Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MIGUEL TEIXEIRA | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISÃO REQUISITOS DOCUMENTOS INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | - Não há lugar à revisão da sentença quando o pedido assenta em elementos de prova já considerados aquando da prolação da decisão a rever; - O pedido de revisão deve ser liminarmente indeferido se com o requerimento não são juntos quaisquer documentos que sejam novos ou suficientes para modificar os dados essenciais da decisão a rever. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 177/14.8TMSTB-A.E1 - Recurso de Apelação Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Família e Menores de Setúbal - Juiz 1 Recorrentes – (…), (…), (…) e (…) Recorrida – (…) * Sumário: (…)** Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora* 1 – RELATÓRIO1.1. “(…) e outros, herdeiros de (…), com o processo de inventário n.º 487/18, que corre os seus termos junto do Cartório Notarial da Dra. (…)”, vieram, em 21.05.2025, junto do Juízo de Família e Menores de Setúbal, “interpor recurso de revisão”. Em síntese, alegavam que: “a) A separação de facto entre (…) e (…) ocorreu pelo menos cinco anos antes da propositura da ação de divórcio, conforme provado na sentença de divórcio e reforçado por novas provas documentais e testemunhais. b) O Tribunal a quo errou ao considerar que a data da separação de facto não foi demonstrada, quando, na verdade, tal ficou provado nos autos da acção de divórcio. c) Nos termos do artigo 1789.º, n.º 2, do Código Civil, os efeitos patrimoniais do divórcio podem retroagir à data da separação de facto, desde que esta seja comprovada, o que efectivamente ocorreu no presente caso. d) A retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio afecta directamente a partilha dos bens, uma vez que os bens adquiridos após a separação de facto não podem ser considerados bens comuns do casal. e) A decisão recorrida permitiu a inclusão indevida de bens adquiridos após a separação de facto na partilha, o que resultou numa distribuição injusta e contrária ao direito aplicável. f) A ocultação de bens e a má gestão patrimonial por parte da ex-cônjuge, bem como a ausência de transparência na partilha, configuram fundamentos adicionais para a revisão da sentença e a correcção dos quinhões sucessórios. g) O artigo 696.º do CPC prevê a revisão de decisões transitadas em julgado quando surgem novos meios de prova que alteram substancialmente o julgamento da matéria de facto, o que se verifica no presente caso. h) O Tribunal ad quem deve determinar a retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio para a data da separação de facto, corrigindo a decisão anterior e garantindo a justa composição dos quinhões na partilha sucessória. i) Deve ainda ser determinada a exclusão dos bens adquiridos após a separação de facto da partilha e a necessária correcção dos valores atribuídos a cada herdeiro. j) A decisão do Tribunal a quo deve ser reformada para garantir que a herança seja partilhada de forma justa e equitativa, conforme os princípios da lei e da equidade sucessória. k) Os novos elementos de prova demonstram que a separação de facto ocorreu muito antes da data fixada na sentença, alterando substancialmente os efeitos patrimoniais do divórcio. l) A decisão original não levou em conta provas determinantes que agora foram apresentadas, demonstrando erro substancial na fixação da data da separação. m) Os bens adquiridos após a data real da separação de facto não podem ser considerados bens comuns do casal, devendo ser excluídos da partilha. n) A decisão de partilha foi baseada em uma premissa errada, tornando-se necessária a sua revisão para que a herança seja distribuída de forma justa e legal. o) O artigo 696.º do CPC permite a revisão de decisão transitada em julgado quando surgem provas novas que alteram substancialmente o julgamento da matéria de facto. p) Assim, a presente revisão é indispensável para corrigir uma decisão que levou a um desequilíbrio na partilha dos bens e garantir o respeito pelos direitos sucessórios legítimos dos herdeiros. q) Devendo assim a sentença proferida pelo Tribunal a quo substituída por outra conduza ao conhecimento do requerido. r) Devendo ser fixada a retroacção dos efeitos do Divórcio, para os cinco anos que antecedem a data da entrada da petição inicial do Divorcio em Tribunal (25-03-2014), isto é, para 25-03-2009”. Pediam que fosse “(…) revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que ordene a retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio para a data da separação de facto, nos termos do artigo 1789.