Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
119/19.4T8STR.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
EQUIDADE
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - em sede de recurso não cabe apreciar pedidos que não foram formulados em 1.ª Instância;
- inexistindo duplicação de indemnizações, não há lugar ao abatimento da quantia arbitrada no foro laboral a título de pensão anual e vitalícia na indemnização apurada pelo dano patrimonial futuro, na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica de que o Recorrente ficou afetado;
- para efeitos do disposto no artigo 609.º do CPC, os pedidos parcelares são de considerar em função do valor globalmente peticionado.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autor: (…)
Recorrida / Ré: Seguradoras (…), SA

A título de indemnização dos danos decorrentes de acidente de viação, o A reclamou o pagamento da quantia de € 225.773,62 (duzentos e vinte cinco mil, setecentos e setenta e três euros e sessenta e dois cêntimos), o que se compõe das seguintes verbas:
- auxílio de terceira pessoa até 19 de Março de 2018 no montante de € 3.340,00;
- auxílio de terceira pessoa desde 19/03/2018 até 16/01/2019 no montante de € 1.320,00;
- danos na roupa e calçado no montante de € 150,00;
- danos no relógio de pulso no montante de € 180,00;
- aquisição de automóvel automático no montante de € 10.000,00;
- perda de salários no montante de € 10.783,62;
- incapacidade permanente parcial no montante de € 135.000,00.
- danos morais no montante de € 65.000,00.
Com relevância para o conhecimento das questões suscitadas no presente recurso cabe salientar que, relativamente ao pedido de indemnização por incapacidade permanente parcial, foi alegado o seguinte:
- desde o acidente o A nunca mais pôde trabalhar;
- o que se prevê aconteça até ao fim dos seus dias;
- o A ficou afetado por incapacidade parcial geral e permanente de 50% e de incapacidade permanente para a sua atividade profissional habitual;
- deve considerar-se um salário de, pelo menos, € 1.250,00 médios mensais;
- atenta a idade, o salário considerado, o histórico salarial anterior, a possibilidade de progressão na carreira, a evolução dos salários, a indemnização deve ser fixada em montante não inferior a € 135.000,00.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue:
«A) condena-se a Ré Seguradoras (…), SA a pagar ao Autor (…) as seguintes quantias:
- € 10.783,62 (dez mil, setecentos e oitenta e três euros e sessenta e dois cêntimos) a título de indemnização por perda de salários, à qual acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento;
- € 23.386,31 (vinte e três mil, trezentos e oitenta e seis euros e trinta e um cêntimos) a título de indemnização por incapacidade permanente parcial, ao qual acrescem juros contados desde a data da prolação da sentença até integral pagamento;
- € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de indemnização por danos morais, ao qual acrescem juros contados desde a data da prolação da sentença até integral pagamento;
B) Absolve-se a Ré dos demais pedidos deduzidos pelo Autor.»

Inconformado, o A apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que fixe o seguinte:
- € 120.000,00 o dano patrimonial profissional;
- € 102.000,00 o dano biológico (€ 52.000,00 mais € 50.000,00);
- € 12.408,00 de diferenças salariais,
relegando para execução de sentença os gastos com medicação e creme nívea.
Conclui a alegação de recurso nos seguintes termos:
«I - O presente Recurso vem interposto da matéria de Direito e, mesmo quanto a esta, apenas quanto à determinação dos danos e da quantificação da indemnização sofridos neste acidente de viação, estabelecidos que estão os demais pressupostos da obrigação de indemnizar.
II - E destes, em primeiro lugar, os danos patrimoniais resultantes da incapacidade total absoluta e permanente para o trabalho habitual (100%) e de 50,5% para trabalhos compatíveis na área da sua profissão; tudo conforme a avaliação do dano corporal para o trabalho já arbitrada pelo Tribunal Trabalho Penafiel e a avaliação do dano corporal em direito civil que considerou a mesma incapacidade absoluta e total.
III - E cuja indemnização o meritíssimo Juiz não arbitrou (se se entender que os montantes fixados na sentença – € 23.386,31 e € 40.000,00 se reportam ao dano biológico na vertente dano patrimonial/dano moral) ou, se arbitrou, fê-lo de forma insuficiente.
IV - Sendo certo que nada impedia que o fizesse, não constituindo óbice a isso, a já atribuída pensão vitalícia em sede de acidente de trabalho cujo recebimento ficaria suspensa até que se esgotasse o montante atribuído nesta sede.
V - Essa indemnização de carater patrimonial, por perda de rendimentos exclusivamente profissionais laborais deve ser fixada, atenta a idade do autor, incapacidade absoluta para a profissão habitual, salário auferido à data do acidente, possibilidade de aumentos salariais, progressão na carreira, período por que poderia ainda trabalhar, em € 120.000,00, sendo certo que, ao contrário do que se procedeu na douta sentença recorrida, nenhum desconto deve ser feito, relativamente a montantes da pensão fixados, possa ou não ser remida.
