Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
305/22.0T8BJA-A.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
HONORÁRIOS
DESPESAS
CUSTAS DE PARTE
TÍTULO EXECUTIVO
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Os honorários e as despesas do Agente de Execução não são, na relação deste com o exequente, custas de parte ou da execução; apenas o são na relação do exequente com o executado.
II - O título executivo do art. 721º, nº 5, do CPC, composto das notas de honorários e despesas e sua notificação ao exequente, é, por regra, um título extrajudicial e não um título de formação processual.
III - Quando as execuções se baseiem todas em títulos extrajudiciais, é aplicável à determinação da competência territorial o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 82º, com as necessárias adaptações – art. 709º, nº 4, do CPC.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Beja, execução sumária contra BB, Lda., com o fim de obter o pagamento por esta de € 4.744,74, mais juros vencidos no montante de € 169,39 e vincendos, e ainda € 300,00 referentes a despesas de cobrança, de várias notas de honorários e despesas pelos serviços que o exequente prestou à sociedade ora executada como Agente de Execução, devidas no âmbito de vários processos judiciais, notas de que a executada alegadamente não reclamou e que vêm acompanhadas da respetiva notificação, tudo apresentado como título executivo nos termos do art. 721º, nº 5, do CPC..
A executada veio deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, invocando as exceções da incompetência territorial e da prescrição, pedindo que as mesmas sejam julgadas procedentes e, a final, extinta a execução.
Contestou o exequente/embargado, defendendo a improcedência das exceções invocadas.
Foi proferida decisão que, considerando não se verificarem as referidas exceções, julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.
Inconformada, a embargante apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem.
«A) Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente a oposição mediante embargos a apresentada pela ora recorrente, na qual se requereu a incompetência do douto tribunal a quo e a prescrição dos valores alegadamente devidos ao Sr.AE.
B) Não se pode conformar a ora recorrente com tal decisão.
DA INCOMPETENCIA DO TRIBUNAL A QUO
C) Ao contrário do doutamente alegado pelo tribunal a quo: resulta da leitura conjunta do disposto nos arts. 533/1-2-c e 541 do CPC, 3/1 e 25 do Regulamento das Custas Processuais e 45/1 da Portaria 282/2013, de 29/08, os honorários e as despesas do AE constituem custas da execução.
E que,
D) face ao exposto, a execução fundada no título executivo previsto art. 721/5 do CPC, dado à execução, trata-se de uma execução por custas, sujeita à tramitação prevista no art. 87 do CPC.
E) Tal implica que a presente execução instaurada pelo exequente deveria ter sido instaurada por apenso à respetiva execução onde ocorreu a notificação da nota discriminativa de honorários e despesas do AE, o que não sucedeu.
F) Pelo que entendemos estar perante a total incompetência do tribunal, exceção dilatória prevista no art. 577/-a do CPC, obstando ao conhecimento do mérito da causa, com a consequente absolvição da executada, ora recorrente da instância.
G) Nos termos do artigo 96.º do CPC, a infração das regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal.
H) A incompetência absoluta do tribunal é uma exceção dilatória insuprível e constitui fundamento para indeferimento liminar da execução ou para a sua rejeição, nos termos conjugados dos artigos 726.º, n.º 2, al.b), 734.º, n.º 1, 577.º, al.a), todos do CPC.
DA PRESCRIÇÃO
I) Dispõe-se no Artº 317º/c) do CC que prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.
J) Decorrido o prazo legal, o que sucede in casu, já que a ação executiva foi apresentada a 24/02/2022, presume a lei que a dívida está paga, dispensando o devedor da prova do pagamento, prova que lhe poderia ser difícil ou, até, impossível, por falta de quitação.
K) Tal invocação passa pela compreensão do instituto em referência, instituto este que tem como pressuposto a proteção “do devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo”.
L) Este instituto libera assim o devedor da prova do cumprimento.
