Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
593/07-2
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: EXCLUSÃO DE SÓCIO
LEGITIMIDADE ACTIVA
Data do Acordão: 05/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I - Decorre do nº. 2 do artº. 242º da C.S. Comerciais que "A proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios”. Tendo em conta este preceito legal e o disposto no artº. 246º, nº. 1, alínea g), do mesmo diploma, é nítido que a acção em questão só pode ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral.
II - Quanto à questão da formação da vontade da sociedade, constituída apenas por dois sócios, tendo em vista a exclusão judicial de um deles, não se verifica qualquer impossibilidade legal. O regime e a disciplina aplicáveis não é a constante do art.º 1005 do C.C., mas sim o Código das Sociedades Comerciais, designadamente o seu art.º 248º que contém a disciplina relativa à convocação, participação e presidência das assembleias gerais das sociedades por quotas.
Decisão Texto Integral:
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Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:



Proc.º N.º 593/07-2

Agravo
2ª Secção
Recorrente:
António …………… e Manuel……………… e
mulher.
Recorrido:
António ………………. e Manuel …………….. e
mulher.



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ANTÓNIO ……………., intentou a presente acção, em contra MANUEL …………………. e ROSA …………….., pedindo a exclusão do réu de sócio da Sociedade ………….. – Produtos Alimentares, Lda., alegando para o efeito e em resumo que, o sócio a excluir exerce actividade concorrente da actividade exercida pela referida sociedade, utilizando-se desta para o exercício da tal actividade.
Os réus arguíram a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição, excepcionaram também a existência de erro na forma de processo, dizendo dever seguir a forma comum ordinária e não a especial –como indicou o A. e impugnaram os factos alegados pelo A.. Por fim deduziram pedido reconvencional, pedindo a exclusão do autor de sócio da Sociedade …………– Produtos Alimentares, Lda., alegando que o mesmo abandonou a gerência e tem vindo a denegrir a imagem da sociedade. Pedem ainda a condenação do autor a indemnizar os réus e a Sociedade, pelos prejuízos causados à referida sociedade.
Replicou o A. respondendo às excepções e à reconvenção.
Os RR. treplicaram.
Findos os articulados a tréplica foi mandada desentranhar por ter sido considerada legalmente inadmissível.
Foi admitida liminarmente a reconvenção.
Foi apreciada, desde logo, a questão do eventual erro na forma de processo tendo-se decidido o seguinte:
« Da forma do processo:
Invocam os réus o erro na forma do processo, por o autor ter intentado acção especial de exclusão de sócio, com processo ordinário, quando a forma correcta deveria ter sido o processo comum, ordinário.
Compulsados os autos verifico que, tendo o autor, na petição inicial referido, como forma do processo, o processo ordinário, os autos têm seguido, desde o seu início a forma do processo comum ordinário, pelo que, tê seguido, desde o seu início a forma correcta, pelo que não vemos de que vício possam padecer os autos, relativamente à forma de processo que têm vindo a seguir.
Pelo exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo a alegada nulidade fundada em erro na forma do processo.
Custas do incidente pelos réus (artº 446º, nºs 1 e 2 do C.P.C.), fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C. (artº 16º do C.P.C.).
Notifique».
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De seguida, dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador onde se decidiu o seguinte:
« O Tribunal é competente em razão da matéria, da nacionalidade e da hierarquia.
O processo é o próprio.
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Ineptidão da petição inicial:
Invocam os réus, na sua douta contestação, a ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, com o fundamento de que a “a causa de pedir” invocada “é privativa do instituto de destituição de gerente”.
Respondeu o autor, concluindo pela improcedência desta excepção.
Compulsados os autos verifico que, o autor, na petição inicial, pede a exclusão do réu de sócio da Sociedade………… – Produtos Alimentares, Lda., alegando para o efeito e em resumo que, o sócio a excluir exerce actividade concorrente da actividade exercida pela referida sociedade, utilizando-se desta para o exercício da tal actividade.
Cumpre apreciar e decidir:
Nos termos do artº 193º, nº 1 do C.P.C., é nulo todo o processo, quando seja inepta a petição inicial, o que se verifica, entre outras situações, quando falte a causa de pedir ou haja contradição entre o pedido e a causa de pedir (artº 193º, nº 2, al. a) do C.P.C.).
