Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1887/17.3T9TMR-A.E1
Relator: JOÃO LUÍS NUNES
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
DIFERENTES ARGUIDOS
Data do Acordão: 07/15/2021
Votação: PRESIDÊNCIA
Texto Integral: S
Sumário: Decorre do regime estabelecido no n.º 14 do artigo 113.º do CPP que apenas nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos, quando o prazo para a prática dos atos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o ato pode ser praticado por qualquer dos arguidos até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1887/17.3T9TMR-A.E1
Reclamação: artigo 405.º do Código de Processo Penal
Reclamantes: (…) e (…) – Recolha e Gestão de Resíduos, Unipessoal, Lda.

I. Relatório
(…) e (…) – Recolha e Gestão de Resíduos, Unipessoal, Lda., arguidas no Processo n.º 1887/17.3T9TMR, do Juízo Local Criminal de Tomar, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, vieram, nos termos do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal, reclamar do despacho de 11-03-2021, do referido Juízo Local, que não admitiu o recurso que haviam interposto em 08-02-2021, com fundamento em extemporaneidade.
Para tanto, na motivação da reclamação apresentaram as seguintes conclusões:
«1ª. A vertente reclamação é pertinente pois, com o devido respeito por opinião diversa, foram tratados de forma diferente dois casos de co-autoria criminosa, sem se atentar na desigualdade que a decisão reclamada é susceptível de desencadear em caso de provimento do recurso interposto por (…), que foi admitido, tudo contra lei expressa e em manifesta oposição com os princípios da igualdade das partes, da verdade material e de um processo justo e equitativo.
2ª. O recurso ordinário interposto da sentença da 1ª instância para o Tribunal da Relação de Évora pelas ora reclamantes não foi admitido pelo tribunal a quo por despacho prolatado no dia 11/03/2021 por ter sido considerado extemporâneo, uma vez que, como se julgou, tendo o prazo para a sua interposição terminado, para a recorrente singular, no dia 20/12/2020 e, para a recorrente sociedade, no dia 29/01/2021, o pedido de revogação (de ambas) só "entrou" no dia 08/02/2021 e, portanto, para além do prazo limite fixado pelo n.º 1 do artigo 411.º do CPP, pelo que, segundo entendimento do mesmo tribunal" forçoso é concluir que o mesmo é extemporâneo".
3ª. A extemporaneidade de um acto traduz-se na sua realização para além do prazo concedido para a sua prática pelo que terá de compulsar-se o normativo do artigo 411.º do CPP, que regula expressamente a interposição e a notificação, que no seu n.º 1 prescreve que "o prazo para interposição do recurso é de 30 dias" e conta-se a partir da notificação da sentença (alínea a) do referido preceito).
4ª. Não tendo esse prazo sido respeitado – é factual – terá de indagar-se como esta matéria é regulada na lei adjectiva penal e se, eventualmente, ocorrem razões para a sua ampliação: o CPP não estabelece qualquer regime especial, remetendo expressamente para as leis processuais civis como resulta do dispositivo do n.º 1 do artigo 104.º do CPP que prescreve "aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil".
5ª. A verdade é que, in casu, a lei processual penal regula expressamente a situação ao prescrever no n.º 14 do artigo 113.º do CPP que" ... havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática dos actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar".
6ª. No mesmo sentido, agora em tese geral de integração de lacunas, deixa expresso o artigo 4.º do CPP que "nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal".
7ª. Por isso, qualquer que seja a perspectiva que se perfilhe, fazendo aplicação directa da lei adjectiva penal (nº 14 do artigo 113.º do CPP) ou das disposições da lei do processo civil (artigo 569.º, n.º 2 e artigo 638.º, n.º 9, do CPC), sempre o requerimento de interposição de recurso das ora reclamantes teria de ser admitido,
8ª. o que quer dizer que, em qualquer dos casos, o prazo para praticar o acto processual do último "notificado" da decisão cujo recurso se pretende interpor, aproveita os demais "parceiros" processuais. E, por maioria de razão, numa situação de co-autoria, o que não teve verificação no caso sub judice em que o arguido (…), beneficiando de prazo mais dilatado, viu pacificamente admitido o recurso por si interposto, sem se atentar nas consequências emergentes do eventual provimento desse recurso.
9ª. A decisão reclamada atenta contra princípios estruturantes do direito processual penal, nomeadamente, os de igualdade das partes, da verdade material e de um processo justo e equitativo em frontal colisão com a norma do n.º 1 do artigo 32.º da CRP. Nesta linha de raciocínio, não pode deixar de considerar-se contraditório que o recurso interposto por (…), marido da recorrente singular, no dia 12/02/2021 (portanto, quatro dias depois do apresentado por esta) tenha sido pacificamente admitido, em manifesta oposição com os princípios da igualdade das partes, da verdade material e de um processo justo e equitativo.
10ª. Nenhum ordenamento jurídico pode prescindir, invariável e definitivamente, do direito mínimo ao recurso para tutelar os casos em que a sua falta seria irrazoável, pouco racional, desproporcionada, excessiva ou que levaria à negação do direito de defesa e do próprio Estado de Direito.
11ª. A decisão em reclamação violou, entre outros, as disposições dos artigos 2.º, 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, todos da CRP; artigos 4.º, 104.º, n.º 1, 113.º, n.º 14 e 411.º, n.º 1, in fine, do CPP e artigos 569.º, n.º 2 e 638.º, n.º 9, do CPC.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ª Ex.ª, Senhor Juiz Presidente, deve a presente reclamação ser admitida e merecer provimento e, em consequência, ser revogado o despacho reclamado e substituído por outro que considere a motivação apresentada e admita o recurso interposto pelas reclamantes, com o que se fará, como confiadamente se espera, JUSTIÇA!».

O despacho reclamado é do seguinte teor:
«Interposição de recurso de 08.02.2021: O prazo para a interposição de recurso da sentença, contado nos termos do artigo 411.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, terminou em 20.12.2020, para a arguida … (presente na leitura de sentença) e em 29.01.2021, para a sociedade arguida (notificada da sentença em 17.12.2020).
Ora, tendo o requerimento de interposição de recurso dado entrada no dia 08.02.2021, forçoso é concluir que o mesmo é extemporâneo.
Assim, sem necessidade de mais considerações, não se admite o recurso interposto pelas arguidas (…) e (…).
Notifique.».

II. Cumpre apreciar e decidir
Com relevância para a decisão, para além do supra referido, resulta dos presentes autos, bem como dos autos principais (uma vez que se entende que os presentes autos não se mostram devidamente instruídos, procedeu-se também à consulta eletrónica dos autos principais que, nesta altura, se encontra acessível neste tribunal, por aqui terem dado entrada):
a) Nos autos principais são arguidos (1) …, (2) … e (3) …, Recolha e Gestão de Resíduos, Unipessoal, Lda.;
b) (…) é sócia e legal representante de (…), Lda.;
c) Por sentença de 17-11-2020, do referido Juízo Criminal, todos os arguidos foram condenados, sendo:
(i) O arguido (…) pela prática, em coautoria, de um crime de simulação de crime, de um crime de falsas declarações e de um crime de falsificação de documento;
(ii) A arguida (…), pela prática, em coautoria, de um crime de simulação de crime, de um crime de falsas declarações e de um crime de falsificação de documento;
(iii) A arguida (…), Lda., pela prática de um crime de falsificação de documento;
d) Na leitura da sentença, em 17-11-2020, estiveram presentes, entre outros, os ilustres mandatários dos arguidos (…) e (…), Lda., e a arguida (…);
e) A sentença foi depositada em 20-11-2020;
f) A sociedade foi notificada da sentença em 17-12-2020, na pessoa da sua legal representante, a arguida (…);
g) O arguido (…) foi notificado da sentença em 06-01-2021;
h) As arguidas (…) e (…), Lda. interpuseram recurso da sentença em 08-02-2021;
i) Por despacho de 11-03-2021 o recurso não foi admitido;
j) Em 22-03-202, as arguidas apresentaram a reclamação em apreciação.

