Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2512/18.0T8PTM.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: MANDATO
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
REVOGAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
DECLARAÇÃO TÁCITA
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 – O mandato e a procuração são figuras jurídicas distintas: o primeiro é um contrato bilateral, a segunda é um negócio jurídico unilateral autónomo.
2 - O mandato é um contrato de prestação de serviços em que o prestador é o mandatário, em que este age de acordo com as indicações e instruções do mandante quer quanto ao objecto quer quanto à própria execução.
3 – Não existe contrato de mandato sem que na sua génese esteja o encontro de vontades e a vinculação bilateral recíproca que são inerentes à figura.
4 - A mera convenção de irrevogabilidade aposta na procuração não implica que ela não possa ser revogada, a não ser que se demonstre a existência de uma relação subjacente que permita concluir que ela foi emitida no interesse do procurador.
5 – O relevante é que a relação basilar comprove a existência de um interesse conferido também no interesse do representante, que incorpore um direito subjectivo que transcenda o mero interesse do representado.
6 – A prova dessa relação basilar subjacente, tal como dos prejuízos sofridos com a revogação, compete ao procurador que alegue em juízo a irrevogabilidade para peticionar indemnização.
7 – Ocorre revogação tácita quando actos posteriores dos outorgantes da procuração têm como consequência a impossibilidade efectiva de praticar os actos jurídicos que eram objecto desta.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
Os autores, AA e mulher BB e CC e marido DD, instauraram a presente acção com processo comum contra os réus, EE e mulher FF e filha destes, GG.
Pedem os autores no final da sua petição que:
a) Os Réus sejam condenados a restituir aos Autores CC e marido o prédio rústico objecto dos autos, sito nos ..., concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...16, procedendo-se ao cancelamento do respectivo registo a favor da Ré GG.
Ou caso assim não se entendesse:
b) Os Réus sejam condenados a pagar aos Autores uma indemnização em quantia não inferior a € 350.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Alegaram os autores para sustentar as suas pretensões, em resumo, a seguinte factualidade:
Os autores venderam aos réus EE e mulher três imóveis, identificados nos artigos 2º, 4º e 5º da petição inicial.
Todavia, o réu EE tinha interesse apenas na compra do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...32, pelo que ao adquirir os três imóveis acordou com os autores a posterior transmissão dos outros dois prédios ao autor AA.
Assim, dizem os autores, embora formalmente fossem adquiridos pelos réus EE e mulher três imóveis, verdadeiramente apenas era adquirido um, e por esse motivo os autores CC e DD, pais do autor AA, receberam menos dinheiro no negócio, porque iriam ficar com dois dos imóveis para a sua família.
Por força desse acordo, foi emitida pelos réus EE e FF uma procuração irrevogável a favor do autor AA, e subsequentemente teria lugar a venda dos dois imóveis rústicos a terceiros, conforme fosse o entendimento dos autores.
Chegou mesmo a ser elaborado um contrato-promessa em que os réus EE e FF prometiam vender os imóveis ao autor AA.
Foram sempre os autores que cuidaram dos dois imóveis, à vista de toda a gente, continuadamente e sem qualquer oposição, mas não podendo, ao tempo, ter tais bens em seu nome, confiaram na existência da procuração irrevogável a favor do autor AA, fizeram projectos para a futura venda dos imóveis, incluindo um contrato promessa para o prédio ...78, com a sociedade “Euroapelo”, no valor de €275.000, e, bem assim, ainda promoveram a venda do mesmo em agências imobiliárias, anunciando o preço de €350.000.
No entanto, veio a suceder que os réus EE e FF frustraram os objectivos que a outorga de procuração visava ao doarem o imóvel nº ...78 à sua filha GG, terceira ré.
Alegam ainda os autores que os réus, com a emissão da procuração, quiseram transmitir os prédios para o autor AA, e que o acto de doação, sabendo inclusivamente a terceira ré da existência da dita procuração, equivaleu a uma revogação da mesma, injustificada e que lhes causa prejuízos (especificando que consideram não ter havido um contrato de mandato, mas simplesmente uma procuração irrevogável ) e pretendem reverter os efeitos da mesma ou ser indemnizados pela perda dos negócios que tinham em vista com a utilização da dita procuração.
Os réus contestaram, alegando que os imóveis que lhes foram transmitidos não pertenciam na altura aos autores e seus familiares, tendo aliás corrido uma acção em que foram partes os autores CC e DD bem como os réus EE e FF, movida pelos adquirentes desses imóveis, que não os haviam atempadamente registado, acção que veio a improceder, posto que os adquirentes ora réus eram terceiros de boa fé.
Assim, confirmando que o interesse do réu EE e da ré FF incidia apenas na aquisição do prédio misto identificado no artigo 5º da petição inicial, alegam que o que ocorreu foi que os réus vieram a mandatar o autor AA, em quem confiaram, para alienar os demais imóveis.
Vindo a ocorrer que o referido AA alienou o imóvel ...77 sem nada comunicar aos réus, não lhes entregando qualquer montante do preço dessa venda, e levando ainda a que os mesmos tivessem que pagar mais valias decorrentes da venda, para o que foram interpelados pelas Finanças.
Consequentemente, tendo perdido a confiança no procurador e dada a circunstância de a sua filha GG carecer do imóvel para ali desenvolver actividade profissional, na sequência do termo da sua formação académica, entenderam doar o imóvel ...78 à sua filha, para não correrem o risco de que relativamente ao mesmo voltasse ocorrer a circunstância de ser alienado sem serem informados, visto que quanto ao imóvel ...77 só em sede de acção judicial lograram que o autor AA lhes pagasse uma verba (na circunstância, em sede de acção judicial movida para o efeito, onde foi obtida transacção, pagando o aqui autor AA aos réus EE e FF € 30.000 do preço de alienação do imóvel, € 38.000).
Consideram os réus ter existido justa causa para a revogação tácita da procuração, que reconhecem ter ocorrido, e que a mera convenção de irrevogabilidade desta não implica, sem mais, que a mesma não possa ser revogada, uma vez que não existia qualquer relação subjacente que justificasse o impedimento dessa revogação, concluindo que, existindo justa causa para a revogação, nada têm em dívida para com os autores.
Terminam pedindo a improcedência de acção e a condenação dos autores como litigantes de má-fé em multa de € 10.000 e indemnização de igual montante.
Os autores vieram ainda responder, repudiando a invocação de existência de má-fé, mantendo o alegado na petição inicial.
Tendo o processo percorrido os seus trâmites veio a ser realizado julgamento e proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, o tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e condena os réus EE e FF a pagar ao autor AA a quantia de € 63.000, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
No mais, absolvem-se os réus do contra si peticionado.
Julga-se não verificada a existência de litigância de má-fé, sem consequências tributárias.
*
II – A) O RECURSO DOS RÉUS
Inconformados com o decidido, os Réus instauraram recurso de apelação, apresentando requerimento que resumiram no final com as seguintes conclusões, que transcrevemos:
I - O presente recurso vem interposto pelos Réus, ora Recorrentes, da douta decisão proferida, que julgou a ação parcialmente procedente, condenando os RR., ora Recorrentes, a pagar ao Autor AA uma indemnização na quantia de € 63.000, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. A douta decisão recorrida não é justa de Direito, impugnando-se também a matéria de facto.
II - Com a prova produzida e com o que foi alegado, e o direito aplicável, nunca poderia a ação ter sido julgada parcialmente procedente, impondo-se a sua improcedência na totalidade, desde logo, para essa condenação o Tribunal “a quo” alterou oficiosamente na sentença, a causa de pedir e o pedido.
III - A matéria de facto constante do ponto 19 dos factos provados não foi corretamente julgada, razão pela qual se impõe que a mesma seja impugnada e, consequentemente alterada.
Consta do ponto 19 dos factos provados que: “Foi igualmente celebrado um contrato de mediação imobiliária com o agente “HH” acordado com a A. CC, mas em nome do A. AA, tendo em vista a venda do referido prédio rústico nº ...16, pelo preço de € 350.000,00 (resposta aos art. 26º e 57º da p.i. e 42 e 44º da contestação).
IV - O que resultou da prova produzida é que esse contrato não foi celebrado, tal como confirmou o agente imobiliário, HH, e como também confirmou o Autor AA em declarações de parte, e como resulta do documento nº 14 junto à P.I., no qual não consta a identificação do contraente, o objeto do contrato, nem o contrato está assinado, apenas consta aposto o preço, o qual foi indicado pela A. CC.
Contrariamente ao que consta da fundamentação da decisão da matéria de facto, a referida testemunha, HH, não disse que o contrato de mediação foi celebrado.
Conforme se prova pelas declarações da testemunha, HH, prestadas em audiência de julgamento de 28.11.2019, gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática no uso do Tribunal, tendo como início 00:00: 00 –28-11-2019 – 11:33:23 - e fim 00:31:05 – 28-11-2019- 12:04:28, Passagens gravadas a, 04:56 a 04:58, 08:15 a 09:30, 11:16 a 11:27, 26:25 a 28:56, 29:18 a 30:06, transcritas no artigo 13 destas alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
Conforme se prova pelas declarações do A. AA, prestadas em audiência de julgamento de 28.11.2019, gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática no uso do Tribunal, tendo como inicio 00:00: 00 –28-11-2019 – 15:18:35 - e fim 00:56:13 – 28-11-2019- 16:14:49., Passagem gravada a 18:54 a 19:06, transcrita no artigo 14 destas alegações, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
V - Pelo depoimento da testemunha referida, e das declarações do Autor AA, que depuseram em audiência de julgamento, cotejados com os demais elementos probatórios do processo, designadamente o documento nº 14 junto à P.I. impunham que tal matéria fosse dada como não provada.
VI - O Tribunal “a quo” também não julgou corretamente a matéria de facto do ponto 16 dos factos provados, que se impugna. Consta do ponto 16 dos factos provados que: “Usando a mesma procuração irrevogável o Autor AA acordou com a mesma “Euroapelo, S.A.” a futura venda do prédio rústico descrito na CRP de Albufeira sob o n.º ...16 a esta sociedade, pelo preço de € 275.000,00, através do contrato promessa de compra e venda de 26/05/2017, e subsequente aditamento de 29/05/2017, que se encontram juntos com a p.i. como documentos 12 e 13, sendo que as partes outorgantes no mencionado contrato-promessa nele não consignaram quaisquer consequências para a não celebração do contrato definitivo até 31/08/2017 (resposta aos artºs 25º da p.i., 35º a 37º e 44º da contestação e 21º e 24º da resposta).
VII - A prova de tal matéria assentou nos documentos juntos à P.I. com Doc. nº 12 e 13. Cotejados os referidos documentos, o que consta dos mesmos é que foi acordada a venda de um prédio composto de terreno para construção urbana, com potencialidade edificativa, no sítio de ..., freguesia de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo predial sob o nº ...78, pelo preço de € 275.000,00, e que o preço seria pago no ato da escritura ou documento particular de compra e venda até 31 de agosto de 2017. Daí a testemunha, II, administrador da promitente compradora, referir-se em audiência de julgamento que o imóvel que efetivamente lhe interessava era o urbano e o outro, cuja compra foi efetivada, era agrícola, não dava para nada.
Pelo que a matéria de facto do ponto 16 dos factos provados deverá ser alterada de forma a que passe a constar, conforme consta do contrato promessa junto à P.I., como Doc. 12, e subsequente aditamento de 29.05.2017, junto como Doc. 13, que:
“Usando a mesma procuração irrevogável o Autor AA acordou com a mesma Euroapelo, S.A., através do contrato promessa de compra e venda de 26/05/2017, e subsequente aditamento de 29/05/2017, que se encontram juntos com a p.i. como documentos 12 e 13, a futura venda do prédio composto de terreno para construção urbana, com potencialidade edificativa, no sítio de ..., freguesia de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo predial sob o nº ...78, pelo preço de € 275.000,00, e que o preço seria pago no ato da escritura ou documento particular de compra e venda até 31 de agosto de 2017.
VIII - Requerem ainda os Recorrentes., ao abrigo do disposto no artigo 662 do C.P.C., a ampliação da matéria de facto, conforme exposto nos artigos 27 a 30 destas alegações. Matéria para prova que não foi a doação do prédio rústico, composto por cultura arvense, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...78, que os RR., ora Recorrentes fizeram à sua filha, também R., em 18 de setembro de 2017, que impediu o Autor AA, de celebrar o contrato definitivo com a Euroapelo, nem promover a venda com a agência imobiliária, e o que prometiam vender não era objeto da procuração.
Requerem assim, pelo depoimento das testemunhas II e HH, e das declarações do Autor AA, que depuseram em audiência de julgamento, conforme as passagens dos seus depoimentos transcritas nos artigos, 21, 22 e 23, respetivamente, destas alegações, e que aqui se dão por reproduzidas, cotejados com os demais elementos probatórios do processo, que seja dado como assente, por não ser matéria controvertida que:
- A escritura ou documento particular de compra e venda referente ao contrato promessa de compra e venda referido no ponto 16 dos factos provados não foi outorgada no prazo estipulado no contrato promessa, 31.08.2017, tendo os Autores dado a essa data o contrato por cancelado.
Que seja dado como assente o teor do doc. 10 junto à P.I., ou seja:
- Da declaração anexa ao segundo cheque emitido em 14.12.2016, no valor de € 20.000,00, constava o acordo das partes que esse valor era aumento de sinal para compra do prédio rústico, secção Q, artigo matricial ... e prédio urbano com artigo matricial nº ...92 do Serviço de Finanças de Albufeira.
Que seja dado como assente o teor do documento junto pelos RR., em audiência de julgamento de 28.11.2019, ou seja:
- Em 4.8.2016 foi apresentado na Câmara Municipal de Albufeira, pedido para reapreciação do processo de viabilidade de construção, tendo como requerente EE e assinado por AA, para o prédio misto com a área de 5202 m2 sito em ..., correspondente ao artigo ..., secção Q (parte) e urbano ...92 da freguesia de Ferreiras e descrito na Conservatória do Registo predial de Albufeira sob o nº ...32.
IX - Independentemente de proceder ou não a impugnação da matéria de facto, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente.
X - Não é justa a condenação dos Réus, ora Recorrentes, a pagar ao Autor AA, uma indemnização na quantia de € 63.000, com base na existência de um mandato entre os RR, ora recorrentes, e o Autor AA, desde logo, porque o Tribunal “a quo” para essa condenação, alterou oficiosamente, na sentença, a causa de pedir e pedido, alegando ter-se servido de matéria alegada pelos Réus, apresentando-se a decisão como uma decisão surpresa.
XI - Tanto mais, que os Autores declararam expressamente na sua p.i., (artigo 44) que o objeto da ação que punham à consideração e decisão do Tribunal é uma procuração irrevogável e não contrato de mandato, e formularam em consonância com a causa de pedir que invocaram, o respetivo pedido, com base na revogação tácita da procuração irrevogável.
XII - Estruturaram os Autores a sua pretensão, conforme consta da douta decisão recorrida, com base numa procuração passada pelos Réus, ora Recorrentes, ao Autor AA, para vender dois prédios rústicos, aí identificados, procuração essa irrevogável e no interesse do mandatário, conforme alegam, e que a mesma não poderia ser revogada sem justa causa, como dizem ter sido, através da doação realizada pelos Réus EE e mulher a favor da sua filha, a Ré GG.
E pediram assim, a condenação dos Réus a restituir à esfera jurídica dos Autores CC e marido o prédio rústico objeto dos autos, e consequentemente, estes devolveriam aos Réus EE e mulher a quantia de um milhão de escudos que aqueles pagaram pelo referido prédio rústico n.º ...78.