Trata-se de nulidade de conhecimento oficioso (artº 202º do C.P.C.) e que, por constituir excepção dilatória, implica a absolvição dos reconvindos da instância reconvencional (arts 288º, nº 1, al. b), 493º, nº 2 e 494, al. b), todos do C.P.C.).
A causa de pedir corresponde aos factos jurídicos concretos de que emerge o direito invocado pelo autor (artº 498º, nº 4 do C.P.C.), incumbindo-lhe expô-los na petição inicial (artº 467º, nº 1, al. c) do C.P.C.).
Ora, da leitura da petição inicial verifica-se que se mostram alegados todos os factos integradores dos fundamentos do pedido formulado pelo autor, pelo que não vislumbramos onde falte ou seja insuficiente a respectiva causa de pedir, razão pela qual esta excepção não poderá deixar de improceder. Neste sentido cfr. Ac. R.C. de 01/10/96 (in C.J., tomo IV, pág. 28), no qual se decidiu que, fundamentos idênticos aos invocados pelo autor na presente acção, são causa de exclusão do sócio.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo improcedente a invocada a excepção dilatória de nulidade do processo, por ineptidão da causa de pedir.
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O processo não enferma, pois, de nulidade total que o invalide.
As partes são dotadas de personalidade e de capacidade judiciária
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Da legitimidade processual activa das partes (do autor para intentar a presente acção e dos réus para deduziram o pedido reconvencional):
ANTÓNIO …………, intentou a presente acção, em nome próprio, contra MANUEL………………….. e ROSA…………….., pedindo a exclusão do réu de sócio da Sociedade ………………. – Produtos Alimentares, Lda., alegando para o efeito e em resumo que, o sócio a excluir exerce actividade concorrente da actividade exercida pela referida sociedade, utilizando-se desta para o exercício da tal actividade.
Os réus deduziram pedido reconvencional, pedindo a exclusão do autor de sócio da Sociedade…………………. – Produtos Alimentares, Lda., alegando que o mesmo abandonou a gerência e tem vindo a denegrir a imagem da sociedade. Pedem ainda a condenação do autor a indemnizar os réus e a Sociedade, pelos prejuízos causados à referida sociedade.
Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o artº 26º, nº 1 do C.P.C. que, “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar”. Nos termos do nº 2 do mesmo artigo, o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção.
Por sua vez, dispõe o nº 3 do citado artigo que, “são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pela autor”.
Tais normas aplicam-se também, à legitimidade processual do reconvinte.
Com a redacção dada ao nº 3 do artº 26º do C.P.C., pelo D.L. nº 329-A/95, conforme resulta expressamente do respectivo Relatório, o legislador veio tomar posição sobre “vexata questio” do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, que opôs Barbosa de Magalhães a Alberto dos Reis, optando claramente pela posição deste último, segundo a qual, a determinação da legitimidade das partes afere-se pela titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor.
Como se refere no Ac. da R.P. de 5/3/81 (in: B.M.J. nº 305, pág. 338), “a legitimidade confina-se a uma posição das partes em relação ao objecto do processo, que é a relação controvertida: só que o objecto do processo, em que se traduz o litígio que o autor trouxe ao conhecimento do tribunal para o conhecer e decidir, é delineado e delimitado pelo próprio autor, sendo, em princípio, dentro desses limites que o tribunal o há-de conhecer e decidir; e se é assim, quem tem interesse em discutir o litígio são os sujeitos da relação jurídica litigiosa tal como é apresentada no conflito de interesses postos à apreciação do tribunal”.
Por conseguinte, importa analisar qual é a posição relativa das partes face à relação material controvertida da acção, tal como a configura o autor na petição inicial, e à relação material controvertida da reconvenção, tal como a configura o reconvinte na contestação.
Na petição inicial, o autor alega que a réu está a concorre com a Sociedade ……………, podendo-lhe vir a causar prejuízos, enquanto que, na reconvenção, os réus alegam que o autor abandonou a gerência da Sociedade ………… e está a denegrir a imagem deste Sociedade, causando-lhe (à referida sociedade) prejuízos.