VI - Ao não atribuir tal montante fez o M.ª Juiz do Tribunal a quo menos correta interpretação do disposto nos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º do Código Civil.
VII - Depois, discorda-se do montante atribuído a título de dano biológico, dano esse de natureza físico-psíquica do autor, consubstanciado na desvalorização ou incapacidade para a atividade já não estritamente profissional mas antes para toda e qualquer atividade e no dano moral ou não patrimonial propriamente dito e adequado à gravidade da situação profissional, extraprofissional, social, familiar do Autor, danos esses, como supra vêm referidos e aqui se reproduzem, muito graves, extensos, permanentes que causaram dor, sofrimento, angústia ao Autor por ocasião do sinistro, durante os tratamentos e o limitam permanentemente até ao fim dos seus dias.
VIII - Pelos quais devia o Autor ser indemnizado em € 102.000,00 assim, respetivamente: € 52.000,00 para o prejuízo de natureza profissional e de € 50.000,00 para o dano não patrimonial propriamente onde há que valorar, para além de todas as sequelas, também aqui a súbita e definitiva e absoluta incapacidade para o seu trabalho habitual, mas já na dimensão de dor moral.
IX - Ao decidir de outra forma, fez o Tribunal a quo menos correta interpretação aos artigos 483.º e 496.º e seguintes do Código Civil.
X - Devia, ainda este tribunal considerar o valor de € 12.411,28 a título de diferenças salariais perdidas durante a baixa, porquanto, ultrapassando o pedido parcelar, não ofendem o disposto no artigo 615.º, 1-e), do Código Processo Civil.
XI - Na verdade, a fls. 21 da sentença recorrida, o Mº Juiz considerou haver perdas salariais de € 16.027,66, não recebidas de € 12.411,28, mas como o A. apenas peticionou € 10.783,62 foi essa a quantia que o tribunal a quo lhe arbitrou por entender ultrapassar o montante pedido.
XII - Porém, salvo o devido respeito, tal entendimento não é o mais correto pois que as instâncias têm entendido que, não está o Tribunal impedido de condenar em montante parcelar superior ao pedido, contando que não seja ultrapassado o pedido global final.
O que era o caso.
XIII - Ao decidir na forma em que o decidiu fez o Mº Juiz do Tribunal a quo o menos correta interpretação dos artigos 566.º-2, do Código Civil e 615.º, 1-e), do Código de Processo Civil.
XIV - Por último, insurge-se o autor contra o indeferimento do pedido dos danos a relegar para execução de sentença pois que o Mº Juiz considerou e deu como provado que o Autor continua a tomar residualmente medicação para as dores e usa nívea para amaciar as cicatrizes pelo que, por não se poderem determinar os custos, pedia o Autor que fossem relegados para execução de sentença, como se devia ter ordenado.
XV - O que o Mº Juiz inferiu, e com o que se não concorda, por ter feito menos correta interpretação dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil.
XVI - Sublinhe-se, por fim, que a despeito de terem corrido dois processos, um por acidente de trabalho e outro de viação, em nenhum caso se peticionam indemnizações repetidas, mas tão só complementares, pelo que nada há a descontar do fixado em acidente de trabalho.
Apenas num caso o autor optará por uma ou outra, uma vez na posse da ambas as decisões.»

A Recorrida apresentou recurso subordinado no qual sustenta que os valores fixados a título de danos morais (€ 40.000,00) e a título de incapacidade permanente parcial (€ 94.000,00, a que foi deduzido o montante de € 70.613,69 arbitrado no foro laboral) são excessivos, devendo fixar-se antes nas quantias de € 25.000,00 e de € 70.000,00, respetivamente. Conclui a respetiva alegação conforme segue:
«1. O valor indemnizatório fixado a título de incapacidade permanente parcial, atentos os factos dados como provados e os critérios legais e jurisprudenciais comummente aplicados, afigura-se excessivo.
2. A douta sentença recorrida deve ser parcialmente revogada e substituída por douto acórdão que fixe em € 70.000,00 (setenta mil euros) a indemnização a título de incapacidade permanente – naturalmente subtraído, como muito bem se fez na sentença recorrida, do montante indemnizatório fixado em sede laboral – o que se requer.
3. O valor indemnizatório fixado a título de danos morais afigura-se excessivo.
4. O valor mais ajustado e consentâneo com as lesões sofridas seria de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
5. A douta sentença recorrida deve ser parcialmente revogada e substituída por douto acórdão que fixe em € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a indemnização a título de danos morais sofridos pelo Autor, o que se requer.
6. A sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios jurídicos, o disposto nos artigos 496.º e 562.º e seguintes do Código Civil.»
Em resposta à alegação da parte contraria, a Recorrida assinala que o Recorrente Autor vem agora peticionar indemnização pelo dano biológico, a par da indemnização da perda de capacidade de ganho, sendo que aquela indemnização não integrava o pedido formulado na p.i. Assim, pugna pela improcedência do recurso, já que inexiste ainda fundamento para relegar para fase posterior o arbitramento de outras quantias.
