Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
303/16.2T8BJA.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ARGUIÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA
TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – No âmbito do ordenamento processual laboral, a nulidade da sentença tem de ser arguida expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso dirigido ao juiz do tribunal onde a decisão foi proferida.
II – A atividade de confeção e fornecimento de refeições destinadas aos utentes de um Lar de idosos, que envolve uma organização de meios humanos (trabalhadores afetos a tal atividade) e uma logística necessária à aquisição e seleção dos produtos alimentares utilizados na confeção das refeições, constitui uma unidade económica.
III – Tendo terminado o contrato de cessão exploração da aludida atividade que havia sido celebrado, e reassumido o Lar a controlo da cozinha e os seus procedimentos, ocorre uma reversão de exploração da unidade económica, que determina, ao abrigo do artigo 285.º do Código do Trabalho, a transmissão da posição jurídica de empregador da trabalhadora que foi especificamente contratada para laborar na “unidade de serviços de alimentação” do Lar.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:





P.303/16.2T8BJA.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
BB (A.) patrocinada pelo Ministério Público, instaurou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra CC (1.ª Ré) e DD, S.A. (2.ª Ré), formulando o seguinte pedido:
«Nestes termos deve a presente ação ser julgada procedente por provada, e por via dela, ser
A. Declarado convertido em contrato de trabalho sem termo o contrato existente entre a Autora e a 2ª Ré; e bem assim ser
a. Declarada transmitida para 1ª Ré, a partir de 1/8/2015, a posição do empregador no contrato de trabalho sem termo existente entre a Autora e a 2ªRé;
b. Declarado ilícito o despedimento da Autora por parte da 1ª Ré;
c. Ser a 1ª Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 3 857,4€, acrescida de juros de mora até integral pagamento e correspondente a
i) 1395,4€, a título de férias não gozadas, proporcionais no ano da cessação relativos a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal; e
ii) 2 462€ a título de indemnização em substituição da reintegração.
d. Ser, ainda, a 1ª Ré condenada a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento ocorrido a 3/8/2015 até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.
Ou, subsidiariamente, ser
a1. Declarado ilícito o despedimento da Autora por parte da 2ª Ré;
b1. Ser a 2ª Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 3 857,4€, acrescida de juros de mora até integral pagamento e correspondente a
iii) 1395,4€, a título de férias não gozadas, proporcionais no ano da cessação relativos a férias subsídio de férias e subsídio de Natal; e
iv) 2 462€ a título de indemnização em substituição da reintegração.
c1. Ser, ainda, a 2ª Ré condenada a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento ocorrido a 31/7/2015 até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.»
Alegou, em breve síntese, que celebrou com a 2.ª Ré um contrato de trabalho a termo certo, que se converteu em contrato sem termo, por força das renovações sucessivas ao longo de mais de 4 anos. No período compreendido entre 20/6/2011 e 31/7/2015, trabalhou nos serviços de alimentação da 1.ª Ré, os quais eram geridos pela 2.ª Ré, no âmbito de um contrato de confeção e fornecimento de refeições celebrado entre as demandadas. Sucede que a 1.ª Ré informou a 2.ª Ré de que não iria renovar o contrato a partir de 31/7/2015, pois iria assumir o controlo da cozinha e respetivos procedimentos. Na sequência desta comunicação, a 2.ª Ré informou a 1.ª Ré que considerava que se verificava a transmissão automática da posição de empregador nos contratos de trabalho afetos ao Lar. A A. foi informada de que passaria a ser trabalhadora da 1.ª Ré a partir de 1/8/2015. Sucede que no dia 3 de agosto, quando se apresentou para trabalhar, foi impedida de o fazer pela 1.ª Ré e, desde então, não trabalhou para nenhuma das Rés. Considera que foi ilicitamente despedida e arroga-se titular dos créditos laborais peticionados.
Frustrada a conciliação realizada na audiência de partes, as Rés contestaram e a A. respondeu.
A 2.ª Ré requereu a condenação da A. como litigante de má-fé.
Após a realização da audiência preliminar, na qual se tentou novamente uma solução amigável para o litígio, sem sucesso, o tribunal de 1.ª instância ordenou que lhe fosse aberta conclusão para proferir decisão de mérito.
