou como não provados.
13. Quando se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, é elemento fundamental as declarações e depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento.
14. Conforme as supra verificadas transcrições, e relativamente ao depoimento/declarações do legal representante da Ré, este disse que realizou testes de carga que não deram em nada, mas instado pela Meritíssima Juíza acaba por dizer que havia infiltrações no apartamento de baixo e que a sua intervenção era para fazer aquela zona de novo e retificar falhas. No mais e, com especial relevância, confirmou ter reconhecido a sua responsabilidade em refazer a obra e em reparar as anomalias comunicadas pela administração do condomínio.
15. O legal representante do Autor veio confirmar que a Ré nada fez para efetivamente eliminar os defeitos da obra, ainda que tivessem sido fixadas várias datas para que a Ré se deslocasse ao local a fim de realizar os trabalhos necessários, tendo sido inclusive acordado há mais de seis meses que o acesso ao terraço far-se-ia pelo exterior do edifício.
16. Os depoimentos das testemunhas (…) e (…), proprietários das fracções onde se verificaram as infiltrações provenientes das falhas do isolamento do terraço, revestem-se aqui de extrema importância para a descoberta da verdade material pois as duas testemunhas conheciam ambas as partes do processo, sem manter no entanto qualquer relação de amizade ou inimizade quer com o Recorrente, quer com a Recorrida, sendo por isso testemunhos credíveis, imparciais e objectivos.
17. A testemunha (…) confirmou ter comunicado as infiltrações à administração do condomínio e que esta lhe informou que o terraço teria de ser refeito na totalidade.
18. A testemunha (…) também confirmou as infiltrações no seu apartamento desde a realização da obra pela Ré e que só se resolveram a partir do momento em que foram reparar da última vez (referindo-se a empresa terceira que refez o terraço na totalidade).
19. Pelo que, os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da Recorrida são todos os documentos constantes do processo, e a gravação do julgamento, conforme transcrições supra.
20. Donde se conclui que, diante a prova produzida em julgamento, e do suporte documental junto aos autos, resulta a mesma factualidade: a Ré realizou uma obra no terraço que visava corrigir problemas de isolamento, o que não logrou apesar de ter efetuado posteriores reparações; desde então, os proprietários dos apartamentos abaixo do terraço sofreram infiltrações dali provenientes; o terraço teria de ser refeito na totalidade; a Ré reconheceu ter de refazer a obra e adiantou várias datas para o efeito; houve várias comunicações trocadas entre Autor e Ré, conforme documentos juntos com os articulados; no entanto, a Ré nada fez; pelo que a administração do condomínio contratou terceiro para efectivamente solucionar os problemas do terraço, o que se verificou; após o que deixou de haver infiltrações; o Autor suportou os custos inerentes à eliminação dos defeitos no terraço conforme facturas juntas aos autos e que agora imputa à Ré.
21. Considera o Recorrente que fez prova do que alegou e pediu na sua petição inicial, considerando também que não foi produzida prova alguma que pudesse contrariar o seu pedido.
22. Não obstante, a decisão ora recorrida, absolve a Ré do pedido formulado pelo Autor, baseando-se, quase que exclusivamente, no depoimento/declarações do legal representante da Ré, sendo certo os restantes depoimentos e documentos, o refutaram.
23. Pelo que, a prova produzida nestes autos nunca levaria à conclusão a que o Tribunal a quo chegou, antes pelo contrário, o que se verificou foi uma incorrecta interpretação e valoração dos meios probatórios, o que faz com que o Recorrente discorde e recorra da sentença ora posta em crise.
24. Assim, o ponto 2 que foi dado como provado, no entender do Recorrente, não se encontra demonstrado.
25. Bem como, os concretos pontos de facto que foram dados não provados mas que no entender do Recorrente, se encontram demonstrados são os pontos referidos em 7 das presentes conclusões, e que impõem decisão diversa da que foi proferida.
26. Ao Tribunal corresponde o dever de ónus de apreciação precisa e específica, que sobre si recai, da apreciação da matéria de facto impugnada, com o cumprimento cabal do disposto no artigo 662º, nº 2, C.P.C. pretende por isso o apelante a reapreciação da matéria de facto sobre a qual assentou a decisão.
E sem prescindir ainda,
27. A douta sentença recorrida julgou a ação improcedente por virtude de verificação de excepção de caducidade, entendimento relativamente ao qual discorda em absoluto o Recorrente.
28. O Recorrente baseou o seu pedido no art.º 798.º do CC, sobre o qual a sentença ora em crise não se pronunciou, pelo que fez uma errada aplicação do Direito face aos factos existentes e ao direito invocado.
29. Neste sentido, e no âmbito de um contrato de empreitada, constitui um ónus do empreiteiro provar a causa do defeito (que não logrou), a qual lhe deve ser completamente estranha, o que bem se compreende pelo domínio que este necessariamente teve do processo executivo da prestação.
30. Nos presentes autos, a Ré jamais logrou provar a causa dos defeitos na obra por si executada pelo que, volvido um prazo razoável se o empreiteiro não realizar de forma definitiva e de modo útil a prestação a que está vinculado, o princípio da boa-fé e da razoabilidade traduzido no equilíbrio das prestações contratuais, determina que seja permitido ao dono da obra executar por terceiro, a eliminação dos defeitos à custa do empreiteiro.