Em resposta ao recurso subordinado, o A invoca que a R alicerça a sua pretensão recursória em critérios miserabilistas, pelo que não deve merecer acolhimento.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
Do recurso do A:
- da indemnização pela incapacidade para o trabalho e da indemnização pelo dano biológico;
- da subtração do montante arbitrado no foro laboral;
- da limitação de condenação em valor superior ao peticionado;
- da condenação no que vier a ser liquidado quanto a despesas com medicação e cremes de aplicação tópica.
Do recurso da R:
- do valor indemnizatório da incapacidade permanente;
- do valor indemnizatório dos danos morais.


III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. No dia 27 de Março de 2017, cerca das 09h 30m na Auto Estrada n.º 1, ao km 58,850 junto a Almoster perto no nó do Cartaxo, nesta comarca, ocorreu um acidente de viação envolvendo o veículo automóvel de matrícula (…) conduzido por (…), propriedade da Sociedade de Construções (…), S.A. [Vide doc. de fls. 24 a 28]
2. O piso encontrava-se molhado por ter chovido ainda que ligeiramente e havia boa luminosidade e visibilidade.
3. Naquelas circunstâncias de lugar e tempo o veículo (…) circulava na A1, no sentido Norte /Sul, ou seja no sentido Porto/Lisboa, pela faixa mais à direita.
4. Então ao preparar-se para tomar a faixa de meio para ultrapassar os veículos que o precediam, imprimindo ao veículo uma velocidade de cerca de 110 km/h.
5. Quinou para a faixa da direita para retomar novamente a mesma faixa. 6. Mas os veículos que seguiam nessa faixa circulavam a uma velocidade menor que o (…).
7. O que o obrigou a travar bruscamente para evitar a colisão com os veículos que o precediam.
8. Mas tão rápida e bruscamente efetuou essas manobras que perdeu o controlo do veículo (…).
9. O qual entrou em despiste, fazendo peão e capotou.
10. Seguidamente, deslizou desgovernado pela estrada, por cerca de 50 metros para a sua esquerda, tendo embatido no rali separador central, acabando por se imobilizar, tombado, no lado esquerdo da faixa de rodagem.
11. O Autor, que seguia no banco traseiro, atrás do lugar do condutor junto a uma das janelas, cujo vidro partiu, bateu com a cabeça e o ombro esquerdo no chão e ficou com o membro superior esquerdo por baixo do veículo, tendo sido arrastado durante o acidente e por vários metros.
12. Após a imobilização do (…), o Autor ficou com este sobre o seu braço, suportando o seu peso, de tal forma que não conseguia libertar-se.
13. Foi com verdadeiro pânico e terror que assim esteve durante alguns minutos, suplicando que o libertassem, e dizendo mesmo que ia morrer.
14. Assistiu depois às tentativas que os colegas de viagem fizeram para levantar, em peso, a viatura, antes de o conseguirem efetivamente, sendo ela próprio que com a outra mão puxou a mão presa.
B) Das consequências do acidente
B) 1 – Lesões, tratamentos e sequelas:
15. Em consequência do acidente e do local deste o Autor foi transportado pelo INEM para o Hospital de S. José. [Vide doc. de fls. 29 a 32]
16. Ali foi-lhe diagnosticado:
- fratura-luxação exposta do punho esquerdo com cominutiva distal do cúbito esquerdo e com perda óssea ao nível da estiloide radial; dissociação escafo-lunar e instabilidade da rádio-cubital distal; esfacelo da face dorsal da mão e punho com secção dos tendões extensores EPL, EPB, ECRB, ECRL, EPI, EDC do 2º dedo;
- Amputação quase total do antebraço esquerdo junto ao punho;
- Traumatismo craniano frontal esquerdo com ferido inciso contusa;
- TC-CE com hematoma epicraniano correspondente;
- Afundamento da lâmina papirácea esquerda;
-Alterações degenerativas C5-C6 com estenose foraminal e provável compromisso radicular. [Vide doc. de fls. 29 a 32]
17. Neste contexto foi submetido a intervenção cirúrgica de urgência pelas especialidades de ortopedia e cirurgia reconstrutiva com:
- Desbridamento de tecido desvitalizado;
- Redução da articulação rádico-cárpica, aparente integridade dos osso do carpo verificando-se contudo dissociação da escafo-lunar e lesão condral do escafoide;
- Estabilização com fixador externo (stryker) mono-planar com dois pinos a M2 e dois pinos à diáfise do rádio;
- Estabilização da rádio-cubital distal com fio de Kirschner 1,5;
- Tenorrafias dos tendões ELP, EPB, ECRB, ECRL, EPI, EDC do 2º dedo;
- Encerramento parcial do defeito cutâneo dorsal com retalhos traumático viáveis;
- Aplicação de penso de vácuo. [Vide doc. de fls. 29 a 32]
18. O Autor ficou internado o Hospital de São José em Lisboa de 17 e 30 de Março de 2017, altura em que foi transferido para o Hospital de Penafiel, na sua área de residência. [Vide doc. de fls. 29 a 32]
19. No Hospital de Penafiel, onde ficou internado cerca de 3 semanas, foi operado no dia 11 de Abril, pelo serviço de cirurgia plástica para enxerto cutâneo, sendo a zona dadora a coxa esquerda. [Vide doc. de fls. 33 a 39 e relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