E caso assim não se entendesse, alternativamente, pediram que os Réus fossem condenados a pagar aos Autores uma indemnização correspondente ao valor da venda projetada e acordada efetuar tendo como objeto o mencionado prédio, em valor não inferior a € 350.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
XIII - Os Réus contestaram, defenderam-se por impugnação, alegando, designadamente, que a referida procuração é livremente revogável, porquanto a mera convenção da irrevogabilidade na procuração não implica sem mais a irrevogabilidade da procuração, pois a existência de um interesse na procuração, para lá do interesse do mandante, há-de resultar da relação que lhe está subjacente, e nenhum interesse do mandatário resulta, nem foi sequer alegado, e mesmo que assim não se entendesse, sempre a procuração podia ser revogada com justa causa, face ao comportamento ilícito, abusivo e imoral do A. AA, e pediram também a condenação dos Autores em litigância de má-fé.
XIV - Contrariamente ao que consta da parte dispositiva e da fundamentação da decisão recorrida, em lado algum da sua contestação os Réus dizem ter celebrado um contrato de mandato com o Autor AA, nem tal retira-se do alegado no artigo 9 e 10 da sua contestação, bem como do restante articulado.
XV - Refere a douta decisão recorrida que, perante as duas teses em confronto, (a tese dos Autores, da representação, que assenta no pressuposto da validade e plena eficácia da cláusula de irrevogabilidade da procuração, sem mais e a tese que o Tribunal “a quo” diz ser a tese dos Réus, do que existe é um mandato), não logrou o Tribunal divisar qual terá sido a motivação última de todos os envolvidos nos negócios em questão.
E que, em prejuízo da tese dos autores, sobre os quais impendia o ónus de demonstrar matéria que permitisse concluir pelo carácter efetivamente irrevogável da procuração, não se logrou colher matéria factual que permita concluir pela existência de uma relação subjacente à emissão da procuração, fosse ela qual fosse, não se demonstrou qual o real interesse do autor AA subjacente à emissão da procuração, pelo que assim não pode ser atribuído aos autores qualquer direito e condenar nalguma medida os réus, pela revogação da procuração através da doação.”
Mas se considerarmos que existiu um mandato, que é a tese dos Réus, diz a sentença (isto porque o Autor AA a partir de certo momento, passou efetivamente a atuar em nome do réus quando após a venda do prédio ...77 veio a dar aos réus parte do preço pelo mesmo recebido), e tendo ocorrido, com a doação do prédio que os Réus fizeram à filha, a revogação do mandato sem justa causa, assiste direito de indemnização ao Autor AA, enquanto mandatário, apenas a ele, porque foi convencionada a irrevogabilidade do mandato. “
XVI - Conforme dispõe o art. 5º do C.P.C., cabe aos Autores alegar os factos que integram a causa de pedir. Ao Autor cabe definir o objeto da ação, formulando o pedido e a causa de pedir, indicando os factos concretos em que baseia a pretensão que quer acautelar. A acção nasce "do princípio base da iniciativa das partes" corolário do princípio do dispositivo, "a ação não pode nascer da iniciativa do juiz”.
XVII - Na sentença e para que se respeite o estabelecido no art. 609º, nº 1 do C.P.C. tem de haver identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar, ou seja, sem embargo de o Tribunal ser livre na qualificação jurídica dos factos, tem de manter-se, ao julgar, dentro da causa de pedir invocada pelo A..
Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso que haja identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar.
XVIII - O Tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos, contando que não altere a causa de pedir. E sempre que o Juiz pretenda fundamentar a sua decisão em argumentação jurídica não invocada pelas partes, deve observar o princípio do contraditório, dando possibilidade às partes de sobre elas se pronunciarem - artigo 3º do C.P.C., trata-se da proibição de decisões-surpresa.
XIX - Não é permitido ao Tribunal alterar ou substituir a causa de pedir, isto é, o facto jurídico que o Autor invocara com base na sua pretensão, de modo a decidir a questão submetida ao veredicto judicial, com fundamento numa causa de pedir que o autor não pôs à sua consideração e decisão.
XX - É apenas dentro dos fundamentos da ação que os Autores invocaram, que o Tribunal tem de ver se os factos provados permitem a condenação dos Réus. Nem pode o Tribunal “a quo” servir-se de matéria de facto trazida ao processo pelos Réus para alterar os termos em que os Autores basearam a ação, e assim proferir uma decisão de condenação dos Réus.
XXI - O Tribunal “a quo” violou o princípio do dispositivo e da vinculação do juiz ao peticionado.
XXII - A sentença tem, por conseguinte, que se conter não só nos limites quantitativos e qualitativos do pedido mas também nos limites do objeto da causa aferidos, não só pelo pedido, mas também pela causa de pedir que o juiz tem que respeitar, sob pena de violação do disposto no art. 609º/1 e de incorrer na nulidade cominada no art. 615º/1/e), pela que a douta decisão recorrida incorreu na nulidade prevista no artigo 615, nº 1, al. e) do C.P.C., o que se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais.
XXIII - A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
XXIV- Pelo que a douta decisão recorrida é nula, incorreu na nulidade prevista no artigo 615, nº 1, al. e) do C.P.C., o que se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais.
XXV- Mesmo que assim não se entenda, que a douta decisão recorrida é nula, o Tribunal “a quo” também não podia ter decidido que entre os RR., ora Recorrentes, e o A. AA, o que existiu foi um mandato.
XXVI - Não foi provada a existência de uma relação subjacente à emissão da procuração, fosse ela qual fosse, nem o interesse próprio do Autor AA na outorga da mesma, sendo assim a procuração livremente revogável e a revogação da procuração não dá lugar a qualquer indemnização, conforme consta, e bem, da douta decisão recorrida, não assistir qualquer direito aos AA. a qualquer indemnização pela revogação tácita da mesma, com base na tese que invocaram, pelo que não se compreende e é contraditório, que o Tribunal “ a quo”, venha depois fundamentar a condenação dos RR. a indemnizar o A. AA, na existência de um mandato, porque diz o Tribunal “ a quo” que o Autor AA, a partir de certo momento passou efetivamente a atuar em nome dos réus, quando após a venda do prédio ...77 veio a dar aos réus parte do preço pelo mesmo recebido.
XXVII - Julgou o Tribunal “ a quo” que existiu um mandato entre os RR., Recorrentes e o A. AA, porque, passados 17 anos da outorga da procuração, o Autor AA, sem nada comunicar aos Réus, ora Recorrentes, durante todo esse tempo, e sem dar qualquer conhecimento, aliás, nunca os conheceu nem teve qualquer contacto com eles, vendeu o prédio ...77, recebeu o preço de 38 000 €, ficou com o mesmo, e só devolveu porque os Réus, tomaram conhecimento dessa venda através de um proprietário confinante e intentaram uma ação contra ele pedindo a entrega do preço, tendo sido feito acordo nessa acção, para pôr fim ao litígio, nos termos do qual o aqui Autor, AA, demandado como Réu na referida ação foi condenado por acordo pagar aos Réus, Autores na referida ação, a quantia de 30 000 €.
XXVIII - Desta atuação do Autor AA passados 17 anos, da outorga da procuração, não se retira que há 17 anos atrás foi celebrado entre as partes um contrato de mandato, como o Tribunal “a quo” assim interpretou.
XXIX - O próprio Autor nega qualquer contrato de mandato, tanto que, passados 6 meses de ter devolvido aos RR., ora recorrentes, a quantia de 30000€, vem intentar a presente ação, com fundamento na procuração irrevogável, e negando expressamente na ação, (art. 44 da p.i.) qualquer relação de mandato.
XXX - Não invocaram os Réus ter celebrado um contrato de mandato com o Autor AA, nunca o conheceram nem falaram com ele como o próprio confessa, aliás o Autor AA confirmou não ter tido parte na feitura da procuração em questão nos autos e nunca ter tido qualquer contacto com os réus EE e mulher, como é referido na decisão recorrida.
XXXI - A procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, é um negócio unilateral, enquanto o mandato, diversamente, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.
XXXII - Não foi provada nem alegada a existência de qualquer relação jurídica entre os Réus, ora Recorrentes, e o Autor AA, que obrigasse este a praticar atos jurídicos por conta daqueles. Nem o facto de o A. AA ter pago aos RR. a quantia de 30 000€ dos 38 000€ que recebeu do preço da venda do prédio ...77, tendo para o efeito os RR. intentado uma ação de processo comum, pedindo a condenação do mesmo, a pagar a quantia em dívida de 38 000€, pode ser interpretado da forma que o Tribunal “a quo” fez, de tal configurar que há 17 anos as partes celebraram um mandato.
XXXIII - Mesmo que os RR. tivessem intentando, em vez da ação declarativa sob a forma de processo comum, uma ação de prestação de contas, o A. AA, como procurador que age com poderes de representação também estaria obrigado a prestar contas.
Não é o fim para que a procuração é emitida nem o conteúdo dos poderes que dela constam como conferidos ao procurador, mas apenas os atos realizados, que justificam a prestação de contas. É indiferente, para o efeito da obrigação de prestação de contas a existência de mandato ou de simples procuração, que são figuras distintas e têm apenas de comum o poder de autónoma modelação na esfera jurídica de outrem.
XXXIV - A disciplina do contrato de mandato não tem aplicabilidade nos autos. No caso dos autos, apenas existe um caso de procuração, sem qualquer mandato. Não foi provada a relação basilar.
XXXV- Não foi provado o interesse próprio do A. AA na outorga da procuração, como o Tribunal “a quo”, bem decidiu, pela livre revogabilidade da procuração, pelo que, é um contra senso, o Tribunal “ a quo” vir depois julgar então pela existência de um mandato, e mais, um mandato no interesse do mandatário, para fundamentar a condenação dos RR., em indemnização, nos termos da alínea b) do artigo 1172ª do C.Civil, pela revogação tácita desse mandato, sem justa causa, que no dizer do Tribunal “ a quo” é irrevogável.
XXXVI - Mesmo que existisse mandato, não poderia o Tribunal “a quo” ter julgado que o mesmo foi conferido no interesse do mandatário.
XXXVII - Antes de mais, para haver lugar a indemnização, esse contrato teria de ser oneroso, presumindo-se oneroso se tiver por objeto atos que o prestador dos serviços pratique no exercício da respetiva profissão (artigos 1156º e 1158º, nº 1, do Código Civil), o que não é o caso.
XXXVIII - Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que o simples facto de o contrato ser oneroso e de haver interesse económico no contrato não integra o “interesse” previsto na citada norma.
A irrevogabilidade tem de resultar da relação jurídica basilar, pelo que para haver mandato de interesse comum não basta que o mandatário ou o terceiro tenham um interesse qualquer, é necessário que esse interesse se integre numa relação jurídica vinculativa, isto é, que o mandante (tendo o mandatário o poder de praticar atos cujos efeitos se produzem na esfera jurídica daquele) queira vincular-se a uma prestação a que o mandatário ou terceiro tenham direito.
XXXIX - O interesse de que fala o n.º 2 do artigo 1170.º não pode ser uma qualquer vantagem do mandatário ou de terceiro, como ocorre, quando o mandatário receba uma remuneração ou aufira lucros da sua atividade.
O critério de aferição do interesse relevante do mandatário ou de terceiro tem de assentar no direito próprio que estes pretendem fazer valer conexionado com o próprio encargo e ainda que o mandato seja condição ou a consequência, ou modo de execução, do direito que lhe pertence ou represente para o mandatário uma garantia do próprio direito. Assim, é necessário identificar uma outra relação normalmente de tipo contratual entre as partes, que conforma ou determina o contrato de mandato (Januário Gomes, in Em Tema de Revogação do Mandato, pág. 148-150).
XL - No caso dos autos, o Tribunal “a quo”, nem mesmo substituindo-se aos Autores, identifica qualquer outra relação entre os RR., ora Recorrentes, e o A. AA, que teria determinado ou pelo menos condicionado a celebração, no seu entender, desse contrato de mandato.
XLI - Pois, entendeu o Tribunal “a quo” isto sem alegação de factos por qualquer das partes que …”embora se tenha considerado que não assistia interesse próprio ao procurador na procuração, por falta de relação subjacente à emissão da mesma, tal não implica necessariamente que não possa ter existido um interesse próprio do mandatário na sua intervenção no processo de alienação dos imóveis (que já não seria, então, um interesse em ficar com os prédios para si, mas antes em colher o dividendo possível de tal processo negocial).
Isto porque, no entender do Tribunal “a quo”, o A. AA após a venda do prédio ...77 veio a dar aos RR parte do preço pelo mesmo recebido, reconhecendo estes, diz o Mº Juiz “a quo” a despeito de não se demonstrar ter sido convencionada qualquer remuneração, o direito do procurador a ficar com uma parcela do preço da venda”.
XLII - Assim, mesmo na perspetiva do Tribunal “a quo”, não se configura uma tal diversidade de relações jurídicas, pois tudo se passa no seio da mesma alegada relação contratual, pelo que não se pode concluir como o Tribunal “a quo” faz, que o alegado contrato de mandato tenha sido celebrado também no interesse do A. AA.
XLIII - As circunstâncias em que ocorreu esse pagamento do preço por parte do A. aos RR., resulta da matéria de facto provada, pois não há margem para dúvidas que o A. AA abotoou-se com o preço da venda do prédio ...77, e só pela via judicial é que entregou o preço aos RR., e foi feito acordo na ação, para pôr fim a esse litígio, pelo que não colhe a interpretação que o Tribunal “a quo” fez desses factos.
XLIV- Mesmo a existir mandato, na tese da douta decisão recorrida, o mesmo não foi conferido no interesse do mandatário, pelo que também por isso não podiam os RR. ter sido condenados a indemnizar o A. AA, nos termos do art. 1172º b) do CCivil.
XLV- Por outro lado, ainda que se entendesse, contrariamente ao que estabelece o artigo 1171 do C.C., que os RR., ora Recorrentes, ao doarem o prédio rústico à filha revogaram tacitamente o mandato, como o Tribunal “a quo” refere, essa revogação tácita teria ocorrido com justa causa.
XLVI - Tal como os Réus, ora Recorrentes, alegaram na sua contestação, a propósito da procuração irrevogável, que caso não se considerasse a procuração livremente revogável, sempre a procuração podia ser revogada com justa causa, face ao comportamento ilícito, abusivo e imoral do A. AA.
XLVII - Conforme consta da matéria de facto provada; passados dois anos das compras dos imóveis referidos em 2 e 3 dos factos provados, (dois prédios rústicos e um prédio misto, que embora delimitados fisicamente e com descrição de registo predial autónoma, não têm na matriz predial rústica inscrição autónoma, há apenas uma caderneta predial rústica do artigo ..., secção Q, do todo) viram-se os RR. EE e FF confrontados com uma ação judicial contra si e contra os vendedores, JJ, KK, CC (e marido) e LL, por terceiros, que invocavam ter comprado os imóveis a KK, mas não registado a aquisição.
XLVIII - Foi somente pelo facto de os RR, EE e FF, ora Recorrentes, serem terceiros de boa-fé, para efeitos de registo, por estarem convictos que os imóveis que adquiriram (prédio misto e dois prédios rústicos) aos herdeiros de KK, supra identificados, onde se inclui a ora A. CC, eram de propriedade destes, pois era o seu nome que figurava no registo predial como titulares dos imóveis, por sucessão hereditária, é que a ação judicial para reconhecimento do direito de propriedade, intentada por quem tinha comprado os imóveis a KK, mas não registado a aquisição, foi julgada improcedente, em segunda instância, e confirmada a improcedência da ação, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de novembro de 2012 proferida no âmbito do referido processo, que correu seus termos no Tribunal Judicial de Albufeira sob o nº 812/03.3TBABF do extinto 2º juízo.
XLIX - Os RR., ora Recorrentes, viram-se assim inesperadamente envolvidos nessa situação, que lhes causou obviamente muito desgaste, ainda por cima com o risco, caso a ação não fosse decidida a seu favor, de os vendedores não lhes devolverem todo o preço pago, pois como foi apurado, os RR. pagaram pelas compras muito mais do que consta das escrituras, e ficaram os RR. convictos, que com o termo do processo, nada mais iria acontecer.