31. Neste sentido, o direito à indemnização que foi reclamada pelo Recorrente não está sujeito ao prazo de caducidade do artigo 1224º do Código Civil, pois a indemnização que está em causa decorre do incumprimento definitivo por parte da Recorrida, nos termos gerais do direito, estatuída nos artigos 798º, e seguintes do Código Civil, sendo este o regime invocado pelo Autor a aplicar.
32. A indemnização que se reclamou foi precisamente a que se consubstancia no pagamento dos custos em que o Recorrente incorreu para eliminar os defeitos através de terceiros.
33. A jurisprudência e a doutrina são unânimes quer quanto à possibilidade de recorrer a um terceiro para eliminar os defeitos da obra, desde que se tenha interpelado o empreiteiro para o fazer e este não o faça, quer quanto à diversa natureza e regime da indemnização a pedir nesses casos.
34. Seguindo este entendimento, o direito a ser indemnizado pelos custos com os terceiros que eliminaram os defeitos está apenas sujeito ao prazo geral de prescrição e não ao de caducidade.
De qualquer forma e mesmo que assim não se entendesse, o que só mesmo por mera hipótese de raciocínio se podia admitir, sem conceder,
35. No caso vertente, atenta a matéria de facto dada como provada (a constante do ponto 3), bem como as próprias declarações do legal representante da Ré e do Autor, e bem assim conforme documentos juntos, é inegável que houve um reconhecimento da existência dos defeitos que inclusive propôs solucionar.
36. Deste modo, e uma vez que a Recorrida reconheceu os mencionados defeitos de construção, reconhecimento esse traduzido em trabalhos de reparação que propôs realizar, tendo para o efeito adiantado várias datas, o Tribunal a quo jamais poderia ter julgado a ação improcedente pela verificação da caducidade.
37. Pois que, para além de tal reconhecimento equivaler à denúncia (artigo 1220.º/2 do Código Civil), ele tem um efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da acção destinada a exigir, após a denúncia, a eliminação dos defeitos.
38. Mal andou, pois, o Tribunal a quo ao declarar a caducidade do direito invocado pelo Recorrente, assim violando os artigos 331º, 798º, 1220º, 1224º e 1225º do CC.
39. Pelo exposto, deverá a douta sentença ser revogada, por provados que se encontram os factos articulados, condenando-se, assim, a Ré, ora Recorrida, no pedido.
E assim se fazendo Justiça!».
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A recorrida apresentou resposta ao recurso, pugnando pela manutenção do decidido.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
a) Erro na avaliação da questão da ilegitimidade activa.
b) Alteração da decisão de facto.
c) Erro de direito.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Matéria de facto provada:
Com interesse para a decisão das questões enunciadas, da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A entidade administradora do Autor contratou os serviços da Ré, em meados de 2015, para realização de uma obra, que visava a reparação de um terraço, pertencente ao apartamento H32, fracção BQ, do condomínio.
2[1]. Eliminado.
3. O legal representante da Ré reconheceu ter de refazer a obra, por comunicação ao Autor, nos termos da qual, que no mais se dá por integrado e reproduzido resulta “(...)
De: (…)
Enviado: Sexta-feira, 23 de Setembro de 2016 20:02
Para: (…)
Assunto: Reparação do terraço comum da Fracção H 32, do Condomínio Jardins (…).
Ex.mo Sr. Administrador, na pessoa do Sr. (…),
Conforme nosso acordo e conversas, que vimos tendo sobre a reparação do terraço comum do apartamento H 32, do prédio determinado "Jardins de (…)", em (…), Albufeira, na sequência da imposição sobre o acompanhamento da obra por um Engenheiro Técnico Civil, já tive a oportunidade de vos apresentar o Técnico responsável pela obra, o Sr. Engenheiro (…).
Assim, sou a informar que na próxima 2.ª feira dia (26/09/2016), cerca das 8H00, irei estar no local a fim de dar início aos trabalhos.
Para parte e conforme é do vosso conhecimento deverá Vossa Ex.ª diligenciar no sentido de nos facultar acesso ao local da obra.
Com os melhores cumprimentos.
O Sócio Gerente
(…)” – cfr. doc. de fls. 12 que no mais se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos.
4[2]. Provado que a Ré dirigiu à Autora comunicação do seguinte teor: “(...) Não obtendo resposta da vossa parte os e-mails enviados, vimos por este meio indicar que irá receber registada o conteúdo desta carta” – cfr. doc. fls. 109 que no mais se dá por integrado e reproduzido.
5. Provado que a Ré dirigiu ao Autor, que a recebeu, missiva nos termos da qual, que no mais se dá por integrado e reproduzido, resulta:
“Exmos. Sr.
Administrador (…)
Condomínio (…)
8200 Albufeira
Albufeira, 26 de Setembro de 2016
Exmo Sr. Administrador, na pessoa do Sr. (…),
Após e-mails mandados dias 23 e 25 do corrente mês e ano, não obtendo resposta, conforme nosso acordo e conversas, que vimos tendo sobre a reparação do terraço comum do apartamento H 32, do prédio determinado "Jardins (…)", em (…), Albufeira, na sequência da imposição sobre o acompanhamento da obra por um Engenheiro Técnico Civil, já tive a oportunidade de vos apresentar o Técnico responsável pela obra, o Sr. Engenheiro (…), com o número de Ordem dos Engenheiros (…).