20. Recebeu alta do serviço de cirurgia plástica do Hospital de Penafiel no dia 19 de Abril de 2017. [Vide doc. de fls. 33 a 39 e relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
21. Seguidamente passou a ser acompanhado nos serviços clínicos da seguradora na Casa de Saúde da (…). [Vide doc. de fls. 33 a 39 e relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
22. Nestes serviços clínicos retirou o fixador externo, fazendo consultas e curativos. [Vide doc. de fls. 33 a 39 e relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
23. Fez fisioterapia durante 174 dias (de segunda a sexta-feira) na Clínica (…) em Marco de Canavezes [Vide doc. de fls. 40 a 44 e relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
24. Teve alta clínica em 19 de Março de 2018. [Vide doc. de fls. 33 a 39 e relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
25. Em consequência do acidente, tratamentos e intervenções cirúrgicas, o Autor ficou com as seguintes sequelas:
a) Membro superior esquerdo:
- Cicatrizes e deformidade marcada da face dorsal do antebraço e punho;
- Cicatriz em V invertido da face antero-externa do cotovelo;
- Anquilose do punho e rigidez marcada dos dedos;
- Limitação da mobilidade do cotovelo, com anquilose da prono-supinação;
- Limitação da mobilidade do ombro;
- Cicatrizes lineares paralelas o terço proximal do braço;
b) Membro inferior esquerdo:
- Área distrófica de 5 por 4 cm de tamanho no terço média da face anterior da coxa, local de recolha do enxerto de pele. [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
26. Para além das sequelas referidas o Autor tem dificuldades em dormir. [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
27. Toma residualmente medicamentos para as dores. [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
28. Tem dificuldade em realizar tarefas que impliquem o uso das duas mãos, como por exemplo:
- apertar botões da roupa e atacadores do calçado;
- vestir-se e tomar banho. [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
29. O Autor necessita de aplicar creme “Nívea” para amaciamento das cicatrizes. [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
30. A data da consolidação médico legal das lesões sofridas pelo Autor foi fixada em 19 de Março de 2018; [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
31. O Autor sofreu um período de Défice Funcional Temporário Total de 25 dias. [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
32. O Autor sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 332 dias; [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
33. O Autor teve um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 357 dias; [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
34. Sofreu um Quantum Doloris de grau 5/7; [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
35. Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquico de 24,8474562416 pontos. [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
36. As sequelas sofridas pelo Autor são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo, no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional. [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
37. O Autor sofre ainda um Dano Estético Permanente de grau 3/7; [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
38. As sequelas têm para o Autor uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de grau 4/7.[Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
B)2 – Prejuízos materiais, situação profissional
39. Em consequência do acidente a roupa que o Autor vestia (calças, camisola e camisa) de valor não concretamente apurado, ficou inutilizada. 40. Ficou ainda inutilizado um relógio de valor não concretamente apurado.
41. À data do acidente o Autor trabalhava para a Sociedade de Construções (…), SA, exercendo aí a atividade de armador de ferro de 1ª categoria. [Vide doc. de fls.51]
42. O Autor auferia a remuneração anual de € 10.260,00 (€ 565,00 remuneração base + € 190,30 subsídio de refeição), auferindo ainda prémios de produtividade, ajudas de custa e horas extraordinárias, de valor variável, sendo que no ano de 2017 até à data do acidente auferiu a remuneração mensal média de € 1.366,00. [Vide docs de fls. 51 a 55 e 91 a 99]
43. O Autor esteve sem trabalhar desde a data do acidente 27 de Março de 2017 – até à data da alta – 19 de Março de 2018. [Vide relatório de perícia médico-legal de fls. 113 a 122]
44. Até 19 de Março de 2018 o Autor recebeu a título de incapacidade temporária por acidente de trabalho a quantia de € 3.616,38.
45. Durante períodos não concretamente apurados o Autor trabalhou no estrangeiro por conta da sua entidade patronal, auferindo ajudas de custas, de valor não concretamente apurado.