Como resulta do relato supra, o recurso interposto pelas arguidas, aqui reclamantes, (…) e (…), Lda., não foi admitido, com fundamento em extemporaneidade.
As reclamantes não questionam (vide artigo 4.º das conclusões da reclamação) que não foi respeitado o prazo de 30 dias de interposição do recurso: todavia sustentam a tempestividade do recurso, por entenderem que face às leis adjetivas, penal e cível, devem beneficiar do termo do prazo que começou a correr em último lugar para interposição do recurso por parte do arguido (…).
Vejamos.

Nos termos do artigo 411.º do Código de Processo Penal:
“1 - O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
2 - O recurso de decisão proferida em audiência pode ser interposto por simples declaração na acta.
3 - O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso, podendo a motivação, no caso de recurso interposto por declaração na ata, ser apresentada no prazo de 30 dias contados da data da interposição.
Ora, no caso, tendo a sentença sido lida na presença da arguida (…), e depositada no dia 20-11-2020, por aplicação do disposto na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal, o prazo de 30 dias de interposição do recurso conta-se a partir do depósito da sentença, ou seja, a partir de 20-11-2020, o que significa que se iniciou no dia 21-11-2020 (atento o que estatui a alínea b) do artigo 279.º do Código Civil) e tinha o seu termo em 21-12-2020 (cfr. artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sendo que o dia 20-12 foi domingo).
E o mesmo se deverá verificar em relação à arguida (…), Lda., pois, estando presente na leitura da sentença a arguida (…), sendo esta legal representante daquela, e tendo a sentença sido depositada em 20-11-2020, é a partir desta data que se começa a contar o prazo de 30 dias de interposição do recurso.
Por isso, não alcança o porquê de vir (novamente) essa arguida a ser notificada pessoalmente da sentença, na pessoa da sua legal representante – a arguida (…) –, em 17-12-2020.
Seja como for, admitindo-se que esta última notificação tenha criado na arguida a legítima expetativa e confiança de que só a partir da mesma se iniciava o prazo de 30 dias de interposição do recurso, então o mesmo findava em 29-01-2021.
Assim, em qualquer das circunstâncias, tendo o recurso sido interposto pelas arguidas em 08-02-2021, mostrava-se ultrapassado o prazo de 30 dias, sendo extemporâneo, mesmo com o acréscimo dos 3 dias úteis a que alude o artigo 139.º, n.ºs 5 e 7, do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal.

Contudo, arrimando-se no disposto nos artigos 4.º, 104.º, n.º 1 e 113.º, n.º 14, todos do Código de Processo Penal, bem como nos artigos 569.º, n.º 2 e 638.º, n.º 9, ambos do Código de Processo Civil, sustentam as reclamantes que lhes deve ser aplicado o termo do prazo de interposição do recurso do arguido (…), por ser o que começou a correr em último lugar.
Adiante-se, desde já, que não anuímos a tal entendimento.
Expliquemos porquê.

Estabelece o artigo 113.º, n.º 14, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 1/2018, de 29-01, que «[n]os casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar».
Assim, decorre do normativo legal em causa que apenas nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos, quando o prazo para a prática dos atos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o ato pode ser praticado por qualquer dos arguidos até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
Entre tais casos expressamente previstos encontra-se o requerimento de abertura de instrução (artigo 287.º, n.º 6) e o prazo de apresentação da contestação (artigo 315.º, n.º 1).
Porém, já em relação ao prazo de interposição nada se diz, o que significa que a citada norma do n.º 4 do artigo 113.º não lhe é aplicável.
Isto é, e dito de forma direta: no caso de haver vários arguidos, o disposto no artigo 113.º, n.º 14, do Código de Processo Penal, não é aplicável ao prazo de interposição de recurso da sentença (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2013, Proc. n.º 1721/09.8JAPT.P1.S1, referido no Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, 2016, 2.ª edição, Almedina, pág. 1294, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, pág. 1115, n.º 8 da anotação ao artigo 113.º).
Para além da referida conclusão, outra resulta do mesmo n.º 14 do artigo 113.º: este regula expressamente as situações a que é aplicável, pelo que, ao contrário do sustentado pelos reclamantes, não se verifica aqui qualquer omissão a que haja que recorrer através da integração de lacunas, com aplicação das normas do Código de Processo Civil, maxime dos seus artigos 569.º, n.º 2 e 638.º, n.º 9.
Nesta sequência, é de afirmar, mais uma vez, que não é aplicável às arguidas, aqui reclamantes, o termo do prazo de interposição de recurso do arguido (…), pelo face ao que se deixou supra referido quanto ao termo do prazo de interposição de recurso por parte daquelas, mostra-se extemporâneo o recurso interposto.