Pelo que,
M) Devia a exceção de prescrição ter sido julgada procedente e a executada, ora recorrente ter sido absolvida, o que também não sucedeu.
N) O tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou por erro de interpretação, os artigos 87.º, 96.º, 97.º, 726.º, n.º 2, al. b), 734º, n.º 1, 577.º, al. a), do CPC, 317º do Cod. Civil, assim como os artigos 131.º, da n.º 62/13, de 26/08,102.º-A, da Lei n.º 03/99, de 13/01 e 126.º, n.º 3 da Lei n.º 52/08, de 28/08.
Sem prescindir do Douto Suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo em consequência ser revogada a decisão recorrida, nos termos da Motivação e Conclusões antecedentes, julgando procedente o presente recurso devendo os embargos ser totalmente procedentes
Assim decidindo, farão V.Exas. JUSTIÇA!»

Contra-alegou o embargado, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se o tribunal recorrido é territorialmente incompetente;
- se prescreveu o crédito exequendo.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que constam do antecedente relatório, com a precisão de que resulta do requerimento executivo que o exequente executa nove documentos de notas.

O DIREITO
Da incompetência territorial
Escreveu-se na decisão recorrida:
«(…), tratando-se uma execução por honorários devidos ao Agente de Execução, que atempadamente foram notificados através de nota discriminativa, à aqui Embargante e aos seus mandatários.
E por isso, salvo melhor opinião, o artigo 87.º do Código de Processo Civil, refere-se à competência para execução por custas, multas e indemnizações, o que aqui não tem cabimento, e por isso não é de aplicar ao presente caso.
Este artigo tem aplicabilidade quanto a custas de parte e taxas de justiça.
Situação bem diferente é aquela que nos ocupa, em que os Agentes de Execução dispõem de tabelas próprias, onde estão fixados os seus honorários e, em caso de incumprimento a nota de honorários e despesas constitui título executivo, podendo e devendo ser executados de forma independente da acção principal, uma vez que não existe nenhuma regulamentação especifica quanto a este tipo de acções executivas.»
Mostra-se correto este entendimento. Senão vejamos.
O agente de execução[1] presta exercícios ao exequente e, como tal, tem direito a honorários a pagar por este, para o que lhe envia a respetiva nota. Se o exequente paga os honorários ao AE no decurso de um processo, trata-se de um custo processual que ele suporta para conseguir executar o seu direito contra o executado. Pelo que tem direito ao seu reembolso pelo executado. Temos assim: (i) as Notas de honorários do AE contra o exequente e, depois deste as ter pago, (ii) as custas de parte (do exequente, na execução) contra o executado. Assim, o direito do AE contra o exequente não tem nada a ver com custas de parte ou com as custas da execução.
Basta ter isto presente para se poderem ler todas as normas invocadas, em sentido contrário ao que a executada/embargante lhes dá.
Em suma, a pretensão do AE obter, contra a exequente, o pagamento dos honorários e o reembolso das despesas que fez, não tem nada a ver com custas de parte ou custas da execução e, por isso, nenhuma das normas que se refiram a estas têm algo a ver com o caso.
A questão que se põe é a de saber qual a norma que regula a competência do tribunal para a presente execução, o que pressupõe saber que tipo de título executivo são as notas de honorários do AE.
Rui Pinto inclui a nota discriminativa de honorários e despesas do AE nos títulos administrativos, ex vi art. 721º, nº 5 e art. 5º do Decreto-Lei nº 4/2013, de 11 de janeiro[2].
Por sua vez, Marco Carvalho Gonçalves inclui-as nos títulos extrajudiciais[3].
Escreveu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 24.04.2019, citado na nota anterior:
«Tendo em conta que o título executivo é composto das notas e da sua notificação, ambos resultantes de comunicações feitas pelo AE ao exequente (art. 721/4 do CPC – em casos como os dos autos em que a função não é desempenhada por funcionário judicial, nem houve qualquer decisão do tribunal sobre elas) num processo que está a correr fora do tribunal (art. 551/1 do CPC: O processo de execução corre em tribunal quando seja requerida ou decorra da lei a prática de ato da competência da secretaria ou do juiz e até à prática do mesmo), não resultando pois de qualquer acto da secretaria ou do juiz do processo (art. 719/1 do CPC), o título executivo em causa é um título extrajudicial.
Se se considerar a razão de ser da norma do art. 709/2 do CPC – com o seguinte teor: Quando as execuções se fundem em títulos de formação judicial diferentes da sentença, a acção executiva corre no tribunal do lugar onde correu o procedimento de valor mais elevado -, ou seja, a ligação do título com um processo que correu num tribunal, o facto de se considerar que o título se forma num processo que não corre, por norma, no tribunal, nem precisa de passar a correr no tribunal para se formar, mais se reforça a ideia de que o título será extrajudicial, tanto mais que assim não há nenhuma dependência das Notas ao processo judicial (em princípio, o tribunal da execução não precisará de consultar o processo a que elas respeitam para esclarecimento do teor do título executivo; as comunicações que constituem o título executivo fazem parte dele, sendo este, por isso, auto-suficiente).»
Em suma, considera-se que o título executivo em causa é um título extrajudicial e não um de formação processual judicial, pelo que a norma a aplicar é a do art. 709/4 do CPC.»
Reza o art. 709º, nº 4, do CPC: «Quando as execuções se baseiem todas em títulos extrajudiciais, é aplicável à determinação da competência territorial o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 82º, com as necessárias adaptações.»
Por seu turno, dispõe o art. 82º, nº 2, do CPC: «Se o autor cumular pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, pode escolher qualquer deles para a propositura da ação…» [a norma tem uma ressalva que manifestamente não se aplica ao caso e por isso é desnecessário transcrevê-la].
Face a este quadro normativo, a questão que se coloca é a de saber se o exequente podia escolher o Tribunal Judicial de Beja para esta execução com cumulação de títulos.
A resposta há de ser dada no confronto das notas discriminativas juntas com o requerimento executivo.
Ora, resulta destas notas que os serviços do AE, ora exequente, foram prestados no âmbito de três processos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Loures - Juízo Execução - Juiz 1, e em seis no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra - Juízo Execução - Juiz 1 [um processo], Juiz 2 [dois processos], Juiz 3 [dois processos] e Juiz 4 [um processo].
Não podia, assim, o exequente escolher o Tribunal Judicial da Comarca de Beja para esta execução com cumulação de títulos.
Verifica-se, assim, a incompetência territorial do tribunal escolhido, o que implica a remessa do processo para o Tribunal competente [art. 105º, nº 3, do CPC], que será um dos dois tribunais acima referidos onde o exequente prestou os serviços à executada, o qual deverá ser escolhido pelo exequente nos termos do nº 2 do art. 82º do CPC.
O recurso merece provimento quanto a esta questão, ficando prejudicado o conhecimento da exceção de prescrição invocada pela embargante.
Vencido no recurso, suportará o exequente/embargado as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, pelo que se revoga a decisão recorrida que é substituída por esta decisão a declarar incompetente o tribunal recorrido, determinando-se a remessa do processo para o Tribunal que o exequente venha a indicar no prazo de 10 dias, após notificação do presente acórdão.
Custas pelo exequente/embargado.
*
Évora, 9 de fevereiro de 2023
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)

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[1] Doravante AE.
[2] A Ação Executiva, AAFDL Editora, Lisboa/2018, pp. 227-228.
[3] Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, 2.6.4.6, p. 126, citado no acórdão da Relação de Lisboa de 24.04.2019, proc. 2086/18.2T8SLB-A.L1, in https://outrosacordaostrp.com/2019/04/26/ac-do-trl-de-24-04-2019-proc-2086-18-2t8lsb-a-honorarios-e-despesas-do-agente-de-execucao-custas-de-parte-titulo-executivo-art-709-2-ou-709-4-do-cpc/.