º, n.º 2, do Código Civil (25-03-2014), isto é, para 25-03-2009 (…)”. 1.2. Por decisão de 24.06.2025, não foi admitido o recurso de revisão interposto. Os Recorrentes, inconformados com esta decisão, dela vieram reclamar. Por despacho de 31.10.2025, a reclamação foi distribuída como apelação. Os Recorrentes foram convidados a formular conclusões, o que fizeram (cfr. o requerimento com a Ref.ª 332799), concluindo a motivação do seguinte modo: “a) O presente recurso é interposto pelos herdeiros de (…) – (…), (…), (…) e (…) – no âmbito do processo n.º 177/14.8TMSTB, b) com o objetivo de ver reconhecida a retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da separação de facto entre o falecido e a sua ex-cônjuge, (…). c) O Tribunal a quo indeferiu o pedido de retroacção por entender não se encontrar demonstrada a data da separação de facto. d) Tal entendimento é incorreto, pois a própria sentença de divórcio deu como provado que “a Ré saiu do lar conjugal há mais de cinco anos, tendo por referência a data da entrada da petição inicial”, o que basta para efeitos do artigo 1789.º, n.º 2, do Código Civil. e) Nos termos desse preceito, “os efeitos do divórcio podem retroagir à data da separação de facto”, sempre que esta se mostre comprovada, o que sucede in casu. f) A prova testemunhal constante dos autos, bem como a prova documental agora apresentada (declarações fiscais, certidões e elementos bancários), demonstra que o falecido e a ex-cônjuge deixaram de coabitar e de partilhar vida comum há vários anos antes da propositura da acção de divórcio. g) Esses elementos constituem novos meios de prova nos termos do artigo 696.º, alínea f), do CPC, pelo que justificam a revisão e reapreciação do julgado. h) Mesmo que o Tribunal entenda que a via processual adequada é a apelação em processo comum e especial, os fundamentos materiais mantêm-se, impondo-se a apreciação do mérito da questão, sob pena de denegação de tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da CRP e artigo 2.º do CPC). i) A decisão recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar prova expressa da separação de facto superior a cinco anos antes do divórcio. j) Ao não admitir a retroacção, a decisão recorrida violou o artigo 1789.º, n.º 2, do Código Civil, bem como os princípios da boa fé e da justiça distributiva consagrados nos artigos 334.º e 2091.º do mesmo diploma. k) Os bens adquiridos após a separação de facto não integram a comunhão conjugal, pelo que não podem ser incluídos na partilha subsequente ao divórcio ou ao inventário do falecido. l) A manutenção da decisão recorrida conduz a enriquecimento sem causa da ex-cônjuge sobrevivente, em prejuízo direto dos herdeiros do falecido. m) O Tribunal deve, por isso, reformar a decisão, reconhecendo que a separação de facto ocorreu, pelo menos, cinco anos antes da propositura da ação de divórcio, fixando-se, em consequência, a data de produção de efeitos patrimoniais em 25 de Março de 2009. n) Devem ser excluídos da comunhão os bens adquiridos após essa data e corrigida a partilha no processo de inventário n.º 487/18, em trâmite no Cartório Notarial da Dra. (…). o) O Tribunal recorrido errou ao não valorizar adequadamente a prova testemunhal e documental, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, razão pela qual se impõe a revogação da decisão e a substituição por outra que determine a retroacção requerida. p) Assim, deve ser dado provimento à apelação, com as devidas consequências legais e processuais”. Pedem que seja “(…) revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que ordene a retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio para a data da separação de facto, nos termos do artigo 1789.º, n.º 2, do Código Civil (25-03-2014), isto é, para 25-03-2009 (…)”. Não foi apresentada resposta. * Perante as conclusões das alegações dos Recorrentes, importa apreciar se existe fundamento para determinar o prosseguimento do recurso de revisão. * Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.