Ora, face ao alegado pelo autor, na petição inicial, a entidade que terá direito ao ver o réu excluído de seu sócio é a Sociedade…………... E, face ao alegado pelos réus, a entidade que terá direito a ver o autor excluído de seu sócio e a ser indemnizada pelos prejuízos que lhe foram causado pelo autor é a Sociedade ……………., pessoa (jurídica) com personalidade e capacidade judiciárias. São, pois, sujeitos da relação material controvertida configurada pelo autor, na petição inicial, os réus (do lado passivo) e a referida sociedade (do lado activo). E são sujeitos da relação material controvertida configurada pelos réus na reconvenção, a Sociedade ……………… (do lado activo) e o autor (do lado passivo) E, em consequência, o autor, na acção, não é sujeito da relação material controvertida, nem os réus, na reconvenção, são sujeitos da relação material controvertida, pelo que, não tendo, o autor interesse directo em demandar na acção, nem os réus interesse directo em demandar na reconvenção, são partes ilegítimas, respectivamente, na presente acção e na reconvenção.
É o que resulta, também do disposto no artº 242º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, ao impor a prévia deliberação dos sócios a autorizar a sociedade a propor de tal acção. Ora, se é necessária prévia deliberação a autorizar a sociedade a propor tal acção, é porque a acção é necessariamente proposta pela Sociedade.
Também a jurisprudência e a doutrina se têm pronunciado unanimemente no sentido de que, este tipo de acção tem necessariamente que ser proposto pela Sociedade (cfr.: Abílio Neto, in Código Comercial, Código das Sociedades e Legislação Comercial, Anotado, 14ª Edição, anotação 1. ao artº 241º do Código das Sociedades Comerciais; Vaz Serra, R.L.J. nº 111, pá. 9 e segs; Ac. S.T.J. de 09/02/95, in C.J., tomo I, pág. 72).
A ilegitimidade constituindo excepção dilatória, implica a absolvição do réu da instância (arts 288º, nº 1, al. d), 493º, nº 2, 494º, al. e), 495º e 795º, nº 1, todos do C.P.C.).
Importa, pois, concluir pela verificação da excepção de ilegitimidade do autor para intentar a presente acção e dos réus para deduzirem o pedido reconvencional, com a consequente absolvição dos réus da instância e do autor/reconvindo da instância reconvencional.
Pelo exposto:
a) julgo verificada a excepção de ilegitimidade do autor e, em consequência, absolvo o réu da instância;
b) julgo verificada a excepção de ilegitimidade dos réus/reconvintes e, em consequência, absolvo os autores/reconvindos da instância reconvencional.
Custas da acção pelo autor e da reconvenção pelos réus (arts 446º, nºs 1 e 2 do C.P.C).
Registe e notifique».
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Inconformados, tanto o A. como os RR. vieram interpor recursos de agravo. O A., apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes
conclusões:

1. «O artigo 241°, n.º1, do Código das Sociedades Comerciais estabelece que um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato.
2. O artigo 242°, n.º 1, estabelece que pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.
Nos termos do artigo 242°, n.º 2, a proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes especiais para esse efeito.
3. Também o artigo 246°, n.º1, alínea c), estabelece que depende de deliberação dos sócios, a exclusão de sócios.
4. Por força do artigo 251°, n.º1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais, não pode o sócio votar Quando está em causa a sua exclusão.
5. O artigo 1005°, n.º 3, do Código Civil, determina que se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo Tribunal.
6. Como refere Raúl Ventura ( Sociedades por quotas, vol. II, 40 e seguintes ):
"Só vindo a exclusão a operar ( ou não) pela sentença judicial, não pode entretanto o outro sócio ser considerado « a sociedade », para propor a acção.
7. Tendo a sociedade apenas dois sócios, A. e R., o interesse directo do A. em demandar decorre da circunstância de não poder ele obter a exclusão por deliberação da sociedade - artigo 1005°, n.º 3, do Código Civil -, tendo que ser decretada pelo Tribunal. Desta forma, intentou ele a acção judicial com vista à exclusão do outro sócio.
8. Viola o Douto Despacho recorrido o disposto nos artigos 251°, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais, artigo 1005°, n.03, do Código Civil, e artigo 26° do Código de Processo Civil.
Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida com as inerentes consequências».
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Por sua vez os RR. remataram as respectivas alegações com as seguintes
conclusões:
« A - Do Despacho de fls ...