Assim, sou a informar que na próxima 6ª Feira do dia (30.09.2016), cerca das 8H00, irei estar no local a fim de dar início aos trabalhos, junto da porta do dito apartamento.
Para parte e conforme é do vosso conhecimento deverá Vossa Ex.ª diligenciar no sentido de nos facultar acesso ao local da obra.
Sem outro assunto de momento.
Com os nossos melhores cumprimentos.
Atentamente (...)” – cfr. doc. de fls. 126 que no mais se dá por integrado e reproduzido.
6[3]. Provado que o Autor dirigiu à Ré comunicação nos termos da qual, entre o mais, dizia que «não obstante ter vindo a falhar todos os prazos estipulados para início da obra, vimos por este meio formal comunicar que esperamos que a mesma se inicie na última data de 30/09/16, conforme nossa missiva, nas formas contratualizadas e previamente acordadas.
No entanto reiteramos o conteúdo da anterior missiva, se uma vez mais não iniciar a obra, que é da vossa responsabilidade, não nos restará outra alternativa se não executar a mesma e imputar os custos da mesma à vossa empresa, nem que para o efeito tenhamos de recorrer à via judicial» – cfr. doc. de fls. 109 a 110, que se dá por integrado e reproduzido.
7. Provado apenas que a Ré não executou intervenções na sequência do referido de 3 a 6.
8[4]. Provado apenas que foi emitida em nome do Autor uma factura no valor de € 5.343,00, datada de 17/11/2016, que se reporta a remoção, isolamento e repavimentação de terraço – cfr. doc. de fls. 13 que se dá por integrado e reproduzido.
9[5]. Provado apenas que foi emitida em nome do Autor uma factura no valor de € 181,79, datada de 11/11/2016, que se reporta a material de construção – cfr. doc. de fls. 14 que se dá por integrado e reproduzido.
10[6]. Provado apenas que foi emitida em nome do Autor uma factura no valor de € 430,50, datada de 19/10/2016, que se reporta a material de construção – cfr. doc. fls. 15 que se dá por integrado e reproduzido.
11[7]. Provado apenas que foi emitida em nome do Autor uma factura no valor de € 600,00, datada de 29/12/2016, relativamente à fiscalização de trabalhos em terraço do condomínio Jardins de (…), fração BQ – H32 – doc. de fls. 16 que se dá por integrado e reproduzido.
12. Provado apenas que o Autor requereu a notificação judicial avulsa da Ré e (…) para que no prazo de 10 dias (…) pagar ao requerente o valor de € 7.555,29 (…)” alegando que “(…) foi-lhe atribuída uma obra, que visava a reparação de um terraço pertencente ao apartamento H32, fracção BQ (…). As obras acima mencionadas foram executadas, mas apresentavam graves falhas (…) Apesar de reconhecer os defeitos da obra nunca (…) o requerido chegou efectivamente a resolver a situação (…) ao Requerente não restou outra alternativa que não contratar um terceiro para reparar os defeitos da obra executada pelo Requerido (…) originou uma despesa extraordinária (…) € 6.555,29 (...) há que acrescer danos não patrimoniais (...) num acréscimo de € 1.000,00 (...)” – cfr. doc. de fls. 52 a 65.
13. Em sede de contestação fez a Ré constar “25.º No que concerne aos factos alegados em 1.º a 25.º, bem como demais documentação junta com a PI, em que aqui se impugnam expressamente, por não aceites, uns por serem do desconhecimento da Ré, outros por não corresponderem à realidade efectivamente ocorrida e outros por se tratarem apenas de matéria de Direito” – cfr. contestação junta aos autos.
14. O Autor propôs a presente acção em 29/12/2017.
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Factos resultantes da reavaliação da prova:
15 – Na sequência do referido em 2 o isolamento (impermeabilização) do terraço cobertura continuou a deixar passar a água das chuvas.
16 – O que veio a originar infiltrações nas fracções abaixo do terraço pela Ré intervencionado.
17 – O Autor solicitou monitorização, registo fotográfico e aconselhamento técnico.
18 – Foram detectadas irregularidades no método de aplicação da tela asfáltica, ou seja, o isolamento (impermeabilização) não fora executado correctamente.
19 – A Ré não compareceu para dar início à obra, na data por si adiantada.
20 – Na sequência do referido de 3 a 6 dos factos provados, a Ré nada fez.
21– Ao Autor não restou outra alternativa que não contratar um terceiro para reparar os defeitos da obra executada pelo Ré, o que fez sem mais delongas.
22 – Isto por forma a evitar o aumento das infiltrações na fracção situada abaixo do terraço intervencionado, com a chegada das chuvas.
23 – O Autor teve de suportar as quantias referidas de 8 a 11 para corrigir os defeitos da obra que a Ré executou.
24 – As infiltrações em causa estavam correlacionadas com falhas no isolamento, que apenas poderiam ser detetadas no período das chuvas abundantes.
25 – E assim aconteceu, quer após as chuvas, quer após as deslocações dos proprietários do apartamento H32, e dos apartamentos abaixo deste, se deslocarem aos seus imóveis, detectaram que as infiltrações haviam retornado.
26 – Posto isto, comunicaram tal facto ao Autor, que consequentemente e imediatamente comunicou aos Réus.