* 3.1. FUNDAMENTOS DE FACTO Com interesse para a decisão, importa ter em consideração os seguintes factos: a) Em 25.03.2014, (…) instaurou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra sua mulher, (…), pedindo que fosse decretado o divórcio entre ambos. b) A R. foi citada editalmente. c) Em 19.11.2015, foi proferida decisão que julgou procedente a ação, decretou o divórcio entre o A. e a R. e declarando dissolvido o respetivo vínculo conjugal. d) Da decisão proferida em 19.11.2015 não foi interposto recurso. e) Em 12.05.2021, o A. apresentou requerimento no processo, pedido que «seja reformulada a sentença no sentido de indicar desde quando se produzem os efeitos do divórcio, sendo certo que tal como consta da sentença supra já mencionada, que os mesmos devem produzir os seus legais efeitos desde a data em que “... a R. deixou a casa de morada de família em data não apurada, mas havia mais de cinco anos à data da entrada desta acção em tribunal, ...”.» f) Por decisão de 21.05.2021, foi indeferida a pretensão do A., considerando-se que “obstaculiza sim à pretensão do Requerente o facto de não se ter demonstrado quando ocorreu a separação de facto entre os cônjuges [como se atinge pela análise dos factos provados da sentença proferida em 19.11.2015, sobretudo o facto provado 3 – em que se inscreveu que a Ré saiu de casa em data não concretamente apurada], razão pela qual não poderá ter aplicação o disposto no artigo 1789.º, n.º 2, do Código Civil, porque a separação de facto entre os cônjuges não logrou provada no processo. Os efeitos da sentença de divórcio terão assim de retroagir à data da propositura da ação para efeitos patrimoniais, nos termos gerais do artigo 1789.º, n.º 1, do Código Civil”. g) Dessa decisão interpôs recurso o A.. h) Em 18.10.2021 foi proferido despacho que, “(…) nos termos conjugados dos artigos 68.º, n.º 1 e 1174.º alínea a), do Código Civil e 48.º, n.º 2, do CPC”, declarou “nulo todo o processado posterior ao requerimento de 12/05/2021, incluindo a decisão de 21/05/2021 que, como tal, não produzirá quaisquer efeitos”. * 3.2. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO3.2.1. O artigo 696.º do CPC, sob a epígrafe “Fundamentos do recurso”, dispõe que “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções; b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida; c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida; d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou; e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior; f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português; g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude. h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte”. Como se lê no Ac. da Relação de Lisboa de 09.04.2019, em www.dgsi.pt, “O recurso extraordinário de revisão é um meio processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de alguma das causas enunciadas nas alíneas a), b), c), d), e), f) e g) do artigo 696.º do CPC. Enquanto com a interposição de qualquer recurso ordinário se pretende evitar o trânsito em julgado duma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão de uma sentença transitada em julgado. O recurso de revisão constitui o último remédio contra os eventuais erros que afectem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação pela via dos recursos ordinários. Ao lançar-se mão deste meio processual pretende-se a substituição da decisão revidenda por outra sem a anomalia que justificou a impugnação. Nestes casos deparamos com um conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza. “Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora. Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio – cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, Coimbra, 1985, pág. 336. O recurso extraordinário de revisão está estruturado em duas fases: 1)- a fase rescindente, destinada a afastar ou “rescindir” a decisão transitada em julgado; 2)- a fase rescisória, que se segue à anulação ou rescisão da decisão transitada e visa retomar o processo e aí obter uma decisão que substitua a rescindida ou anulada. Como é sabido, a natureza jurídica da revisão tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e na jurisprudência, sendo qualificado como uma verdadeira acção, como autêntico recurso ou como misto de recurso e de acção, sendo que a solução encontrada assume relevo, desde logo, para determinação da lei aplicável. Disso dava já conta o Prof. Alberto dos Reis referindo: “Os recursos extraordinários abrem um processo novo; têm a natureza de acções autónomas. Como, porém, o seu objecto é constituído por um processo e uma decisão anterior (ou só por esta), a lei assimila-os, sob vários pontos de vista, aos recursos ordinários. […] Barbosa de Magalhães, a propósito do tema do começo da instância, afirma: a interposição de recurso não importa a constituição de nova instância. Mas depois de demonstrar esta tese, faz a seguinte ressalva: Referimo-nos