1 - Violou o Meritíssimo Juiz do Tribunal ”a quo" o preceituado nos arts 460.°, n.ºs 1 e 2, 446º,n.ºs 1 e 2, 463.°, n.º 1, todos do C.P.C e o art. 16.° do C.C.J ..
2- Com efeito, o Meritíssimo Juiz do Tribunal lia quo" julgou improcedente a alegada nulidade fundada em erro na forma de processo, e por isso condenou os Réus nas custas pelo incidente [art. 446.°, n.º 1 e 2 do C.P.C. fixando a taxa de justiça em 2 (duas) U.C. (art. 16° do C.P.C.)].
3- Discordam OS R.R. desta condenação pelo incidente o A., "ANTÓNIO…………… casado residente na Rua ………….. vem intentar ACÇAO ESPECIAL DE EXCLUSAO DE SOCIO com processo ordinário contra MANUEL …………..e mulher ROSA …………. (bold nossos).
4- A verdade é que o A., intentou ACÇÃO ESPECIAL DE EXCLUSÃO DE SÓCIO, com processo ordinário, e os R.R. na sua contestação entenderam que tal acção deveria ter sido intentada como acção comum e nunca como acção especial, pois
5- A acção competente para requerer a Exclusão de Sócio tem de seguir a forma de processo comum.
6- Efectivamente, com a reforma de 1996, o legislador entendeu que a acção especial de exclusão de sócio, que estava regulada no art.º 1484.° do C.P.C., deveria seguir a forma de processo comum, tendo o legislador, entre outras, reservado a forma de processo especial para as acções de inquérito judicial à sociedade, de nomeação e destituição judicial de titulares de órgãos sociais, convocação de Assembleia de sócios, redução do capital social. «Vaz, Teresa Anselmo, "Contencioso Societário", Livraria Petrony - Editores, 2006».
7- A acção de exclusão de sócio, actualmente, segue a forma de processo comum, pelo que a acção intentada pelo A., não era a própria.
8- Sendo assim, indicou, o A., uma forma de processo diversa da que resulta da lei, pelo que ocorreu um erro na forma de processo.
9- E apesar de os autos terem seguido, desde o seu início a forma correcta, já que têm seguido a forma de processo comum ordinário, a verdade é que se assim foi, não o foi por vontade do A., mas por motivos alheios à sua vontade, pois o que este efectivamente intentou foi ACÇÃO ESPECIAL DE EXCLUSÃO DE SÓCIO, com processo ordinário.
10- Pelo que os R.R. entendem que nenhuma condenação lhes deveria ter sido aplicada.
11- Já que, na sua Contestação, OS R.R., se limitaram, quanto a este aspecto, a alegar que o A. tinha cometido um erro na forma de processo, erro esse que de acordo com o despacho de fls ... efectivamente existia.
B - Do Despacho Saneador
12 - Violou o Meritíssimo Juiz do Tribunal lia quo" o preceituado nos arts 460.°, n.ºs 1 e 2, no art.º 446.°, n.ºs 1 e 2 do C.P.C e no art.º 16.° do C.P.C .. e o n.º 3 do art.º 1005.° do Código Civil.
13- Como muito bem diz o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" "a determinação da legitimidade das partes afere-se pela titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor." (bold nossos ).
14- Dispõe o art.º 26.°, n.º 1 do C.P.C. que, "o autor é parte legitima quando tem interesse directo em demandar". Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção.
15- Dispondo o n.º 3 do art.º 26.° do C.P.C., com redacção dada pelo D.L. n.º 329-A/95 que, "são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor".
16- E tais normas aplicam-se também, à legitimidade processual do reconvinte.
17 - Discordam, contudo, OS R.R. da decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" que decidiu que "(../ em consequência, o autor, na acção, não é o sujeito da relação material controvertida, nem os réus, na reconvenção, são sujeitos da relação material controvertida, pelo que, não tendo, o autor interesse directo em demandar na acção, nem os réus interesse directo em demandar na reconvenção, são partes ilegítimas, respectivamente, na presente acção e na reconvenção.
18- Pois, se é certo que resulta do disposto no art.º 242.°, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, que é necessária a prévia deliberação dos sócios a autorizar a sociedade a propor acção de exclusão de sócio, quando os sócios pretendem excluir um deles do seio social, a verdade é que tal deliberação nem sempre é alcançável.
19- Também é certo que o legislador no n.º 3 do art.º 1005.° do Código Civil, que sob a epígrafe "Deliberação sobre a exclusão" estatui que .. Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo tribuna!." (bold e sublinhado nossos ).
20- E é o caso dos autos.
21- O A. e o R. marido são assim detentores das duas únicas quotas da sociedade comercial por quotas, "PAFMAR - Produtos Alimentares, Lda., representando cada uma dessas quotas 50% (cinquenta por cento) do capital social.
22- O A., António…………, intentou ACÇÃO ESPECIAL DE EXCLUSAO DE SÓCIO, com processo ordinário, contra os R.R.,
Manuel ………….. e mulher Rosa……………, tendo esta, na contestação alegado que é parte ilegítima, já que não é detentora de qualquer quota, sendo apenas e tão só casada com o 1. o R ..
23- Nos termos do n.º 2 do art.º 8.° do CSC "Quando uma participação social for por força do regime matrimonial comum aos dois cônjuges será considerado como sócio aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou1 no caso de aquisição posterior ao contrato aquele por quem a participação tenha vindo ao casal.
24- Assim, a acção de exclusão de sócio deve ser proposta contra o sócio que se pretende excluir, pelo que, a Ré mulher, Rosa…………., é apenas mulher do sócio Manuel ……………., não sendo, nos termos do art.º 8.º do CSC, sócia.
25- Sendo, assim, a Ré mulher, Rosa Helena Lourenço Vieira Prudêncio, é parte ilegítima nos presentes autos, (Ilegitimidade "ad causum"), contudo, o Meritíssimo Juiz do Tribunal lia quo" não se pronuncia especificamente acerca da ilegitimidade da 2.a Ré, limitando-se a considerar ambos os Réus/Reconvintes partes ilegítimas, com os fundamentos supra referidos e a respectiva condenação em custas. 26-Pelo que mal andou o Meritíssimo Juiz "a quo" que deveria ter absolvido a Ré mulher, Rosa …………….., do pedido com todas as legais consequências e não deveria tê-Ia também condenado nas custas do incidente.
26- Por outro lado, o 1.0 R., Manuel……………………., contesta os factos alegados pelo A. e deduz pedido reconvencional pedindo a exclusão do sócio, António ……………., A. na ACÇAO ESPECIAL DE EXCLUSAO DE SÓCIO.
27 - E se é verdade que não houve uma deliberação social no sentido de excluir o sócio por decisão judicial, também é verdade que tal deliberação nunca poderia ter existido.
28- Pois na Assembleia Geral convocada para o efeito, o sócio a excluir está impedido de votar (Cfr. alínea d) do n. 1 do artigo 251 e Ventura, Raul, "Sociedades por quotas", vol. lI, Almedina, 1999, pp. 62), pelo que, o legislador no n.º 3 do art.º 1005º do Código Civil, sob a epigrafe "Deliberação sobre a exclusão" estatui "Se a sociedade tiver apenas dois sócios" a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo tribunal." (bold e sublinhado nossos).
29- Pelo que, a ACÇÃO DE EXCLUSÃO DE SÓCIO terá de ser, obrigatoriamente, intentada por um dos sócios contra o outro.
30- E tais normas aplicam-se também, à legitimidade processual do reconvinte.
31- No mesmo sentido, o Acórdão n.º JTRP00037314: "Tendo a sociedade apenas dois sócios" não é possível a exclusão de um deles por mera deliberação social" sendo esta inútil e totalmente ineficaz. Só por acção Judicial pode, neste caso, o sócio ser destituído, a pedido do outro. '" (in http://dgsi.pt). (Cfr. também o Ac. RE, de 12.11.1992:BMJ,421 421.°-530) (bold e sublinhado nossos).
Nestes termos e nos mais de direito, doutamente supríveis por Exas. v. deve conceder-se provimento ao presente Agravo, e, em consequência, deve
A) o despacho recorrido de fls ... ser revogado e substituído por outro que considere procedente a excepção do erro na forma de processo, com as legais consequências;
B) o Saneador/Sentença ser revogado e substituído por outro que:
1- Considere a 2.a R. ser considerada parte ilegítima, com as legais consequências;
2- Considere o 1º R./Reconvinte, ora Agravante parte legítima;
3- Devendo, por conseguinte, ordenar-se o prosseguimento da tramitação da acção».