L - Conforme consta dos factos provados, sucede que o A. AA, passados 17 anos da data da outorga da procuração, sem nada ter dito aos RR, Recorrentes, durante todo esse tempo, vendeu o prédio ...77, nada comunicou aos RR acerca da venda, (sendo que os outros AA. também não o fizeram), e condições da mesma, nem entregou aos mesmos o preço.
Preço esse pago pela compradora, conforme consta dos factos provados, por três cheques, emitidos em 28.11.2016, 14.12.2016 e 10.02.2017, nos valores de € 10.000,00, € 20.000,00 e € 8.000,00 respetivamente, no valor total de € 38.000,00, ou seja, recebeu esse preço da venda, 30 000€ em novembro e dezembro de 2016 e € 8 000 em fevereiro de 2017, muito antes da outorga do documento de venda que ocorreu em 26 de maio de 2017.
LI -Tendo os RR. tomado conhecimento dessa venda através de um proprietário de um prédio vizinho. Não se importando o A. se os RR. incorriam ou não em infração fiscal, por desconhecerem e assim não declararem em sede de IRS, essa venda, e as mais-valias que teriam e tiveram de pagar ao Estado por essa venda.
LII - Por essa venda efetuada pelo A. AA, como procurador dos RR. foram os RR. EE e FF, ora Recorrentes, também confrontados com uma ação judicial para o exercício do direito de preferência, na qual foram demandados como RR., intentada por um proprietário de prédio confinante, por não ter sido dado o direito de preferência na aquisição do identificado prédio rústico. Tendo já a compradora, a referida sociedade Euroapelo, S.A., transferido a propriedade para o preferente, conforme se prova pela nota de registo predial junta como doc. 5.
LIII - E foi também nessa data, em que tomaram conhecimento que o A. AA tinha vendido o referido prédio rústico, como seu procurador, que os ora RR. também tomaram conhecimento que o A. AA falsificou a assinatura do R., EE, num requerimento que apresentou na Câmara Municipal de Albufeira, pelo que, não só pela falta de entrega do preço da venda mas também pela falsificação de assinatura, o ora Réu., apresentou queixa-crime contra o A. AA, que corre termos nos Serviços do Ministério Público de Albufeira sob o nº 927/17.0T9ABF.
LIV - Face a toda essa situação, e com justo receio que voltasse a fazer o mesmo, como efetivamente pela presente ação prova-se que iria fazer o mesmo, e mais grave, se fosse efetuada a venda do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...78, por 275 000,00€ conforme documentos juntos à P.I. como Docs. 12 e 13 , os RR., EE e FF, iriam pagar de imposto de mais-valias, em sede de IRS, 64 336,00 €, sem terem recursos para o fazer, e o A. abotoava-se com o preço, conforme anteriormente fez.
LV- E porque a R. GG, filha dos ora RR., EE e FF, necessitava de um terreno para desenvolver a sua atividade de Engenheira Biotecnológica, (área de seleção e reprodução de sementes); Os RR., EE e FF, em 15 de setembro de 2017, por escritura de doação, junta à sua contestação como Doc.9, doaram o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...78, à sua filha, GG, também R., aquisição essa que se mostra registada pela AP ...98 de 18/09/2017.
LVI - Não há margem para dúvidas que o A. AA abotoou-se com o preço da venda do prédio ...77, e só pela via judicial é que entregou o preço aos RR.. Não há margem para dúvidas que os AA. pretendiam de novo abotoar-se com o preço da venda do outro imóvel ...78, conforme resulta da própria P.I., apresentada em 08.10.2018 (ou seja, meio ano após o termo do outro processo para entrega do preço da venda do outro imóvel) e do respetivo pedido, e como, aliás, os Autores confirmaram em Tribunal, que sempre foi essa a intenção dos Autores de ficarem com o preço, e seriam os RR. que se viam confrontados com a liquidação e notificação para pagamento do imposto de mais-valias no montante de 64 336 € ou montante superior caso fosse declarado preço superior a 275 000 €, sem ter recursos para pagar, pelo que não se entende como é que o Tribunal “a quo” conclui que não se verifica existir justa causa para revogação do “mandato” porque diz o Tribunal “a quo” que essa segunda perspectiva de venda foi frustrada com a doação do imóvel entre os RR.
LVII - E diz o Tribunal “ a quo” que os RR., ora Recorrentes, preferiram doar o imóvel nº ...78 à sua filha em vez de diligenciar pela revogação expressa da procuração junto do Autor AA, quando o Tribunal “a quo“ tem conhecimento pelas informações juntas aos autos pelo Ministério Público de Albufeira referente à queixa-crime apresentada pelo R. EE contra o Autor AA, pelo crime de falsificação, que este em janeiro de 2019 ainda não tinha sido constituído arguido, por se furtar às notificações.
LVIII - Pelo que, também por essa via, da justa causa da revogação, não podia o Tribunal “a quo” ter condenado os ora Recorrentes a pagar uma indemnização ao A. AA.
LIX - Nem poderia o Tribunal “a quo” ter atribuído uma indemnização ao A. AA, da forma que o fez, e sem que este a tivesse peticionado, pois nada foi alegado pelos AA. quanto à revogação de mandato, interesse do mandatário, e muito menos o prejuízo efetivamente sofrido pelo mandatário por essa alegada revogação do mandato irrevogável.
LX - Eram os AA. que teriam que alegar, os pressupostos do seu direito à indemnização, nos termos do art.342º, nº1, do CC; o que inclui necessariamente a alegação dos factos que integram o prejuízo, qual o prejuízo efetivamente sofrido, em conformidade com a exigência da teoria da diferença.
LXI - Os Autores não cumpriram o ónus de alegação, pelo que não pode o Tribunal “a quo” suprir essa omissão, e mais não podia o Tribunal “a quo”, oficiosamente, alterar a causa de pedir e o pedido, da pretensão dos AA., para o mandato, que aliás, os Autores expressamente nos seus articulados, nunca aceitaram a existência de mandato, nem recorrer à equidade pois nem se trata de insuficiência de factualidade alegada.
LXII - Nem podia o Tribunal “a quo” fixar essa indemnização como se o alegado mandato que refere, tivesse sido cumprido, atribuindo ao A. AA uma indemnização, com vista à satisfação do interesse contratual positivo, o que nunca podia proceder, pois diz na sentença, se na ação em que os ora réus foram autores e em que foi acordado atribuir ao autor AA um montante correspondente a 21% do preço da venda do imóvel nº ...77, ficando 79% do mesmo para os ali autores e aqui réus EE e FF, então nessa medida, o Tribunal fixa o valor de 300 000€ para o prédio ...78 (que os RR. doaram à sua filha, e que não foi vendido), considerando a fixação de uma indemnização equitativa um prejuízo de € 300.000, e que assim 21% do mesmo serão € 63.000, montante que estima o prejuízo do mandatário pela revogação do mandato.
LXIII - Por outro lado, o acordo que foi feito na referida ação, na qual acordaram para pôr fim ao litigio, a condenação do A. AA, aí Réu a pagar aos RR, aí AA, a quantia de 30 000€, não pode ser interpretado como o Tribunal “a quo” de sua iniciativa fez, para fixar arbitrariamente e injustamente uma indemnização ao A. AA de 63 000€.
Do acordo não resulta que os RR. aí AA. reconhecessem que o A. AA, aí Réu, teria direito a uma percentagem de 21% de qualquer preço de venda.
LXIV - O imóvel não foi vendido e não ficou provado o valor do mesmo. Como é que o Tribunal “a quo” considera justo atribuir a percentagem de 21% de 300 000€ ao A. AA, como compensação por uma hipotética venda que não se realizou, a pagar pelos Réus EE e FF, e quando o A. AA nem sequer é agente imobiliário, tanto que pretendia solicitar os serviços de imobiliárias, e os RR. se tivessem contratado agente imobiliário para vender, teriam apenas de pagar 5%, que é o normal de comissão, do preço de venda.
LXV - O critério utilizado pelo Tribunal “a quo” para o cálculo de indemnização é arbitrário, não tem nada de justo, nem de equitativo, nem mesmo o valor atribuído oficiosamente pelo Tribunal ao imóvel, para o cálculo da indemnização.
LXVI - Aliás, a procuração não dava poderes ao A. AA para vender terreno para construção. O A. AA apenas tinha procuração para vender o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...78, composto por cultura arvense, conforme doc. 2 junto à P.I.. E o A. pretendia vender um terreno para construção, com potencialidade edificativas, para construção de armazéns segundo a A. CC anunciou na Internet conforme referido pela testemunha HH, ora a procuração não dava poderes para tal.
LXVII - Nem resultou provado que o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...78, que é composto por cultura arvense, e que constitui uma das três partes do artigo matricial rústico ..., tem o valor de 275 000,00 € ou mais.
LXVIII - O mesmo não tem viabilidade de construção aprovada. O que foi apresentado na Câmara Municipal de Albufeira em agosto de 2016 foi um pedido de reapreciação do processo de viabilidade de construção para um prédio misto, que não é de propriedade dos RR., conforme documento junto em audiência de julgamento.
LXIX - E resultou provado que os valores promocionais de venda eram indicados pela A. CC, e os documentos que indicavam não correspondiam ao prédio objeto da procuração, conforme se prova pelos docs. 10, 12 e 13 da P.I., e não eram de propriedade dos RR., prova disso é a declaração anexa à cópia do cheque, junto à P.I. como Doc.10, bem como o doc. nº 12 junto à P.I., e o pedido apresentado na Câmara.
LXX - Também não se provou que o A. AA tivesse celebrado um contrato de mediação imobiliária com o agente, HH, tendo em vista a venda do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o nº ...78, composto por cultura arvense, pelo preço de € 350 000,00, e se esse prédio rústico tem esse valor.
LXXI - Não podia pois o Tribunal “a quo” de sua iniciativa fixar arbitrariamente o valor de 300 000€ ao imóvel, conhecendo pela documentação do imóvel, que o mesmo é composto por cultura arvense, que também se insere em zona de reserva agrícola nacional, e desconhecendo efetivamente a área do mesmo em que é permitida construção, pois não foi feita tal prova.
LXXII - Pelo que, não podiam os RR, Recorrentes, ter sido condenados a pagar uma indemnização ao A. AA e muito menos em juros desde a citação.
LXXIII - Assim como, a douta decisão recorrida não é justa de Direito ao não ter condenado os Autores em litigância de má-fé, uma vez que se verificam os respetivos pressupostos.
LXXIV - Pela que a douta decisão recorrida violou o disposto nos arts. 5º, 3º, 609º, 542º do C.P.C. e arts. 262º, 342º , 1157º e 1172º do C.C. .
Nestes termos e nos mais de Direito que V.Exas. como sempre mui doutamente suprirão, deve ser dado integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências.
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II –B) DA RESPOSTA DOS AUTORES
Contra-alegaram os autores/recorridos, em articulado de resposta, sustentando que deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelos réus, mantendo-se dessa forma inalterada a decisão recorrida.
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III – A) DO RECURSO SUBORDINADO
Porém, os mesmos autores vieram apresentar recurso subordinado, invocando “o disposto nos artigos 633º, n.ºs 2 e 5, e 638º, n.ºs 5 e 7, ambos do CPC”, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) A sentença recorrida deu a matéria dos artigos “11º”, “38” e “39” da p.i. como não provada, concluindo, em suma, pela inexistência de uma relação subjacente à emissão da procuração objeto dos autos, fosse ela qual fosse.
2) Não é essa, porém, a leitura que os ora Recorrentes fazem da prova produzida, incluindo as declarações de parte dos Autores, que nesta matéria foram parcialmente corroboradas pela prova testemunhal.
3) A convicção do Tribunal tem de se basear na globalidade da provada produzida, sendo que a boa decisão da causa reside numa prudente e criteriosa análise dos depoimentos das testemunhas ouvidas o que, salvo o devido respeito, não aconteceu relativamente a tal matéria.
4) Assim, importa destacar algumas passagens da prova testemunhal produzida que se mostram coerentes e consentâneas com a realidade dos factos, e que não foram corretamente valorizadas pela sentença recorrida, nomeadamente o depoimento da testemunha “MM”.
5) A propósito da matéria dos artigos 11º, 38º e 39º da p.i., a referida testemunha MM, no seu depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 12/09/2019, declarou que os Autores CC e DD apenas receberam uma parte do preço que lhes competia da venda dos prédios, uma vez que o acordo que havia com os Réus é que os prédios rústicos ficariam para o Autor AA; igualmente, a mesma testemunha “MM” referiu que o dinheiro que adviesse da venda dos prédios objeto da procuração irrevogável seria para o Autor AA , (cfr. passagens “04m00s a 18m32s” e “42m52s a 44m47s”).
6) Sobre tal matéria haverá ainda que ter em conta as declarações do Autor “AA” prestadas na audiência de julgamento realizada em 28/11/2019, o qual declarou que a emissão da procuração irrevogável em seu nome não teve a ver com o facto de os pais não poderem ter os prédios em seu nome, simplesmente queriam desde logo deixar para os filhos os imóveis em questão, (cfr. passagens “04m40s a 05m46s”),
7) Sendo que, a prova produzida nos autos explicou a razão de a procuração irrevogável não ter sido emitida também em nome da filha dos Autores “CC” e “DD”.
8) Assim, veja-se as declarações da Autora “CC” prestadas na audiência de julgamento realizada em 18/12/2019, a qual confirmando que os imóveis objeto da procuração eram para os filhos, sem prejuízo daqueles os poderem vender posteriormente a terceiros e ficarem com o dinheiro, explicou a razão da mesma procuração não ter sido emitida a favor da filha “MM”, que tinha a ver com o facto de o marido da mesma ter problemas na empresa do pai na qual também era sócio; Já quanto ao facto do contrato-promessa de compra e venda (documento de fl. 172 e 173 – doc. 8 da p.i.) assinado pelo Réu EE, na qualidade de promitente-vendedor, ter uma data anterior à própria escritura de compra e venda dos prédios em questão, a mesma Autora “CC” explicou que o objetivo foi assegurar de alguma forma que o referido Réu honrava o compromisso de os imóveis serem para o Autor “AA”, (cfr. passagens “05m54s a 15m01s” e “31m47s a 38m39s”).
9) No contexto de como as coisas se passaram, isto é, considerando que aos Réus “EE” e “FF” apenas lhes interessava o imóvel “urbano”/misto n.º 11532, mas que o negócio apenas se concretizava caso a venda incluísse os três prédios (cfr. facto provado n.º 8), à luz das regras das regras da experiência comum a explicação avançada pela Autora “CC” mostra-se sustentada e convincente.
10) Face aos excertos dos depoimentos transcritos e cujas passagens se indicaram resulta evidente que a sentença recorrida avaliou mal a prova produzida nos autos, ao dar como não provada a factualidade exarada em “11”, “38” e “39” dos factos não provados.
11) A matéria constante de tais artigos foi abordada pela mencionada testemunha “MM”, que sobre ela revelou ter conhecimento direto, depondo de forma informada, séria, espontânea e coesa, revelando pleno conhecimento da situação relacionada com a procuração irrevogável dos autos, assim como da forma como desenrolou e concretizou negócio com os Réus.
12) Também os Autores “AA” e “CC” depuseram nos autos de forma sincera e séria, tendo as suas declarações sido corroboradas pela referida testemunha “MM”, encontrando-se aliás de acordo com a prova documental e com as regras da experiência comum.
13) Atenta a prova produzida, documental e testemunhal supra transcrita, e os factos tidos como assentes, impõe-se que este Venerando Tribunal da Relação altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 662º do CPC, dando como provada a matéria exarada nos identificados pontos dos factos não provados.
14) O Tribunal recorrido deveria ter valorado positivamente o depoimento da aludida testemunha “MM”, uma vez que a versão dos factos relatada pela mesma corresponde à realidade, encontrando amparo na prova documental junta aos autos e na restante prova produzida.