Foi então proferido saneador-sentença contendo o dispositivo que se transcreve:
«Por tudo o exposto, ao abrigo do disposto no art. 57º, n.º1 do Código de Processo do Trabalho, decide-se julgar parcialmente procedente, por em igual medida provada, a presente ação declarativa de processo comum, e, em consequência;
a) Declarar a transmissão, para a Ré CC, com efeitos a partir de 01.08.2015, da posição de empregador no contrato de trabalho sem termo celebrado entre a Autora e a Ré DD;
b) Declarar a ilicitude do despedimento da Autora efetuado parte da Ré “CC;
c) Condenar a Ré CC a pagar à Autora BB as seguintes quantias:
i. As retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença, descontadas as que se venceram até 30 dias antes da propositura da ação, perfazendo as vencidas até à presente data a quantia de €13.918,50 (treze mil novecentos e dezoito euros e cinquenta cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento, valor esse ao qual deverá ser descontada a quantia auferida pela Autora, nesse período, a título de subsidio de desemprego, que terá de ser entregue pela entidade patronal ao Instituto de Segurança Social, IP;
ii. €3.693,00 (três mil seiscentos e noventa e três euros), a título de indemnização pela resolução do contrato com justa causa, nos termos do disposto no art. 396, nºs 1 e 2 do Código do Trabalho, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efetivo e integral pagamento;
iii. €362,55 (trezentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de proporcionais de subsídio de Natal, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
iv. €381,43 (trezentos e oitenta e um euros e quarenta e três cêntimos), a título proporcionais de férias, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
v. €362,55 (trezentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título proporcionais de subsídio de férias, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
vi. €237,43 (duzentos e trinta e sete euros e quarenta e três cêntimos), a título de férias vencidas e não gozadas, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
d) Absolver a Ré DD, S.A.” do pedido subsidiário formulado pela Autora BB;
e) Absolver a Autora BB do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pela DD.
Foi fixado à ação, o valor de € 3.857,40.
Não se conformando com esta decisão, veio a 1.ª Ré interpor recurso, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1.ª – O recurso vem interposto da sentença de fls…., que declarou haver transmissão para o CC, da posição de empregador, no contrato de trabalho celebrado entre a A. e a Ré, DD e declarou a ilicitude do despedimento, condenando o Lar CC no pagamento, além do mais, de €: 13.918,50(treze mil novecentos dezoito euros e cinquenta cêntimos), de retribuições vencidas, desde a data do despedimento.
2.ª – Esta decisão carece de fundamento de facto e de direito, atingindo princípios gerais e fundamentais do Direito.
3.ª – Na determinação de factos relevantes para uma boa decisão da causa, há sempre uma prévia consideração da questão de direito, pois só face a uma qualificação jurídica tomada, mesmo em abstrato, se poderá aferir qual a factualidade relevante a apurar.
4.ª – Donde, qualquer lapso, erro, ou omissão de factos, terá reflexos na fundamentação jurídica e no Direito do Trabalho, consabidamente, estes entorses evidenciam, ainda mais, as situações de manifesta injustiça, como é o caso em apreço, em que a entidade patronal, que celebrou um contrato de trabalho a termo, desvincula-se da trabalhadora, que passa a constituir um encargo definitivo para o recorrente, que não foi ouvido, nem achado, em tal contrato.
5.ª – Dos autos constam documentos, como seja o contrato celebrado entre os Réus, bem como, o Caderno de Encargos e a resposta dada pelo recorrente, sobre a questão da trabalhadora, que, oficiosamente, o Tribunal pode e deve levar em conta, mas foi alegada matéria de facto no seu articulado, como consta dos art.ºs 7.º, 8.º, 11.º, 22.º, 28.º, 30.º e 31.º, que foi desprezada na sentença recorrida.
6.ª – E ignora-se, totalmente, o fio condutor, que levou a sentença a adquirir os resultados, a que chegou e como o fez, limitando-se a referir que, foi com base nos articulados, sem fazer uma apreciação crítica dos concretos meios, para extrair as conclusões sedimentadas naqueles factos.
7.ª – Inexistem quaisquer factos, sequer alegados pela A., ou mesmo, pela 2.ª Ré, sob a forma como antes do contrato de confeção e fornecimento de refeições, era explorado o Refeitório do Lar CC.
8.ª – Donde, as questões sobre que versam o presente recurso sejam razões, simultaneamente de facto e de direito, como se admite no atual sistema. – cfr. Amâncio Ferreira, in “Manual de Recursos em Processo Civil”, pág. 148.
9.ª – O que é essencial e constitui a questão a resolver, é apurar se, no caso concreto, houve, ou não, transmissão de parte do estabelecimento, como a sentença recorrida aceitou, sem tibiezas.
10.ª – É, assim, nuclear que se adquirida como verdadeira, a afirmação de que, existe “um estabelecimento individualizado, ou uma unidade económica autónoma”, no dizer de Pedro Romano Martinez, in “Direito do Trabalho”, 2013, pág. 722.
11.ª – E a constatação da transmissão do estabelecimento está dependente da verificação da existência de uma empresa, ou estabelecimento, como conjunto de recursos e meios organizados, com o fim de prosseguir uma atividade económica, que se mudou e manteve a sua identidade própria, como é salientado no Ac.S.T.J., de 5.11.2008, do Conselheiro Pinto Hespanhol e a reflexão do Conselheiro Júlio Gomes, in “Novas, Novíssimas e Não Tão Novas Questões Sobre a Transmissão do Estabelecimento em Direito do Trabalho”, págs. 89 e segs.
12.ª – Está provado e resulta do escopo filantrópico do Réu, que é de solidariedade social, que apoia crianças, jovens e velhos, inválidos e em situação de carência, que não visa o lucro, como é o caso da co-Ré, sendo o Refeitório uma parte de um todo, com um fim social, constituindo uma das atividades acessórias e complementares.
