Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
94/12.6TBFAL.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É necessário que exista uma qualquer circunstância especial para que o juiz possa considerar manifestamente excessiva a taxa. Só depois a pode reduzir.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 94/12.6TBFAL.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

A Massa Insolvente de (…), Construções S.A. reclamou do montante da conta apurado a final, alegando não fazer sentido proceder a pagamentos ao Estado e simultaneamente a ter de suportar custas judiciais; que o montante das custas apurado asfixia o património da massa insolvente com o consequente risco de incumprimento do plano de insolvência e, finalmente, que se verifica uma desproporção entre o valor das custas fixado e o serviço de administração de justiça prestado.
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O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da mesma.
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Foi proferido despacho a indeferir o requerimento.
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Deste despacho recorre a Massa Insolvente alegando que
A condenação no valor fixado de € 115.882,00 é manifestamente injusta e desproporcionada, violando o princípio de igualdade, do princípio da proporcionalidade e do acesso aos Tribunais e de tutela jurisdicional efectiva e dos artigos 2.º, 20.º da CRP, já que os serviços do Estado não foram onerados no montante plasmado na conta de custas.
O Tribunal deveria, e na sequência da faculdade do artigo 302.º, n.º 3, do CIRE, ter reduzido o valor das custas judiciais cuja responsabilidade atribui à Apelante, o que não fez, em manifesta violação do preceito legal invocado.
Neste quadro legal, e ainda que assim não se atendesse, admitindo o hiato temporal entre a propositura da ação e os dias de hoje, o máximo que o Tribunal deveria ter fixado em sede de responsabilização pelas custas, seria o valor de 16 (dezasseis) UC, pelo que foi errada a interpretação realizada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.
O processo de insolvência continua em curso, pelo que não se aceita que tenha sido já apresentada uma Conta de Custas quando o processo não está findo, e em violação do art.º 30.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, circunstância que o Douto Tribunal a quo nem sequer se pronunciou, em manifesta omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
E mais, foram carreados à presente reclamação os valores atualizados no que diz respeito ao ativo e passivo da massa, e a tal circunstância o Tribunal a quo fez tábua rasa, em flagrante denegação de justiça à Apelante, incompatível com o princípio da tutela jurisdicional do art.º 202.º da CRP, o que não se pode aceitar.
Termina requerendo desde já a revogação do despacho, e a fixação das custas judicias cuja responsabilidade é da Apelante nos exactos termos configurados art.º 302.º, n.º 3, do CIRE.
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O Digno Magistrado do M.º P.º contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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O relatório contém os elementos necessários para a decisão.
Apenas se acrescenta que o valor do processo é de € 13.921.949,54.
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O recorrente invoca uma nulidade da sentença que consiste em omissão de pronúncia.
Não vemos, de maneira nenhuma, que seja esse o caso pois que o que o tribunal fez foi pronunciar-se expressamente sobre o que tinha sido requerido. O recorrente parece confundir omissão de pronúncia com violação de lei (qualquer comportamento que vá contra o estabelecido na lei de processo).
Assim, improcede este argumento.
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Também invoca, nas alegações, contradição entre a decisão e os seus fundamentos.
No entanto, não desenvolve esta questão, como nota o recorrido, pelo que ficamos sem saber a que é que o recorrente se refere.
Assim, improcede esta arguição.
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São dois os fundamentos principais do recurso: a aplicação do art.º 302.º, n.º 3, CIRE, e a inconstitucionalidade das normas que preveem a taxa de justiça aplicável na medida em que implicam um resultado inibidor da tutela jurisdicional.
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O citado preceito legal (depois de, nos números anteriores, ter estabelecido reduções da taxa de justiça), tem o seguinte teor:
- Em qualquer dos casos a que se referem os n.ºs 1 e 2, a taxa de justiça pode ser reduzida pelo juiz para um montante não inferior a 5 UC de custas, sempre que por qualquer circunstância especial considere manifestamente excessiva a taxa aplicável.