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3.2 – Matéria de facto não provada[8]:
Não se provaram os seguintes factos:
A) a I)[9]:
J) Os trabalhos contratados e executados para correção/reparação da obra executada pela Ré incluíram:
J.1. Retirada do pavimento existente (betonilhas inluídas);
J.2. Execução de betonilha de regularização com pendentes + resina de aderência “Sikalatex”;
J.3. Execução de “meias canas” para que o pavimento possa receber impermeabilização;
J.4. Aplicação da impermeabilização em toda a superfície (tela líquida) e pontos singulares;
J.5. Colocação à carga e verificação que não existe nenhuma infiltração;
J.6. Execução de betonilha de proteção;
J.7. Aplicação de revestimento.
K) a N)[10]:
O) Foi o Autor que em 26/09/2016 pelas 8h00m não facultou à Ré acesso ao local, nem à obra.
P)[11] As obras referidas em 1 foram executadas apenas em 2 a 4m2 do terraço referido em 1, visando corrigir infiltrações no tecto dos apartamentos imediatamente abaixo do terraço cobertura.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da ilegitimidade activa:
O Autor pretendia a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 1.500,00 pela execução defeituosa da obra originária, quer pela delonga que causou em todo o processo e dos reflexos que teve na esfera pessoal de alguns donos de fracções autónomas.
A decisão recorrida sublinha que a condenação da Ré no pagamento da quantia já referida assenta nos incómodos e perturbações sofridas pelos proprietários e condóminos propriamente ditos.
E acaba por formular o juízo sentencial que a Autora não tem «interesse em demandar, mesmo considerando a relação material controvertida tal qual por si configurada, já que indica como sujeitos dos danos morais que peticiona, não o próprio condomínio, Autora, mas antes os condóminos», concluindo assim pela sua ilegitimidade activa.
Entre nós a propriedade horizontal apresenta-se como uma figura jurídica autónoma integrada por um misto incindível de propriedade singular sobre uma parte determinada do prédio (fracções) e de compropriedade sobre outras partes funcionalmente ligadas àquela (partes comuns)[12] [13] [14] [15] [16].
Na situação vertente, estamos exactamente perante um cenário de propriedade horizontal que comporta a sobredita especificidade da coexistência na mesma pessoa de dois tipos de domínio real. De um lado, surge o direito de propriedade exclusiva de uma ou mais fracções do edifício e, do outro lado, sobressai um direito de compropriedade sobre as partes comuns desse edifício, à luz da disciplina contida nos artigos 1414º e 1415º do Código Civil.
Em regra, os condóminos são, no seu conjunto e na proporção das respectivas quotas, os titulares dos direitos ou das obrigações, dos créditos ou dos débitos emergentes de responsabilidade civil quanto às partes comuns do prédio.
As partes comuns do edifício são compropriedade do universo de condóminos e é ficcionada na pessoa do condomínio a titularidade de qualquer relação jurídica relativa a essa propriedade colectiva.
No firmamento jurídico nacional é aceite consensualmente que o artigo 1437º[17] do Código Civil não se reporta à legitimidade processual, no sentido da legitimidade ad causam, mas apenas à legitimatio ad processum[18], daí decorrendo que a representação do condomínio em juízo incumbe ao respectivo administrador.
E assim, por força dessa regra habilitante, que surge como corolário processual prático da norma inscrita no artigo 26º[19] do Código de Processo Civil, é atribuída ao administrador a “legitimidade” activa e passiva para agir em juízo. Nesta perspectiva, tal como ensinava Castro Mendes, a legitimidade do administrador a que se refere o artigo 1437º é uma legitimidade indirecta: a entidade que está em juízo é a associação de condóminos[20].
No entanto, ao condomínio apenas é reconhecida expressamente personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, como decorrência da disciplina precipitada na al. e) do artigo 12º[21] do Código de Processo Civil.
Ou seja, na sua formulação mais básica, o administrador, enquanto representante do condomínio, tem legitimidade passiva para as acções propostas por um condómino com vista ao ressarcimento de danos causados nas partes comuns do edifício[22].
Em adição, quando o defeito se verifica numa parte comum do edifício, mas já causou danos em fracções autónomas, relativamente ao defeito, apenas o administrador do condomínio (em regra, após deliberação da assembleia de condóminos) poderá exercer os direitos descritos nos artigos 1221º e seguintes do Código Civil, sendo que, no que concerne aos danos causados nas fracções autónomas, poderá também o mesmo administrador reclamar o pagamento duma indemnização, nos termos do artigo 1223º, do mesmo diploma, pelas despesas que suportou ou irá suportar (dano futuro previsível indemnizável, nos termos do artigo 564º, nº 2, da mesma legislação) com as reparações das fracções danificadas[23].
Também é inequívoco que, na sua matriz abstracta, acontecimentos do jaez daqueles que são descritos na petição inicial reformulada constituem danos indemnizáveis, pois é notório e evidente o prejuízo que é causado ao titular do direito e este pode exigir a reposição dessa integridade e a atribuição de uma compensação pecuniária pela afectação desses interesses por via do chamamento da disciplina impressa nos artigos 1305º, 483º, 562º e 566º do Código Civil.
É também inquestionável que a reparação dos danos não patrimoniais, face à inviabilidade da possibilidade de restauração natural, se executa através da atribuição equitativa de uma quantia em dinheiro que permita, na medida do possível, proporcionar um prazer capaz de atenuar os sofrimentos, dores, incómodos e desgostos causados pelo evento danoso mas não pode ser ignorado que neste segmento estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.
Em contraponto é válido o apoio jurisprudencial convocado na decisão recorrida quando afirma que o direito indemnizatório atribuído pelo nº 1 do artigo 496º do Código Civil, respeitante aos denominados danos morais «é de natureza eminentemente pessoal, assentando na afectação personalizada da esfera jurídica do lesado»[24].
Pode-se assim concluir que, por estar subtraído aos poderes representativos do condomínio e configurar um dano de feição eminentemente pessoal, o administrador do condomínio não tem legitimidade activa para deduzir o pedido de condenação da Ré na quantia respeitante a danos morais sofridos pelos titulares de fracções autónomas.
Em síntese, o condomínio não possui legitimidade para postular em juízo a reparação de danos morais individuais sofridos pelos condóminos.
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4.2 – Erro de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de Primeira Instância que deu como provados (e não provados) certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
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O recorrente pretende que se considere como não provado o facto indicado em 2) dos factos provados e entende que os factos não provados indicados em a), b), c), d), e), f), g), h), i), k), l), m) e n) foram igualmente julgados de modo incorrecto.
Relativamente ao facto identificado em 2, o Tribunal «a quo» assume que formou a sua convicção por apelo ao depoimento de parte da Ré, fazendo notar que «não se trata de factos provados por confissão “tout court”, pois que, a Ré assumiu apenas ter intervencionado parte do terraço (2 a 4m2) e não a sua totalidade».
Quanto aos factos não demonstrados, o decisor de Primeira Instância estriba a sua posição na falta, insuficiência de prova ou mesmo prova produzida em sentido contrário. No argumentário utilizado destaca-se a afirmação que «no que diz respeito à matéria relacionada com os vícios da intervenção levada a cabo pela R. e consequências daí advenientes (nexo causal entre acção e consequência), monotorização por terceiro a pedido do A., vícios aí apurados, urgência na realização da obra e contratação de terceiro para o efeito, nexo causal entre valores despendidos com reparação por terceiro e intervenção da R., trabalhos levados a cabo por terceiro, percepção das infiltrações apenas no período das chuvas e após deslocação dos proprietários às fracções, comunicação imediata dos vícios à R. logo que detectados nessa sequência, não se vê que tenha sido feita prova bastante».
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Vejamos.
As declarações prestadas por (…), na qualidade de representante da Ré, foram imprecisas, vagas e difusas, demonstrando insegurança e falta de rigor e, por isso, não lograram convencer o Tribunal da Relação de Évora relativamente à bondade global das suas declarações.
Nas partes colidentes com a prestação probatória de (…) prevaleceu a capacidade de convencimento das declarações recolhidas a este último, designadamente ao nível da zona de acesso ao terraço, da questão da não viabilização da realização das obras por parte da Ré (e do seu legal representante) e do momento e da dimensão das obras realizadas no aludido terraço.
A prestação de (…), médica, residente no local foi diferenciada e permitiu reconstituir o tipo de danos existentes na sua habitação e noutras zonas do mesmo imóvel, prefigurar os diferentes modos de acesso ao terraço do prédio e calcular o tempo e a extensão da intervenção previamente realizada.
A testemunha (…), administrativa na … (empresa de administração de condomínios), foi portadora de um testemunho sólido mas tinha essencialmente conhecimento das questões burocráticas relativas ao relacionamento entre o condomínio e a sociedade Ré, por intermédio da análise da correspondência trocada entre as partes e a partir de 2015. Foi verossímil o seu contributo quando afiançou ter assistido a conversas em que o (…) reconheceu que o trabalho tinha sido mal conseguido e onde este assumiu o compromisso de, em nome da Ré, corrigir os defeitos detectados no terraço («ele ir lá resolver a situação». E interpelada sobre este tema, respondeu que era todo o terraço).
(…) é igualmente administrativa na (…) e demonstrou ter conhecimento da existência de infiltrações no prédio aqui em discussão. Ao ser confrontada com a documentação presentes nos autos (correspondência electrónica datada de 25 de Novembro e de 06 de Dezembro), a testemunha confirmou a recepção dos mesmos e corroborou o respectivo teor.
(…) é comerciante e é dono de um apartamento no edifício aqui em causa. As suas palavras mereceram credibilidade ao reconhecer que o (…) executou trabalhos no terraço do edifício, ao esclarecer que só depois da primeira intervenção se iniciaram as infiltrações na sua fracção e, por fim, ao sublinhar que o próprio representante da Ré assumiu a culpa do sucedido e que estava a tentar solucionar o problema.
(…), funcionário da Ré, manteve um registo imparcial mas com pouco interesse para a justa solução do litígio, limitando-se a referir que executou serviços por conta da sua entidade patronal no terraço do prédio aqui em apreço e que, numa ocasião, não concretamente determinada, não lhe foi possível aceder ao local onde deveria realizar o trabalho. Neste particular, este testemunho não possibilitou estabelecer qualquer ligação com a matéria indicada no ponto o) dos factos não provados.