13.ª – O que foi objeto de negócio jurídico, celebrado entre os Réus e constante do contrato e do Caderno de Encargos, foi só a prestação de serviços de coinfecção e fornecimento de refeições para o Réu, aqui recorrente, isto é, para os utentes do Lar.
14.ª – Lido o objeto contratual, na íntegra, pode apurar-se com rigor que, o Lar CC não era indiferente à confeção das refeições, já que, “propunha as alterações às ementas das refeições” e o pagamento era efetuado pelos serviços prestados, consistente num preço fixo, por cada refeição, podendo o Lar alterar o número de refeições.- cfr. art.º 11.º do Caderno de Encargos e cláusula 13.ª do Contrato.
15.ª – Era o Lar, que suportava os custos com a água e eletricidade, ao invés do que sucede nos contratos de concessão de exploração, ou locação de estabelecimento e não houve, sequer, uma transmissão de bens corpóreos, ou incorpóreos, como o Know how, nem de pessoal e tão pouco, de clientela.
16.ª – O recorrente foi alheio ao contrato de trabalho, celebrado entre a A. e a co-Ré e tão pouco, foi, sequer, ouvido.
17.ª – Entre os Réus havia um conjunto de obrigações, tarefas e funções, para cada uma das partes, cujo objetivo era de âmbito social e de natureza complementar.
18.ª – Independentemente da redação do contrato sugerir natureza diferente, nunca o Lar conferiu à co-Ré a gestão autónoma e independente do Refeitório, já que, não houve transmissão de um único trabalhador, a A. nunca trabalhou para o recorrente e a 2.ª Ré não tinha a possibilidade de desenvolver uma atividade no mesmo Refeitório e da mesma forma, já que, o Lar era o único “cliente”, estando-lhe vedada autonomia e independência no mercado. – cfr. Ac.Rel.Lisboa, 8.07.2015, 4.ª Secção, Proc.º 4206/13.4 TTLSB1.
19.ª – Quer na escolha das refeições, das ementas, quer na sua alteração, tinha de haver consenso entre os Réus, o que atingiria, sempre, a autonomia e independência, com vista ao funcionamento do Refeitório, que dependia da definição do número de refeições, do tipo de refeição, da mudança de ementa, a quem eram servidas as refeições e do preço por refeição, que passava pela vontade do recorrente, o que diz bem da falta de autonomia económica.
20.ª – O contrato celebrado entre os Réus, nunca conduziu à transferência da unidade económica “Refeitório do Lar CC” e assim, a cessação desse contrato não pode reverter/retornar para o recorrente, como um estabelecimento, que, nunca antes havia transmitido. 21.ª – O objeto do contrato foi, somente, a prestação de serviços da 2.ª Ré, confecionar e fornecer o número de refeições, previamente determinado pelo recorrente e sob a sua orientação e, NUNCA, conceder ao recorrente uma exploração e gestão autónoma do Refeitório, como unidade económica e independente.
22.ª – A clientela da 2.ª Ré era o Lar CC e não, os seus utentes.
23.ª – Era o Lar CC, que definia o número de refeições, indicava a ementa, com direito à reserva de mudar o conteúdo, a quem se destinavam as refeições, negociar o preço e o seu pagamento à 2.ª Ré.
24.ª – Não configurando o contrato celebrado pelos Réus, uma transmissão, ainda que parcial, de estabelecimento, não poderia, nunca, haver uma reversão, como a sentença refere.
25.ª – É que, não tendo o contrato conduzido à transferência de uma unidade económica do Refeitório do Lar, a cessação do contrato nunca poderia reverter/retornar para o Lar CC, um estabelecimento, que este NUNCA havia transmitido!
26.ª – O universo factual, com assento documental, é insuficiente para configurar uma situação de conservação da unidade económica, como um Refeitório, nos termos de uma ponderação de factos aplicáveis ao caso em apreço.
27.ª – A decisão recorrida deveria ser revogada e substituída por outra, com a condenação exclusiva da 2.ª Ré, pelo despedimento ilícito da A., com as legais consequências.»
A 2.ª Ré contra-alegou, concluindo:
(…)
30. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao concluir que, “E assim sendo, verificando-se a transmissão da exploração dessa unidade económica, por reversão, a 1ª Ré assumiu ex-lege a posição de empregador no contrato de trabalho com a Autora, a qual foi contratada propositadamente para trabalhar nesse local, deixando, consequentemente, a 2ª Ré de o ser a partir desse momento (art. 285º, n.º 1, 3 e 5 do C. do Trabalho) ”.
31. Por fim, ainda se dirá que, contrariamente ao que estava legalmente obrigado, o Recorrente, nas alegações apresentadas, não indicou, expressamente, as normas jurídicas que, na sua ótica, terão sido violadas na sentença proferida, devendo, nessa medida, ser convidado a completar as respetivas conclusões.»
Também a A. contra-alegou, concluindo:
1. A Ré recorrente sustenta que a sentença recorrida carece de fundamento de facto e de direito, o que configura nulidade, nos termos do art. 615º, nº1, al. b) do CPC.
2. No entanto, a Ré recorrente não argui expressamente tal nulidade, nem o faz separadamente no requerimento de interposição de recurso, nos termos exigidos pelo art. 77º, nº1 do CPT.
