Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
141/15.0 JAFAR-A.E1
Relator: MARIA FILOMENA SOARES
Descritores: ESCUTAS TELEFÓNICAS
VALIDAÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 04/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Não é razoável a interpretação do n.º4 do artigo188.º do CPP, que considera esgotado o prazo de 48 horas para apresentação ao JIC dos elementos referentes às interceções telefónicas efetuadas sem ter em conta o normal funcionamento dos serviços do Ministério Público.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:

I
[i] No âmbito do processo de inquérito nº 141/15.0 JAFAR, que corre termos na Comarca de Faro, no DIAP de Loulé, 1ª Secção, pela Digna Magistrada do Ministério Público foi proferida, em 11.09.2015, a promoção seguinte:

I. Fls.237 e 238:Visto.
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lI. Consigno que tomei conhecimento dos elementos remetidos pela Polícia Judiciária, dentro do prazo legal de 48 (quarenta e oito) horas, de acordo com o estipulado no artigo 188°, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
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IlI. Na sequência da investigação que tem vindo a ser desenvolvida nestes autos, resultam fortes indícios que um dos ao-autores dos indiciados crimes de Burla qualificada e Branqueamento de capitais é J., também conhecido por "ZÉ …", habitual utilizador dos cartões telefónicos com o número 91 --- da rede "VODAFONE", e com o número 96 ---da rede “TMN”.

Os factos em investigação são graves.

Os denunciados/suspeitos com recurso a documentação falsificada, conseguiram financiar a aquisição de, pelo menos, três veículos automóveis apresentando somente a respetiva documentação, procedendo de seguida ao pagamento das duas primeiras prestações do financiamento e apropriando-se do valor remanescente, deixando as lesadas sem qualquer meio de recuperar as viaturas (que se presume já não existissem ou circulassem à data da aquisição) ou o valor mutuado, pois os elementos patrimoniais e financeiros indicados pelo mutuário não têm qualquer adesão à realidade.

As vantagens ilícitas ascendem já a € 41.000,00 (quarenta e um mil euros), com consequente prejuízo para os lesados até ao momento conhecidos, sendo certo que tais factos e restantes elementos carreados para os autos demonstram que os denunciados terão na prática de ilícitos o seu modo de vida e sustento.

Tais verbas traduzem-se nos valores dos financiamentos respeitantes às viaturas creditados, ao que tudo indica, em contas do suspeito J. no "NOVO BANCO" (antigo BES) e "CAIXA ..., CRL".

O nível de sofisticação e o curto período em que foram consumados os factos trazem consigo a certeza de que a ação delituosa não se resume às ocorrências referenciadas (cfr. fls.159 a 167, 214 e 215).

Pelo exposto, determino a remessa dos autos ao Mmº Juiz de Instrução Criminal (acompanhados dos suportes digitais, ora apresentados, bem como dos relatórios relativos às respectivas conversações/comunicações) a quem se requer.

a) que seja determinada a junção aos autos dos seguintes suportes técnicos e relatórios das conversações/comunicações cujas sessões a seguir se enunciam:

- alvo 76970040: sessão 1667 e 1800 (interceções efetuadas a J);

- alvo 76971040: sessões 292, 335, 358 e 486 (interceções efetuadas a A).

bem como determinada a sua transcrição, porque relevantes como meio de prova dos factos em investigação e relacionadas com o processo, bem como indispensáveis para efeitos de eventual aplicação de medidas de coacção diversas do Termo de Identidade e Residência, a saber: obrigação de apresentação periódica e até mesmo prisão preventiva - cfr. artigo 188°, nº7 do Código de Processo Penal.

b) que as restantes sessões do(s) mencionado(s) alvo(s) e ainda as referentes ao alvo 76970050 sejam guardadas em envelope fechado à ordem do Tribunal, e destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, em virtude de não possuírem interesse para a investigação - cfr. artigo 188°, n°6 do Código de Processo Penal.

c) ao abrigo do disposto nos artigos 187°, nº1, alínea a), e nº4, alínea a), 188°, 190° e 269°, n°1, alínea e) e 2, todos do Código de Processo Penal, relativamente aos cartões telefónicos com o número 91--- da rede "VODAFONE'', e com o número 96 ----da rede "TMN', bem como aos respetivos IMEl's em que se encontrem neste momento a operar, e a quaisquer outros cartões que sejam utilizados no mesmo, ou, caso tenha sido desativado entretanto, o IMEI onde o cartão telefónico foi utilizado pela última vez, autorize, pelo período 30 (trinta) dias:

- a interceção das respetivas conversações efetuadas;
- o acesso à listagem de chamadas efetuadas e recebidas;
- registos de trece-beck e respetiva localização celular da ativação.
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(…)” [cfr. fls. 241 e 242 dos presentes autos].

[ii] Em consequência, em 11.09.2015, foram os autos remetidos à Instância Local de Loulé, da Comarca de Faro, Secção Criminal, J2 e presentes ao Mmº Juiz em 14.09.2015 que, na mesma data, exarou o despacho seguinte:

Tendo em consideração que em conformidade com o regime de afectação de processos de inquérito para a prática de actos jurisdicionais que correm termos nas Secções instaladas fora dos municípios de Faro e de Portimão onde se encontram sediadas as Secções de Instrução Criminal, os actos jurisdicionais ora requeridos são da competência da 1.ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central de Faro e não dos Juízes da Secção Criminal da Instância Local de Loulé, devolvam-se os autos aos Serviços do Ministério Público.” [cfr. 243 a 245 dos presentes autos].

[iii] Devolvidos os autos em 15.09.2015 ao DIAP, presentes na mesma data, de novo, à Digna Magistrada do Ministério Público, por escrito proferido na aludida data, foi determinado, além do mais, que “(…) se diligencie pela imediata remessa dos autos à Instância Central – Secção de Instrução Criminal de Faro (…)”. [cfr. 248 dos presentes autos].

[iv] Remetidos, em 15.09.2015 e presentes nesta data ao Mmº Juiz, por despacho judicial proferido em 15.09.2015, foi decidido o seguinte:

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Considerando os autos intercalares de fls. 233 a 236, as interceções ora apresentadas e das quais se pretende a transcrição decorreram entre o dia 27/8/2015 e o dia 9/9/2015. Sucede que estas nos foram apresentadas para apreciação no dia 15/9/2015, mas a juiz diferente no dia 14/9/2015. Ora, considerando qualquer uma das assinaladas datas a apresentação é intempestiva, porquanto estão ultrapassadas as 48horas a que alude o artigo 188.º, nº4 do do Código de Processo Penal. Nesta medida, não validamos as interceções atrás referidas, por serem nulas, nos termos do disposto 190.º do CPP.
***
O Ministério Público requer a interceção das conversações telefónicas estabelecidas a partir dos números 91---- e 96--- e dos respetivos IMEIS, bem como o acesso à listagem de chamadas efetuadas e recebidas e registos de trace-back e respetiva localização celular da ativação. No entanto, não indica a quem estes pertencem, nomeadamente se aos suspeitos já sujeitos a interceções telefónicas, a outros suspeitos, a pessoa que sirva de intermediário nos crimes em investigação ou vítima.

Ora, deve constar a quem pertence o telemóvel que se pretende escutar, esclarecendo se o mesmo é suspeito, vitima ou intermediário do crime em investigação, pois se assim não for, a interceção não pode ser autorizada, já que só pode ser alvo dela os acima enunciados, nos termos do disposto no artigo 187.º, nº4 do Código de Processo Penal.

Destarte, não se autoriza a requerida interceção.
***
Notifique.
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” [cfr. fls. 252 dos presentes autos].

[v] Inconformada com esta decisão, dela veio recorrer a Digna Magistrada do Ministério Público, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões:

1. A respeito da admissibilidade das escutas telefónicas estabelece o artigo 187º, nº1 do Código de Processo Penal que a interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito - se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter - por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público.

2. O artigo 188º estabelece em detalhe o regime de acompanhamento judicial da escuta telefónica, ali se dispondo que o órgão de polícia criminal referido no nº1, leva ao conhecimento do Ministério Público de 15 em 15 dias a partir do início da primeira interceção efetuada no processo, os correspondentes suportes técnicos, bem como os respetivos autos e relatórios (nº3 do artigo), após o que o Ministério Público os leva ao conhecimento do juiz no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas (nº4 do artigo).

3. Decorre dos autos, sem margem para dúvida, que os elementos em causa foram apresentados pelo órgão de polícia criminal ao conhecimento do Ministério Público, em 10 de Setembro de 2015 - dentro do seu prazo legal - e respeitam a período compreendido entre o dia 27 de Agosto de 2015 e o dia 09 de Setembro de 2015.

4. A Magistrada do Ministério Público tomou conhecimento desses elementos, no dia 11 de Setembro de 2015, ordenando, nesse mesmo dia, a sua apresentação ao Mmº Juiz de Instrução Criminal, sem esgotar as 48 horas previstas no artigo 188º, nº4 do Código de Processo Penal.

5. Os Serviços do Ministério Público, ainda nesse dia, atempadamente e cumprindo o prazo legal estipulado no nº4 do citado artigo, remeteram eletronicamente os autos para a Unidade Central – Loulé, com a finalidade “Concluir ao Mmº Juiz de Instrução Criminal”.

6. Os autos foram conclusos à Mmª Juiz da Instância Local Criminal de Loulé (J2) – também a desempenhar funções atribuídas a juiz de instrução criminal, desde o dia 01 de Setembro de 2014, mas cujas competências para os actos processuais foram, desde então, sucessivamente alteradas - no primeiro dia útil seguinte, ou seja, no dia 14 de Setembro de 2015 (2ª feira), que, indiferente à natureza urgente do acto processual em causa, ordenou a sua devolução aos Serviços do Ministério Público, com fundamento nos actos jurisdicionais requeridos serem da competência da 1ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central de Faro, não observando, como lhe competia, o disposto no artigo 33º, nº2 do Código de Processo Penal.

7. Os autos regressaram aos Serviços do Ministério Público – DIAP Faro/Loulé 1ª Secção – no dia 15 de Setembro, foram conclusos à Magistrada titular que os despachou, tendo sido remetidos, ainda nesse dia, à 1ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central de Faro e despachados pelo Mmº Juiz de Instrução criminal ali em exercício de funções.

8. No despacho recorrido o Mmº Juiz “a quo” não considerou que o dia 13 de Setembro, por corresponder a um domingo, faria transitar o prazo para o dia útil seguinte (cfr. artigo 138º, nº2 do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 104º, nº1 do Código de Processo Penal), independentemente de se tratar, ou não, da prática de acto processual urgente.

9. Sendo a apresentação das escutas telefónicas pelo Ministério Público ao juiz de instrução um acto de natureza processual, ter-se-á de atentar no disposto no artigo 103º, nº1 do Código de Processo Penal, que rege sobre o momento em que se praticam tais actos, sendo a regra no sentido de que se praticam nos dias úteis e fora do período de férias judiciais.

10. Entre os actos excecionados de tal regra, pelas alíneas do nº2 do citado artigo 103º, não consta a apresentação das escutas ao juiz de instrução – a mais próxima seria a da alínea f), mas esta contempla um caso de urgência ope judicis.

11. A natureza urgente da apresentação das escutas telefónicas (visto tratar-se de matéria que contende com direitos fundamentais), compagina-se perfeitamente com a realização do acto dentro do período normal de funcionamento dos tribunais mesmo durante o período de férias, ou seja, durante os dias úteis, e portanto com exclusão de feriados, sábados e domingos (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2012, procº288/11.1GDSTS-BA.P1, acessível em www.dgsi.pt/tre.nsf/).

12. Os Tribunais só funcionam em regime de turnos e para assegurar serviços de caráter urgente que devam ser executados nesses dias (como sucede com aqueles que a lei expressamente preveja ou cujo diferimento para o dia útil imediatamente posterior seja suscetível de implicar sérios prejuízos) “e já não para levar a cabo actos que, embora relativamente urgentes, de facto ou como tal considerados pela lei, se compadecem com a sua realização dentro dos horários normalizados, como pensamos suceder no caso concreto”.

13. Todavia, salvaguardando opinião diversa, que entenda que o acto processual em apreço deva revestir caráter urgente, enquadrando-se na alínea f) do nº2 do artigo 103º do Código de Processo Penal, mesmo assim a conclusão terá de ser a mesma, ou seja, a que o prazo de 48 horas previsto no artigo 188º, nº4 do Código de Processo Penal não foi ultrapassado, no caso sub judice, e os elementos apresentados a Juiz de Instrução Criminal foram-no dentro desse prazo.

14. Entre o órgão de polícia criminal e o Ministério Público, por um lado, e o Ministério Público e o Juiz, por outro, há funcionários judiciais a tramitarem o processo, havendo, assim, que atentar no disposto no artigo 106º do Código de Processo Penal, onde se estabelece que os funcionários de justiça só estão obrigados a apresentar os autos, antes dos dois dias ali previstos, se se tratar de prazo diferente do legalmente previsto e/ou existam arguidos detidos ou presos e esse prazo fixado possa afetar o tempo da privação da liberdade, o que não sucede no caso concreto.

15. Apesar do cuidado que os funcionários de justiça devam ter face à previsão das referidas quarenta e oito horas, de modo a não protelar aquela apresentação, a interpretação segundo a qual esse prazo se esgota sem ter em conta o normal funcionamento dos serviços não é razoável (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/10/2013, procº228/11.8JAFAR-A.E1, acessível em www.dgsi.pt/tre.nsf/)

16. O Mmº Juiz “a quo” enveredou no despacho recorrido por uma interpretação demasiado restritiva e sem cabal apoio legal, violando o disposto nos artigos 103º, 106º, 188º, nº3 e 4, e 190º do Código de Processo Penal.

17. Por outro lado, a lei comina com a sanção da nulidade a inobservância dos requisitos e condições impostas pelos artigos 187º, 188º e 189º do Código de Processo Penal, mas, por força do princípio da legalidade, só serão insanáveis as nulidades previstas no artigo 119º do citado diploma legal e as que forem cominadas como tal em outras disposições legais.

18. A expressão “sob pena de nulidade”, ínsita no artigo 190º do Código de Processo Penal, remete o julgador para o regime das nulidades das provas, matéria que tem tratamento autónomo no artigo 126º daquele Código, diferente do regime normal de nulidades decorrente dos artigos 118º e ss. do Código de Processo Penal, ressalvando-se no nº3 desta norma aquele primeiro regime.

19. A nulidade da prova proibida que atinge o direito à privacidade, previsto no nº3 do citado artigo 126º, é sanável pelo consentimento do respetivo titular, que “pode ser dado ex ante ou ex post facto”, por estarmos no campo dos direitos disponíveis, a que o titular pode renunciar a qualquer momento.

20. A existir nulidade declarada, teria ela a natureza de sanável, não podendo ser conhecida oficiosamente, mas apenas a requerimento do titular do direito infringido.

21. Ao conhecer da nulidade da interceção, o despacho recorrido conheceu, pois, de questão de que não podia ter conhecido, violando o disposto nos artigos 119º, 120º, nº1, e 126º, nº3 do Código de Processo Penal, incorrendo em excesso de pronúncia, situação que é geradora de nulidade e deverá conduzir à sua revogação.

22. No que respeita ao despacho de fls.239 (frente e verso) e 240 dos autos, proferido pelo Ministério Público, o mesmo divide-se em três pontos distintos, ali identificados como pontos I., II. e III., fazendo parte integrante deste último ponto três alíneas, identificadas por a), b) e c).

23. Foi no ponto III. do mencionado, mais precisamente na sua alínea c), que o Ministério Público formulou e dirigiu ao Mmº Juiz de Instrução Criminal, ao abrigo do disposto nos artigos 187º, nº1, alínea a) e nº4, 188º, 190º e 269º, nº1, alínea e) e nº2, todos do Código de Processo Penal, requerimento para obtenção de autorização para intercetar as conversações efetuadas através dos cartões telefónicos com os números 91 --- da rede “VODAFONE” e 96 ---da rede “TMN” , bem como o acesso à listagem de chamadas efetuadas e recebidas, registos de trace-back e respetiva localização celular da ativação.

24. Tal requerimento foi cabalmente fundamentado, identificando os números de cartões telefónicos a serem escutados, bem como o seu habitual utilizador – o que se fez não só pelo seu nome completo J. mas também pela sua alcunha: “ZÉ …” – e os crimes de cuja prática se mostra indiciado.

25. Ao não autorizar a interceção das conversações efetuadas e recebidas através dos números de cartão telefónico 91 ---- e 96 ---, com fundamento no facto de não ter sido indicado pelo Ministério Público a quem pertencem tais números, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 187º, nº1 e nº4, alínea a) – (interceções telefónicas dos suspeitos), 188º (suas formalidades) e 269º, nº1, alínea e) – (interceções autorizadas pelo Juiz), todos do Código de Processo Penal.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência o despacho recorrido revogado, na sua totalidade, e ordenada a sua substituição por outro:

- que não declare a nulidade, mas sim autorize a junção dos suportes técnicos e relatórios das conversações/comunicações telefónicas referentes aos alvos 769--- (sessões 1667 e 1800) e 769--- (sessões 292, 235, 358 e 486), no período compreendido entre o dia 27 de Agosto de 2015 e o dia 09 de Setembro de 2015, e determine a transcrição das sessões assinaladas.

- que aprecie, na sua totalidade, o requerimento de autorização de escutas telefónicas aos cartões telefónicos com os números 91--- e 96 --- (e o demais requerido), e decida em conformidade com a lei, autorizando-as.
Assim se decidindo se fará a costumada JUSTIÇA”.

[vi] Presentes os autos ao Mmº Juiz a quo, em 25.09.2015, na mesma data, foi proferido o despacho judicial seguinte [cujo teor, constante de fls. 409 a 417 dos presentes autos, se transcreve na parte pertinente à apreciação do presente recurso]:

****
A forma como se encontra redigida a promoção de fls. 239 levou-nos a lavrar em erro, pelo qual nos penitenciamos, pois assumimos o parágrafo que está sob égide da al. e) como requerimento autónomo, independentemente dos demais. Ao assumir tal parágrafo como a totalidade do requerimento, lá não vislumbramos a menção a quem era o alvo das interceções, para saber se o mesmo era uma da categoria de pessoas contempladas no nº 4 do artigo 187.º do Código de Processo Penal.

No entanto, não há lapso, que depois de revelado e assumido não possa ser corrigido, o que faremos de seguida, apreciando inclusive a última promoção de fls. 329 a 333:

A Digna Magistrada do Ministério Público veio requerer a interceção e a gravação de todas as conversações e comunicações efetuadas e recebidas através dos cartões de acesso com os números:

a) nº 91 ---, da rede "Vodafone" e com o número 96 --- da rede "TMN", pertencente a J.,bem como aos respetivos IMEI'S em que se encontrem neste momento a operar, e a quaisquer outros cartões que sejam utilizados no mesmo, ou, caso tenha sido desativado entretanto, o IMEI onde o cartão telefónico foi usado pela última vez, bem assim o acesso aos correspondentes registos de trace-back e à localização celular das ativações telefónicas, bem como faturação detalhada das chamadas recebidas e efetuadas através deles, reportada ao inicio da ativação dos referidos números telefónicos, pelo período de 30 dias;

b) Nº 91 ----, da rede "MEO", pertencente ao suspeito Jorge ("JA"), bem como os respetivos IMEIS, em que se encontre a operar, e a quaisquer outros cartões que sejam utilizados no mesmo, ou, caso tenha sido desativado entretanto, o IMEI onde o cartão telefónico foi usado pela última vez, bem assim o acesso aos correspondentes registos de trace-back e à localização celular das ativações telefónicas, bem como faturação detalhada das chamadas recebidas e efetuadas através deles, reportada ao inicio da ativação dos referidos números telefónicos, pelo período de 30 dias;

c) Prorrogação das interceções telefónicas ainda em curso, que tiveram inicio no dia 27 de agosto de 2015, referentes ao alvos 769---,769---,7697--- e 7697---, correspondentes, aos telemóveis e aparelhos telefónicos 96--- e 01305----, utilizado pelo suspeito JD e 93 --- e 353----, utilizado pelo suspeito AC;

Cumpre apreciar e decidir:
Nos presentes autos de inquérito investiga-se a prática de factos passíveis de integrar vários crimes de burla, p. e p. pelos artigos 217., nº l e 218º, nº l, de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368.º-A, nº 1 do Código Penal e agora também um crime de corrupção, p. e p. pelo artigo 373.º do CPP.

Os aludidos ilícitos permitem o recurso às interceções telefónicas, atenta a sua gravidade, traduzida nas molduras previstas para os mesmos - cfr. art. 187.º, nº l, al. a) do Código de Processo Penal.

Do auto e de denúncia, documentação relativa aos processos de atribuição dos empréstimos e conversações telefónicas até agora reunidas resulta indiciado JD, AC, S. e J e outros se dedicam a obter de forma fraudulenta empréstimos, com recurso a documentação falsa, prejudicando as entidades bancárias em seu benefício.

Por outro lado, S recebe informação do oficial de justiça, JM, sobre elementos de identificação de pessoas, vendas em processo de insolvência, a forma como poderá ficar com os aludidos objetos. Trata-se de informação privilegiada, recorrendo tal funcionário a sistema de base de dados não livremente acessíveis, bem como de outras fontes, tudo certamente a troco de vantagem patrimonial ou outra.

A forma primordial de contato entre eles, mesmo para concertar esforços para conseguirem os seus intentos e de obterem informação relevante processa-se por meio de contato telefónico.

Logo, como bem diz o Ministério Público, o recurso às interceções telefónicas, como também a obtenção da localização celular, trace-back e faturação detalhada, são essenciais para saber onde e como os arguidos agiram e vão agir nas suas atividades ilícitas.

Ora, estamos perante crimes de acentuada gravidade e com elevado grau de planificação, em que são tomadas diversas cautelas e atos pelos seus agentes, por forma a não serem detetados e salvaguardar o sucesso da operação, o que dificulta, na realidade, a investigação.

Face ao exposto e ao abrigo das normas conjugadas dos artigos 187°, n.º1, ai. b), n.04 e n.º6, art. 188º; 189º; 190°; e 269°, n.º 1, al. e), todos do Código de Processo Penal

a) Autorizo a interceção e gravação telefónica, durante o prazo máximo de 30 (trinta) dias ao:

a. nº 91--- da rede "Vodafone" e ao número 96 --- da rede "TMN", pertencente a J, bem como aos respetivos IMEI'S em que se encontrem neste momento a operar, e a quaisquer outros cartões que sejam utilizados no mesmo, ou, caso tenha sido desativado entretanto, o IMEI onde o cartão telefónico foi usado pela última vez, bem assim o acesso aos correspondentes registos de trace-back e à localização celular das ativações telefónicas, bem como faturação detalhada das chamadas recebidas e efetuadas através deles, reportada ao inicio da ativação dos referidos números telefónicos, pelo período de 30 dias;

b. Nº 91---, da rede "MEO", pertencente ao suspeito Jorge ("JA"), bem como os respetivos IMEIS, em que se encontre a operar, e a quaisquer outros cartões que sejam utilizados no mesmo, ou, caso tenha sido desativado entretanto, o IMEI onde o cartão telefónico foi usado pela última vez, bem assim o acesso aos correspondentes registos de trace-back e à localização celular das ativações telefónicas, bem como faturação detalhada das chamadas recebidas e efetuadas através deles, reportada ao inicio da ativação dos referidos números telefónicos, pelo período de 30 dias;

b) Prorrogo a autorização ou caso entretanto estas cesse por decurso do tempo autorizo as interceções telefónicas, referentes aos alvos 769---, 7697---, 76971--- e 769---, correspondentes, aos telemóveis e aparelhos telefónicos 96 --- e 01305---, utilizado pelo suspeito JD e 93----e 353---, utilizado pelo suspeito AC, nos mesmos moldes anteriormente definidos;
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Atento o preceituado no art.º 188º, n.º5 e 6, determino que o relatório a elaborar pelo OPC faça referência sumária ao teor de todas as conversações intercetadas onde não tenham intervenção as pessoas referidas no n.º4 do art.º 187º, se refiram a matérias cobertas por segredo profissional, de Estado ou funcionário e aquelas cuja divulgação possa afetar gravemente direitos, liberdades e garantias, a fim de coadjuvar o Juiz no cumprimento da obrigação legal de determinar a destruição das interceções, sendo que, quando não exista nenhuma das conversações supra referidas, deverá o OPC fazer referência expressa a tal no seu relatório.
*
(…)
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Por legal e tempestivo, admito o recurso do despacho de fls. 250, que é para o Tribunal da Relação de Évora, com efeito devolutivo, a subir, em separado, de imediato por a sua retenção o tornar inútil, já que as presentes interceções importam considerar e valorar na investigação em curso, bem como em medida de coação a aplicar - cfr. arts. 406.º, nº 2, 407.º, nº l, 408.º, "a contrario sensu", 411.º, nº l e 3 e 427.º do Código de Processo Penal.
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Extraia certidão integral do inquérito como requerido pelo Ministério Público.
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Mantém-se o despacho recorrido na parte que não validou as interceções telefónicas, atenta a intempestividade da disponibilização das mesmas para meu conhecimento. Na verdade, entendemos que a apresentação para controlo efetivo pelo juiz de instrução devia ter-se iniciado no prazo máximo de 48 horas após a sua receção, nunca ultrapassando o 17.º dia desde o inicio da interceção que no caso ocorreu no dia 27 /8/2015. Entendemos que o prazo para apresentação ao juiz que assumiria o controlo da interceção é de 48 horas, nunca ultrapassando o 17.º dia desde o início das interceções. Ora, no caso dos autos, o processo só nos foi presente para controlo judicial no dia 15/9/2015, uma terça - feira, quando o 17.º dia caiu, segundo a nossa contagem, num sábado, sendo que aí podia ter sido praticado, considerando que estamos perante um ato urgente - cfr. art. 103.º, nº2, al. f) do CPP. (vide a este propósito Ac. do Trib. da Rel. de Guimarães datado de 25/8/2009, proc. mnº 8/09.0 GABCL-G I, em que foi relatara Teresa Baltazar e Ac. da mesma Relação, proferido no processo nº 117 /08, em que foi relator o Sr. Des. Luís Gonçalves, disponíveis em www.dgsi.pt.

Nesta medida, somos em crer que o despacho cumpre o disposto no artigo 188.º, nº 4 do Código de Processo Penal.
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Entendemos que a segunda parte do recurso, que incide sobre o indeferimento da autorização para novas interceções encontra-se prejudicado pela circunstância destas agora terem sido admitidas.
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[vii] Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Évora, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido que “(…) “In casu”, e como os autos, de resto, documentam, não se mostram violados os pressupostos conformadores do regime legal e constitucional vigente em matéria de escutas, pelo que somos de parecer que o recurso merece proceder (…).”, concluindo, por conseguinte, que deve ser dada procedência ao recurso interposto.

[viii] Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi realizada conferência.

Cumpre apreciar e decidir.
II

Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação [(cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).].

E, vistas as conclusões do presente recurso, uma das questões aportadas ao conhecimento deste Tribunal ad quem é a da bondade (ou falta dela) do despacho judicial recorrido no conspecto em que decidiu não autorizar a intercepção das conversações telefónicas estabelecidas a partir dos nºs 91 7397079 e 96 7546488 e dos respectivos IMEi`s, bem como o acesso à listagem de chamadas efectuadas e recebidas, registos de trace-back e respectiva localização celular de activação, com fundamento na inobservância, pela Digna Magistrada do Ministério Público, do preceituado no artigo 187º, nº 4, do Código de Processo Penal, ou seja, não indicação das pessoas a quem aqueles pertencem e respectiva qualidade processual nos autos de inquérito em causa.

Na verdade, só uma leitura menos atenta e mais apressada do requerimento da Digna Magistrada do Ministério Público (supra transcrito sob o ponto I, [i], do presente aresto) pode justificar e explicar tal fundamentação constante do despacho judicial recorrido.

Porém, não é menos certo que o Mmº Juiz a quo, antes de se pronunciar sobre a admissão do recurso interposto pela Digna Magistrada do Ministério Público, se penitenciou do que qualificou como “lapso” e, reparando-o, proferiu despacho a autorizar a intercepção e gravação telefónica requeridas e acima mencionadas (cfr. ainda despacho supra transcrito sob o ponto I, [vi], do presente aresto).

Acresce que, após prolação do despacho que admitiu o recurso interposto, o Mmº Juiz a quo proferiu despacho no âmbito do qual afirmou, “Entendemos que a segunda parte do recurso, que incide sobre o indeferimento da autorização para novas interceções encontra-se prejudicado pela circunstância destas agora terem sido admitidas.”, que só pode ser entendido como despacho de reparação do despacho recorrido (na parte em referência), nos termos prevenidos no artigo 414º, nº 4, do Código de Processo Penal.

Porque assim, das conclusões do recurso em apreço verificamos que a única questão aportada ao conhecimento desta instância é a seguinte:

(i) - Saber se os elementos reportados às intercepções de conversações telefónicas foram (ou não) levados ao conhecimento do Mmº Juiz de Instrução Criminal no prazo a que alude o artigo 188º, nº 4, do Código de Processo Penal e, não o tendo sido, se o Mmº Juiz podia (ou não) ter conhecido da (declarada) nulidade da intercepção, nos termos do preceituado no artigo 190º, do citado diploma legal.

III
Sobre a questão suscitada à apreciação deste Tribunal ad quem, já esta instância se pronunciou, em Acórdão proferido em 15.10.2013, no processo nº 228/11.8 JAFAR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt/jtre., relatado pelo Exmº Srº Juiz Desembargador Carlos Berguete Coelho, sendo ainda de atentar, por igualmente relevante, no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 13.05.2008, proferido no processo nº 403/08-1 e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2012, proferido no processo nº 288/11.1 GDSTB-BA.P1, ambos disponíveis no mesmo indicado local.

A similitude da situação de facto e do argumentário recursivo apreciados e decididos no mencionado Acórdão de 15.10.2013 e aqui suscitados à apreciação, ressalvado o devido respeito por diferente opinião, dispensam-nos de acrescida argumentação, porque, em verdade, sufragamos a expendida no citado aresto in totum.

Como ali se pode ler:
“(…)
Nos termos do art. 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”.

Tal proibição de ingerência assenta em que a mesma atinge o núcleo de direitos fundamentais inscrito no art. 26.º, n.º 1, da CRP (“A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”).

Qualquer restrição desses direitos terá, pois, de obedecer aos princípios de necessidade, adequação, proporcionalidade e determinabilidade, de acordo com o art. 18.º, n.º 2, da CRP, limitando-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que, sempre, imporá uma cuidada ponderação no confronto entre a medida da restrição e a dimensão da lesão dos direitos correspondentes.

Conforme se acentuou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 407/97, de 21.05, disponível em www.dgsi.pt, a previsão legal carecerá sempre de ser compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao art.18º, nº.2, da CRP, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do agente,

Na verdade, o princípio da proporcionalidade assume uma tripla dimensão: (i) princípio da adequação ou da idoneidade, segundo o qual as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei; (ii) princípio da exigibilidade ou da necessidade, isto é, que as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias e indispensáveis, porque os fins visados não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (iii) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, significando que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, para impedir a desproporção das medidas relativamente a esses fins (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., págs. 392/393, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra, 2005, tomo I, pág. 162).

Segundo Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora, 1992, pág. 283, As escutas telefónicas são, na verdade, portadoras de uma danosidade social polimórfica e pluridimensional que, em geral, não é possível conter nos limites, em concreto e à partida tidos como acertados. Tanto no plano objectivo (dos bens jurídicos sacrificados) como no plano subjectivo (do universo de pessoas atingidas), as escutas telefónicas acabam invariavelmente por desencadear uma mancha de danosidade social, a alastrar de forma dificilmente controlável.

Deste modo, o respeito pelo regime legalmente imposto impõe dar satisfação não só aos requisitos formais-procedimentais, mas também a um conjunto de pressupostos materiais (sobre o tema, v. mesmo Autor, in “Escutas Telefónicas, Conhecimentos Fortuitos e Primeiro Ministro, na RLJ, n.º 3962, ano 139.º, Maio-Junho.2010).

O recurso a tal meio de obtenção de prova, previsto nos arts. 187.º e 188º do CPP, terá assim de ser analisado à luz de tais parâmetros, seja quanto às suas condições de admissibilidade, seja acerca dos formalismos a que obedecem as subjacentes operações.

Não é por acaso que a preterição desses preceitos é cominada com nulidade (art. 190.º do CPP), não podendo a prova obtida por essa via ser utilizada (art. 126.º, n.º 3, do CPP).

Deste modo, não é indiferente, antes pelo contrário, o cuidado posto pelo legislador na utilização desse meio de obtenção de prova, dada a sua especificidade e a intromissão que desencadeia, mormente consumando a lesão irreparável do direito à palavra falada, pelo que ao julgador é exigível a decorrente ponderação na sua realização, além de que, no que ora releva, o adequado acompanhamento nessa realização, o que se tornou ainda mais visível com a alteração legal introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29.08.

Por via desta, as constantes divergências interpretativas a que se prestava o termo “imediatamente” contido no n.º 1 desse art. 188.º na versão anterior à introduzida pela Lei n.º 48/2007- embora aqui reportando-se à apresentação que era feita directamente ao Juiz e não, como agora acontece, ao Ministério Público - vieram a ser ultrapassadas, através da fixação de prazos rígidos.

As exigências legais de acompanhamento próximo e de adequado controlo judicial, vertidas nesse art. 188.º, têm uma dupla finalidade – fazer cessar, tão depressa quanto possível, escutas que se venham a revelar injustificadas ou desnecessárias e submeter a um crivo judicial prévio a aquisição processual das provas obtidas por esse meio -, conforme acentuou José Manuel Damião da Cunha, in “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de escutas telefónicas”(Jurisprudência Constitucional, n.º 1, Janeiro-Março.2004, págs. 50/56).

Não sem que, como resulta da matéria agora questionada, se suscitem, porém, divergências quanto o entendimento sobre a interpretação do “prazo máximo de quarenta e oito horas” definido nesse n.º 4 do art. 188.º.

Na interpretação acolhida pelo despacho recorrido, essas quarenta e oito horas (equivalente a dois dias) correriam de seguida aos 15 dias que o órgão de polícia criminal dispunha para levar os elementos ao conhecimento do Ministério Público [interpretação que, no caso em apreço, só é esclarecida e só se alcança em sede de despacho de sustentação do despacho recorrido – introdução nossa para cabal entendimento; cfr. ainda ponto I, [iv] e [vi] do presente aresto]
(…)
Esses elementos, não obstante levados ao conhecimento do Ministério Público em 15 dias, foram-lhe apresentados, conforme conclusão nos autos, em 20.05.2013 [in casu, em 11.09.2015 – introdução nossa para cabal entendimento], motivando então que o recorrente os tivesse, por sua vez, levado ao conhecimento da Exma. Juiz em 21.05.2013 [in casu, levados ao conhecimento em 11.09.2015 da Instância Local de Loulé, Secção Criminal, J2, tendo sido lavrado termo de conclusão, ao Mmº Juiz, em 14.09.2015, por 12 e 13.09.2015 corresponderem a Sábado e Domingo – introdução nossa para cabal esclarecimento; cfr. ainda ponto I, [ii] do presente aresto].

Admite-se que, pela sua natureza, o acto processual em apreço deva revestir carácter urgente, enquadrando-se na alínea f) do n.º 2 do art. 103.º do CPP, o que se compagina, aliás, com a excepcionalidade do meio de obtenção de prova em causa, com as exigências que lhe são colocadas e com apertada proximidade de controlo judicial que impõe.

Todavia, se assim é, não é menos verdade que o Ministério Público só pode levar ao conhecimento do juiz os elementos de que disponha, não se prescindindo, inevitavelmente, de saber quando o inquérito, em que os mesmos lhe foram apresentados, foi presente através dos respectivos serviços.