Argumentam as reclamantes que a interpretação do despacho recorrido viola o princípio da igualdade dos sujeitos processuais, da verdade material e de um processo justo e equitativo.
Mais uma vez, não se subscreve tal entendimento: se cada um dos sujeitos processuais tem o prazo de 30 dias contados da notificação da sentença para interpor recurso, não se lobriga em que medida se mostra violado o princípio da igualdade, pois todos têm idêntico prazo para interpor recurso.
Também não se têm por violadas as garantias de defesa, designadamente o direito ao recurso, pois tais direitos mostram-se garantidos desde que sejam exercidos no prazo fixado por lei, prazo esse que se considera razoável.
Finalmente, também não se mostra violado o direito ao processo justo e equitativo, designadamente por estar em causa uma situação de coautoria e ser admitido o recurso em relação a um arguido, mas já não ser admitido em relação aos outros, o que pode gerar decisões dispares quanto aos arguidos.
Segundo se entende, esta problemática nada tem a ver com a possibilidade, ou não, do ato ser praticado por qualquer dos arguidos até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
Com efeito, em caso de comparticipação criminosa, embora se verifique a possibilidade de autonomização do processo em relação a cada arguido (cfr. artigo 403.º, n.º 2, alínea e), do Código de Processo Penal), o recurso interposto por um arguido aproveita aos arguidos não recorrentes, salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais (artigo 402.º, n.º 2, alínea a), do compêndio legal em referência).
Como de modo assertivo se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2014 (Proc. n.º 319/11.5JDLSB-D.S, disponível em www.dgsi.pt), “[e]m situações de comparticipação criminosa, havendo recurso de algum ou de alguns dos arguidos da decisão condenatória, mas não recurso de outro ou de outros arguidos, tem este Tribunal reiterado o entendimento de que a decisão transita em julgado em relação aos não recorrentes, embora esse caso julgado esteja sujeito a uma condição resolutiva, que se traduz em estender aos não recorrentes a reforma in mellior do decidido”.
(…)
Ou seja, desde que o interessado não recorra da sentença – ou o recurso não seja admitido, como é o caso –, esta adquire força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por participante”.
Assim, a decisão transita em julgado em relação ao(s) não recorrente(s), a não ser na parte em que a decisão a proferir em sede de recurso o(s) possa vir a beneficiar.
Daí que a solução para a eventualidade de decisões contraditórias em caso de coautoria passa pelo âmbito do recurso estabelecido no artigo 402.º do Código de Processo Penal, e não pela aplicação a todos os arguidos do termo do prazo que começou a correr em último lugar.

Nesta sequência, e sem necessidade de mais considerandos, só nos resta concluir que nenhuma censura merece o despacho que não admitiu o recurso, pelo que se mantém.

III. Decisão
Face ao exposto, indefere-se a reclamação apresentada pelas arguidas (…) e (…) – Recolha e Gestão de Resíduos, Unipessoal, Lda., confirmando-se o despacho recorrido que não admitiu o recurso.
Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC, devida por cada uma (artigos 1.º e 8.º, n.º 3, do RCP, com referência à Tabela III anexa).
Notifique.

15 de julho de 2021
João Luís Nunes
(Presidente do Tribunal da Relação de Évora)