3. Assim, ao Tribunal de recurso está vedado conhecer de vício de fundamentação de facto ou de direito de que padeça a sentença proferida nos autos.
4. A sentença recorrida não padece de qualquer insuficiência da matéria de facto provada, tendo-se optado por uma das soluções jurídicas possíveis ao concluir-se pela transmissão da posição de empregador da Autora para a Ré recorrente.
5. Deste modo, deve ser mantida a sentença recorrida, devendo o presente recurso ser julgado improcedente.»
Admitido o recurso, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, o processo subiu à Relação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Questão prévia: Alegada necessidade de convite ao aperfeiçoamento das conclusões
Nas contra-alegações oferecidas pela 2.ª Ré, esta veio invocar a necessidade de convidar a recorrente a completar as conclusões do recurso, por não ter indicado as normas jurídicas violadas.
Apreciemos esta questão prévia.
De harmonia com o normativo inserto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, nos termos do n.º 2 do mencionado artigo:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ser interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ser aplicada.
Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada (cfr. nº3 do preceito).
Não obstante a lei exija a indicação das normas jurídicas violadas quando o recurso verse questão de direito, o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, previsto para a omissão de tal indicação, deve ser ponderado e não automático.
Como refere Abrantes Geraldes, na sua obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 119, «[a] prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efetiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais».
Tendo em conta o referido princípio, apesar de a recorrente não ter indicado nas conclusões de recurso, a norma ou normas que considera violadas, a maior preocupação que, no nosso entender, o tribunal ad quem deve ter, é a de averiguar se se mostra devidamente assegurado o princípio do contraditório, por terem sido dadas a conhecer às recorridas as razões porque a apelante se insurge contra a sentença da 1ª instância, para que as mesmas possam exercer na plenitude o contraditório.
Além disso, importa igualmente ter presente que o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, pois tem o dever de conhecer a lei.
Conforme refere o Desembargador João Aveiro Pereira, no artigo sob o tema “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, disponível em www.trl.mj.pt:
«(…) convém ter presente que a exigência de indicação das normas violadas não tem aqui um significado de revelação do direito ao juiz; trata-se antes de uma metodologia cooperante destinada a melhor e mais rapidamente identificar e circunscrever o objeto concreto do recurso. Contudo, na prática, é aquela presuntiva omnisciência jurídica do juiz que tem feito carreira, entendendo-se que a falta de indicação do direito violado não prejudica a delimitação do objeto do recurso».
Considerando o exposto, afigura-se-nos que na situação dos autos, a recorrente apresentou de modo suficiente, as razões que justificam a interposição do recurso, inferindo-se das contra-alegações apresentadas que as mesmas foram inteiramente compreendidas, pelo que se encontra devidamente assegurado o princípio do contraditório.
Destarte, não estando este tribunal vinculado às normas que porventura fossem indicadas nas conclusões de recurso e mostrando-se perfeitamente compreensíveis as questões controversas, não se justifica o convite ao aperfeiçoamento.
Deve prevalecer a questão de fundo sobre a forma, não havendo razão para que se atrase a decisão do processo com uma nova peça processual.
Pelo exposto e concluindo, a omissão da especificação prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, não justifica, no caso concreto, o convite ao aperfeiçoamento.
Improcede, deste modo, a designada “questão prévia” suscitada nas contra-alegações da 2.ª Ré.
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III. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1.ª Falta de fundamentação da decisão recorrida;
2.ª Desconsideração de factualidade alegada e de meios probatórios apresentados;
3.ª Não verificação da transmissão da posição jurídica de empregador da 2.ª Ré para a 1.ª Ré.
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IV. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
a. A Ré CC é uma instituição particular de solidariedade social, que tem por objeto prosseguir fins no âmbito da solidariedade e segurança social, designadamente apoio a crianças e jovens; apoio à família; apoio à integração social e comunitária; proteção dos cidadãos na velhice e invalidez e em todas as situações de carência;
b. A Ré DD, S.A. é uma sociedade anónima que tem por objeto a atividade de restauração coletiva, exploração de cantinas e atividade conexas;
c. No dia 20.06.2011 a Autora e a 2ª Ré celebraram um contrato de trabalho a termo certo;
d. Nos termos desse acordo, a Autora foi admitida para trabalhar sob as ordens e direção da 2ª Ré, para desempenhar as funções da categoria profissional de “Despenseiro A”;
e. Tal contrato foi celebrado pelo período de 06 meses, renovável;
f. O motivo invocado para o termo foi a “necessidade de provimento do quadro de pessoal em virtude da abertura de uma nova unidade de serviços de alimentação no Lar CC, que iniciou a sua atividade de laboração a 20.06.2011”;
g. O local de trabalho da Autora era o serviço de alimentação do Lar CC;
h. Trabalhou nesse local no período compreendido entre 20.06.2011 e 31.07.2015;
i. A Autora cumpria um horário de trabalho de 40 horas semanais, de 2ª a 6ª feiras, das 08:30 horas às 17:30 horas, com pausa de uma hora para almoço;
j. À data da cessação do contrato, a Autora auferia o salário base de €615,50, acrescido de subsídio de alimentação no montante mensal de €32,04;
k. No dia 20.06.2011, as Rés celebraram um acordo denominado de “Contrato de confeção e fornecimento de refeições ao Lar CC”;
l. Esse acordo teve por objeto a cedência, pela 1ª Ré, da exploração, à 2ª Ré, em regime de exclusividade, dos seus serviços relativos à confeção e serviço de refeições nos refeitórios da Lar …, a partir do dia 20.06.2011;
m. Competia à 2ª Ré dirigir, fiscalizar e remunerar os seus trabalhadores que prestavam serviço no Lar;
n. Os destinatários das refeições eram os utentes do Lar;
o. Como contrapartida pelo fornecimento das refeições, a 1ª Ré obrigou-se a pagar à 1ª Ré um preço fixo por cada refeição confecionada e fornecida, que era pago por aquela;
p. A 2ª Ré escolhia e adquiria os alimentos que utilizava na confeção das refeições;
q. A 1ª Ré disponibilizava utensílios de cozinha;
r. Por carta datada de 15.05.2015, a 1ª Ré informou a 2ª Ré que não pretendia renovar o contrato de confeção e fornecimento de refeições, terminando os seus efeitos no dia 31.07.2015;
s. A partir dessa data a 1ª Ré assumiu o controlo da cozinha e os seus procedimentos, não contratando nenhuma outra empresa para esse efeito;
t. Por carta datada de 14.07.2015, a 2ª Ré informou a 1ª Ré que entendia que, em face da denúncia do contrato de fornecimento de refeições, se verificava a transmissão automática da posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores afetos ao Lar, e que no dia 31.07.2015 cessaria o vínculo laboral entre a 2ª Ré e a Autora, verificando-se a transmissão da posição da entidade empregadora para aquela, com efeitos a partir de 01.08.2015;
u. A 2ª Ré informou a 1ª Ré que a Autora foi admitida a 20.06.2011, auferindo o salário mensal de €615,00, acrescido de subsídio de alimentação no montante de €32,04;
v. E informou que a Autora tinha 11 dias úteis de férias para gozar;
w. Por carta datada de 16.07.2015, a 2ª Ré informou a Autora que a 1ª Ré tinha denunciado o contrato de confeção e fornecimento de refeições, com efeitos a partir de 31.07.2015, passando esta última a assumir diretamente os serviços de refeições, e que no dia 01.08.2015 a posição jurídica de empregador da Autora se transmitiria para a 1ª Ré;
x. No dia 03.08.2015, pelas 08:25 horas, a Autora apresentou-se nas instalações do Lar … para trabalhar;
y. Foi impedida de trabalhar pelos funcionários e representantes da 1ª Ré, designadamente …, que lhe comunicaram que teria de abandonar o local, por já não trabalhar lá;
z. Na sequência desse impedimento, a Autora contactou a 2ª Ré, que se recusou a emitir documentação para efeitos de recebimento do subsídio de desemprego e o pagamento de qualquer compensação pela cessação do contrato.
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V. Falta de fundamentação
A recorrente, na motivação do recurso, invoca a falta de fundamentação da decisão recorrida. Refere que não é possível compreender totalmente «o fio condutor, que levou a sentença a adquirir os resultados, a que chegou e como o fez».
A não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão constitui, nos termos previstos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, uma causa de nulidade da sentença, pelo que, atento o invocado pela recorrente, parece que a mesma pretende pôr em causa a validade da decisão recorrida.
Porém, se for essa a sua pretensão, não a logrou manifestar pela forma correta.
É que, no ordenamento processual-laboral existe uma norma específica que exige que a arguição de nulidades seja feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso (cfr. artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Na base de tal dispositivo legal estão os princípios de economia e celeridade processuais subjacentes às leis reguladoras do processo de trabalho. Visa-se dar ao tribunal que proferiu a sentença a possibilidade de suprir as nulidades de que a mesma eventualmente enferme antes de mandar subir o recurso. Para que tal faculdade possa ser exercida, é necessário que a arguição da nulidade seja feita na parte do requerimento que é dirigido ao juiz do tribunal onde a decisão foi proferida.
Nos casos em que o recorrente não respeita o formalismo exigido pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, a jurisprudência dos tribunais superiores, tem entendido que a arguição da nulidade se mostra intempestiva ou extemporânea, pelo que o tribunal ad quem não deve conhecer de tal nulidade. Veja-se a título de exemplo: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/9/2006, P.06S574; de 5/7/2007, P. 06S4283; de 10/10/2007, P. 07S048; de 22/2/2017, P. 5384/15.3T8GMR.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Este tem sido, igualmente, o entendimento adotado por este tribunal.
No caso vertente, não foi apresentado qualquer requerimento dirigido ao tribunal de 1.ª instância com a arguição da nulidade da sentença.
Deste modo, não tendo sido observado o estatuído pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, há que considerar que a suscitada nulidade foi arguida intempestivamente, pelo quer não se apreciará a mesma.