15) Inexistindo fundamento que pudesse abalar a idoneidade da testemunha supra mencionada, que prestou um depoimento sincero e informado, nem tal tendo sido contraditado, a verdade é que, salvo o devido respeito, e não obstante o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal recorrido não o valorou corretamente.
16) A aludida testemunha “MM” cujo depoimento, na parte relevante para o presente recurso se deixou transcrito com indicação das passagens, demonstrou ter conhecimento direto dos factos, depondo com seriedade, objetividade, no fundo, com verdade, não se vislumbrando razão para a sentença recorrida ter operado uma incorreta valoração do mesmo.
17) Igualmente, deveria o Tribunal a quo ter valorado melhor as declarações dos Autores “CC” e “AA”, este último, aliás, que nas palavras da sentença recorrida se “afigurou depor de modo mais conforme com o que seria de esperar em face das regras da experiência comum, com serenidade.
18) Uma apreciação crítica, conjugada e concatenada do conjunto da prova produzida, concretamente o depoimento da referida testemunha, as declarações dos Autores e a documentação que instrui os autos, impunha que o Tribunal recorrido desse como provada a identificada matéria dos factos não provados e, tendo em conta os demais factos provados, julgasse, consequentemente, a ação procedente, condenando os Réus no peticionado.
19) Sendo notória, conforme se demonstrou, a desconformidade entre os elementos de prova disponíveis, maxime a prova testemunhal, e a decisão recorrida, nos concretos pontos impugnados supra elencados, pois que a testemunha relatou uma versão dos factos confirmadora do alegado pelos ora Recorrentes.
20) Assim, face à matéria dada como não provada acima discriminada e que, face ao depoimento e declarações supra transcritos, deveria ter sido dada como provada, bem assim tendo em conta os demais factos provados, impõe-se que o Tribunal ad quem proceda à reapreciação da matéria de facto.
21) Porquanto, os factos objeto de impugnação são suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica e determinar a prolação de uma decisão diferente da proferida, no sentido de condenar a Réus/Recorridos no peticionado nos autos.
22) Como é sabido, a reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, sendo que no caso dos autos a decisão da matéria de facto enferma de insuficiências, conforme supra demonstrado.
23) Os Recorrentes indicaram supra os pontos de facto que no seu entender merecem resposta diversa, como também indicaram os elementos de prova que no seu entendimento levam à alteração requerida, tendo inclusivamente transcrito os trechos e indicados as passagens dos depoimentos no segmento relevante para a decisão.
24) Como é doutrinal e jurisprudencialmente pacífico e assente, a atividade judicatória na valoração dos depoimentos deve atender a uma multiplicidade de fatores, que têm a ver, entre outros, com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural.
25) Uma análise ponderada do depoimento da testemunha “MM” e das declarações dos Autores supra transcritos, conciliados com a demais prova produzida, nomeadamente documental, permite concluir que os mesmos revestem algumas daquelas características, inexistindo fundamento para ter ocorrido a sua desvalorização por parte do Tribunal recorrido, ainda que parcialmente.
26) Ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou os princípios que norteiam a instrução do processo, entre outros, o disposto nos artigos 411º e 413º, bem assim o disposto no artigo 607º, n.ºs 4 e 5, todos do CPC.
27) Dando-se como provados tais factos – “11”, “38” e “39” dos factos não provados – deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgando procedente a ação, condene os Réus/Recorridos no pedido, existindo, igualmente, razões de Direito para o peticionado.
28) Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (artigo 262º, n.º 1 do CC).
29) A procuração extingue-se quando o representado a revogar (artigo 265º, n.º 2 do CC).
30) Apenas quando a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa (artigo 265º, n.º 3 do CC).
31) Assente a factualidade exarada em “11”, “38” e “39” dos factos não provados, da mesma conclui-se pela existência de uma relação subjacente que levou à emissão da procuração irrevogável, pelo que a solução para o caso dos autos terá de ser outra.
32) A relação subjacente é a causa da procuração.
33) A prova produzida, documental e testemunhal referida revelou que o Autor AA tinha verdadeiramente um interesse subjacente à emissão da procuração, que consistia no facto de ficar titular dos prédios objeto da procuração, incluindo o dos autos, tendo sido essa a pretensão dos seus pais aqui Autores aquando do negócio celebrado com os Réus EE e FF, que o conheciam e aceitaram-no nessas condições já que de outra forma não se realizaria.
34) Sendo essa, aliás, a realidade que mais se coaduna com o facto de findos mais de 10 anos sem a transmissão dos imóveis objeto da procuração e concluída a ação que onerava os mesmos, continuou a ser a Autora CC e, posteriormente, o Autor AA, a tratar os assuntos referentes aos mesmos, nomeadamente através da celebração de contratos de mediação imobiliária, com vista à respetiva venda futura, (cfr. factos provados).
35) O princípio geral, em face da lei, dispõe que havendo apenas uma procuração, se há interesse do mandatário, não se poderá revogar a mesma; se não houver interesse do mandatário, a procuração é livremente revogável e a revogação não dá lugar a qualquer indemnização.
36)Tendo resultado demonstrado que a procuração foi conferida também no interesse do procurador, a convencionada irrevogabilidade só poderia ser derrogada se houvesse acordo do procurador, a menos que existisse justa causa (artigo 265º, n.º 3 do CC).
37) Ocorre que, não resultou provado qualquer acordo do procurador, nem os Réus EE e FF invocaram a existência de justa causa para a revogação da procuração.
38) Os Réus EE e FF jamais tomaram a iniciativa de invocar a existência de justa causa e diligenciar pela revogação expressa da procuração junto do Autor AA (ponto “26” dos factos provados), antes preferindo doar o imóvel n.º ...78 à sua filha GG, Ré nos autos.
39) Com essa doação, os Réus revogaram a procuração, pelo menos, tacitamente, a qual era uma procuração irrevogável.
40) A doação implicou que os efeitos a conseguir com a procuração não mais poderiam ser alcançados, pelo que houve de facto uma revogação tácita da procuração, com a outorga da escritura de doação.
41) Sendo inválida a doação, importa que esse ato seja revertido pelo Tribunal ad quem, conforme os Autores peticionaram, permitindo a prova produzida nos autos essa solução, nos termos expostos.
42) Porém, caso assim não se entendesse, sempre deve haver lugar ao reconhecimento a um direito indemnizatório a favor do Autor “AA”, na qualidade de procurador.
43) Substancialmente inválida, pois, a revogação, é devida uma indemnização ao Réu AA consequência dessa revogação unilateral da procuração.
44) Na esteira do decidido pelo Tribunal a quo, tomando por base uma média efetuada entre o valor de € 275.000,00 comprovado do contrato-promessa celebrado com a sociedade “Euroapelo” (de II) e o valor decorrente do contrato de mediação imobiliária (do Sr. HH) que retratava a expetativa dos Autores de receber € 350.000,00, essa indemnização deverá ser fixada em valor não inferior a € 300.000,00, o qual se contém no pedido.
45) Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou os princípios que norteiam a instrução do processo, entre outros, os artigos 411º e 413º do CPC, bem assim o disposto no artigo 607º, n.ºs 4 e 5, do CPC, e os artigos 262º, 265º, n.º 3, ambos do CC.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso subordinado interposto pelos Autores e, em consequência, ser proferida decisão que proceda à modificação da matéria de facto nos termos supra peticionados, por força do artigo 662º do CPC e, em consequência:
a) Sendo inválida a doação, esse ato ser revertido pelo Tribunal ad quem, conforme os Autores peticionaram, permitindo a prova produzida nos autos essa solução, nos termos supra expostos.
Ou, caso assim não se entendesse,
b) Ser reconhecido ao Autor AA, na qualidade de procurador, o direito indemnizatório pela revogação ilícita e sem justa causa da procuração dos autos, o qual deverá ser fixado em valor não inferior a € 300.000,00 nos termos supra expostos.
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III – B) DA RESPOSTA DOS RR AO RECURSO SUBORDINADO
Os réus, recorridos no recurso subordinado, responderam defendendo que este deve ser julgado improcedente, com todas as legais consequências, no caso de ser considerado admissível – pois antes do mais consideram que o recurso subordinado interposto pelos autores é inadmissível visto que pretende controverter matéria da decisão com a qual os recorrentes já se haviam conformado.
Dizem os RR, em suma, que a julgar-se o recurso deve seguir-se o entendimento da sentença recorrida na parte em que esta declarou não ser irrevogável a procuração, porque não foi provada a relação subjacente à emissão da mesma fosse ela qual fosse, bem como o interesse próprio do autor AA à sua outorga, e assim não assistir aos autores qualquer direito a qualquer indemnização pela revogação tácita da referida procuração.
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IV – A MATÉRIA DE FACTO
Passamos a transcrever a factualidade que na sentença recorrida foi considerada provada e com relevância para a decisão da causa, assinalando também no local próprio as alterações introduzidas em resultado do julgamento da impugnação deduzida por via de recurso:
1- Os Autores CC e DD são pais do Autor AA (resposta ao artº 1º da p.i.).
2- Por escritura pública de habilitação e compra e venda lavrada no Cartório Notarial de Albufeira, em 24 de novembro de 2000, de folhas 131 a folhas 133 v, do Livro de Notas para escrituras diversas número 61E, os ora aqui RR., EE e FF, à data casados, adquiriram a JJ, KK, CC (ora aqui A.) e LL;
- Pelo preço de um milhão de escudos, o prédio rústico, com a área de 9640 m2, no sítio de ..., da freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...16, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... da secção Q (parte) e,
- Pelo preço de um milhão de escudos, o prédio rústico, com a área de 9960 m2, no sítio de ..., da freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...16, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... da secção Q (parte), e aí, na identificada escritura pública de habilitação e compra e venda, os referidos vendedores (incluindo a ora aqui A. CC e marido) declararam ter recebido do comprador o indicado preço e deram como efetuada a venda (resposta aos artºs 3º e 4º da p.i., 3º da contestação e 15º da resposta).
3 - E, por escritura pública de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de Albufeira, em 07 de março de 2001, os ora RR., EE e FF, à data casados, adquiriram a JJ, KK, CC (ora A.) e LL, pelo preço de cinco milhões e setecentos mil escudos, o prédio misto, com a área de 5202 m2, no sítio de ..., da freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...03, inscrito nas respetivas matrizes: cadastral sob artigo ... da secção Q (parte) e predial urbana sob o artigo ...92, sendo a parte rústica vendida pelo preço de três milhões de escudos e a parte urbana pelo preço de dois milhões e setecentos mil escudos, e aí, na identificada escritura de compra e venda, os referidos vendedores (incluindo a aqui A. CC e marido) declararam ter recebido do comprador o indicado preço, e deram como efetuada a venda, tendo os compradores, ora RR, registado a sua aquisição na Conservatória do Registo Predial de Albufeira em 03 de abril de 2001 (resposta aos artºs 5º da p.i., 4º da contestação e 15º da resposta).
4 - Pelas vendas referidas em 2 e 3 destes factos provados, não obstante o declarado nas respetivas escrituras, os vendedores receberam dos RR. um total de 17.000.000$00 (resposta aos artºs 53º e 54º da contestação).
5 - Foi registada a favor dos Réus EE e mulher, pela AP. 16 de 10 de dezembro de 2001, a aquisição do prédio rústico sito nos ..., concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...16, feita à aqui Autora “CC” e a familiares desta, “JJ”, “KK” e “LL” (resposta ao artº 2º da p.i.).
6 - O prédio nº ...03 veio a ser, pelos RR. EE e FF, vendido, por escritura pública de compra e venda outorgada em 3 de fevereiro de 2003, a NN e mulher OO (resposta ao artº 4º da contestação).
7- Os Autores CC e marido e os seus familiares referidos em 2 e 3 destes factos provados não pretendiam, ao tempo dos negócios aí referidos, ter os imóveis 11477, 11478 e 11532 em seu nome (resposta aos artºs 12º da p.i. e 56º e 57º da contestação).
8 - Não obstante o Réu EE ter manifestado interesse na compra apenas do prédio nº ...03, os vendedores transmitiram-lhe que o negócio da venda só se concretizava com a compra dos três prédios (11477, 11478 e 11532), o que o réu EE aceitou, na condição de o acréscimo de preço (pela compra dos imóveis 11477 e 11478) vir a ser por si considerado aceitável, o que efetivamente sucedeu, vindo os RR. EE e FF a adquirir os três prédios em conjunto, por ser a única forma de adquirir o nº 11532, o único que realmente, ao tempo, interessava ao Réu EE, sendo que vendedores e compradores julgavam, à data, que os imóveis nºs 11477 e 11478 não tinham aptidão edificativa (resposta aos artºs 6º, 37º, 43º e 51º da p.i. e 16º, 18º e 34º da resposta).
9 - Após a aquisição dos três prédios pelos Réus EE e FF, os Autores DD e CC acordaram com o Réu marido que os ditos Autores tratariam do destino a dar aos dois prédios rústicos, 11477 e 11478, uma vez que o interesse principal desse Réu era o prédio ...32, e o mesmo não tinha interesse em manter os outros terrenos, que não eram aptos para a agricultura nem para a construção, sendo que o A. DD tinha um gabinete de projetos e tinha conhecimentos na área do imobiliário, o que poderia passar pela futura compra dos imóveis pelos referidos Autores, pelo seu filho, o A. AA, ou pela venda a terceiro (resposta aos artºs 7º, 8º e 12º da p.i. e 17º da resposta).
10 - Em 11 de dezembro do ano 2000, no Cartório Notarial de Albufeira, os Réus EE e mulher emitiram a favor do Autor AA, à data solteiro e maior, a procuração cuja cópia se encontra junta à P.I. como documento nº 7, e aqui se dá por reproduzida, da qual consta, nomeadamente que lhe conferem: “os poderes para vender, inclusive ao próprio mandatário o prédio rústico sito em ..., da freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...77, e o prédio rústico sito em ..., da freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...78, receber os preços correspondentes, dar quitações, outorgar e assinar os contratos promessa e respetivas escrituras; para os representar junto de quaisquer Repartições Públicas, nomeadamente Conservatória do Registo Predial de Albufeira onde poderá requerer quaisquer atos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamento, prestando declarações complementares se necessário.”, sendo ainda que não consta do texto da procuração que o mandatário fica dispensado de prestar contas (resposta aos artºs 13º, 14º, 15º, 19º, 41º e 47º da p.i., 10º, 21º e 59º da contestação e 13º, 19º, 28º e 30º da resposta).
11 - Em 16 de Novembro de 2000 foi elaborado um contrato-promessa de compra e venda, cuja cópia se encontra junta como documento 8 da p.i., e aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual constava que, os Réus EE e mulher prometiam vender, e o Autor AA prometia comprar, livres de quaisquer ónus ou encargos, os dois prédios rústicos, 11477 e 11478, que o preço total da venda era de 2.300.000$00, o qual seria pago na data da realização da escritura pública de compra e venda, e que a escritura seria realizada no prazo de 90 dias a contar da data da assinatura do contrato, a marcar pelo A. AA, sendo ainda que a R. FF não outorgou o dito documento e que o próprio A. AA não executou nenhum ato previsto no mesmo, nomeadamente, não formalizou a escritura necessária à aquisição para si dos imóveis e não pagou o preço (resposta aos artºs 16º a 18º e 42º da p.i., 46º a 50º e 58º da contestação e 20º da resposta).
12 - Posteriormente às vendas referidas em 2 e 3 destes factos provados, viram-se os RR. EE e FF confrontados com uma ação judicial intentada em 6 de maio de 2003, contra si e contra os vendedores, JJ, KK, CC (e marido) e LL, por terceiros, que invocavam ter comprado os imóveis nºs 11477, 11478 e 11532 a KK, mas não registado a aquisição, ação que correu seus termos no Tribunal Judicial de Albufeira sob o nº 812/03.3TBABF do extinto 2º juízo e foi registada na Conservatória do Registo Predial sobre os imóveis em causa, pela Ap 43, de 6 de setembro de 2005 (resposta aos artºs 5º e 7º da contestação).
13- Tal ação veio a improceder, em última instância por acórdão do STJ de 6 de novembro de 2012, junto aos autos como documento nº 2 da contestação, do qual consta, nomeadamente, que:
No Tribunal Judicial de Albufeira, PP, QQ, RR, SS, e TT, intentaram acção declarativa com processo ordinário, contra JJ, KK, CC e marido DD, LL, EE e mulher FF, peticionando que:
a) Seja julgada ineficaz a transmissão mortis causa, por óbito de KK dos imóveis identificados na petição inicial;
b) Seja julgada nula a compra e venda feita a favor dos Réus EE e mulher FF e consequentemente sejam cancelados os registos das inscrições G-2, G-3, G-S e G-6, dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob os números ...16, ...16 e ...03;
c) Sejam os Autores declarados como únicos e legítimos proprietários dos referidos prédios; d) Sejam os Réus EE e mulher FF condenados a restituir aos Autores os referidos prédios;
e) E a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a sua utilização por parte do Autores.
Como sustentáculo do peticionado alegam, em síntese:
Por escritura pública outorgada em 19/01/1981 os 1º, 2º e 3º Autores e ainda SS, UU e VV, pelo preço de 3.500.000$00, adquiriram, em comum e partes iguais, a KK, os prédios rústicos actualmente descritos na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob os números ...16 e ...16 e o prédio misto actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o número ...03.
Por escritura pública outorgada em 18/12/1983 UU e VV e mulher WW, venderam, em comum e partes iguais a SS, e aos 1º, 2º e 3° Autores, o direito a 2/ de cada um dos prédios atrás indicados.
Por óbito, sucessivamente, de SS e da sua mulher XX, sucederam-lhe os descendentes, ora 4º e 5º Autores.
Em .../.../1988 faleceu KK, sucedendo-lhe os filhos KK e YY, os quais, tendo falecido, tiveram como sucessores, no caso do primeiro os ora 1° e 2° Réus, e no caso do segundo, os ora 3° e 4° Réus.
Por escritura pública de compra e venda outorgada a 24/11/2000, os 1°, 2°, 3° e 4° Réus venderam aos 5ºs Réus, os prédios acima identificados, os quais foram previamente inscritos no registo predial a favor de KK.
Na sequência dessa venda, os referidos prédios encontram-se actualmente inscritos a favor dos 5° Réus.
Os Autores que por contrato de compra a venda adquiriram o direito de propriedade dos prédios a KK, viúvo, independentemente de não terem levado ao registo predial essa aquisição, razão porque nunca o referido KK poderia ter transmitido esse bem aos seus sucessores (transmissão essa que deverá ser qualificada como inexistente). Por isso, careciam os 1º a 4º Réus de legitimidade para venderem os prédios, venda essa que é nula, e não podendo ser aposta aos Autores por nenhum dos Réus ter a qualidade de terceiro para os efeitos previstos no art.º 5º, n.º 1, do Código de Registo Predial.
[…]
Os Réus EE e mulher FF para além de impugnarem parcialmente os factos, alegam que os Autores são partes ilegítimas, por estarem desacompanhados dos respectivos cônjuges e invocam a sua própria ilegitimidade, alegando que já venderam o prédio misto.
Sustentam, também, que a compra feita pelos Autores é ineficaz, por a escritura ter sido outorgada pela Sr. Dr. ZZ como gestor de negócios dos compradores e os gestidos UU e VV nunca terem ratificado o negócio. Do mesmo modo, no que respeita à venda feita em 1983, também não foi ratificada pelo Autor RR a gestão exercida por SS, assim como nessa escritura não outorgou, nem deu o consentimento à venda, a mulher de UU, que era casado sob o regime de comunhão de adquiridos.
Deverão ser considerados como terceiros e que adquiriram confiados no registo e agindo de boa-fé, sendo que os Autores nunca inscreveram a aquisição no registo predial, razão porque a compra que fizeram não lhes é oponível, não tendo também a presente acção sido instaurada no prazo de 3 anos contado da aquisição.
Também, vieram deduzir pedido reconvencional pedindo que se declare os Réus contestantes donos e legítimos proprietários dos prédios e válida a transmissão que depois os Réus contestantes fizeram, alegando para tanto que sempre adquiriram o direito por usucapião.
Por seu turno, os Réus JJ, KK, CC e marido DD, impugnam parcialmente a factualidade alegada pelos autores, salientando desconhecerem as aquisições a que se referem os Autores, sustentando que os prédios eram propriedade de KK desde 1965 e que o respectivo direito foi transmitido aos seus sucessores.
Salientam que os negócios ocorridos em 1981 e 1983 e indicados na petição inicial, são ineficazes por nem todos os gestidos terem ratificado a gestão de negócios feitas pelos gestores, acrescendo que em razão da falta de registo, as alegadas compras feitas pelos Autores são inoponíveis aos terceiros, qualidade que deverá ser atribuída aos Réus, que agiram de boa-fé.
[…]
Os Autores requereram a intervenção principal provocada de NN e mulher OO, alegando que os Requeridos adquiriram aos 5ºs Réus o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o número ...03, pedindo a condenação destes nos termos já formulados na petição inicial e ainda que seja julgada nula a compra e venda que fizeram do prédio descrito na C.R.P. de Albufeira sob o nº ...03, cancelando-se o respectivo registo, a qual veio a ser admitida por decisão de fls. 250 e 251.
Os Autores requereram, também, a intervenção principal provocada de AAA, BBB e CCC, em todos com fundamento na qualidade de cônjuges dos Autores, pretendendo suprir, assim, a invocada excepção de ilegitimidade activa invocada pelos Réus, o que foi admitido por decisão de fls. 25 e 251.
Os intervenientes NN e mulher OO vieram apresentar contestação impugnando parcialmente os factos alegados pelos autores, salientando que as compra e venda invocadas por estes, foram outorgadas por gestor de negócios, sem que todos os gestidos ratificassem a gestão, razão porque os negócios são ineficazes perante os compradores. Alegam também que deverão ser considerados como terceiros e de boa-fé, tendo adquirido o prédio confiados no registo predial e sem que tivesse sido instaurada ou registada a acção nos três anos subsequentes ao negócio, invocando, também, a aquisição do direito de propriedade por usucapião.
A título subsidiário, deduzem pedido reconvencional peticionando que sejam reconhecidos donos e legítimos possuidores do prédio que adquiriram e que seja declarada válida essa aquisição.
[…]
Antes de sua abordagem, vejamos quais os factos que as instâncias deram como provados:
1- Por contrato celebrado por escritura pública outorgada em 19/01/1981 KK, viúvo, declarou vender a PP, casado, QQ, casado, UU, casado, SS, casado, VV, casado c RR, casado, e ZZ na qualidade de gestor de negócios dos atrás referidos declarou que para os seus gestidos aceitava o contrato, pelo preço de 3.500.000$00, os seguintes prédios:
a) Rústico, inscrito na matriz sob os artigos ...65 e ...66, a que corresponde na matriz cadastral actual o artigo ... secção Q (parte), descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob os números ...50, f1s. 7 v. e ...51, fls. 8, do livro B-17 (actual inscrição número imóvel ...77 e ...16, respectivamente);
b) Misto, inscrito na respectiva matriz, a parte urbana sob o artigo ...92 e rústica sob os artigos 3467 e ...68, actualmente, a ... secção Q (parte), descrito na mesma Conservatória sob o n. ...34, fls. 21 V., do livro B-4 (actual inscrição ...03).
2 - Os Autores não registaram tal aquisição.
3- Por instrumento de ratificação lavrado no Cartório Notarial de Oeiras em 11/05/1999, PP, QQ, SS e RR, declararam ratificar para todos os efeitos a gestão de negócios exercida pelo Dr. ZZ na escritura pública de compra e venda outorgada em 19/1/1981, lavrada a fls. 146, do livro 119-C, do 1 Cartório Notarial de Loulé.
4- por escritura pública de compra e venda, outorgada em 18 de Dezembro de 1983, no Cartório Notarial de S. Brás de Alportel, a fls. 56 a 58 do livro de notas para escrituras diversas 33-B, em que foi primeiro outorgante UU que outorgou por si e na qualidade de procurador de VV e mulher WW e segundos outorgantes SS, que outorgou por si e na qualidade de gestor de negócios de PP e de QQ e RR declarou o primeiro outorgante vender aos segundos e aos seus gestidos, pelo preço de 1.160.000$00, que declarou já ter recebido, duas fracções dos prédios que a seguir indica, e sitos no lugar de ..., freguesia e concelho de Albufeira, de que os adquirentes são os restantes comproprietários;
- Dois sextos de um prédio rústico, constituídos por terra de semear com árvores, inscrito na respectiva matriz nos artigos ...65 e ...66, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n....50 e ...51, respectivamente a fls. 7 V. e 81 do Iv. B-17;
- Dois sextos de um prédio misto, composto por uma morada de casas com vários compartimentos para habitação em ruínas, e terra de semear com árvores, inscrito na matriz predial urbana no artigo ...92, e na rústica nos artigos 3.467 e ...68, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n....34, a fls. 21 do Iv. B-4;
Nessa escritura, pelos segundos outorgantes foi declarado que, nas qualidades em que outorga, aceita para ele e seus gestidos a venda.
Ainda nesta escritura pública consta que foi arquivada a procuração referida naquela.
5 - Por instrumento de ratificação lavrado no Cartório Notarial de S. Brás de Alportel em 3/05/1999, PP e QQ, declararam ratificar em todos os seus termos a escritura de compra e venda lavrada em 18/12/1983, a fls. 56, do Iv. 56, do Cartório Notarial de S. Brás de Alportel, em que outorgou como gestor de negócios SS.
6 - SS faleceu no dia .../.../2001.
7 - Por escritura pública de habilitação de herdeiros, outorgada em 10 de Setembro de 2001, no Cartório Notarial de Alenquer, a fls. 80 e 80v., do livro de notas para escrituras diversas 155-F, XX declarou que faleceu SS, sucedendo-lhe a declarante e os seus filhos SS e TT.
8 - XX faleceu no dia .../.../2002.
9 - Por escritura pública de habilitação de herdeiros, outorgada em 19 de Junho de 2002, no 21 Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 59 e 59v., do livro de notas para escrituras diversas n.2 304-M, SS declarou que faleceu XX, sucedendo-lhe o declarante e TT.
10 - Em .../.../1988 faleceu DDD, no estado de viúvo, sendo que, pelo menos YY, era filho do atrás referido.
11 - Na relação de bens apresentada por óbito de KK não constam os prédios identificados na alínea A), sitos em ..., freguesia e concelho de Albufeira.
12 - Em 28/12/1998, a ora Ré, JJ, viúva de KK, apresentou uma relação adicional de bens, para ser junta ao Processo de imposto sucessório número 33.602, por óbito de KK.
13 - Em 22/09/99, a mesma JJ, vem novamente ao Processo de Imposto Sucessório número 33.602, para completar a relação de bens adicional apresentada em 28/12/98, apresentar nova relação adicional de bens.
14 - Desta nova relação adicional de bens constam dois prédios rústicos (verbas 1 e 2) e um prédio misto (verba 3), sitos em ..., freguesia e concelho de Albufeira, inscritos na matriz cadastral respectiva, a parte rústica sob o artigo ...° da secção Q e a parte urbana sob o artigo 1.392°.
15 - Os prédios rústicos relacionados sob as verbas 1 e 2, da referida relação de bens, encontram-se actualmente descritos na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob os números ...16 e ...16, respectivamente, (anteriormente sob os números ...50, fls. 7 e ...51, fls. 8 do livro B-17, respectivamente).
16 - O prédio misto relacionado sob a verba 3, encontra-se, actualmente, descrito na referida Conservatória sob o n....03, sendo que provém da descrição n....34, fls. 21 v. do livro B-4.
17 - Em 24.11.2000, por escritura de Habilitação e Compra e Venda, lavrada no Cartório Notarial de Albufeira, no livro de notas para escrituras diversas n.9 61-E, de fls. 131 a 133 v., os ora Réus JJ, KK, na qualidade de únicos herdeiros de KK, CC e LL, na qualidade de únicas herdeiras de YY, venderam aos ora também Réus, EE e mulher FF, o prédio rústico, no sítio dos ..., freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n....16, e inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo ...° da secção Q (parte) bem como do prédio rústico, no referido sítio dos ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n....16, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... da secção Q (parte) pelos R.R. contestantes.
18 - Por escritura pública de habilitação de herdeiros e compra e venda, outorgada em 24 de Novembro de 2000, no Cartório Notarial de Albufeira, a fls. 131 a 133 v. do livro de notas para escrituras diversas 61-E, JJ declarou que faleceu EEE, sucedendo-lhe a declarante e o seu filho KK.
19 - A aquisição do prédio misto, no sítio de ..., freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...03, inscrito na respectiva matriz a parte rústica sob o artiqo 6 da secção Q (parte) e a parte urbana sob o artigo ...92 pelos R.R. EE e mulher FF, foi efectuada por escritura pública de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de Albufeira, em 07/03/2001, e foi inscrita a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Albufeira em 03/04/2001.
20 - Tais prédios foram descritos na Conservatória do Registo Predial de Albufeira com aquisição a favor do Réu EE, através das apresentações 16/20011210 e 13/20010403 (provisória por dúvidas), convertida pela apresentação 03/20010921, respectivamente.
21 - Os referidos imóveis estavam registados em nome dos R.R., vendedores, por sucessão na morte de KK.
22 - De acordo com os registos prediais, tais prédios foram inscritos a favor de KK, viúvo, através das apresentações 14/991116 e 08/20000103, por via da partilha por morte de sua mulher.
23 - O registo dos prédios rústicos em nome dos R.R. vendedores, foi efectuado em 16/11/1999 e do prédio misto em 3/01/2000.
24 - A aquisição a favor dos Réus EE e mulher FF dos dois prédios rústicos foi registada em 10.12.2001 e do prédio misto em 3.04.2001.[…] (resposta aos artºs 6º da contestação e 10º e 11º da resposta, em conjugação com o teor do documento nº 2 da contestação).
14 - Os ora RR., EE e FF, foram nessa ação considerados terceiros de boa-fé, para efeitos de registo (por estarem convictos de que os imóveis que adquiriram aos herdeiros de KK, supra identificados, onde se inclui a ora A. CC, eram de propriedade destes, pois era o seu nome que figurava no registo predial como titulares dos imóveis, por sucessão hereditária), o que levou a que a ação judicial para reconhecimento do direito de propriedade, intentada por quem tinha comprado os imóveis a KK, mas não registado a aquisição, fosse julgada improcedente, referindo, designadamente o STJ que “Em suma, e ao contrário do que alegam os Recorrentes, os RR são terceiros para efeito de registo predial e nessa condição podem opor-lhes o negócio aquisitivo sobre aqueles prédios que inscreveram no registo em primeiro lugar.”, na última página do citado acórdão de 6 de novembro de 2012 (resposta aos artºs 6º da contestação e 10º e 11º da resposta).
15 - No uso da procuração referida em 10 destes factos provados, o A. AA vendeu, por €38.000 o prédio rústico n.º ...77 à sociedade “Euroapelo”, aquisição registada pela AP. 2256 de 27 de julho de 2017 (resposta ao artº 20º da p.i.).
16 - Usando a mesma procuração irrevogável o Autor AA acordou com a mesma “Euroapelo, S.A.” a futura venda do prédio rústico descrito na CRP de Albufeira sob o n.º ...16 a esta sociedade, pelo preço de €275.000,00, através do contrato-promessa de compra e venda de 26/05/2017, e subsequente aditamento de 29/05/2017, que se encontram juntos com a p.i. como documentos 12 e 13, sendo que as partes outorgantes no mencionado contrato-promessa nele não consignaram quaisquer consequências para a não celebração do contrato definitivo até 31/08/2017 (resposta aos artºs 25º da p.i., 35º a 37º e 44º da contestação e 21º e 24º da resposta).
- Por força do julgamento do recurso foi este ponto 16 alterado, ficando com a seguinte redacção:
“Usando a mesma procuração irrevogável o Autor AA acordou com a mesma “Euroapelo, S.A.” a futura venda a essa sociedade, pelo preço de € 275.000,00, do prédio descrito na CRP de Albufeira sob o n.º ...16, aí referido como rústico, através do contrato promessa de compra e venda de 26/05/2017, e subsequente aditamento de 29/05/2017, que se encontram juntos com a p.i. como documentos 12 e 13, onde o mesmo prédio é referido como composto de terreno para construção urbana, com potencialidade edificativa, sendo que as partes outorgantes no mencionado contrato-promessa nele não consignaram quaisquer consequências para a não celebração do contrato definitivo até 31/08/2017 (resposta aos artºs 25º da p.i., 35º a 37º e 44º da contestação e 21º e 24º da resposta).”
17 - Para compra do mencionado prédio rústico n.º ...77, a referida sociedade “Euroapelo” emitiu a favor do Autor AA três cheques do Banco Santander Totta, datados de 28/11/2016, 14/12/2016 e 10/02/2017, nos valores de € 10.000,00, € 20.000,00 e de € 8.000,00 respetivamente, no total de € 38.000,00 (resposta aos artºs 21º da p.i. e 40º da contestação).
18 - Da declaração anexa ao primeiro cheque emitido em 28/11/2016, no valor de € 10.000,00, constava o acordo das partes quanto ao valor de venda de cada um dos prédios rústicos, sendo que, quanto ao prédio rústico n.º ...77, por se tratar de um terreno agrícola, o valor acordado para a compra e venda foi € 38.000,00, mas, para o prédio rústico n.º ...78 o valor acordado para a compra e venda foi de € 275.000,00, por se tratar de um terreno que, à data do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a “Euroapelo”, já tinha potencialidade para edificação, (resposta aos artºs 22º a 25º da p.i.).
19 - Foi igualmente celebrado um contrato de mediação imobiliária com o agente HH, acordado com a A. CC, mas em nome do Autor AA, tendo em vista a venda do referido prédio rústico n.º ...16 pelo preço de € 350.000,00 (resposta aos artºs 26º e 57º da p.i. e 42º e 44º da contestação).
- No presente recurso foi este ponto 19 julgado não provado.
20 - Os Autores CC e marido colocaram uma placa de anúncio para venda dos terrenos 11477 e 11478 nos mesmos, à vista de toda à gente (resposta aos artºs 9º da p.i. e 60º da contestação).
21 - O A. AA, procedeu à venda referida em 15 destes factos provados, passados 17 anos da data da outorga da procuração, estando ainda o prédio ...77 registado na Conservatória do Registo Predial de Albufeira a favor dos vendedores, ora RR. EE e FF, sem nada ter dito a estes RR. durante todo esse tempo, e mais recebeu da compradora o preço declarado da venda e conferiu quitação, mas nada comunicou aos RR. acerca da venda (sendo que os outros AA. também não o fizeram) e condições da mesma, nem entregou aos mesmos o referido preço (resposta aos artºs 11º a 14º e 38º da contestação).
22 - E nem a compradora, sociedade “Euroapelo”, contactou os RR., pelo que estes (que à data da venda eram titulares inscritos no registo do imóvel) tomaram conhecimento dessa venda através de um proprietário de um prédio vizinho, e foram também confrontados com uma ação judicial para o exercício do direito de preferência, que correu termos no Tribunal de Albufeira sob o nº 1237/17.9T8ABF, na qual foram demandados como RR., intentada por um proprietário de prédio confinante, por não ter sido dado o direito de preferência na aquisição do identificado prédio rústico, a qual não contestaram (resposta aos artºs 15, 24º, 38º e 39º da contestação).
23 - Os RR. ficaram preocupados com a possibilidade de virem a incorrer em infração fiscal, por não declaração em sede de IRS, dessa venda e da projetada venda futura do prédio nº ...78, e das mais-valias que teriam de pagar ao Estado pelas mesmas (resposta aos artºs 16º e 73º da contestação).
24 - Os RR. EE e FF, em 15 de setembro de 2017, por escritura de doação, que se encontra junta como documento nº 9 da contestação, doaram o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...78, à sua filha, ora R. GG (que é engenheira biotecnológica, na área de seleção e reprodução de sementes), aquisição essa que se mostra registada pela AP ...98 de 18/09/2017 (resposta aos artºs 27º a 32º e 52º da p.i., 32º a 34º da contestação e 22º e 25º da resposta).
25 - A Ré GG sabia, aquando da doação referida em 24 destes factos provados, da existência da procuração irrevogável que os seus pais haviam emitido ao A. AA (resposta aos artºs 34º e 35º da p.i.).
26 - Os Réus EE e mulher nunca revogaram expressamente a procuração, nem invocaram junto do A. AA a existência de justa causa para tal (resposta aos artºs 48º da p.i. e 13º da resposta).
27- Por notificação judicial avulsa requerida pelos ora RR, EE e FF, em 2 de outubro de 2017, foi o A. AA notificado em 19 de outubro de 2017 para entregar aos RR. EE e FF a quantia de € 38.000,00, proveniente da venda do imóvel nº ...77 à “Euroapelo” (resposta ao artº 26º da contestação).
28 - Apesar de notificado, o A. AA não procedeu à entrega aos RR. da quantia referida (resposta ao artº 27º da contestação).
29 - Pelo que foi intentada pelos RR. EE e FF, em 4 de dezembro de 2017, ação judicial contra os AA. AA e mulher para procederem à entrega da referida quantia de € 38.000, tendo a ação judicial corrido seus termos no Tribunal de Albufeira sob o nº 1279/17.4T8ABF, do Juízo Local Cível, e terminado por transação, homologada por decisão proferida em 17 de abril de 2018, na qual os ora AA., AA e mulher acordaram com os RR. EE e FF pagar-lhes a quantia de €30.000, quantia que já pagaram (resposta ao artº 28º da contestação).
30 - Imputando ao A. AA ter falsificado a assinatura do R. EE num requerimento apresentado na Câmara Municipal de Albufeira, o R. EE apresentou queixa-crime contra aquele, dando origem ao inquérito que corre termos nos Serviços do Ministério Público de Albufeira sob o nº 927/17.0T9ABF (resposta ao artº 30º da contestação).
31 - Aquando da obtenção do acordo referido em 29 destes factos provados, o R. EE informou o processo de inquérito de que o A. AA já tinha entregue o preço da venda do imóvel, e assim desistia da queixa, mas o processo de inquérito continua pendente por se ter considerado também estar em causa um crime público (resposta ao artº 31º da contestação).
32 - Os Autores CC e marido propõem-se devolver aos Réus EE e FF a quantia de um milhão de escudos que aqueles pagaram pelo prédio rústico n.º ...78 (resposta ao artº 56º da p.i.).
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Por força do julgamento do recurso dos RR foram aditados à matéria de facto os seguintes números:
33 - A escritura ou documento particular de compra e venda referente ao contrato promessa de compra e venda referido no ponto 16 dos factos provados não foi outorgada no prazo estipulado no contrato promessa, 31.08.2017, tendo os Autores dado a essa data o contrato por cancelado.
34 - Da declaração anexa ao segundo cheque emitido em 14.12.2016, no valor de € 20.000,00, constava o acordo das partes que esse valor era aumento de sinal para compra do prédio rústico, secção Q, artigo matricial ... e prédio urbano com artigo matricial nº ...92 do Serviço de Finanças de Albufeira.
35 - Em 4.8.2016 foi apresentado na Câmara Municipal de Albufeira, pedido para reapreciação do processo de viabilidade de construção, tendo como requerente EE e assinado por AA, para o prédio misto com a área de 5202 m2 sito em ..., correspondente ao artigo ..., secção Q (parte) e urbano ...92 da freguesia de Ferreiras e descrito na Conservatória do Registo predial de Albufeira sob o nº ...32.
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V – O OBJECTO DO RECURSO
1 - Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, as questões colocadas ao tribunal de recurso podem sintetizar-se no seguinte:
- A admissibilidade do recurso subordinado dos AA;
- A nulidade da sentença recorrida;
- A impugnação da matéria de facto deduzida pelos Réus recorrentes;
- A impugnação da matéria de facto deduzida pelos AA. Recorrentes;
- Resolvidas as questões anteriores, apreciação do mérito do decidido.
- A alegada má fé dos autores.
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VI - APRECIANDO E DECIDINDO
Passemos então a conhecer das questões aludidas.
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A) DA ADMISSÃO DO RECURSO SUBORDINADO
Como se verifica dos autos, os AA. recorridos, em face do recurso dos RR., apresentaram por sua vez recurso subordinado, ao abrigo do art. 633º do Código de Processo Civil.
Os RR. vieram dizer que tal recurso não é admissível, uma vez que os AA. estão dessa forma a controverter matéria com a qual já se haviam conformado expressamente, quando apresentaram as suas contra-alegações ao recurso principal.
Na realidade, os AA. em resposta ao recurso dos RR. apresentaram um articulado de resposta em que defendem a improcedência do recurso em apreço e no qual terminam dizendo que “deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes, mantendo-se inalterada a decisão recorrida, com as legais consequências”, isto porque “a sentença recorrida não merece os reparos que os Réus/Recorrentes lhe apontam, não tendo violado qualquer das normas indicadas por aqueles, devendo, consequentemente, o recurso improceder”.
Logo de seguida os mesmos AA. deram entrada a outro requerimento separado contendo o recurso subordinado em questão, pretendendo obviamente a alteração do decidido, num sentido oposto ao peticionado pelos RR no recurso principal.
Neste articulado escrevem os AA. que “ Sem prejuízo do alegado pelos Autores em sede de contra-alegações, entendem os mesmos que a prova produzida permitia uma outra solução para os autos, conforme infra se demonstrará, relativamente à qual ficaram vencidos.”
Em suma, num primeiro articulado dizem os AA. que o recurso dos RR. deve improceder, confirmando-se a decisão recorrida, para logo depois num segundo articulado defenderem que o julgamento da causa deve ser outro.
Existe, portanto, algum fundamento para a perplexidade dos AA./apelantes. Todavia, a primeira instância admitiu o recurso principal e também o recurso subordinado.
Julga-se que efectivamente é essa a posição mais acertada, face ao disposto no art. 633º do CPC.
Com efeito, dispõe o n.º 1 do referido artigo, regulando a figura do recurso subordinado, que “se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado”.
E prosseguem os números seguintes do mesmo artigo estatuindo o que respeita ao recurso subordinado, ligando sempre a sua admissibilidade ao recurso principal.
O n.º 4 estabelece expressamente que “salvo declaração expressa em contrário, a renúncia ao direito de recorrer ou a aceitação, expressa ou tácita, da decisão por parte de um dos litigantes não obsta à interposição do recurso subordinado, desde que a parte contrária recorra da decisão.”
É certo que este normativo visa em primeira linha as posições processuais assumidas pela parte anteriores à interposição do recurso pela contraparte; mas também é certo que o legislador consagrou assim um sistema em que havendo recurso principal e este seja admissível também o recurso subordinado o será, desconsiderando até o valor da sucumbência (cfr. n.º 6 do mesmo preceito).
A este propósito, veja-se o Acórdão do STJ de 26.01.2017, proc. 308/13.5TTVLG.P1.S1, relator Ana Luísa Geraldes, in www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve:
“I. De acordo com os princípios vigentes em matéria processual civil, no âmbito dos recursos, perante uma decisão judicial em que ambas as partes sejam vencidas, a cada uma delas é legítimo recorrer, na parte que lhe seja desfavorável, verificados que sejam os requisitos formais, entre os quais ressalta o atinente ao valor da sucumbência, em conjugação com o valor da alçada do Tribunal a quo – cf. arts. 633º, nº 1, e 629º, nº 1, ambos do CPC.
II. Numa área onde prevalece o princípio do dispositivo e em que, por isso, cada uma das partes deve zelar pela tutela dos seus interesses, a lei faculta a cada uma das partes que seja vencida a opção entre um recurso independente ou um recurso subordinado – cf. art. 633º, nº 1, do CPC.
III. O recurso independente assume total autonomia quer ao nível da admissão, quer da subsequente tramitação, ao passo que o recurso subordinado fica na dependência do recurso principal, sendo a apreciação do respectivo mérito prejudicada se por algum motivo não for apreciado o mérito do recurso principal. Ou seja, nos termos do nº 3 do art. 633º, do CPC, o recurso subordinado caduca se houver desistência do recurso principal, se este ficar sem efeito ou se, por razões de forma, o Tribunal não tomar dele conhecimento.
IV. Já, porém, não interfere na admissibilidade do recurso subordinado, nem a renúncia ao recurso, nem sequer a aceitação expressa ou tácita da decisão recorrida. Salvo declaração expressa em sentido contrário, desde que a parte contrária interponha recurso que seja admissível, sê-lo-á também o recurso subordinado – cf. art. 633º, nº 4, do CPC.
V. A posição da parte que recorre subordinadamente não é equivalente à que é proporcionada pelo recurso independente, ficando a apreciação do mérito do recurso subordinado dependente das vicissitudes formais do recurso independente interposto pela Ré. Mas, excluída essa condicionante, a admissão do recurso subordinado permite à parte confrontar o Tribunal ad quem com a impugnação da decisão recorrida, na parte em que a mesma lhe foi desfavorável, possibilitando a alteração do resultado.
VI. Se, por força da lei, a admissibilidade do recurso subordinado não é prejudicada sequer nos casos em que a parte tenha renunciado ao recurso ou tenha aceite de forma expressa ou tácita a decisão recorrida (cf. art. 633º, nº 4), nenhum motivo de ordem legal se detecta para que a rejeição de tal recurso se concretize só porque anteriormente a parte interpusera recurso principal que foi rejeitado.
VII. Interposto recurso subordinado, pode a parte que o deduziu integrar no mesmo as questões em que tenha ficado vencida, sejam questões de direito ou também questões de facto.”
Consequentemente, optando pela interpretação da norma que se apresenta mais favorável ao exercício do direito em causa e mais harmónico com a regulamentação legal considerada no seu conjunto, embora se constate que as afirmações dos AA. ao analisarem o recurso dos RR. (defendendo a confirmação do decidido) e ao intentarem o seu próprio recurso (pugnando pela alteração da mesma decisão) podem suscitar as dúvidas levantadas pelos RR., julgamos não merecer censura a posição assumida na primeira instância quanto à admissão do recurso subordinado, decisão que aqui se confirma.
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B) DAS NULIDADES DA SENTENÇA
Os RR. sustentam nas suas alegações de recurso a existência de nulidade na sentença recorrida, invocando nomeadamente a violação do disposto no art. 615º, n.º 1, al. e), do CPC.
Estabelece a norma citada, na sequência do antes disposto no art. 609º, n.º 1 (“a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”) que é nula a sentença quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
No caso vertente verifica-se que a sentença recorrida julgou a presente acção parcialmente procedente e condenou os réus EE e FF a pagar ao autor AA a quantia de €63.000, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, sendo improcedente tudo o mais que era pedido.
Ora os autores no final da sua petição haviam pedido que:
a) Os Réus sejam condenados a restituir aos Autores CC e marido o prédio rústico objecto dos autos, sito nos ..., concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...16, procedendo-se ao cancelamento do respectivo registo a favor da Ré GG, ou caso assim não se entendesse:
“b) Os Réus sejam condenados a pagar aos Autores uma indemnização em quantia não inferior a € 350.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.”