aos recursos ordinários; os extraordinários, tanto a revisão como a oposição de terceiro, constituem uma nova instância, por isso que ambos se destinam a atacar o caso julgado […] Sá Carneiro […] Acha que a instância, extinta pelo trânsito da sentença em julgado, revive pela interposição do recurso extraordinário, de sorte que, para o efeito do valor e das alçadas, subsiste o statu quo ante. […] Colocamo-nos ao lado de Sá Carneiro. […] A revisão tem carácter híbrido, é um misto de recurso e de acção. Com efeito, nas duas primeiras fases (fase liminar e fase rescindente) a revisão apresenta a feição de recurso; na terceira fase (fase rescisória) a revisão assume a natureza de acção propriamente dita. […] É fora de dúvida que com o trânsito em julgado da sentença a instância iniciada pela propositura da acção respectiva (artigo 267.º) extinguiu-se (artigo 292.º). A parte vencida interpõe o recurso de revisão. O que sucede? Sucede que se abre uma instância, a qual morre ao nascer, se o requerimento é indeferido, ou prossegue, se o juiz lavra despacho de admissão. […] Parece-nos claro que esta instância aberta pelo recurso de revisão é a própria instância que o caso julgado extinguira. […] Com o recurso de revisão pretende-se um novo exame da mesma causa. Se o recurso obtém provimento ou está em condições de seguir, o processo anterior retoma o seu vigor […] é por isso que a instância tem de manter-se a mesma quanto às pessoas, quanto ao pedido e à causa de pedir (artigo 268.º). […] Portanto a revisão caracteriza-se desta maneira: é um recurso que se destina a fazer ressurgir uma acção finda e que vai reabrir uma instância anterior” – cfr. op. cit., págs. 373-377. Perfilha esta doutrina, na esteira também de Amâncio Ferreira, Francisco Ferreira de Almeida, considerando a revisão como uma figura processual híbrida: um misto de acção e de recurso – cfr. Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pág. 567. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2014, relator Fonseca Ramos, proc. n.º 5078-H/1993.L2.S2 acessível na Base de dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt[2] dá-se conta, precisamente da diversidade de posições, aí se concluindo, ao que se depreende, pela consideração da revisão como acção autónoma: “Armindo Ribeiro Mendes, in “Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007” escreve, págs. 180-181: “É usual, desde Manuel de Andrade, sustentar que os recursos extraordinários abrem um processo novo, sendo verdadeiras acções autónomas […] Segundo este processualista de Coimbra, o objecto dos recursos extraordinários é constituído por um processo anterior e uma decisão anterior, ou só por esta, embora a lei assimilasse, sob vários aspectos, a revisão e a oposição de terceiro aos recursos ordinários. […] Se analisarmos o regime jurídico deste recurso, concluiremos que são raras as normas dos recursos ordinários que se lhes aplicam, estando mais perto a sua estrutura de uma acção autónoma – apesar de intimamente ligada a um processo anterior transitado em julgado. O recurso extraordinário de revisão […] não integra, formal e estruturalmente a tramitação do processo de que se torna apenso, quando instaurado; a acção vive, sobrevive e finda na maior parte dos casos sem que haja tal recurso, não sendo de considerar um iter necessário da respectiva tramitação, cuja autonomia e fim último é destruir através de um processo declarativo com regras peculiares, com estrutura declarativa e autonomia, o caso julgado com fundamentos taxativamente previstos. É certo que tem uma componente mista (peculiar, sobretudo, se a acção passar a fase rescidente), com uma tramitação própria, mas essa singular tramitação não o descaracteriza como acção autónoma. Com ele inicia-se um processo novo cujo fim último é destruir o caso julgado formado em acção anterior. Não sendo, sequer enxertado na acção anterior, mas implicando uma petição inicial onde devem ser expostos os fundamentos da revisão, prevendo indeferimento liminar e, só passado esse crivo, uma fase de instrução e decisão; estes elementos, a nosso ver, caracterizam-na como acção autónoma o que não é invalidado pelo facto do objectivo que visa se relacionar com uma decisão judicial anterior.” (…) Seja a revisão encarada como acção autónoma, seja-o como recurso em sentido próprio, não há dúvidas que as normas que se lhe aplicam tornam-na num processo de natureza híbrida e é esta natureza que se impõe, precisamente, sobrelevar. António Abrantes Geraldes realça precisamente esta situação do seguinte modo: “Conquanto o recurso de revisão se insira no capítulo dos “Recursos”, obedece a pressupostos e regras substancialmente diversas das que regem os recursos ordinários. De entre as disposições gerais relativas aos recursos importa especialmente o artigo 628.º (que define o trânsito em julgado) e o artigo 631.º (que regula o pressuposto da legitimidade) […] Importa ainda ter em atenção o disposto no artigo 641.º para o qual remete o artigo 699.º. Quanto aos demais preceitos, naturalmente que a revisão não depende nem do valor do processo, nem da sucumbência. Também não é aplicável o artigo 632.º que prevê a renúncia antecipada ao recurso, já que colide com os interesses de ordem pública subjacentes ao recurso de revisão” – cfr. op. cit., pág. 450. José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, tomo I, 2ª edição, Coimbra, 2008, pág. 223, refere que “O regime geral dos recursos ordinários não é, em regra, aplicável aos recursos extraordinários, atendendo à radical diferença entre ambas as figuras. (…) Por isso, se se descontar a ideia de que a parte pode livremente desistir do recurso ordinário, tal como do extraordinário, já interposto, grande parte das regras gerais dos recursos ordinários são inaplicáveis aos recursos extraordinários. Basta referir a inaplicabilidade das regras de recorribilidade em função do valor da causa, confrontando este com o da alçada do tribunal recorrido, ou da sucumbência, da licitude da renúncia aos recursos, sobretudo a antecipada, dos prazos de interposição […]” – apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2017, relator João Trindade, processo n.º 39/16.4YFLSB. No caso concreto, são várias as questões que se colocam e obstam à admissibilidade da revisão. 3.2.2. A identificação da decisão a rever e o objeto do pedido de revisão Recordemos que, por despacho de 18.10.2021, o Tribunal de primeira instância “(…) nos termos conjugados dos artigos 68.º, n.º 1 e 1174.º, alínea a), do CC e 48.º, n.º 2, do CPC”, declarou “nulo todo o processado posterior ao requerimento de 12/05/2021, incluindo a decisão de 21/05/2021 que, como tal, não produzirá quaisquer efeitos”. O pedido de revisão poderia, se tanto, recair sobre a decisão de 04.11.2015. Mas não é o caso. Assim, visando corrigir a decisão 21.05.2021 (cfr. o ponto 1 do pedido de revisão apresentado em 21.05.2025), inexistente, em face da declaração de nulidade, conclui-se que o recurso de revisão não tem objeto. 3.2.3. Os requisitos da revisão No caso concreto, os Recorrentes alegam que “A prova testemunhal constante dos autos, bem como a prova documental agora apresentada (declarações fiscais, certidões e elementos bancários), demonstra que o falecido e a ex-cônjuge deixaram de coabitar e de partilhar vida comum há vários anos antes da propositura da acção de divórcio.” e dizem que “Esses elementos constituem novos meios de prova nos termos do artigo 696.º, alínea f), do CPC, pelo que justificam a revisão e reapreciação do julgado” (alíneas f) e g) das conclusões). Pese embora invoquem expressamente a alínea f) do artigo 696.º do CPC, não se percebe a que “decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” se referem. No corpo das alegações, no ponto 15, os Recorrentes aludem a “Documentos do processo de divórcio litigioso em Moçambique, que confirmam que a separação ocorreu muito antes da acção de divórcio ser interposta”, sem que, contudo, juntem ou descrevam tais documentos, o que se revela manifestamente insuficiente para concluir que estamos perante uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português. Sobra, portanto, como fundamento do recurso, apesar de não expressamente invocada, a alínea c) do artigo 696.º do CPC – a apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida. Os Recorrentes alegam que “Os novos elementos de prova demonstram que a separação de facto ocorreu muito antes da data fixada na sentença, alterando substancialmente os efeitos patrimoniais do divórcio”. Referem-se, de acordo com o ponto 15 das alegações apresentadas em 21.05.2025, aos seguintes elementos: “a) Sentença proferida no Processo n.º 177/14.8TMSTB, que menciona expressamente que "a separação de facto ocorreu há mais de cinco anos antes da entrada da petição inicial"; b) Documentos do processo de divórcio litigioso em Moçambique, que confirmam que a separação ocorreu muito antes da acção de divórcio ser interposta; c) Declarações de residência fiscal, que provam que os cônjuges já não coabitavam há vários anos antes da acção de divórcio; d) Testemunhos de pessoas próximas do casal, que confirmam que a separação de facto foi anterior à data fixada na sentença; e) Documentos bancários e patrimoniais, que comprovam que os cônjuges passaram a gerir finanças de forma totalmente separada muito antes da data do divórcio”. Ora, o artigo 698.