No despacho recorrido entendeu-se não ser de aplicar esta norma com base em que «não é pelo facto de se considerar elevado o valor a pagar de custas processuais que o juiz deve reduzir as mesmas para um montante não inferior a 5 UC, sendo certo que para tal, se deverá ainda verificar uma qualquer circunstância especial que permita considerar manifestamente excessiva a taxa aplicável e sempre, nos casos a que se referem os n.ºs 1 e 2 do art.º 302.º do CIRE».
Dito de outra forma, é necessário que exista uma qualquer circunstância especial para que o juiz possa considerar manifestamente excessiva a taxa. Só depois a pode reduzir. Mas o recorrente não indica nenhuma, apenas considera excessiva a taxa. Ou seja, a previsão do artigo não está completa.
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Em relação à inconstitucionalidade material, seja porque o valor é manifestamente elevado, seja porque não é proporcional ao serviço prestado, importa considerar o seguinte.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional não oferece um critério definido para que a taxa de justiça seja reduzida ou para que o pagamento do remanescente em dívida seja dispensado (art.º 6.º, n.º 7, RCP). Em rigor, o que o Tribunal tem julgado é apenas que é materialmente inconstitucional a taxa de justiça cujo montante seja «determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto» (do ac. n.º 471/2007, citado pelo recorrente; cfr. o ac. n.º 421/2013). Sendo a presente acção de valor superior a € 275.000,00, e dada a regra estabelecida na tabela I [Para além dos (euro) 275.000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada (euro) 25.000,00 ou fracção, 3 UC, no caso da col. A, 1,5 UC, no caso da col. B, e 4,5 UC, no caso da col. C], não temos dúvidas em afirmar que ela não respeita o princípio da proporcionalidade nem a proibição do excesso. No entanto, não é fornecido um critério que permita concretizar um «mecanismo flexibilizador» (a expressão é do ac. do STJ, de 18 de Janeiro de 2018, embora se referindo ao citado art.º 6.º, n.º 7), que permita, em decorrência da proibição da falta de limite máximo, quantificar uma taxa de justiça justa, isto é, proporcionada e não excessiva. Fica a impressão que se for cara a taxa, ela é desproporcional; se não for cara, não o é — sendo isto resultado de a jurisprudência não proibir um máximo de apenas decidir que determinado (em função das tabelas aplicáveis) máximo é excessivo.
Por isso, e concordando com o recorrente, podemos dizer que a simples aplicação da referida regra implica um resultado que não respeita princípios constitucionais.
Resta retirar daqui alguma conclusão útil.
O recorrente indica como mais certo o valor de 16 UC’s que é o indicado na Tabela I para as acções de valor inferior aos indicados € 275.000,00. Cremos que este valor é desproporcional pela negativa, que este valor é manifestamente inferior ao devido, pois que é brutalmente menos que o valor desta acção (€ 13.921.949,54) (a taxa de justiça seria, então, de € 1.632,00).
Assim, ele não é de aceitar.
Mas concordamos que a taxa é manifestamente elevada e cremos que sobre isso não há dúvidas (estamos a falar de € 115.882,00).
O citado acórdão do STJ entendeu por bem reduzir o remanescente da taxa de justiça em falta em 60% dada a complexidade do processo em causa (o montante era de € 158.000). Este processo também não é linear, simples, com poucos actos. Como se escreve no despacho recorrido, estamos «perante um processo de natureza urgente que levou sete anos a tramitar, dado elucidativo quanto à sua complexidade;
«O suporte físico do processo principal tem 18 (dezoito) volumes, aos quais acrescem múltiplos apensos;
«As partes processuais, mormente credores reclamantes, são em número muito elevado;
«O processo regista, tanto no suporte físico como em Citius, uma movimentação muito constante, com múltiplos requerimentos, questões e incidentes processuais».
Considerando o exposto, entendemos como proporcional uma redução de 50%.
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Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso em função do que se revoga o despacho recorrido e reduz-se o montante que falta pagar de taxa de justiça em 50%.
Custas pelo recorrente na proporção de metade.
Évora, 12 de Setembro de 2019
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos