Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
365/16.2GTABF.E1
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
EXTINÇÃO
Data do Acordão: 03/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Tendo o arguido sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime da mesma natureza da anterior condenação, que foi cometido quando decorria o prazo de suspensão da execução da pena de prisão da anterior condenação, não pode esta pena ser declarada extinta por cumprimento, pelo mero decurso do prazo de suspensão .
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 365/16.2GTABF, da Secção de Competência Genérica [Juiz 1] da Instância Local de Lagos da Comarca de Faro, por decisão judicial datada de 18 de setembro de 2018, foi decidido julgar extinta, pelo cumprimento, a pena neles imposta ao Arguido DD.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

«1. Por despacho de 18/09/2018 – fls. 90 – foi declarada pela Mm.ª Juiz de Direito a quo a extinção, por cumprimento, da pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, nos termos do art. 57.º, n.º 1 do Código Penal.

2. Decorrido o período de suspensão da mencionada pena de prisão, constatou-se, de acordo com o Certificado do Registo Criminal junto a fls. 60 e ss, que o arguido Dd foi condenado pela prática, em 23/01/2018, do crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03/01, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano (processo sumário n.º ---/18.8PAPTM da Instância Local de Portimão).

3. Nessa sequência, o Ministério Publico proferiu a promoção junta a fls. 87, cujo teor ora se reproduz «Uma vez que a verificação do incumprimento das condições impostas ao condenado não determina automaticamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, promovo seja designada data para a audição do mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495.º, n.º 2 do CPP.».

4. Perante tal promoção, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho, junto a fls. 90, «Tendo decorrido o prazo de um de suspensão da execução de pena de prisão, em que o arguido DD foi condenado, não tendo tal suspensão sido subordinada a regime de prova ou condicionada ao cumprimento de condutas por parte do arguido, cfr. fls. 37, julga-se extinta, pelo cumprimento, a pena em que o mesmo foi condenado, nos termos do art. 57.º, n.º 1 do C. Penal.»

5. Com o devido respeito por entendimento contrário, o Tribunal a quo não tomou em consideração a condenação do arguido pela prática de crime da mesma natureza e no período da suspensão da execução da pena de prisão imposta nestes autos aquando da prolação do despacho de fls. 90.

6. Importaria, a nosso ver, perante estes novos elementos realizar-se a audição de condenado por forma a permitir que o Tribunal a quo recolha elementos que, nesta sede, lhe permitam considerar se as finalidades da punição foram ou não alcançadas perante a existência da nova condenação por factos ocorridos no período em questão, e se daí pode resultar uma decisão judicial no sentido de revogar a suspensão da pena de prisão ou não, como disciplina a norma do art. 56.º do Código Penal.

7. Ademais que perante a reiteração do comportamento criminoso do arguido com a prática de factos que integram precisamente o mesmo tipo legal de crime, os autos não dispõem, a nosso ver, de elementos suficientes que permitam concluir que as finalidades da suspensão da pena de prisão se mostram alcançadas e consequentemente, se determine a extinção da pena de prisão. Por tal motivo, somos de opinião que releva importância a audição do condenado para a apreciação devida a tomar em matéria de cumprimento – ou não – da pena imposta nestes autos.

8. Nesta medida, apesar de muito se respeitar o entendimento da Mm.ª Juiz de Direito a quo, afigura-se-nos que aquando da prolação do despacho judicial de fls. 90 não existem nos autos elementos que concluir que as finalidades da suspensão da pena de prisão se mostram alcançadas e consequentemente, se possa determinar a extinção da pena de prisão, para sustentar que não fosse determinada a realização da audição do condenado.

9. Assim, perante o acima exposto, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a realização da audição do condenado para recolha de elementos que permitam fazer o juízo necessário a realizar de acordo com o disposto no art. 56.º do Código Penal.

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o douto despacho.

Vossas Excelências, porém, melhor decidirão conforme for de JUSTIÇA!»

O recurso foi admitido.

Não houve resposta.

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].

Posto isto e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância é colocada, apenas, a questão da (in)correção da decisão que julgou extinta, pelo cumprimento, a pena imposta nos autos.

Com interesse para a decisão, o processo fornece os seguintes elementos:

(i) Por sentença datada de 27 de dezembro de 2016, proferida nos presentes autos, foi o Arguido DD condenado, pela prática, em 25 de dezembro de 2016, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.
Esta sentença transitou em julgado no dia 2 de fevereiro de 2017.

(ii) Por sentença datada de 27 de fevereiro de 2018, proferida no processo n.º --/18.8PAPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão [Juiz 2] da Comarca de Faro, foi o Arguido DD condenado, pela prática, em 23 de janeiro de 2018, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.
Esta sentença transitou em julgado em 9 de abril de 2018.

(iii) Disse o Ministério Público no processo:
«Uma vez que a verificação do incumprimento das condições impostas ao condenado não determina automaticamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, promovo seja designada data para a audição do mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495.º, n.º 2 do CPP.».

(iv) A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«Tendo decorrido o prazo de um de suspensão da execução de pena de prisão, em que o arguido DD foi condenado, não tendo tal suspensão sido subordinada a regime de prova ou condicionada ao cumprimento de condutas por parte do arguido, cfr. fls. 37, julga-se extinta, pelo cumprimento, a pena em que o mesmo foi condenado, nos termos do art. 57.º, n.º 1 do C. Penal.»
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Conhecendo.
Com a contenção argumentativa aconselhada pela simplicidade da questão que nos é colocada, diremos que no período de suspensão da execução da pena que lhe foi imposta nos presentes autos [entre 2 de fevereiro de 2017 e 2 de fevereiro de 2018], o Arguido cometeu outro crime de condução de veículo sem habilitação legal – em 23 de janeiro de 2018 –, pelo qual veio a ser julgado e condenado em 27 de fevereiro de 2018. E esta decisão transitou, entretanto, em julgado.

Nestas circunstâncias, face ao disposto nos artigos 57.º, n.º 1, e 56.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Penal, e à concisão da decisão recorrida, não vemos como se possa ter julgado extinta, pelo cumprimento, a pena imposta nos autos ao Arguido DD.

Decisão que se revoga e que deve ser substituída por outra no sentido pretendido pelo Recorrente, com vista a esclarecer se a última condenação imposta ao Arguido evidencia não terem sido alcançadas as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que determine as diligências entendidas como necessárias a aferir se a condenação proferida no processo n.º --/18.8PAPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão [Juiz 2] da Comarca de Faro evidencia não terem sido alcançadas as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena.

Sem tributação.

Évora, 2019 março 26

(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)

(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

(Renato Amorim Damas Barroso)
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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].