B)3 – Vivência social do autor e transtornos psicológicos:
46. O Autor nasceu a 17 de Janeiro de 1959 [Vide certidão fls. 48 e 49]
47. O Autor tem a seu cargo dois filhos.
48. A filha é estudante universitária e encontra-se no 2º ano do curso de Termalismo e Bem Estar. [Vide doc. de fls. 58 e 59]
49. O filho sofre de uma anomalia congénita.
50. O Autor temeu pela sua vida no momento do acidente e viveu momento de pânico e angústia bem como a sua família, tendo até sido noticiado nos meios de comunicação social que lhe iam amputar o braço. [Vide doc. de fls. 60 a 62]
51. No hospital e vendo a gravidade das lesões, o Autor receou que fosse necessária a amputação do membro superior esquerdo, o que lhe causou grande angústia e tristeza.
52. O Autor sofreu as dores das lesões provocadas pelo acidente.
53. O Autor sofreu o medo e a ânsia de duas intervenções cirúrgicas e os aborrecimentos e incómodos dos internamentos.
54. Até à data do acidente era o Autor que fazia praticamente todas as reparações em sua casa e zelava pela sua conservação, assim como também fabricava a horta.
55. O Autor dorme com o braço apoiado sobre uma almofada, com o braço estendido, pelo que passou a dormir só;
56. O que lhe causa transtorno e tristeza.
57. O Autor tem como habilitações literárias a antiga 4ª classe
B) 4 – Do Processo de Acidentes de Trabalho:
58. O acidente de que foi vítima o Autor foi considerado como acidente de trabalho. [Vide certidão de fls.101 a 105v]
59. O que deu origem, ao processo especial de acidentes de trabalho que correu termos no Juízo de Trabalho de Penafiel – Juiz 1, sob o nº 876/18.1T8STR [Vide certidão de fls. 101 a 105v]
60. No âmbito do referido processo foram considerados provados os seguintes factos:
- O sinistrado nasceu em 17-01-1959.
- No dia 27 de Março de 2017, cerca das 09:45 horas, em Santarém, o sinistrado sofreu um acidente de trabalho, quando exercia as funções de armador de ferro, sob as ordens direcção e fiscalização da entidade empregador Sociedade de Construções (…), S.A..
- O acidente ocorreu quando ao deslocar-se para o trabalho, sofreu um acidente de viação, estando sentado no banco atrás do condutor, com o acidente a carrinha capotou, o vido partiu, o membro superior esquerdo terá ficado por baixo e foi arrastado, resultando traumatismo do hemicorpo esquerdo.
- A responsabilidade infortunística-laboral encontrava-se integralmente transferida para a seguradora Seguradoras (…), S.A. mediante contrato de seguro titulado pela apólice dos autos, quanto ao aqui sinistrado.
- O sinistrado auferia a retribuição anual de € 565,00 x 14 + 190,30 x 12 (total anual € 10.260,60).
- O sinistrado teve alta em 19 de Março de 2018.
- Foram-lhe pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que eram devidas até à data da alta.
- O sinistrado despendeu a quantia de € 60,00 em deslocações obrigatórias para comparecer neste Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal de Penafiel.
- O sinistrado declarou não pretender por ora requerer subsídio de readaptação profissional. [Vide certidão de fls.101 a 105v]
61. Foi-lhe ainda atribuída uma Incapacidade Permanente para o Trabalho (IPP) de 50,5077% com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH) [Vide certidão de fls.101 a 105v]
62. Tendo sido proferida sentença com o seguinte teor:
“A) Decido que o sinistrado (…) no dia 27 de Março de 2017 sofreu um acidente de trabalho, em consequência do qual sofreu uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 50,5077% com IPATH (IPP de 50,5077% com IPATH);
B) Em consequência condeno a Seguradora “Seguradora (…), S.A.” a pagar ao sinistrado (…) uma pensão anual, vitalícia e actualizável no valor de € 6.130,72 (seis mil, cento e trinta euros e setenta e dois cêntimos). Devida a partir de 20 de Março de 2018, a ser paga mensalmente até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, correspondendo cada prestação a ¼ da pensão anual, acrescida de subsídio de férias e de Natal, no valor de ¼ cada da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente, bem como dos juros de mora desde a data do vencimento de cada prestação até integral pagamento;
C) Condeno a Seguradora “Seguradoras (…), S.A.” a pagar ao sinistrado (…) a quantia de € 4.735,68 (quatro mil, setecentos e trinta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos) referente a subsídio de elevada incapacidade permanente relativo à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, acrescida dos juros legais de mora que se vencerem desde a data do trânsito em julgado da presente sentença a até efectivo e integral pagamento;
D) Condeno a Seguradora “Seguradoras (…), S.A.” a pagar ao sinistrado (…) a quantia de € 60,00, a título de despesas com deslocações a Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal de Penafiel, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 17-10-2018 até integral e efectivo pagamento.” [Vide certidão de fls.101 a 105v]
C) Da Responsabilidade.
63. A responsabilidade civil pela circulação do veículo (…) estava assumida pela Seguradora (…), S.A., mediante contrato de seguro titulado pela Apólice n.º (…). [Vide doc. de fls. 81v]

B – O Direito
Do recurso do A
Da indemnização pela incapacidade para o trabalho e da indemnização pelo dano biológico
Em 1.ª instância apurou-se ser devida a verba de € 94.000,00 (a que foi deduzido o montante de € 70.613,69 arbitrado no foro laboral) a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica de que o Recorrente ficou afetado por virtude das lesões e sequelas causadas no acidente versado nos autos.
Está em causa a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, que é determinante de consequências negativas a nível da sua atividade geral, justificando a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial. Foi apreciado, neste âmbito, o pedido formulado pelo A na petição inicial no sentido de lhe ser atribuída a verba de € 135.000,00 pela incapacidade permanente parcial de que ficou a padecer, pedido esse que se alicerçou na alegação da seguinte factualidade:
- desde o acidente o A nunca mais pôde trabalhar;
- o que se prevê aconteça até ao fim dos seus dias;
- o A ficou afetado por incapacidade parcial geral e permanente de 50% e de incapacidade permanente para a sua atividade profissional habitual;
- deve considerar-se um salário de, pelo menos, € 1.250,00 médios mensais, a idade, o histórico salarial anterior, a possibilidade de progressão na carreira e a evolução dos salários.
O Recorrente Autor pugna agora, em sede de recurso, que para além da verba de € 120.000,00 que se lhe afigura ser devida a título de indemnização pelo “dano patrimonial profissional”, lhe seja atribuído o montante de € 102.000,00 relativo ao dano biológico.
Ora vejamos.
Em temos jurisprudenciais, vem sendo entendido que, por um lado, o dano biológico é o prejuízo que se repercute nas potencialidades e na qualidade de vida do lesado, afetando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social ou sentimental, determinando-lhe a perda de faculdades físicas ou intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a sua idade. E, por outro, que esse dano é indemnizável de per se, como dano patrimonial futuro, independentemente de se verificarem ou não consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado. Tendo o lesado ficado com incapacidade permanente mas sem sequelas em termos de rebate profissional, esforço acrescido ou particular repulsa, deve aquela incapacidade relevar em termos de prejuízo funcional, ou seja, do chamado dano biológico.[1]
No Ac. STJ de 27 de outubro de 2009[2], o dano biológico vem caracterizado como a diminuição somático-psíquica do lesado, com natural repercussão na sua vida, ressarcível como dano patrimonial ou compensável a título de dano moral, tudo dependendo de apreciação casuística, em termos de verificação se a lesão lhe originou, no futuro, durante o período ativo da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz apenas numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. Ali é entendido que a mera necessidade de um maior dispêndio de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial, porque o exercício de qualquer atividade profissional se vai tornando mais penoso com o desgaste natural da vitalidade – paciência, atenção, perspetivas de carreira, desencantos – e da saúde, implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. Ora, tal agravamento, desde que se não repercuta, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de lucro, traduzir-se-á em dano moral, a fixar segundo a equidade, nos termos do artigo 496.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil.
No Ac. RC de 12/04/2011[3], pode ler-se que a incapacidade permanente é, de per si, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto. Em situações de relativa autonomia da limitação funcional, a incapacidade permanente parcial com reflexo na atividade em geral e profissional, não deverá ser compensada por forma englobante no contexto “dano biológico” mas como dano patrimonial.
Do Ac. STJ de 21/03/2013[4] alcança-se que o dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.
Compulsados os autos, constata-se que o Recorrente Autor peticionou indemnização pela incapacidade permanente decorrente do acidente com fundamento nas sequelas relevantes em termos de rebate profissional, que afetam a respetiva capacidade de ganho; não formulou pedido autónomo, diverso, no sentido de ser indemnização pelo dano biológico em si mesmo considerado, independentemente da repercussão nos rendimentos futuros do seu trabalho.
Como é sabido, o recurso constitui o meio processual de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Tem em vista a reapreciação ou a reponderação das questões submetidas a litígio, já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas. Donde, não cabe invocar em sede de recurso questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido, conforme resulta do regime inserto nos artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, n.º 3, salvo se a lei expressamente determinar o contrário (artigo 665.º, n.º 2, do CPC) ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC). E as questões apresentadas pelas partes, as questões que são submetidas a julgamento nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ainda ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, são apuradas em função da configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as exceções invocadas pela parte passiva na lide, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções[5].
Termos em que não cabe aqui apreciar o pedido formulado em sede de recurso para indemnização do dano biológico de forma autónoma relativamente ao pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro, na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica.
Relativamente ao montante arbitrado, importa atentar na equidade, à luz do regime inserto no artigo 566.º, n.º 3, do CC. Porém, «a utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, cuja prossecução implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial, e se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil.»[6]
À luz de tais ensinamentos bem como dos parâmetros que vem sendo aplicados pelos tribunais superiores[7], importa levar em linha de conta a seguinte factualidade provada:
- o Recorrente contava, à data do acidente, 59 anos de idade;
- a esperança média de vida até aos 80 anos;
- o Recorrente ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de cerca de 25 pontos;
- as sequelas que regista são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional;
- a remuneração anual do Recorrente ascendia ao montante de € 19.124,00.