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Não houve contra-alegações.
O Sr. Juiz manteve os despachos recorridos.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [2] , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Das conclusões dos recorrentes e face à natureza da decisão constante da parte dispositiva do despacho recorrido decorre que as questões a decidir são:
No agravo do A.
-Saber quem tem legitimidade para intentar a acção de exclusão de sócio, se a sociedade se qualquer dos sócios.
No agravo dos RR.
- para além da mesma questão suscitada no recurso do A., saber se a ré, por não ser sócia não deveria ter sido absolvida do pedido e não da instância,
- saber se perante a improcedência da excepção de erro na forma de processo, nos termos em que foi decidida, haveria lugar a condenação em custas.

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Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Vejamos a questão da legitimidade (activa) processual quer do A. para a acção quer dos RR. para reconvenção.
Quanto a esta questão poderíamos remeter os recorrentes para a fundamentação de facto e de direito constante do despacho recorrido, porquanto ela é suficientemente elucidativa e é perfeitamente correcta. Porém e porque os recorrentes, por um lado pretendem equiparar o regime de destituição de gerente ao da exclusão de sócios e por outro vêm argumentar que por se tratar de uma sociedade com apenas dois sócios não será possível obter um dos pressupostos da acção judicial de exclusão de sócios , a intentar pela sociedade contra o sócio excludendo, qual seja o da prévia aprovação pelos sócios da autorização da sociedade para a propositura da acção, nos termos impostos art.º 242º n.º 2 do CSC, sempre tentaremos tornar as coisas mais claras e para isso bastará transcrever o que a propósito de um caso idêntico foi decidido pelo STJ, em Acórdão [3] relatado pelo Exmº Cons. Barros Caldeira e que reza assim:
«Decorre do nº. 2 do artº. 242º da C.S. Comerciais que:
"A proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios; que poderão nomear representantes legais para o efeito." Tendo em conta este preceito legal e o disposto no artº. 246º, nº. 1, alínea g), do mesmo diploma legal, é nítido que a acção em questão tem de ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral, como escreve Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. II, 61. Só a sociedade, após deliberação dos sócios, em Assembleia Geral, tem o direito de, por ser judicial, propor a exclusão de um sócio. Por esse motivo, o conhecimento anterior pelos sócios ou sócio de factos, que consubstanciem comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade praticados por um outro sócio, não lhes dá legitimidade para isolada ou conjuntamente intentarem a referida acção. O direito à exclusão de um sócio pertence, pois, à sociedade e não aos sócios. O mesmo não se diga no caso da destituição do gerente, com justa causa, uma vez que, neste contexto, qualquer sócio a pode requerer intentando acção contra a sociedade, nos termos conjugados dos artºs. 254º, nºs. 1 e 5 e 257º, nº. 1, do C.S. Comerciais. É nesta perspectiva que se tem de entender o disposto no nº. 6 do artº. 254º deste Código, que diz:
"Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente, ou em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados no início dessa actividade."Efectivamente, podendo o sócio ou sócios, por si intentarem acção de distribuição de gerente sempre se teria de encontrar um prazo de tempo razoável para o exercício do direito respectivo, a fim de tornar clara, transparente e eficaz a gerência da sociedade. Será que este prazo de 90 dias fixado no nº. 6 do artº. 254º da C. S. Comerciais, para o exercício do direito da destituição do gerente, pode ser aplicado para o exercício do direito de exclusão de sócio?
É nosso entendimento que não. Desde logo, porque os sócios, isolada ou conjuntamente, não têm legitimidade para a propositura desta acção, embora possam ter conhecimento de factos que possibilitassem tal propositura antes da deliberação social.
O direito de exclusão judicial do sócio pertence à sociedade e não aos sócios.
Depois, porque o sócio, sobre o qual pende uma deliberação de exclusão da sociedade por via judicial, pode exonerar-se da mesma, nos termos do disposto na alínea b), nº. 1, artº. 240º do C. S. Comerciais, ou seja, quando a sociedade não promover a sua exclusão judicial».