(…) também fez alguns trabalhos no edifício por conta do condomínio e reconheceu que a pedido do sr. (…) se deslocou ao terraço a fim detectar a origem de um problema de infiltrações, sensivelmente no verão de 2016, por volta de Agosto ou Setembro. De resto, não dispunha de qualquer informação relevante para influenciar a decisão de facto.
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Ouvida toda a prova e fazendo a interligação da mesma com os elementos documentais presentes nos autos, o Tribunal da Relação de Évora tem necessariamente de firmar um juízo distinto na avaliação da prova.
Com efeito, a diferente percepção do Tribunal de recurso leva a que se considere que sejam reconhecidos os danos evidenciados na matéria de facto não provada, bem como na existência de um nexo causal entre a obra anteriormente realizada e as infiltrações existentes nas partes comuns e nas fracções referidas na petição inicial.
Mais se justifica a alteração da factualidade reportada à inexistência de fundamento válido para a recusa da prestação do trabalho e, ao mesmo passo, existem dados de facto que reforçam a fixação da tese do reconhecimento da existência de defeitos e do compromisso de os reparar.
A circunstância de um conjunto de documentos ter sido impugnado não significa que não possa ser utilizado na convicção do Tribunal como factor decisivo na fixação da prova. Os documentos ficam sujeitos à livre apreciação da prova nos termos do disposto nos artigos 374º e 376º do Código Civil e, em toda a linha, a respectiva leitura conjugada com a provada gravada ampara a alteração da factualidade proposta.
Neste contexto, à luz das regras da experiência e da normalidade social, na conjugação entre os diversos meios de prova aportados aos autos, torna-se inequívoco que a convocada factualidade não provada deve passar a integrar o elenco dos factos provados com a correspondente saída do ponto 2) do acervo previamente fixado pela Primeira Instância.
Esta introdução será feita directamente no texto da decisão da matéria de facto, a negrito, a fim de facilitar a compreensão da alteração realizada.
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4.3 Do erro de Direito (da excepção de caducidade):
Confrontado com a excepção de caducidade do prazo do direito à eliminação de defeitos, com toda a propriedade, o julgador «a quo» evidencia que à Ré incumbia o ónus da prova do decurso dos prazos de denúncia e de propositura da acção enquanto a demonstração da existência de defeitos, da data da sua verificação e da denúncia dos mesmos pertencia ao Autor.
Neste conspecto, analisada a prova produzida, a Primeira Instância concluiu que estava verificada a excepção de caducidade invocada pela Ré, por violação do ónus probatório, designadamente por não ter sido alegada a data do conhecimento dos defeitos e da respectiva denúncia ao devedor.
A decisão recorrida entendeu ainda que inexistia um reconhecimento de defeitos por parte da Ré e que o mesmo, a ter existido, já ocorreu depois do decurso do prazo de caducidade – conclusão essa que, em certa medida, é pontencialmente contraditória com a conjuntura de não ter sido alegada a data do conhecimento dos mesmos.
E, por conseguinte, com base nesta dupla permissa, a Primeira Instância firmou juízo decisório no sentido que a Autora não poderia beneficiar do prazo ordinário de prescrição e isso levou o Juízo Local de Competência Cível de Albufeira a concluir que «sempre teríamos que lançar mão dos prazos de caducidade previstos no art. 1225.º, n.º 2, CC: um ano para a denúncia e um ano para a propositura da acção».
E prosseguindo, sublinha que, mesmo que se considerasse a data de 23/09/2016 (momento da remessa do email dirigido pela Ré à Autora), «seria de concluir que aquando da propositura da acção a 29/12/2017 já havia decorrido mais de um ano, verificando-se assim a caducidade a que se refere o art. 1225.º, n.º 2, CC».
Em regra, no contrato de empreitada referente a um imóvel destinado, por sua natureza, a longa duração, o dono da obra tem o prazo de um ano, a contar da aceitação da mesma, para a denúncia dos defeitos que, a partir daí, venha a ter conhecimento, tendo embora como limite o prazo geral de garantia, que é de cinco anos a contar da entrega da obra.
Também por norma a caducidade ocorre se, uma vez detectados os defeitos, não for efectuada a respectiva denúncia no prazo de um ano ou se, apesar de ser efectuada tempestivamente a denúncia, a acção não for instaurada no prazo legal.
Porém, no plano da doutrina e da jurisprudência existe uma concordância generalizada que faz equivaler à denúncia o fenómeno do reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito. Contudo, alerta-se que não é qualquer atitude do vendedor ou do empreiteiro que pode ser reputada como verdadeiro reconhecimento.
Como ressalta da glosa da jurisprudência mais qualificada, «são situações diferentes aquelas em que o vendedor reconhece, de forma cabal e clara, o defeito denunciado, assumindo o compromisso inequívoco de o eliminar, e os casos em que o vendedor se limita a admitir, como possível ou plausível, a existência eventual do vício denunciado, assumindo as intervenções técnicas adequadas a confirmar a sua existência e causas, eliminando-o, caso se confirme a sua existência: no primeiro caso, o acto de reconhecimento inequívoco funciona como causa imediatamente impeditiva da caducidade, enquanto no segundo grupo de situações a mera admissão do vício da coisa e a realização de intervenções técnicas destinadas a confirmá-lo e eliminá-lo, quando existente, podem tornar abusiva a ulterior invocação da excepção de caducidade, sempre que os comportamentos assumidos pelo vendedor justificarem, em concreto, uma fundada confiança do comprador na desnecessidade de recorrer à via judiciária para ver satisfeito o seu direito»[25].