Note-se que a aplicação das regras decorrentes da Portaria n.º 377/2008 e respetivo anexo IV (artigos 3.º, alínea b) e 8.º da citada Portaria), na redação atualizada, constituem critério orientador para efeitos de apresentação, pelas seguradoras aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, em caso de incapacidade permanente parcial – v. artigo 1.º da referida portaria. Afigura-se, no entanto, que a utilização de tal tabela só pode servir para determinar o minus indemnizatório, o qual terá de ser corrigido com vários elementos que possam conduzir a uma indemnização justa[8], já que tais tabelas não contemplam, designadamente, os seguintes itens:
- o prolongamento da IPP para além da idade de reforma (entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos, não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter atividade depois dela);
- a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade;
- o de não ter em consideração a tendência para o aumento da vida ativa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade;

- a inflação;
- as despesas que o próprio lesado terá de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ele mesmo desempenharia;
- a progressão na carreira e, decorrentemente, a progressão salarial.[9]
Considerando todos os dados apurados, levando ainda em linha de conta o facto de que o Recorrente Autor em nada contribuiu para a eclosão do acidente, afigura-se adequado fixar o montante indemnizatório na quantia de € 100.000,00 (cem mil euros).

Da subtração do montante arbitrado no foro laboral
O Recorrente Autor insurge-se contra o facto de a 1.ª Instância ter deduzido o montante arbitrado no foro laboral à indemnização da perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica.
Assiste-lhe razão.
Seguindo de perto o que se mostra exarado no Ac. do STJ de 11/07/2019[10], importa salientar que quando o acidente for, simultaneamente, de viação e de trabalho, as respetivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário. A responsabilidade primeira é a que incide sobre o responsável civil. É essa responsabilidade que vai definir o quadro indemnizatório geral, sendo certo, no entanto, que, quanto ao mesmo dano concreto, não pode haver duplo ressarcimento.
As indemnizações fixadas em cada uma dessas jurisdições (civil e laboral) não se sobrepõem, completam-se. As indemnizações são independentes e dessa independência decorre que o tribunal em que for formulado o pedido de indemnização exerce a sua jurisdição em plenitude, decidindo e apurando, sem limitações, a extensão dos danos, e deixando ao critério do lesado a opção pela que melhor lhe convenha.[11]
Ora, no processo especial por acidente de trabalho foi atribuída uma pensão anual, vitalícia e atualizável, decorrente da desvalorização permanente parcial para o trabalho de 50,5077%. Neste processo, está em causa a indemnização do dano biológico, embora no que respeita à repercussão desse dano na capacidade de ganho do lesado, enquanto dano patrimonial.
Logo, são de considerar como danos diferentes o que decorre da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição, e o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que – embora não determinem perda de rendimento laboral – envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as atividades da vida pessoal e corrente.[12]
Nestes termos, inexistindo duplicação de indemnizações, não há lugar ao abatimento da quantia arbitrada no foro laboral a título de pensão anual e vitalícia.

Da limitação de condenação em valor superior ao peticionado
Relativamente a perdas salariais exarou-se em 1.ª Instância ser devido o montante de € 12.411,28 mas que, tendo o A apenas peticionado a quantia de € 10.783,62, é essa a quantia que lhe é arbitrada.
Insurge-se o Recorrente Autor contra o decidido, salientando que a atribuição daquela verba não implica seja ultrapassado o valor globalmente peticionado.
Assiste-lhe razão.
Não obstante o artigo 609.º do CPC determinar limites à condenação, estabelecendo o respetivo n.º 1 que a sentença não pode condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do que se pedir, «em ações de responsabilidade civil, perante pedidos parcelares de indemnização, considera-se que o limite de cada parcela se reporta ao valor global peticionado. Trata-se, aliás, de jurisprudência corrente e pacífica.»[13]
Termos em que inexiste fundamento para não atribuir ao Recorrente Autor a verba de € 12.411,28 que se apurou ser devida.

Da condenação no que vier a ser liquidado quanto a despesas com medicação e cremes de aplicação tópica
Provado que está que o A toma residualmente medicamentos para as dores e que necessita de aplicar creme nívea para amaciar as cicatrizes, assiste-lhe o direito de ser indemnizado pelas despesas daí decorrentes, a liquidar posteriormente, tal como previsto no artigo 609.º/2, do CPC.

Do recurso da R
Do valor indemnizatório da incapacidade permanente
A Recorrente Ré considera que o valor adequado a indemnizar o A pela incapacidade permanente parcial é de € 70.000,00.
Atento o que se deixou já exposto, fixando-se em € 100.000,00 o montante da referida indemnização, para o que foi levado em conta, designadamente, o rendimento que era auferido, a idade que contava o A, o grau de incapacidade de que ficou a padecer e ainda a circunstância de antecipação do pagamento do capital, é manifesto que improcede a pretensão recursória da R nesta matéria.