º do CPC, sob a epígrafe “Instrução do requerimento”, dispõe que “1 - No requerimento de interposição, que é autuado por apenso, o recorrente alega os factos constitutivos do fundamento do recurso e, no caso da alínea g) do artigo 696.º, o prejuízo resultante da simulação processual. 2 - Nos casos das alíneas a), c), f) e g) do artigo 696.º, o recorrente, com o requerimento de interposição, apresenta certidão, consoante os casos, da decisão ou do documento em que se funda o pedido”. No caso concreto, com o pedido de revisão – que como vimos, tem arrimo no disposto na alínea c) do artigo 696.º do CPC – os Recorrentes não juntam um único documento. Como tal, não pode dizer-se que tenham sido juntos elementos que, por si só, sejam suficientes para modificar a decisão. O artigo 699.º, n.º 1, do CPC dispõe que “Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 641.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão”. A falta de instrução do requerimento é, por isso, motivo de indeferimento. E não se diga que o Tribunal deve suprir essa omissão. Uma coisa é o suprimento de uma falha, um equívoco ou uma insuficiência de alegação, outra é a prática de atos, pelo Tribunal, de onde resulta a sua substituição à parte a quem incumbe – de acordo com o princípio do dispositivo – o ónus de alegar os factos relevantes para a decisão e de instruir devidamente a causa, elementos que se apresentam como essenciais e estruturantes do pedido formulado – neste sentido, entre outros, o Ac. da Relação de Guimarães de 20.03.2018, em www.dgsi.pt: “1- De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade. 2- Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir.”; e o Ac. da Relação de Coimbra de 16.09.2015, em https://trc.pt/: “VI – De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411.º do C.P.C., o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade. VII – Mas esse princípio não poderá ser usado para colmatar toda e qualquer “falta” das partes a respeito da apresentação dos meios de prova, pois se assim fosse estaria a fazer-se do mesmo uma interpretação normativa e aplicação prática em colisão com outros importantes princípios, do processo civil e até constitucionais, mormente o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (cfr. artigos 20.º e 62.º da CRP).”. Ainda no que respeita aos requisitos materiais do pedido de revisão, importa também notar o seguinte. Os Recorrentes, com o pedido de revisão, não juntaram qualquer documento. Apresentaram, com a impugnação da decisão de 24.06.2025: (i) um testamento outorgado pelo A. em 06.09.2016, por via do qual institui herdeiros da sua quota disponível, em partes iguais, a R., e os Recorrentes (…) e (…) e (ii) uma cópia do “Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos” n.º (…), da Conservatória do Registo Civil do Seixal, no qual são declarados como herdeiros do A. os Recorrentes, e ainda a R.,(…) e (...). Ambos os documentos constavam já do processo principal, por terem sido juntos com o requerimento com a Ref.ª 5988271, em 21.09.2021. Porém, nenhum deles, por si só, é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável aos Recorrentes. Por outro lado, se como alegam os Recorrentes, resulta da sentença que decretou o divórcio que “a Ré saiu do lar conjugal há mais de cinco anos, tendo por referência a data da entrada da petição inicial”, “o que basta para efeitos do artigo 1789.º, n.º 2, do Código Civil” (cfr. a alínea d) das conclusões) e, portanto, estavam reunidas as condições para que o Tribunal desse cumprimento ao disposto na norma invocada – declarando que os efeitos do divórcio retroagiam à data em que a separação começou – o que o A. devia ter feito era, se assim o entendesse, recorrer da decisão que declarou dissolvido o casamento. * Os Recorrentes dizem que “Mesmo que o Tribunal entenda que a via processual adequada é a apelação em processo comum e especial, os fundamentos materiais mantêm-se, impondo-se a apreciação do mérito da questão, sob pena de denegação de tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da CRP e artigo 2.