Constata-se, portanto, que a alegação de nulidade assim formulada não tem razão de ser.
A condenação proferida cabe perfeitamente dentro dos limites aludidos na al. e) do n.º 1 do art. 615º do CPC, visto o pedido subsidiário apresentado, não existindo, portanto, a nulidade invocada.
Porém, em face das alegações dos recorrentes, afigura-se que é outra a questão contra a qual se insurgem. Na realidade, o ponto essencial onde procuram basear a conclusão da nulidade da sentença reside na sua consideração de que o julgador não podia condenar naquele pagamento entendendo para tal efeito que estava perante um contrato de mandato quando a construção jurídica dos AA. na petição inicial alegava a existência de uma procuração irrevogável.
Os RR. apontam assim a violação da causa de pedir, que estaria a inquinar a sentença.
Verifica-se, porém, examinando a referida petição inicial e a própria sentença recorrida, que esta em momento algum extravasa do complexo fáctico trazido aos autos pelos autores. Não existe, pois, violação do princípio do dispositivo, e também não houve decisão surpresa, como chegam a dizer os recorrentes, já que desde o primeiro momento e ao longo do processo tiveram ampla oportunidade para debater e contradizer toda a factualidade e toda a argumentação dos AA. (incluindo quanto à qualificação da figura em causa).
A qualificação jurídica feita na sentença, ao considerar que estava perante um mandato onde os AA. alegaram estar perante uma procuração irrevogável, corporizada no mesmo documento analisado, não tem a virtualidade de consubstanciar o desrespeito da causa de pedir, mencionado pelos RR.
A este respeito, e atento o seu valor intrínseco e a sua actualidade, permitimo-nos citar o acórdão do STJ de 16 de Fevereiro de 2023, processo n.º 3063/18.9T8PTM.E2.S1, relatado por Catarina Serra, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
“I. O artigo 5.º, n.º 3, do CPC dá expressão à ideia ou regra conhecida como “iura novit curia”, ou seja, de que o juiz conhece (todo) o direito.
II. Nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o julgador não está circunscrito às alegações das partes no que toca à indagação, à interpretação e à aplicação das regras jurídicas aplicáveis.
III. Sempre que o enquadramento jurídico realizado pelo tribunal se contenha dentro dos limites da factualidade essencial alegada e seja adequado ao efeito prático-jurídico pretendido, pode o tribunal realizá-lo, posto que as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar sobre ele, sendo poder-dever do julgador proceder à requalificação ou reconfiguração normativo-jurídica do caso quando cumpridas aquelas condições.”
Tal como no caso presente, verificando-se que o tribunal de primeira instância operou uma requalificação jurídica sem que esse enquadramento signifique uma substituição dos factos constitutivos do direito alegado pelos autores, não há alteração da realidade, da materialidade em discussão; os “factos essenciais que constituem a causa de pedir”, como se dispõe no artigo 5.º, n.º 1, do CPC, são aqueles que os AA. expuseram na sua petição.
Em suma, limitou-se a sentença recorrida, no ponto controvertido pelos recorrentes, a efectuar uma requalificação ou reconfiguração da factualidade alegada pelas partes, logo, dos factos processualmente adquiridos, no estrito plano normativo ou do direito aplicável.
Consequentemente, julgamos não existir a nulidade invocada, nem qualquer outra, improcedendo a alegação dos RR. a este respeito.
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C) DA IMPUGNAÇÃO da MATÉRIA DE FACTO
Os RR. insurgem-se também contra o julgamento da matéria de facto que foi feito na primeira instância, nos pontos que consideram errados.
A este respeito da impugnação do julgamento da matéria de facto por via de recurso para a segunda instância, rege o art. 640º do Código de Processo Civil, o qual estabelece os ónus a cargo do recorrente.
Tendo os recorrentes dado cumprimento às exigências legais referidas, importa conhecer da sua impugnação quanto ao julgamento da matéria de facto.
Sustentam os recorrentes, em primeiro lugar, que a matéria dos pontos 16 e 19 dos factos provados foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo.
Consta do ponto 19 dos factos provados que:
“Foi igualmente celebrado um contrato de mediação imobiliária com o agente HH acordado com a A. CC, mas em nome do A. AA, tendo em vista a venda do referido prédio rústico nº ...16, pelo preço de € 350.000,00 (resposta aos art. 26º e 57º da p.i. e 42 e 44º da contestação).”
Porém, do depoimento em audiência da referida testemunha HH o que resulta é que houve contactos entre ele e a A. CC, para efeitos de celebração desse contrato de mediação imobiliária, mas que o mesmo não chegou a ser celebrado. A testemunha diz que o abandonou, que o contrato ficou incompleto, porque não estava tudo claro. O valor que consta manuscrito no documento foi o indicado para a eventual venda pela A. CC.
Por seu lado, o A. AA disse que não tinha tido intervenção nenhuma nessa factualidade, não servindo as suas declarações para a confirmar.
E visto tal documento, o documento 14 junto com a petição, verifica-se que dele não consta a identificação do contraente, nem qual o objeto do contrato, nem o mesmo se encontra assinado por ninguém (consta apenas o preço, como indicado pela A. CC).
O documento 14 constitui apenas um modelo impresso de contrato de mediação imobiliário, com espaços em branco, que permaneceu por preencher, uma vez que só o espaço referente ao preço foi preenchido.
Afigura-se que laborou em equívoco a sentença recorrida quando a este respeito consignou que a “testemunha HH, como já se referiu, agente imobiliário, confirmou que os contratos de mediação foram feitos, mas quem consigo contactou e ditou as condições a fazer constar dos mesmos foi a demandante CC. Tal declaração inclui igualmente o valor a fazer constar para a venda do imóvel, de € 350.000.”
Na verdade, a testemunha explicou que estava interessado no negócio mas acabou por abandonar o projecto por a situação do imóvel não estar clara, não confirmando a celebração do contrato.
Portanto, em face do conteúdo do documento em apreço e das declarações a esse propósito da testemunha HH, protagonista desses factos, julgamos procedente neste ponto a impugnação deduzida pelos RR. recorrentes, pelo que se julga não provado o facto identificado como n.º 19.
Quanto ao ponto 16 da matéria de facto provada, tem o seguinte teor:
“Usando a mesma procuração irrevogável o Autor AA acordou com a mesma “Euroapelo, S.A.” a futura venda do prédio rústico descrito na CRP de Albufeira sob o n.º ...16 a esta sociedade, pelo preço de € 275.000,00, através do contrato promessa de compra e venda de 26/05/2017, e subsequente aditamento de 29/05/2017, que se encontram juntos com a p.i. como documentos 12 e 13, sendo que as partes outorgantes no mencionado contrato-promessa nele não consignaram quaisquer consequências para a não celebração do contrato definitivo até 31/08/2017 (resposta aos artºs 25º da p.i., 35º a 37º e 44º da contestação e 21º e 24º da resposta).”
Os recorrentes alegam neste ponto que os documentos em causa, os documentos 12 e 13, identificam o imóvel como “prédio composto de terreno para construção urbana, com potencialidade edificativa” e não como prédio rústico, o que deverá conduzir à alteração da redação do ponto em apreço.
Efectivamente, não havendo dúvidas de que o prédio referido é o mesmo, o certo é que os documentos em questão identificam-no da forma mencionada pelos apelantes (o que se explica pelas diligências que estariam em curso para a almejada modificação). Em nome do rigor, deve em consequência proceder também neste ponto a pretensão dos RR. recorrentes.
Assim, o ponto 16 da matéria de facto provada passa a ter o seguinte conteúdo:
“Usando a mesma procuração irrevogável o Autor AA acordou com a mesma “Euroapelo, S.A.” a futura venda a essa sociedade, pelo preço de € 275.000,00, do prédio descrito na CRP de Albufeira sob o n.º ...16, aí referido como rústico, através do contrato promessa de compra e venda de 26/05/2017, e subsequente aditamento de 29/05/2017, que se encontram juntos com a p.i. como documentos 12 e 13, onde o mesmo prédio é referido como composto de terreno para construção urbana, com potencialidade edificativa, sendo que as partes outorgantes no mencionado contrato-promessa nele não consignaram quaisquer consequências para a não celebração do contrato definitivo até 31/08/2017 (resposta aos artºs 25º da p.i., 35º a 37º e 44º da contestação e 21º e 24º da resposta).”
Requerem ainda os mesmos Recorrentes, ao abrigo do disposto no artigo 662º do C.P.C., “a ampliação da matéria de facto” de forma a incluir os pontos que indicam.
Pretendem os recorrentes “que seja dado como assente, por não ser matéria controvertida” que:
1 - A escritura ou documento particular de compra e venda referente ao contrato promessa de compra e venda referido no ponto 16 dos factos provados não foi outorgada no prazo estipulado no contrato promessa, 31.08.2017, tendo os Autores dado a essa data o contrato por cancelado.
E ainda que seja dado como assente, por resultar respectivamente do documento 10 junto com a petição inicial e do documento junto em audiência a 28.11.2019 que:
2 - Da declaração anexa ao segundo cheque emitido em 14.12.2016, no valor de € 20.000,00, constava o acordo das partes que esse valor era aumento de sinal para compra do prédio rústico, secção Q, artigo matricial ... e prédio urbano com artigo matricial nº ...92 do Serviço de Finanças de Albufeira.
3 - Em 4.8.2016 foi apresentado na Câmara Municipal de Albufeira, pedido para reapreciação do processo de viabilidade de construção, tendo como requerente EE e assinado por AA, para o prédio misto com a área de 5202 m2 sito em ..., correspondente ao artigo ..., secção Q (parte) e urbano ...92 da freguesia de Ferreiras e descrito na Conservatória do Registo predial de Albufeira sob o nº ...32.
Deste modo, os factos pretendidos aditar apresentam-se um deles como assente por acordo e os outros dois como provados por documento.
Ora o art. 607º, n.º 4, do CPC, determina que na elaboração da sentença terá o juiz que considerar, além do mais, os factos que estão admitidos por acordo e aqueles que estão provados por documento.
Consequentemente, e sem cuidar da relevância dos factos agora em referência, aliás de natureza instrumental, entendemos que procede a pretensão dos recorrentes, pelo que os factos mencionados ficam aditados à matéria de facto provada.
Procede assim parcialmente a impugnação da matéria de facto feita pelos RR, eliminando-se o ponto 19 de entre os factos provados, alterando-se o ponto 16 da forma acima exposta e aditando-se os três pontos também referidos atrás.
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Permanecendo na reapreciação do julgamento da matéria de facto, temos agora que considerar o recurso subordinado interposto pelos autores.
Pretendem estes que sejam dados como provados os factos que foram alegados nos artigos 11, 38 e 39 da petição inicial, os quais a sentença recorrida declarou não provados.
Diz o art. 11º da petição:
“Acresce que, aquando do negócio primitivo, a Autora CC e marido apenas receberam uma parte do que lhes competia do preço da venda dos prédios, considerando o acordo prévio que existia para a aquisição subsequente dos dois prédios rústicos pelo seu filho e aqui Autor AA.”
E diz o art. 38º da petição:
“Até porque, como referido, a Autora CC e marido não receberam a parte do preço que lhes competia no negócio, considerando que os prédios rústicos seriam posteriormente passados para esfera jurídica do seu filho e aqui Autor AA.”
E finalmente o art. 39º:
“Assim se justifica, aliás, quer a emissão da procuração irrevogável a favor do Autor AA, quer a subsequente celebração do contrato-promessa de compra e venda entre este e os Réus EE e mulher.”
Para considerarem provado o conteúdo destes três artigos da sua petição invocam os AA. o depoimento da testemunha MM, dizendo que sobre isso revelou ela ter conhecimento direto, depondo de forma informada, séria, espontânea e coesa, revelando pleno conhecimento da situação da relacionada com a procuração irrevogável dos autos, assim como da forma como se desenrolou e concretizou negócio com os Réus, e coincidindo com as declarações dos AA. AA e CC.
Em relação à testemunha MM, torna-se oportuno repetir a observação feita na sentença recorrida: a testemunha MM é filha dos autores DD e CC e irmã do autor AA “pelo que, na prática é como se fosse também um autor, do ponto de vista da posição que assumiu no seu depoimento, o que se confirmou pela apreciação do conteúdo desse depoimento”, e “corroborou tudo o que os seus pais disseram, sem embargo de, quanto a alguns dos factos, ter assumido não ter conhecimento direto do que se discutia e apenas poder repetir o que lhe havia sido contado”.
Em suma, o que nestes pontos queriam os autores demonstrar, e que lhes cabia demonstrar, de acordo com as regras sobre ónus da prova, apenas foi corroborado pela referida testemunha, com as limitações apontadas, e pelas suas próprias declarações. Tal matéria é impugnada pela parte contrária, e não está sustentada em nenhum outro meio de prova.
Tais factos mostram-se, aliás, incompatíveis com matéria dada como provada, quanto ao recebimento do preço do negócio, designadamente nos pontos 4 e 32.
Em face dos elementos de prova a considerar, julgou o tribunal recorrido, apreciando livremente a prova disponível, com as vantagens da imediação, que tal factualidade não podia ter-se por demonstrada.
Verificando o depoimento da testemunha MM, com vista a formar convicção própria sobre a factualidade em questão, constatamos que o depoimento desta testemunha reflecte em regra o que lhe foi transmitido, pelos progenitores, ou pelo irmão, autores no processo. Nunca acompanhou os factos em referência, nem tem conhecimento directo deles.
Tudo ponderado, as suas afirmações, conjugadas com as declarações de parte dos familiares referidos, não possuem de modo algum a força probatória pretendida pelos AA, pelo que nesta instância não encontramos fundamento para discordar da convicção formada pelo tribunal recorrido.
Assim sendo, acordamos em julgar improcedente a impugnação da matéria de facto deduzida no recurso subordinado interposto pelos AA, confirmando, em consequência, na parte impugnada, o julgamento da primeira instância.
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D) DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabilizada a matéria de facto, do modo que ficou exposto, resta agora passar à aplicação do Direito, e decidir quanto ao mérito da decisão impugnada.
Analisaremos sucessivamente as questões jurídicas colocadas, primeiro no recurso independente interposto pelos RR. e depois no recurso subordinado interposto pelos AA., questões jurídicas essas que como veremos estão interligadas, ou são a mesma questão sob abordagem oposta (v. g. a controvérsia sobre a existência de uma procuração irrevogável ou de um contrato de mandato, qualificação esta que, como é patente na discussão entre as partes e no conteúdo da própria sentença, assume relevância decisiva).
Insurgem-se os RR. recorrentes contra o decidido, por entenderem que o tribunal não podia ter julgado parcialmente procedente a ação intentada pelos Autores, e condenado os RR., com base na existência de um mandato, a pagar uma indemnização de €63.000 ao A. AA.
Referem a propósito que os AA. declaram expressamente na sua petição que o fundamento em que baseavam os seus pedidos era uma procuração irrevogável e não um contrato de mandato.
E prosseguem considerando que não pode o Tribunal julgar, por um lado, não ser irrevogável a procuração, porque não foi provada qual a relação subjacente à emissão da mesma, nem o interesse próprio do autor AA à sua outorga, e consequentemente não assistir por essa via qualquer direito a indemnização pela revogação tácita da procuração, e depois por outro lado pronunciar-se pela existência de uma mandato, no interesse do mandatário, e fundamentar neste a condenação dos RR, pela revogação tácita desse mandato sem justa causa, invocando para o efeito a alínea b) do artigo 1172º do C.C.
Alegam ainda os RR que nada foi alegado pelos Autores quanto à revogação de mandato (a tese deles é a existência de uma procuração irrevogável), nem quanto ao interesse do mandatário ou aos prejuízos sofridos pelo autor AA, de forma a possibilitar a condenação pela indemnização decretada.