Do valor indemnizatório dos danos morais
A 1.ª Instância fixou a indemnização em € 40.000,00.
O que a Recorrente R considera excessivo, invocando que, não obstante a gravidade das lesões, estas não contenderam com qualquer órgão vital, nem a vida do sinistrado esteve em risco. Atentos os valores habitualmente arbitrados pelos tribunais, considera a Recorrente que € 25.000,00 seria o valor ajustado.
Ora vejamos.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artigo 496.º do CC. O montante adequado a indemnizá-los, nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 3, 1.ª parte e 494.º do CC, resultará de um julgamento de equidade que terá por base o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções, atendendo às circunstâncias concretas de cada caso tendo em conta a situação económica do agente e do lesado, bem como o grau de culpa daquele, sem esquecer os padrões geralmente adotados pela jurisprudência.
Estão em causa prejuízos de natureza infungível em que, não sendo possível uma reintegração por equivalente, importa atribuir ao lesado uma compensação que proporcione certas condições decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização por tais danos, «sem embargo da função punitiva que, outrossim, reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indiretamente, esses danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar a havido sofrimento moral»[14]. Abrange, «nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de atividades agradáveis».[15] O valor da indemnização deve ter um alcance significativo, que não simbólico ou miserabilista[16], apurado segundo um juízo de equidade (artigo 496.º, n.º 3, do CC), efetivando a procura da justiça do caso concreto, assente numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, sem olvido do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), iluminador da uniformização de critérios, tendo em atenção os padrões de indemnização normalmente adaptados na jurisprudência em casos similares.[17]
Considerando toda a factualidade elencada que contende com tal questão, que traduz os padecimentos sofridos pela A logo após o despiste, nos hospitais onde esteve internado, no período subsequente às intervenções cirúrgicas, o quantum doloris, o dano estético permanente, a concretas sequelas que ficou a padecer e a repercussão permanente dessas sequelas nas atividades desportivas e de lazer, levando em linha de conta os montantes indemnizatórios atribuídos em casos concretos submetidos a apreciação superior[18], afigura-se adequada a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) fixada em 1.ª Instância.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação do recurso interposto pela R.

As custas do recurso interposto pelo A recaem sobre a Recorrida, na proporção do decaimento, sendo certo que o A beneficia do apoio judiciário – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
As custas do recurso interposto pela R recaem sobre esta – art.º 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se:
- pela parcial procedência do recurso interposto pelo A, em consequência do que se revoga parcialmente a decisão recorrida, condenando-se a R a pagar ao A:
- a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, montante a que não se subtrai o valor da indemnização arbitrada no foro laboral;
- a quantia de € 12.411,28 (doze mil, quatrocentos e onze euros e vinte e oito cêntimos) referente a perdas salariais;
- a quantia apurar em sede de liquidação para indemnização das despesas com medicamentos para as dores e cremes de aplicação tópica,
negando-se provimento às demais pretensões deduzidas, pelo que se mantém, no mais, a sentença recorrida;
- pela total improcedência do recurso interposto pela R.

Custas do recurso interposto pelo A pela Recorrida, na proporção do decaimento, sendo certo que o A beneficia do apoio judiciário.
Custas do recurso interposto pela R pela Recorrente.
Évora, 23 de setembro de 2021
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Acórdão do STJ de 08/09/2009.
[2] Relatado por Sebastião Póvoas.
[3] Relatado por Fonte Ramos.
[4] Relatado por Salazar Casanova.
[5] Acórdãos do STJ de 07/04/2005 (Salvador da Costa) e de 14/04/2005 (Ferreira de Sousa).
[6] Cfr. Acórdão do STJ de 04/06/2015 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e demais acórdãos aí citados.
[7] V. Acórdão do STJ de 21/03/2013, relatado por Salazar Casanova, in dgsi.pt.
[8] Acórdão do STJ de 04/12/2007 (Mário Cruz).
[9] Acórdão do STJ de 04/12/2007 (Mário Cruz).
[10] Proc. n.º 1456/15.2T8FNC.L1.S1 (Henrique Araújo).
[11] Cfr. Acórdão do STJ de 07/04/2005, proc. n.º 05B592.
[12] Cfr. Acórdão do STJ de 11/12/2012, proc. n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1
[13] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 754 e 755.
[14] Acórdão do STJ de 17/01/2008.
[15] Acórdão do STJ de 26/01/2012.
[16] Cfr. Acórdão do STJ de 25/06/2002.
[17] Cfr. Acórdãos do STJ de 22/10/2009, de 24/04/2013.
[18] Cfr. montantes das indemnizações arbitradas nomeadamente nos Acórdãos do STJ de 27/10/2009 (Sebastião Póvoas), de 29/02/2012 (Sampaio Gomes), de 24/04/2013 (Pereira da Silva), de 17/03/2016 (Mário Belo Morgado), de 22/02/2017 (Lopes do Rego).