º do CPC)”.Duas notas. A primeira para dizer que é irrelevante, no caso concreto, a via processual adotada. O Tribunal considerou que da decisão de 24.06.2025 cabia recurso – e não reclamação –, determinou que fossem seguidos os termos do recurso de apelação e tomou posição sobre as questões suscitadas na impugnação da decisão. A segunda, para dizer que os Recorrentes invocam uma violação do disposto no artigo 20.º da CRP, fazendo-o contudo de forma absolutamente genérica, sem apontarem a norma que dizem ser contrária à Constituição, o que impossibilita o Tribunal de se debruçar sobre qualquer vício que pudesse a esse respeito existir. 3.2.4 O prazo para interposição do recurso de revisão. Finalmente, também o prazo para interposição do recurso de revisão não se mostra respeitado. “O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados: a) No caso da alínea a) do artigo 696.º, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão; b) No caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado; c) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão” – n.º 2 do artigo 697.º do CPC. No caso concreto, com o recurso de revisão, os Recorrentes pretendem demonstrar que “a separação de facto ocorreu muito antes da data fixada pelo tribunal, devendo a sentença ser revista e os efeitos patrimoniais do divórcio retroagirem para a data real da separação de facto.” Alegam que “(…) a decisão que regulou os efeitos patrimoniais do divórcio fixou a data de produção de efeitos patrimoniais na data da propositura da acção, e não na data real da separação de facto, por não existirem provas suficientes na altura” e que “Com os documentos agora juntos, torna-se evidente que a separação de facto ocorreu muitos anos antes da data fixada na decisão, alterando substancialmente a configuração patrimonial do casal e afectando directamente a partilha de bens” (cfr. os pontos 2, 10 e 11 do pedido de revisão apresentado em 21.05.2025). O que reiteram nas alegações que agora apresentaram – cfr. as alíneas k) e l) das conclusões: “k) Os bens adquiridos após a separação de facto não integram a comunhão conjugal, pelo que não podem ser incluídos na partilha subsequente ao divórcio ou ao inventário do falecido”; e “l) A manutenção da decisão recorrida conduz a enriquecimento sem causa da ex-cônjuge sobrevivente, em prejuízo direto dos herdeiros do falecido”. Como vimos, o recurso tinha por objetivo rever a decisão 21.05.2021 (cfr. o ponto 1 do pedido de revisão apresentado em 21.05.2025), decisão que foi declarada nula e, portanto, não produz qualquer efeito. Admitindo, porém, que o objeto do recurso era a sentença de 04.11.2015, o problema da (in)admissibilidade da revisão coloca-se noutra perspetiva. Da alegação dos Recorrentes resulta que está em causa um aspeto meramente patrimonial decorrente da data em que terá ocorrido a separação de facto e não um qualquer “direito de personalidade”, encontrando-se a possibilidade de interposição de recurso sujeita ao prazo de 5 anos previsto no artigo 697.º, n.º 2, do CPC. Como vimos, por decisão transitada em julgado proferida em 18.10.2021, o Tribunal recorrido declarou nulo todo o processado posterior ao requerimento de 12/05/2021, incluindo a decisão de 21/05/2021 que, como tal, não produz quaisquer efeitos. Deste modo, a única decisão que subsiste é a sentença proferida em 19.11.2015, não estando por isso reunido o requisito temporal de 5 anos para que possa ser pedida a revisão da decisão. Ainda no que respeita ao prazo da revisão – quando tenha por fundamento, no que agora interessa, a alínea c) do artigo 696.º do CPC, concretamente, a apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida – como vimos, o recurso deve ser interposto no prazo de 60 dias, contados desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão. Ora, com o pedido de revisão, os Recorrentes não juntaram qualquer documento. Juntaram, com a impugnação da decisão de 24.06.2025, uma cópia do testamento de (…) e do Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros do A.. Independentemente da relevância que pudessem assumir para a decisão, trata-se de documentos de que os Recorrentes tiveram conhecimento há mais de 60 dias, já que haviam também sido apresentados com o requerimento de 21.09.2021. Logo, também o prazo de 60 dias a que alude o artigo 697.º, n.º 2, do CPC não se mostra respeitado no pedido de revisão. A apelação é, por isso, improcedente. * 4. DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em: - julgar improcedente a apelação e, em consequência, - confirmar a decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes. Notifique. Évora, 27.11.2025 Miguel Jorge Vieira Teixeira Anabela Raimundo Fialho Rosa Barroso |