O relevo prende-se com o disposto no art. 106.º do CPP, sendo que os funcionários de justiça só estão obrigados a apresentá-los, antes dos dois dias que aí se prevê, se se tratar de prazo diferente legalmente previsto e/ou existam arguidos detidos ou presos e esse prazo fixado possa afectar o tempo da privação da liberdade, o que, em concreto, não sucede.

Pese embora o cuidado que esses funcionários devam ter face àquela previsão das referidas quarenta e oito horas, de forma a não protelar aquela apresentação, afigura-se que a interpretação segundo a qual esse prazo se esgota sem ter em conta o normal funcionamento dos serviços não é razoável.

Tal como se entendeu no acórdão desta Relação de 13.05.2008, no proc. n.º 403/08-1, relatado pelo Ex.mo Desembargador Martinho Cardoso (www.dgsi.pt), e decorre do seu sumário, este prazo de quarenta e oito horas do art.º 188.º, n.º 4, é fixado ao agente do M.º P.º e não à simbiose do agente do M.º P.º com os respectivos serviços do M.º P.º.

A situação em análise diverge daquelas em que expressamente a lei determinar prazo para a prática de acto, à luz do disposto no n.º 2 daquele art. 106.º, como sejam os casos a que se referem os arts. 141.º, n.º 1, e 254.º, n.º 1, do CPP, relativamente aos quais tem de entender-se que o mesmo corre conjunta e simultaneamente para os funcionários de justiça e a autoridade judiciária.

Ainda, não se envereda pelas reservas colocadas pelo citado acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no sentido de que a tese que leve em conta o prazo para conclusão dos autos ao magistrado poderia, em concreto, conduzir a que o juiz tomasse conhecimento dos elementos sem dependência de qualquer prazo, já que as mesmas são dissipadas pelo estrito cumprimento dessa sucessão de prazos nos termos que ficaram definidos, sem que a urgência requerida pela natureza desse acto seja postergada.

Afigura-se, pois, que o despacho recorrido fez interpretação demasiado restritiva e, até, sem cabal apoio legal.
(…)”.

E, assim, entendemos mutatis mutandis!

Na verdade, decorrendo dos autos, sem que dúvida se suscite, que os suportes técnicos bem como os respectivos autos e relatórios foram presentes pelo órgão de polícia criminal à Digna Magistrada do Ministério Público em 10.09.2015 - respeitando ao período compreendido entre o dia 27.08.2015 e 09.09.2015 -, em estrita observância do prazo a que alude o artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal e esta, por sua vez, por despacho datado de 11.09.2015, determinou que fossem presentes ao Mmº Juiz de Instrução, o que ocorreu por remessa electrónica dos autos à Instância Local de Loulé, Secção Criminal, J2, naquela mesma data de 11.09.2015, e que, aqui, o Sr. Funcionário de Justiça os fez presentes ao Mmº Juiz de Instrução por termo de conclusão lavrado em 14.09.2015, sendo que se interpôs fim de semana, que decorreu em 12.09.205 e 13.09.2015, forçoso é concluir que o prazo de quarenta e oito horas prevenido no artigo 188º, nº 4, do Código de Processo Penal, se mostra respeitado – v.g. ainda artigos 103º, nºs 1 e 2, alínea f), 104º e 106º, do Código de Processo Penal e 137º e 138º, do Código de Processo Civil. Acresce que se revela para o caso inoperante e irrelevante o (discutível) procedimento do Mmº Juiz de Instrução que naquela data – 14.09.2015 – não só não determinou a remessa dos autos à entidade que considerou competente, como, tratando-se de acto urgente, o não praticou – cfr. artigo 33º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Destarte, ainda se dirá que, se outro fosse o entendimento - no sentido da inobservância in casu do prazo a que alude o artigo 188º, nº 4, do Código de Processo Penal -, o despacho judicial recorrido sempre estaria votado ao naufrágio porquanto a nulidade relativa ao incumprimento dos prazos constantes dos nº 3 e 4, do artigo 188º, do Código de Processo Penal se reconduz à categoria de nulidade sanável e, por isso, sujeita ao regime prescrito nos artigos 120º e 121º, do citado compêndio legal, isto é, só cognoscível a requerimento do interessado, ou seja, do titular do direito protegido pela norma violada – v.g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.03.2014, proferido no processo nº 15/10.0 JAGRD.E2.S1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.04.2014, proferido no processo nº 343/12.0 JAFAR.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Em face do que se deixa expendido, forçoso é concluir que o recurso interposto pela Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância merece provimento e, por conseguinte, deve ser revogado o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que aprecie os suportes técnicos bem como os respectivos autos e relatórios constantes da promoção datada de 11.09.2015.

IV
Não são devidas custas nos termos do disposto no artigo 522º, do Código de Processo Penal.

V
Decisão
Nestes termos, acordam em:

A) – Conceder provimento ao recurso interposto pela Digna Magistrada do Ministério Público e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que aprecie os suportes técnicos bem como os autos e relatórios, enfim, os elementos constantes da promoção datada de 11.09.2015;

B) – Não serem devidas custas.

[Texto processado e integralmente revisto pela relatora (cfr. artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal)]

Évora,12 de Abril de 2016
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(Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares)

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(José Proença da Costa)