Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
514/20.6T8PTG.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
ADVOGADO
REQUISITOS
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. A gravidez de risco, como tal declarada várias semanas antes do termo do prazo de que a Advogada dispunha para a prática do acto – in casu, apresentação de uma contestação – não constitui fundamento de justo impedimento, se não está demonstrado que esse facto era impeditivo da adopção das providências necessárias à prática atempada do acto, se necessário procedendo ao substabelecimento.
2. Não é impeditivo do substabelecimento a circunstância da Advogada exercer em prática individual.
3. O dever do Advogado é garantir a defesa dos interesses dos respectivos constituintes, pelo que, na hipótese de estar impedido de exercer os deveres do mandato, deverá adoptar as providências necessárias para impedir que os seus constituintes sejam prejudicados. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Portalegre, I… instaurou processo declarativo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra N… e M…, pedindo a sua condenação no pagamento de € 17.326,08, acrescida dos juros legais, referente a férias, subsídios de férias e de Natal, trabalho suplementar, remunerações em dívida vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença e indemnização por despedimento ilícito.
Procedeu-se à citação de ambos os Réus, tendo a Ré M… juntado procuração forense a favor de Ilustre Advogada, a quem, com a faculdade de substabelecer, conferiu poderes forenses gerais e ainda os especiais para confessar, desistir e transigir.
Na audiência de partes, que decorreu no dia 15.07.2020, encontravam-se presentes a A. e o seu Ilustre Mandatário, os RR. e a Ilustre Mandatária da Ré M…. Verificada a frustração da conciliação, foi ordenado o cumprimento do disposto no art. 56.º al. a) do Código de Processo do Trabalho, sendo a Ré de imediato notificada para, em 10 dias, contestar, querendo, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pela A..
Nenhum acto foi praticado até ao dia 17.09.2020, data em que foi proferida sentença, declarando confessados os factos articulados pela A., nos termos do art. 57.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, e julgando a acção totalmente procedente, com declaração de ilicitude do despedimento e condenação solidária dos RR. nas quantias peticionadas.
Tendo esta sentença sido notificada por comunicações electrónicas expedidas nessa mesma data, logo a 18.09.2020 a Ilustre Mandatária da Ré M… apresentou requerimento, juntando declaração médica de gravidez de alta risco, datada de 18.08.2020, com data de parto provável de 27.10.2020, mais:
“(…) invocando Justo Impedimento para a prática atempada do acto processual, apresentação da Contestação, ao abrigo do artigo 140º do Código de Processo Civil.
Foi diagnosticada à requerente gravidez de alto risco no dia 18 de Agosto de 2020, às 30 semanas de gestação e até à data do parto, por ameaça de parto pré-termo com indicação de repouso absoluto, pelo que desde aí se encontra proibida de sair de casa e de realizar qualquer actividade.
Teve conhecimento da prolação da sentença no dia 17 de Setembro de 2020 apenas através da sua constituinte porque pelos motivos que se podem ler no documento junto, não lhe é permitido exercer a sua actividade profissional porque para isso não reúne condições físicas.
Desta forma vem requerer a Vª Exª que considere os motivos invocados, aceite o justo impedimento e que lhe conceda novo prazo para a entrega da contestação assim que terminar o impedimento de forma a assegurar o direito de defesa da ré.»
Este requerimento, após concessão de contraditório à A., que não respondeu, foi objecto de despacho de indeferimento, declarando a inexistência do justo impedimento invocado.
E é deste despacho que a Ré M… recorre, concluindo:
a) O justo impedimento vem previsto no artigo 140º do C.P.C: Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
b) Assim, é admissível a prática de um acto processual fora do prazo legal ou judicial com fundamento no justo impedimento: se decorrer de um evento absolutamente incapacitante e imprevisível, se não for imputável à parte, mandatários ou representantes, se a parte apresentar acto assim que o impedimento cesse.
c) A gravidez da mandatária decorria sem preocupações até à 30ª semana, assistiu a todos os compromissos jurídicos até aí.
d) A partir de 18 de Agosto teve indicação médica expressa em declaração clínica junta ao processo, para repouso absoluto por ameaça de parto pré-termo, bem como a impossibilidade de exercer a sua profissão.
e) É necessário que se afaste a culpa ou a negligência grosseira para se verificar a existência de justo impedimento, avaliado nomeadamente pelo previsto no artigo 487º nº2 do C.C. – através da actuação diligente que se exige do “bom pai de família”, apreciada caso a caso e perante a situação concreta.
f) No caso em apreço não existe culpa por parte da mandatária na ocorrência da impossibilidade, uma vez que nada faria prever essa ocorrência e estando em risco a vida do feto, não se exigia pela aplicação do artigo mencionado outra atitude, ou seja, o comportamento do homem médio diligente seria exactamente o mesmo.
g) A mandatária requereu juntamente com a alegação do justo impedimento que lhe fosse possível praticar o acto logo que cessasse o impedimento (depois do parto – que se previa para dia 27 de Outubro de 2020), conforme exigido pela última parte do artigo 140º do Código de Processo Civil
h) O despacho recorrido considera absolutamente incompreensível que a mandatária não tivesse procedido ao substabelecimento de poderes a um colega.
i) Sendo a contestação um acto que afecta directamente a parte representada, cabe a esta a decisão de escolha do mandatário.
j) A mandatária exerce em prática individual o que torna praticamente impossível o substabelecimento, bem como também o facto de ter estado neste lapso temporal a decorrer as férias judiciais.
k) Estando obrigada a repouso absoluto, com indicação de permanência no domicílio, não se lhe pode exigir que conseguisse reunir e preparar um colega para a elaboração da contestação, até porque não se podia deslocar ao escritório!
l) O estado de saúde da mandatária é comprovado por declaração clínica assinada pela médica que a acompanhou, pelo que ao Tribunal imperava a obrigação de pedir esclarecimentos sobre a mesma ou até requerer declarações da médica obstetra, antes de proceder à decisão que põe em causa a veracidade do atestado médico e que indefere o justo impedimento.
m) Pelo que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que modificando a decisão de facto e com base nos elementos constantes no processo atribua à recorrente a possibilidade de juntar aos autos contestação, aceitando o justo impedimento.

Não foi oferecida resposta.
Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Os factos a ponderar na decisão são os constantes do relatório.

APLICANDO O DIREITO
Do justo impedimento
O justo impedimento é definido no art. 140.º n.º 1 do Código de Processo Civil como o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto. Acrescenta o n.º 2 que a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova e que o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora de prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou – significando que a parte tem o ónus de praticar o acto e requerer o reconhecimento do justo impedimento logo que ele cesse.
Comentando esta norma, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1] afirmam que, «à luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. (...) Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário. Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão. Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art. 799-1 CC): embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos.»
No conceito de justo impedimento integra-se assim todo o evento que obste à prática atempada de acto, desde que não seja imputável à parte que o invoca nem aos seus representantes ou mandatários, constituindo uma derrogação à regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório.
Tem sido entendido que o evento obstaculizador da prática do acto não deve ser imputável a título de culpa à parte ou ao seu mandatário, não obstando à possibilidade destes terem tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.
Aplicando estes critérios, a jurisprudência vem identificando os seguintes requisitos cumulativos do justo impedimento: (i) que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; (ii) que determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto; (iii) que a parte se apresente a praticar o acto logo que cesse o impedimento.
Na jurisprudência, aplicando estes princípios, citemos os seguintes arestos, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt:
Acórdão da Relação de Guimarães de 23.06.2004, no Proc. 1107/04-1:
«I – À luz do novo conceito (art. 146º CPCivil), basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.
II – O acesso à justiça, ao direito e aos tribunais a todos é garantido, dispõe o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, o que impõe a definição, na lei ordinária, dos actos processuais para a realização daquele princípio programático.
III – Um sistema processual que não contivesse limites ao funcionamento do princípio do justo impedimento introduziria a mais completa anarquia na ordem processual e, isso sim, afrontando a realização da justiça e do acesso aos tribunais, violaria o princípio constitucional apontado.
IV – A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato.»