Reportando-se à problemática em apreciação, Cura Mariano assevera que o reconhecimento da situação por parte do empreiteiro responsável deve ser de tal ordem que torne certa para si a existência dos defeitos e a assunção da responsabilidade pela sua reparação, dispensando, assim, a prática, dentro do prazo que a lei ou a convenção especificamente preveem, do acto típico de denúncia dos mesmos[26].
Com efeito, o legislador contemplou claramente a hipótese do prestador de serviços reconhecer perante o dono da obra o direito de obter a reparação dos defeitos detectados dentro do prazo de garantia legal ou contratualmente fixado, por via do acionamento da disciplina provisionada no artigo 331º[27] do Código Civil.
Tal reconhecimento do direito, com efeitos impeditivos da caducidade, pode ser expresso ou tácito, desde que nesta última eventualidade decorra de factos que inequivocamente o exprimam.
Neste caso, a interpretação da prova produzida e na consequente alteração dos factos provados já vimos que, na óptica da Segunda Instância, a conciliação entre a correspondência trocada entre as partes, as prestações probatórias produzidas em audiência final e o restante acervo documental presente nos autos determina claramente que se firme o entendimento que existiu um reconhecimento real, efectivo e eficaz por parte do empreiteiro quanto à existência de vícios construtivos na reparação do terraço, a que acresce a sua inequívoca disponibilidade para proceder às correcções necessárias ao afastamento das infiltrações em discussão.
Aqui, além de reconhecer a desconformidade construtiva, o devedor acabou através do seu comportamento concludente por assentir a sua responsabilidade na ocorrência dos defeitos apurados. Na realidade, está patenteado no acervo factual que os contactos negociais subsequentes com o agendamento de datas para o início dos trabalhos de reparação configuram o reconhecimento incondicional do direito gerador da interrupção do prazo de prescrição do direito de indemnização exercido pelo recorrente.
O reconhecimento do defeito traduzido numa promessa de solucionar o diferendo constitui um impedimento da caducidade[28], por estar em consonância com a letra do nº 2 do artigo 331º do Código Civil e a posterior dedução da excepção de caducidade por falta atempada denúncia de defeitos é violadora do princípio da boa fé, designadamente da regra do venire contra factum proprium.
Estamos assim como Pedro Romano Martinez quando advoga que se o empreiteiro, após a prestação ter sido aceita, reconheceu a existência do defeito, não se justifica que a contraparte tenha de o denunciar. A denúncia seria então perfeitamente inútil[29].
Aliás, a solução proposta por Pedro Romano Martinez é aquela que melhor se coaduna com um ideal de Justiça. Propugna este autor que, quando o empreiteiro admite as deficiências da obra, não é viável realizar uma interpretação restrita do nº 2 do artigo 331º do Código Civil, pois «a impunidade do faltoso (…) não parece aceitável. Até porque, perante as promessas daquele que cumpriu defeituosamente é natural que o credor não recorra, de imediato, às vias judiciais. Como refere Carbonnier[30], estando as partes em negociações amigáveis para solucionar o conflito, há uma impossibilidade moral de agir judicialmente»[31].
Neste enquadramento técnico-jurídico podemos afiançar que, enquanto o reconhecimento do defeito na obra apenas dispensa a denúncia do defeito por parte do dono da obra, o reconhecimento do direito à eliminação do defeito da obra impede a caducidade do direito a exigir a eliminação do mesmo[32].
É também fluída a interpretação que, uma vez impedida a caducidade do direito de reparação dos defeitos por via daquele reconhecimento, deixa de correr qualquer prazo de caducidade, passando a situação a ser regulada pelas regras da prescrição.
Na esteira de Vaz Serra[33] [34] e de Pires de Lima e de Antunes Varela[35], João Cura Mariano entende que o impedimento da caducidade resultante do reconhecimento do respectivo direito, não determina a contagem de novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito ao prazo de prescrição ordinária[36].
Dito isto não colhe o veredicto da Meritíssima Juíza de Direito, quando optou pelo diferimento da excepção de caducidade, pois o aludido reconhecimento da situação implica que a presente hipótese jurisdicional passe a ser abrangida pela esfera de protecção do instituto da prescrição.
E, assim, torna-se inevitável julgar parcialmente procedente o recurso, condenando-se a Ré a proceder ao pagamento da quantia de € 6.555,29 (seis mil, quinhentos e cinquenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos), dado que, face à falha insustentada ao compromisso de reparação dos defeitos e à comprovada urgência da situação, ao Autor estava deferida a faculdade de contratar os serviços de terceiro para regularizar a situação.
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V – Sumário:
1. Por estar subtraído aos poderes representativos do condomínio e configurar um dano de feição eminentemente pessoal, o administrador do condomínio não tem legitimidade activa para deduzir o pedido de condenação da Ré na quantia respeitante a danos morais sofridos pelos titulares de fracções autónomas.
2. Enquanto o reconhecimento do defeito na obra apenas dispensa a denúncia do defeito por parte do dono da obra, o reconhecimento do direito à eliminação do mesmo da obra impede a caducidade do direito a exigir a eliminação da deformidade.
3. O reconhecimento do defeito traduzido numa promessa de solucionar o diferendo constitui um impedimento da caducidade, por estar em consonância com a letra do nº 2 do artigo 331º do Código Civil.