O acórdão acabado de referir não deixa margem para qualquer dúvida quanto à exclusividade da legitimidade activa da sociedade para propor a acção judicial de exclusão de sócio e consequentemente quanto à ilegitimidade activa dos sócios para individual ou colectivamente formularem qualquer pedido judicial nesse sentido ou seja quer accionando quer reconvindo, pois a legitimidade “ad causam” pertence em exclusivo à sociedade.
Quanto à questão da formação da vontade da sociedade, constituída apenas por dois sócios, tendo em vista a exclusão judicial de um deles, não se verifica qualquer impossibilidade legal. Com efeito ao contrário do que sustentam os recorrentes o regime aplicável não será o do art.º 1005 do C.C., mas sim o Código das Sociedades Comerciais.
No seu art.º 248º o Código das sociedades Comerciais contém a disciplina relativa à convocação, participação e presidência das assembleias gerais das sociedades por quotas. Esse preceito, remete, subsidiariamente, e em tudo o que especificamente não contemple, para o "disposto sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas"- conf. nº 1 desse mesmo preceito. Ora, no artº 386º do mesmo diploma - directamente aplicável às sociedades anónimas, portanto supletivamente também às sociedades por quotas por mor daquela remissão – estatui-se muito enfaticamente, no respectivo nº 1, que "a assembleia geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato", sendo que "as abstenções não são contadas". Deste regime decorre que é sempre possível, ainda que com uma representação mínima do capital representativo, formar a vontade da sociedade [4] e consequentemente não existe a alegada impossibilidade legal de formação da vontade da sociedade com vista à obtenção do pressuposto legal substantivo necessário à propositura da acção, qual seja o da autorização da sociedade, em deliberação prévia, no sentido de promover a exclusão judicial do sócio incumpridor.
Estando assente que a legitimidade activa “ ad causam” para obtenção de decisão judicial de exclusão de um sócio pertence em exclusivo à sociedade respectiva e não aos sócios individual ou colectivamente, impõe-se reconhecer que a decisão do Tribunal “a quo” de absolver os RR. da instância está absolutamente correcta pois a ilegitimidade activa conduz à absolvição dos RR. da instância [5] (no tocante ao pedido formulado na acção ) ou do A. (no caso do pedido reconvencional) e não à absolvição do pedido [6] (ao menos na fase processual em que ocorreu).
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Quanto à questão do erro na forma do processo e da condenação em custas, os RR/agravantes, também não têm razão. Eles próprios reconhecem nas suas alegações que a decisão proferida foi acertada [7] , pois ainda que tivesse havido inicialmente, por parte do A. um erro na designação dada à acção, o que é certo é que na distribuição não se atendeu ao “nomen” indicado pelo A. e ordenou-se a distribuição com a forma correcta e assim foi tramitada a acção daí por diante. Ou seja a acção nunca foi tramitada como um processo especial mas sim como processo comum na forma ordinária. Ou seja não chegou a ocorrer verdadeiro erro na forma de processo. E os RR. sabiam disso ou poderiam sabê-lo facilmente pela consulta on- line , através do programa Habilus (acessível a todos os causídicos)…Preferiram invocar a existência duma excepção que embora com probabilidades de existir, afinal não se verificou. Decaíram nessa arguição e portanto merecem a tributação respectiva.
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Concluindo
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento aos agravos e confirmam-se as decisões recorridas.
Custas pelos agravantes em partes iguais.
Registe e notifique:
Évora, em 10 de Maio de 2007.
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( Bernardo Domingos – Relator)

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( Silva Rato – 1º Adjunto)

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(Assunção Raimundo– 2º Adjunto)




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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença/despacho que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente, Vd. sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa -1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra - 2000, págs. 103 e segs.
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[3] Cfr. Ac. do STJ de 7/10/03, proc.º n.º 3A323, in http://www.dgsi.pt/jstj...
[4] Cfr. neste sentido Ac. do STJ de 4/03/04, proc.º n.º 04B019, in http://www.dgsi.pt/jstj...
[5] Cfr. neste sentido Ac. do STJ de 15/12/05, proc.º n.º 5B3925, in http://www.dgsi.pt/jstj...
[6] Sendo certo que neste caso os efeitos práticos da absolvição do pedido seriam exactamente iguais aos da absolvição da instância.
[7] Por isso nem sequer se deveria conhecer nesta parte do recurso já que apenas se discorda da condenação em custas e o valor destas, como é evidente, não admite recurso…!!