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VI. Desconsideração de matéria factual alegada e de meios probatórios apresentados
Invoca a recorrente que o tribunal de 1:º instância não tomou em consideração para a decisão factual, o contrato celebrado entre os Réus, bem como, o Caderno de Encargos e a resposta dada pelo recorrente, desconsiderando, igualmente, a matéria de facto alegada nos artigos 7.º, 8.º, 11.º, 22.º, 28.º, 30.º e 31.º, do seu articulado.
O modo como a questão é colocada em sede de recurso, suscita dúvidas, pois não se compreende se a recorrente está a impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida ou de está a invocar a insuficiência da decisão factual ou se ambas, em simultâneo.
Todavia, sempre se dirá que, no caso de ser intenção da recorrente a impugnação da decisão da matéria de facto e a reapreciação da prova, a mesma não cumpriu o ónus de impugnação previsto pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, razão pela qual este tribunal não poderá apreciar a visada impugnação, rejeitando-se a mesma ao abrigo do mencionado artigo.
Na eventualidade do propósito ser alegar a insuficiência da matéria de facto, sempre diremos que tal alegação é destituída de fundamento.
O tribunal de 1.ª instância apenas tinha que considerar, na decisão da matéria de facto, os factos relevantes para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis em matéria de direito.
Ora, o alegado nos artigos 7.º, 8.º e 11.º da contestação apresentada pela recorrente, na parte que releva para a decisão de mérito, mostra-se abrangido pela factualidade descrita nos pontos a. e n. da fundamentação de facto.
O alegado nos pontos 22 e 30 mostra-se inócuo para a boa decisão da causa, pois de tal matéria não se extrai qualquer consequência jurídica. Como veremos mais adiante, nada impede que o “primitivo empregador” transfira para outra unidade económica ou estabelecimento, trabalhadores que prestavam funções na unidade económica ou estabelecimento transferidos – artigo 285.º, n.º 4 do Código do Trabalho.
O teor dos artigos 28.º e 30.º é apresentado em jeito de conclusão, pelo que nunca poderia ser considerado na decisão sobre a matéria de facto que apenas deve incidir sobre factos, enquanto realidades da vida, e não sobre juízos conclusivos de apreciação.
Por fim resta referir que não vislumbramos qualquer razão para, ao abrigo do poder-dever consagrado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, alterar ou aditar qualquer facto ao conjunto de factos assentes, com fundamento nos meios probatórios apresentados.
Nesta conformidade, julga-se improcedente a questão invocada no recurso, agora analisada.
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VII. Transmissão da posição jurídica de empregador.
Não se conforma a recorrente com a circunstância do tribunal de 1.ª instância ter considerado que a posição de empregador, no contrato de trabalho inicialmente celebrado entre a recorrente e a 2.ª Ré, foi para si transmitida em 1 de agosto de 2015.
Para melhor compreensão da controversa questão, transcrevemos, seguidamente, o segmento da decisão recorrida em que se analisa a temática:
«A propósito dos efeitos da transmissão de empresa ou estabelecimento, estatui o art. 285º do C. do Trabalho que:
“1. Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2. O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3. O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessação ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4. O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
5. Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.”
Conforme resulta da factualidade julgada como provada, as aqui Rés, no dia 20.06.2011, celebraram um acordo denominado de “Contrato de confeção e fornecimento de refeições ao Lar…”, acordo esse que teve por objeto a cedência, pela 1ª Ré, da exploração, à 2ª Ré, em regime de exclusividade, dos seus serviços relativos à confeção e serviço de refeições nos refeitórios da Lar…, a partir do dia 20.06.2011.
De acordo com as cláusulas desse contrato, competia à 2ª Ré dirigir, fiscalizar e remunerar os seus trabalhadores que prestavam serviço no Lar.
Os destinatários das refeições eram os utentes do Lar.
Como contrapartida pelo fornecimento das refeições, a 1ª Ré obrigou-se a pagar à 2ª Ré um preço fixo por cada refeição confecionada e fornecida, que era pago por aquela.
A 2ª Ré escolhia e adquiria os alimentos que utilizava na confeção das refeições.
Para o exercício da sua atividade de confeção das refeições, a 1ª Ré disponibilizava utensílios de cozinha à 2ª Ré.
Por carta datada de 15.05.2015, a 1ª Ré informou a 2ª Ré que não pretendia renovar o contrato de confeção e fornecimento de refeições, terminando os seus efeitos no dia 31.07.2015, e a partir desta data aquela entidade assumiu o controlo da cozinha e os seus procedimentos, não contratando nenhuma outra empresa para esse efeito.
Atenta esta factualidade, verificamos que com a cessação da exploração do referido estabelecimento de refeitório do Lar pela 2ª Ré, passando o mesmo a ser explorado diretamente pela sua titular, a 1ª Ré, ocorreu a reversão de exploração, que está sujeita à mesma disciplina que a transmissão do estabelecimento (cfr. nº3 do art. 285º do C.do Trabalho).
A 1ª Ré, na contestação apresentada, defende que o refeitório do Lar não poderá ser considerado um estabelecimento, nem, sequer, uma unidade económica, não se podendo, como tal, afirmar ter existido uma transmissão.
Contudo, contrariamente ao entendimento desta entidade, e na senda do defendido pela Autora e pela 2ª Ré, entendemos que, ainda que o refeitório não possa ser considerado como um estabelecimento, sempre terá de ser visto como uma parte de um estabelecimento ou uma “unidade económica”, tal como é definida no nº 5 do citado art. 285º, isto é, como um conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória, que, no presente caso, seria acessória da atividade principal exercida pela 1ª Ré (que era o alojamento e prestação de cuidados a idosos).
Conforme se escreve no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.2012 (in www.dgsi.pt), para a consolidação deste conceito tao amplo de unidade económica para efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento que veio a ficar consagrado na nossa lei laboral muito contribuiu a jurisprudência do TJCE, como refere o PROFESSOR JÚLIO GOMES: “por mérito do TJCE, o regime da transmissão da unidade económica sofreu modificações profundas que forçaram a revisões do direito interno dos Estados Membros que, num primeiro momento, acreditaram que o seu ordenamento jurídico era já conforme com a Diretiva (...) O TJCE prestou um importante contributo para a sua flexibilização e para a compreensão de que aquilo que constitui uma unidade económica pode variar consoante o seu próprio sector de atividade...Desenvolveu-se, assim, uma tendência que ainda está em curso para uma certa desmaterialização do conceito de unidade económica ou pelo menos, para uma compreensão mais flexível desse conceito” (“Novas, novíssimos e não tão novas questões sobre a transmissão da unidade económica em Direito do Trabalho”, in Novos Estudos de Direito do Trabalho, Wolters Kluver, Coimbra editora, págs. 89 e ss).
Também CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO (Algumas questões sobre a empresa e o Direito do Trabalho no novo Código do Trabalho, in A Reforma do Código do Trabalho, CEJ/ Inspeção Geral do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pág. 437 e ss.), a propósito da consagração desta matéria no Código do Trabalho de 2003 refere que “A noção de transmissão adquire, de forma mais clara, um conteúdo abrangente no sentido de se conformar ao entendimento propugnado pelo TJCE e adotado expressamente pela Diretiva 2001/23/CE, no seu art. 1º, nº1, al. b)”, que determina “é considerada transferência na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados com o objetivo de prosseguir uma atividade económica seja ela essencial ou acessória”.
Ainda nas palavras de JÚLIO VIEIRA GOMES (A Jurisprudência recente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em Matéria de Transmissão de Empresa, Estabelecimento ou Parte de Estabelecimento – Inflexão ou Continuidade? in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. I, págs. 481 e ss.), “o Tribunal de Justiça, na sua já numerosa jurisprudência nesta matéria, erigiu como critério decisivo para a aplicação da diretiva a manutenção da identidade da entidade económica... Determinar se a entidade económica subsiste é tarefa que exige a ponderação, no caso concreto, de uma série de fatores entre os quais se contam o tipo de estabelecimento, a transmissão ou não de elementos do ativo, tais como edifícios e bens corpóreos, mas também o valor dos elementos imateriais no momento da transmissão, a continuidade da clientela, a permanência do pessoal (ou do essencial deste), o grau de semelhança entre a atividade exercida antes e depois e a duração de uma eventual interrupção da atividade. Todas estas circunstâncias devem, de resto, ser objeto de uma apreciação global e não podem ser avaliadas isoladamente. Aliás, muito embora a entidade económica não se confunda com a sua atividade, o tipo de atividade por ela desenvolvida pode ser relevante para decidir, do peso relativo, no caso concreto, daquelas várias circunstâncias. Na verdade, um dos aspetos mais importantes da jurisprudência do Tribunal de Justiça é o reconhecimento de que, em certos sectores económicos – designadamente na área dos serviços – em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra de “um conjunto organizado de trabalhadores que são especial e duradouramente afetos a uma tarefa comum pode, na ausência de outros fatores de produção, corresponder a uma entidade económica””.
Não se poderá reduzir uma entidade económica à atividade por si desenvolvida, já que a sua identidade pode resultar de outros elementos, como o pessoal que a compõe, o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração e os meios de exploração à sua disposição.
Revertendo o nosso foco para o caso em análise, verificamos que a circunstância de a 1ª Ré ao suspender os serviços da 2ª Ré, retomando ela própria a exploração do refeitório (que lhe pertencia), manter o edifício, os utensílios de cozinha, a clientela específica (utentes do Lar), a mesma atividade exercida por esta, a qual decorre em paralelo com a sua atividade principal (alojamento e prestação de cuidados a idosos), evidencia que o estabelecimento de refeitório, incluindo o respetivo pessoal, constituía uma unidade económica, devidamente organizada para o exercício de uma atividade, a qual foi explorada, durante um determinado período, após o qual, reverteu para o seu proprietário.
E assim sendo, verificando-se a transmissão de exploração dessa unidade económica, por reversão, a 1ª Ré assumiu ex-lege a posição de empregador no contrato de trabalho com a Autora, a qual foi contratada propositadamente para trabalhar nesse local, deixando, consequentemente, a 2ª Ré de o ser a partir desse momento (art. 285º, nº 1, 3 e 5 do C. do Trabalho).»
Não poderemos deixar de concordar e de aderir aos fundamentos transcritos.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do referido artigo 285.º, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa ou estabelecimento ou ainda de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores. Esta regra é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, nos termos previstos pela versão original[2] do n.º 3 do normativo, definindo o n. º 5, que se considera unidade económica, “o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”.
A transmissão da posição de empregador, prevista no artigo, não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica nos termos do artigo 194.º do Código do Trabalho, mantendo-o ao seu serviço – n.º 4 do artigo 285.º.
Na concreta situação dos autos, extrai-se do circunstancialismo factual provado que entre 20/6/2011 e 31/7/2015, a 2.ª Ré explorou, em regime de exclusividade, e no desenvolvimento do seu objeto social, a atividade de confeção e fornecimento de refeições, no Lar … (1.ª Ré). Fê-lo ao abrigo de um contrato celebrado com a 1.ª Ré. Não obstante a 1.ª Ré disponibilizasse à 2.ª Ré, os utensílios de cozinha, a atividade de confeção e fornecimento de refeições aos utentes da 1.ª Ré, era exercida pela 2.ª Ré, que, para o efeito contratou trabalhadores subordinados (é o caso da Autora) e escolhia e adquiria os alimentos que utilizava na confeção de refeições que fornecia. A 2.ª Ré dirigia, fiscalizava e remunerava os seus trabalhadores que prestavam serviço no Lar.
Deste contexto, depreende-se que a confeção e fornecimento de refeições aos utentes da 1.ª Ré pressupõe uma determinada organização/gestão de meios humanos e a logística necessária à aquisição e seleção dos produtos alimentares utilizados.
Acresce que a atividade em si não pode deixar de ser considerada uma atividade económica, uma vez que implica uma organização destinada à obtenção de bens e à prestação de um serviço, que visam satisfazer necessidades humanas, potencialmente geradora de riqueza e com valor de mercado.
E a tal atividade - serviço de refeições - é possível atribuir uma identidade própria e autónoma, independente dos seus titulares, ainda que acessória da atividade principal exercida pela 1.ª Ré/recorrente.
Por conseguinte, face à definição prevista no n.º 5 do artigo 285.º do Código do Trabalho, entendemos que a atividade de confeção e fornecimento de refeições aos utentes da 1.ª Ré, deve ser considerada uma unidade económica.
Com alguma semelhança com o caso presente, pode ler-se no acórdão da Relação de Lisboa, de 9/5/2012, P. 423/10.7TTBRR.LI-4, acessível em www.dgsi.pt, a propósito da exploração do refeitório de uma creche:
«O sector de refeitórios e cantinas é também um sector de serviços em que, à semelhança do sector de serviços de limpeza, a organização do fator humano, a respetiva mão de obra, assume uma relevância decisiva para conferir identidade à empresa ou estabelecimento, permitindo que, mesmo quando integrada numa empresa ou estabelecimento que desenvolva outra atividade, lhe possa ser reconhecida capacidade de desenvolver uma atividade económica autónoma, ainda que acessória, configurando-se como entidade económica (na terminologia da diretiva) ou unidade económica (na terminologia do Código).»
Igualmente com relevo, não pode deixar de se mencionar o acórdão desta Secção Social, de 16/3/2017, proferido no processo n.º 480/14.7T8STB.E1, publicado na indicada base de dados, no qual se sumariou a seguinte afirmação: «A noção de transmissão de empresa ou estabelecimento, prevista no art.º 285º do Código do Trabalho, não deve limitar-se à ideia de titularidade de um conjunto de bens corpóreos, mas abranger também uma atividade de serviços, desde que prestada organizadamente por forma a constituir uma unidade económica individualizada e autonomizada.»
Sem necessidade de mais delongas, até porque a decisão recorrida se mostra cuidadosamente elaborada e aderimos à sua fundamentação, concluímos, em relação ao caso vertente, que a confeção e fornecimento de refeições aos utentes da 1.ª Ré/recorrente integra o conceito de unidade económica abrangido pelo artigo 285.º do Código do Trabalho.
Logo, tendo a recorrente reassumido diretamente o controlo da cozinha e os seus procedimentos, a partir de 1 de agosto de 2015, tal significa que ocorreu uma reversão de exploração da unidade económica, que determinou, ao abrigo do aludido artigo 285.º do Código do Trabalho, que a posição jurídica de empregador que a 2.ª Ré detinha no contrato de trabalho celebrado com a Autora, que foi especificamente contratada para laborar na “unidade de serviços de alimentação” do Lar…, se transmitiu para a recorrente, a partir da aludida data.
Claudica, pois, a pretensão deduzida pela recorrente, de ver negada a aludida transmissão da posição jurídica de empregador.
Não impugnando a recorrente as demais questões apreciadas e decididas pelo tribunal de 1.ª instância, há que julgar o recurso improcedente.
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VIII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Notifique.

Évora, 26 de abril de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes
[2] Versão da Lei n.º 7/2009, de 12/02, que é a aplicável.