4. Uma vez impedida a caducidade do direito de reparação dos defeitos por via daquele reconhecimento, deixa de correr qualquer prazo de caducidade, passando a situação a ser regulada pelas regras da prescrição.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso apresentado, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, condena-se a Ré “(…) – Unipessoal, Lda.” a pagar ao Condomínio Urbanização Jardins (…) a quantia de € 6.555,29 (seis mil, quinhentos e cinquenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros, contados desde a citação até integralmente pagamento.
Custas do recurso o cargo da recorrente e do recorrido na proporção do respectivo decaimento, atento o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 14/02/2019
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
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[1] O facto provado identificado sob o número 2 passou a integrar a alínea P) dos factos não provados, na sequência da reavaliação da matéria de facto provada.
[2] A matéria de facto foi reproduzida pelo Tribunal da Relação de Évora na parte em que tinha interesse para justa solução da causa, pois a Primeira Instância introduziu neste facto um ficheiro de imagem não editável que correspondia ao conteúdo do meio de prova.
[3] A matéria de facto foi reproduzida pelo Tribunal da Relação de Évora na parte em que tinha interesse para justa solução da causa, pois a Primeira Instância introduziu neste facto um ficheiro de imagem não editável que correspondia ao conteúdo do meio de prova.
[4] Com as necessárias adaptações, uma vez que a Primeira Instância introduziu neste ponto um ficheiro de imagem não editável onde se limita a reproduzir o meio de prova.
[5] Com as necessárias adaptações, uma vez que a Primeira Instância introduziu neste ponto um ficheiro de imagem não editável onde se limita a reproduzir o meio de prova.
[6] Com as necessárias adaptações, uma vez que a Primeira Instância introduziu neste ponto um ficheiro de imagem não editável onde se limita a reproduzir o meio de prova.
[7] Com as necessárias adaptações, uma vez que a Primeira Instância introduziu neste ponto um ficheiro de imagem não editável não editável onde se limita a reproduzir o meio de prova.
[8] Ficou consignado na sentença que: «o demais constante nos articulados não consta da decisão da matéria de facto supra por se tratar de matéria genérica, conclusiva, de direito ou sem interesse para a boa decisão da causa».
[9] Os factos não provados identificados em A) a I) passaram a integrar os pontos 15 a 23 dos factos provados, na sequência da reavaliação da matéria de facto.
[10] Os factos não provados identificados em K) a N) passaram a integrar os pontos 24 a 27 dos factos provados, na sequência da reavaliação da matéria de facto.
[11] Facto que correspondia ao ponto 2 dos factos provados que foi convertido num facto não provado na sequência da impugnação da matéria de facto.
[12] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/12/2008.
[13] Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª edição, revista e actualizada, Almedina, Coimbra.
[14] Rui Vieira Miller, Propriedade Horizontal no Código Civil, 3ª edição, revista e actualizada, Almedina, Coimbra.
[15] Moitinho de Almeida, Propriedade Horizontal, 2ª edição, Almedina, Coimbra.
[16] Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª edição, Almedina, Coimbra.
[17] Artigo 1437.º (Legitimidade do administrador):
1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.
[18] Além dos autores anteriormente referidos pode ser consultado Gonçalo Oliveira Magalhães, in Revista Julgar, n.º 23, Coimbra Editora, 2014.
[19] Artigo 26.º (Representação das entidades que careçam de personalidade jurídica):
Salvo disposição especial em contrário, os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores e as sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as sucursais, agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam como diretores, gerentes ou administradores.
[20] Direito Processual Civil, vol. II, AAFDL, Lisboa, 1980, pág. 25.
[21] Artigo 12.º (Extensão da personalidade judiciária):
Têm ainda personalidade judiciária:
a) A herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado;
b) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
c) As sociedades civis;
d) As sociedades comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, nos termos do artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais;
e) O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador;
f) Os navios, nos casos previstos em legislação especial.
[22] O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 04/10/2007, também localiza a questão no pressuposto processual da personalidade judiciária (por extensão legal) e na exigência legal de representação dos patrimónios autónomos pelos seus administradores, ao manifestar posição no sentido que «o artigo 1437º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele, nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (art. 1436º), ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que, em qualquer dos casos, as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns».
[23] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/07/2014, in www.dgsi.pt.
[24] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/10/2010, in www.dgsi.pt.
[25] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/09/2014, consultável em www.dgsi.pt.
[26] Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 6ª ed., págs. 155 e 156.
[27] Artigo 331.º (Causas impeditivas da caducidade):
1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
[28] Neste sentido podem ser consultados os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08/03/2007, 08/03/2008, 28/04/2009, 14/05/2009 e 01/10/2015, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[29] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª ed. Almedina, Coimbra, pág. 481.
[30] Jean Carbonnier, Du Bref Délai de l`action Rédhibitoire à l`action en Nullité pour Erreur sur la Substance”, 1961, pág. 141.
[31] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 428.
[32] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/03/2018, publicado em www.dgsi.pt.
[33] Prescrição e Caducidade, Boletim do Ministério da Justiça, nº 118.
[34] Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107, fascículo 3515, págs. 20 e seguintes.
[35] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Ed. Revista, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 296.
[36] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 6ª ed., pág. 154.