Na douta sentença recorrida o julgador da primeira instância também reconhece que os autores estruturaram a sua pretensão na figura da procuração, considerando que o instrumento outorgado pelos RR. EE e FF constituía uma procuração irrevogável a favor do A. AA e no interesse deste.
Como se explica na fundamentação, “a tese dos autores na presente ação assenta no pressuposto da validade e plena eficácia da cláusula de irrevogabilidade da procuração, sem mais: a procuração seria irrevogável só porque ali se diz que a mesma é irrevogável e é concedida no interesse do procurador.”
E comenta-se ainda na mesma fundamentação: “… a prevalecer a tese da existência apenas de representação, como sustentam os AA., se não se concluir pela irrevogabilidade da procuração, tal posição virá a prejudicar quem a alegou: como há apenas uma procuração, não havendo negócio subjacente, não há lugar ao reconhecimento de qualquer direito ao procurador.”
Recorde-se, como também salientado na sentença revidenda, e por tal ser pacífico e indiscutido, que estamos perante uma procuração pela qual os RR. EE e FF concederam poderes de representação ao A. AA.
A figura vem prevista no art. 262º, n.º 1, do Código Civil:
Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos”.
Por força da procuração, também estamos no campo mais geral da figura jurídica da representação, prevista no art. 258º do Código Civil:
O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”.
Não oferece dúvidas, nem isso se apresenta controvertido, que, atentos os factos provados, estamos perante um instrumento de representação, uma procuração.
Com efeito, os RR., EE e FF, à data casados, outorgaram em 11 de dezembro de 2000, no Cartório Notarial de Albufeira, a procuração, junta à P.I. como Doc. 7, conferindo ao A. AA, à data solteiro, “os poderes para vender, inclusive ao próprio mandatário – o prédio rústico sito em ..., da freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...77, e o prédio rústico sito em ..., da freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...78, receber os preços correspondentes, dar quitações, outorgar e assinar os contratos promessa e respetivas escrituras; para os representar junto de quaisquer Repartições Públicas, nomeadamente Conservatória do Registo Predial de Albufeira onde poderá requerer quaisquer atos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamento, prestando declarações complementares se necessário.”
Pode ainda ler-se no documento em questão que:
“A presente procuração é IRREVOGÁVEL por ser conferida no interesse do mandatário, nos termos do artigo duzentos e sessenta e cinco, número três, a qual não poderá ser revogada, nos termos do artigo mil cento e setenta e dois, número dois, e não caduca por morte interdição ou inabilitação dos mandantes nos termos do artigo mil cento e setenta e cinco todos do Código Civil”.
No acto notarial tiveram intervenção, apenas, os próprios outorgantes, os RR. EE e FF.
Foi ao abrigo deste instrumento que o A. AA veio a vender (quase dezassete anos depois) o prédio nº ...77, produzindo esse negócio os seus efeitos jurídicos na esfera dos RR, como consta dos factos provados.
Mas como poderemos concluir que estamos perante um contrato de mandato?
Essa figura contratual está prevista no art. 1157º do Código Civil, nos seguintes termos:
Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.”
O mandato pode ser com ou sem representação, sendo o mandato com representação previsto no artº 1178º do Código Civil:
“1- Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258.º e seguintes.
2 - O mandatário a quem hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada.”
Naturalmente que a palavra “mandatário”, aposta no documento, não é determinante para o efeito da qualificação jurídica da relação em causa, tarefa esta que compete ao julgador.
Constata-se que a sentença revidenda após expor as dúvidas existentes quanto à qualificação da representação em apreço passou a raciocinar tendo como referência o contrato de mandato, se bem se compreende mandato com representação, que considerou revogado tacitamente sem justa causa, fundando nessa revogação a indemnização que arbitrou.
Em face da factualidade disponível, e com todo o respeito pela sentença em apreciação, aliás abundante na citação de jurisprudência e doutrina pertinente, julgamos não ocorrer no caso nenhum contrato de mandato.
Recordamos que o mandato é uma modalidade do contrato de prestação de serviço (cfr. art. 1155º do Código Civil), e que este se define como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” (art. 1154º).
Tendo presentes estas normas, que antecedem, compreende-se mais facilmente o disposto no art. 1157º (“mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra”) e a sua inaplicabilidade ao caso em análise.
Desde logo, o mandato é um contrato, e um contrato bilateral. Como é próprio da natureza dessas figuras jurídicas, elas nascem do encontro de duas ou mais declarações de vontade contrapostas.
Ora no caso vertente o A. AA não teve qualquer intervenção na outorga do instrumento em questão, nem a sua vontade foi tida em conta na elaboração do documento.
Na realidade, como consta da matéria provada, a outorga desta procuração foi combinada entre os RR. e os pais do referido A. AA, no âmbito do acordado entre eles a propósito de um negócio de compra e venda de três imóveis, em que os RR. intervieram como compradores e a A. CC, mãe do A. AA, foi uma das vendedoras.
O A. AA não teve intervenção naquele acto, e posteriormente nunca agiu seguindo instruções ou quaisquer indicações dos hipotéticos mandantes (pelo contrário, fez questão de actuar à revelia e sem o conhecimento deles, sustentando ainda agora que é esse tipo de representação, sem mandato, o que está de acordo com a procuração em análise).
Assim sendo, não estamos perante um contrato de mandato, restando a figura da procuração irrevogável, de acordo, aliás, com a qualificação defendida pelos próprios AA.
O mandato é um contrato, a procuração é um negócio jurídico unilateral autónomo. O mandato impõe a obrigação de praticar actos jurídicos por conta de outrem (art. 1157º), enquanto a procuração confere o poder de os celebrar em nome de outrem (art. 262º, n.º 1), como aconteceu na situação dos autos com a venda realizada pelo A. AA referente ao prédio ...77.
Conforme o Ac. STJ de 13-07-2010, in CJ/STJ, 2010, 2º, 162, “a figura do mandato distingue-se da procuração, porquanto no mandato há um contrato, que pressupõe a existência de, pelo menos, duas manifestações de vontade, contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses”.
Em suma, “o mandato é um contrato de prestação de serviços em que o prestador é o mandatário, em que este age de acordo com as indicações e instruções do mandante quer quanto ao objecto quer quanto à própria execução; os serviços são prestados de acordo com o querido e programado com o mandante; ao mandatário só é permitido deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas nos casos previstos no art. 1162º” (Januário Gomes, Trib. Just., 1º, n.º 8/9, 14, citado em anotação ao art. 1157º in Código Civil Anotado, de Abílio Neto, 2ª edição, Ediforum).
Concluindo, neste ponto divergimos da sentença impugnada e julgamos não existir no caso em apreço nenhum contrato de mandato, mas estarmos antes perante uma procuração irrevogável, tal como defenderam os AA. desde a petição inicial.
Sendo assim, deve a acção ser julgada à luz das normas pertinentes à figura da procuração, matéria esta em que, diga-se, acompanhamos os considerandos tecidos a propósito pela sentença sub judice (antes dos parágrafos finais em que paradoxalmente acaba por reconhecer direito a uma indemnização ao A. AA, pela revogação da procuração, ficcionando um mandato inexistente).
Nomeadamente, haverá que ter em conta o disposto no art. 265º do CC:
“1- A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.
2- A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
3- Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.”
Ou seja, para decidir do eventual direito a indemnização, como pedido pelos AA. e foi reconhecido ao A. AA, haveria que demonstrar, e isso cabia aos AA, qual a relação subjacente à outorga da procuração, de modo a concluir que existia efectivamente um interesse próprio do procurador, e quais os prejuízos sofridos por este, em consequência da revogação tácita ocorrida.
Conclui a sentença em apreço, e bem, que com a doação efectuada pelos RR. EE e FF à filha GG do prédio identificado com o n.º 11 478, único que restava dos dois aludidos na procuração, ocorreu a revogação tácita da mesma: “se a doação implicou que os efeitos eventualmente a conseguir com a procuração não mais poderiam ser alcançados, houve uma revogação tácita da procuração, com a outorga da escritura de doação.”
A cláusula de irrevogabilidade enfaticamente proclamada na procuração não é obstáculo a que opere essa revogação tácita: “a doutrina e jurisprudência dizem que a mera declaração nesse sentido resulta, em geral, insuficiente para garantir a irrevogabilidade da procuração. Para tal é necessário haver uma relação subjacente que o justifique”.
Nesse sentido, o acórdão do STJ de 18 de fevereiro de 2014 (rel. Fonseca Ramos), em www.dgsi.pt, citado na sentença:
Quer o contrato de mandato, quer a outorga de procuração não são irrevogáveis apenas por do contrato ou daquele acto jurídico unilateral constar, expressamente, uma cláusula de irrevogabilidade; relevante é que da relação basilar, que está na origem da decisão do “dominus”, resulte a existência de um interesse conferido também no interesse do mandatário, ou representante, ou de terceiro, que incorpore um direito subjectivo que transcenda o mero interesse do mandante ou do representado.”
Por outras palavras, apesar da convenção da irrevogabilidade, e face à ausência de prova da relação subjacente que integrasse o interesse próprio do procurador, é forçoso concluir que a procuração em causa foi revogada tacitamente, com a consumação da doação do imóvel n.º ...78.
Como acaba por dizer a sentença que vimos seguindo, “a tese da existência de um negócio subjacente de alienação dos móveis não resultou, no presente caso, demonstrada”; e “o princípio geral, em face da lei, é o seguinte: havendo apenas uma procuração, se há interesse do mandatário, não se poderá revogar a mesma. Se não houver interesse do mandatário, a procuração é livremente revogável e a revogação não dá lugar a qualquer indemnização”.
É efectivamente o que decorre do art. 265º do Código Civil: não se comprovando o interesse próprio do procurador, e sendo a procuração revogada, a revogação não dá lugar a qualquer indemnização.
Concordamos, pois, com a douta sentença revidenda quando conclui, nesta linha de raciocínio, que “em prejuízo da tese dos autores, sobre os quais impedia o ónus de demonstrar matéria que permitisse concluir pelo carácter efetivamente irrevogável da procuração, não se logrou colher matéria factual que permita concluir pela existência de uma relação subjacente à emissão da procuração, fosse ela qual fosse” e “assim, não pode, num primeiro momento, fundamentar-se na mera revogação da procuração através da doação em causa (dos RR. EE e FF à R. GG) a atribuição de qualquer direito aos autores e consequentemente, partindo daí, condenar nalguma medida os réus.”.
Obviamente não podemos acompanhar os parágrafos seguintes, em que, contrariando as conclusões supra expostas, a sentença acaba por decidir em sentido contrário, argumentando com o ocorrido no processo referente ao imóvel 11.477, vendido pelo A. AA sem conhecimento dos RR, em que estes demandaram depois o referido A. e que veio a terminar por transacção em que este aceitou entregar aos RR a quantia de €30.000 do preço total do negócio, que tinha sido de €38.000, ficando para si com os restantes €8.000.
Não é possível ver aqui o reconhecimento por parte dos RR de que o A tinha agido como seu mandatário, nem que tinha direito a uma remuneração por isso. Tal conclusão parece abusiva, sabendo-se que um acordo num processo que versa sobre direitos disponíveis em regra resulta de cedências recíprocas entre as partes, em que avultam por exemplo as considerações sobre o risco processual.
E sobretudo não tem a factualidade relativa a esse processo a virtualidade de afastar as conclusões acima exaradas, em que, atentas as normas jurídicas aplicáveis e os factos a considerar, ficou excluído o direito a indemnização ao A, face à não demonstração da relação subjacente à procuração, que concretize o interesse próprio aludido no art. 265º, n.º 3, do CC.
Ficam prejudicadas, assim, outras questões logicamente posteriores, como seria v. g. a demonstração dos prejuízos a indemnizar ou a quantificação deles, onde também se afigura faltar matéria fáctica que apoie a decisão impugnada.
Diremos, a concluir, que a decisão de condenar os réus EE e FF a indemnizar o autor AA, como consta da decisão impugnada, teve como pressupostos tanto a existência de um contrato de mandato com representação, como a revogação tácita deste sem justa causa (apesar da comprovada venda do outro imóvel objecto da procuração inteiramente à revelia dos representados), como ainda pressupõe a eventual venda futura do imóvel em discussão, pelo autor AA e pelo preço de €300.000, e o direito deste autor a ser remunerado por esse acto, futuro e incerto, na proporção de 21% desse preço, de modo a concluir pela atribuição a este da indemnização de €63.000 (lucros cessantes). Considerando conjuntamente as normas jurídicas pertinentes e a factualidade apurada nos autos não encontramos fundamento para acolher tais pressupostos, pelo que a condenação recorrida não pode subsistir.
Terminamos, portanto, a apreciação do recurso dos RR concluindo que o mesmo é procedente, pelo que deve ser revogada a condenação decretada.
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Importa agora apreciar o recurso subordinado interposto pelos AA, sendo certo, como já se disse atrás, que o seu destino estava dependente da solução dada às questões colocadas pelo recurso dos RR, e, diga-se, também ao resultado da impugnação da matéria de facto deduzida neste recurso subordinado.
Ora a dita impugnação da matéria de facto soçobrou totalmente, não logrando, portanto, os AA por essa via introduzir entre a factualidade provada aqueles factos com que tentavam preencher a falta de demonstração da relação basilar subjacente à emissão da procuração, de modo a suprir essa carência factual e fornecer fundamento legal para uma eventual indemnização.
É certo que os AA vieram através desse recurso peticionar que fosse declarada inválida a doação do imóvel feita pelos RR EE e FF, e que esse acto fosse revertido pelo Tribunal. Porém, não se encontra para apoiar esta pretensão qualquer fundamento legal, nem ele é mencionado ao longo das alegações dos recorrentes e respectivas conclusões.
Em seguida, pedem os AA subsidiariamente que caso assim não se entenda seja “reconhecido ao Autor AA, na qualidade de procurador, o direito indemnizatório pela revogação ilícita e sem justa causa da procuração dos autos, o qual deverá ser fixado em valor não inferior a € 300.000,00 nos termos supra expostos.”
Tendo em conta que, como ficou exposto, julgamos não haver lugar a qualquer indemnização em consequência da revogação tácita da procuração operada pelos RR, visto o disposto no art. 265º do CC, concluímos agora que não se encontra fundamento para nenhum dos pedidos formulados pelos AA neste recurso subordinado, pelo que resta terminar declarando a respectiva improcedência.
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E – QUANTO À MÁ FÉ
Insistem os RR recorrentes em que os AA deviam ser condenados como litigantes de má fé, não especificando, porém, qual seria o fundamento, de facto ou de Direito, para essa condenação.
A esse respeito, entendemos não merecer censura o decidido na sentença revidenda, que não encontrou motivos para tal condenação.
Como se sabe, sobre a matéria dispõe o artº 542º do CPC:
“1- Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2- Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Procurando, mesmo oficiosamente, na actuação processual dos AA, algo que possa preencher alguma das situações legalmente elencadas, afigura-se não existir nada que justifique a condenação prevista na lei.
Na verdade, os AA não almejaram atingir os seus objectivos processuais, ficaram vencidos na acção, fosse por não se provarem os factos em que apoiaram as suas pretensões fosse por diferentes interpretações do Direito aplicável.
Mas tanto não basta para preencher o conceito de má fé.
Consequentemente, julgamos não verificada a existência de litigância de má-fé por parte dos AA, uma vez que não estão preenchidos os pressupostos exigidos em qualquer das alíneas do referido nº 2 do art. 542º do CPC.
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VII - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar procedente a apelação interposta pelos RR, revogando a sentença recorrida na parte em que os condenou a indemnizar o A. AA.
b) Julgar totalmente improcedente o recurso subordinado interposto pelos AA., mantendo a sentença recorrida no respeitante à improcedência dos pedidos destes.
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As custas em ambas as instâncias ficam a cargo dos AA, como parte vencida (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Évora, 11 de Maio de 2023
José Lúcio
Manuel Bargado
Francisco Xavier