Acórdão da Relação de Lisboa de 09.03.2010, no Proc. 1651/02.4TAOER-A.L1-5:
«I – Em sintonia com a jurisprudência entendemos que, embora o actual art. 146º nº 1 do C.P.Civil o não diga expressamente, à semelhança do que aí se estatuía na anterior redacção, para que ocorra justo impedimento é necessário que, em consequência do obstáculo, o acto não possa ser praticado por mandatário. Tratando-se de não entrega de motivação de recurso, por não ter sido tempestivamente feita, terá de alegar-se e provar-se que não pudera ser feita por outro advogado.
II – Assim, não se verificará justo impedimento se, apesar de um acontecimento, normalmente imprevisível, houver possibilidades, usando a diligência normal, de o acto ser praticado pela parte ou pelo mandatário. O mesmo é dizer, se puder ser praticado por outro advogado, no qual possa substabelecer o mandatário impedido ou que a parte possa entretanto mandatar para o efeito.
III – Não colhe a alegação da mandatária de que não contactou outro colega porque convinha ser ela própria a praticar o acto, pois era ela que melhor conhecia o processo, defendendo de forma mais eficaz os interesses das suas constituintes. Ninguém é insubstituível, nem a lei permite a derrogação de qualquer prazo peremptório à espera que um mandatário da parte se restabeleça para que o processo prossiga os seus termos. O acto é da parte, o advogado é apenas representante desta. Quando o advogado escolhido não está em condições de exercer o mandato, a parte tem de diligenciar pela escolha de outro que o esteja, caso aquele não tome a iniciativa de substabelecer noutro colega de profissão. O processo não pode ficar indefinidamente parado à espera que o mandatário impedido, por doença, se restabeleça, o que poderia demorar meses ou mesmo anos, com manifesto prejuízo para a justiça e os interesses dos cidadãos envolvidos no respectivo processo e, consequentemente, para a segurança da ordem jurídica globalmente considerada, protelando indefinidamente o trânsito em julgado das decisões proferidas ou ressuscitando causas pressupostamente há muito transitadas em julgado.»
Acórdão da Relação do Porto de 01.06.2011, no Proc. 841/06.5PIPRT.P1:
«As doenças dos mandatários só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade, podem ser constitutivas de justo impedimento.»
Acórdão da Relação de Lisboa de 05.07.2012, no Proc. 6473/11.9TBVFX-A.L1-8:
«I – Deduzido o incidente de justo impedimento e ouvida a parte contrária que se lhe opôs, não é admissível uma nova peça processual do requerente “esclarecendo” situações suscitadas na referida oposição e apresentando nova prova.
II – Sentindo-se o ilustre mandatário da Ré indisposto desde segunda-feira, com sintomas que se foram agravando progressivamente, e tendo de entregar o articulado de contestação até sexta-feira, tendo a Ré passado procuração conjunta a dois advogados, seria de exigir, no âmbito de uma conduta medianamente diligente, que o requerente contactasse a Ré ou o colega com vista a assegurar-se da entrega tempestiva dessa contestação.
III – Nada fazendo, aguardando o último dia do prazo, quando o agravamento da doença já não lhe permitiu sair de casa nem exercer a sua normal actividade profissional, o ilustre advogado deu mostras de uma conduta negligente, que exclui o justo impedimento.»
Acórdão da Relação de Évora de 19.03.2013, no Proc. 1323/11.9TBSLV.E1:
«1 – No conceito de justo impedimento deve integrar-se todo o evento que obste à prática atempada de acto jurisdicional que não seja imputável à parte que o invoca nem aos seus representantes ou mandatários.
2 – O núcleo do conceito de justo impedimento passa da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário.
3 – Como se vem entendendo a doença de advogado só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato.»
Acórdão da Relação do Porto de 23.06.2015, no Proc. 61/12.0GAMIR-A.P1:
«I – O conceito legal de justo impedimento, que emerge do artº 140º1CPC, situa-se, actualmente, na não imputabilidade do evento à parte ou ao mandatário e já não na sua normal previsibilidade.
II – Para a afirmação do justo impedimento do mandatário não é suficiente a verificação de uma situação de doença incapacitante do exercício da actividade profissional, sendo ainda necessário que a doença determine a impossibilidade de praticar o acto por terceiro.»
Acórdão da Relação do Porto de 22.11.2016, no Proc. 339/13.5TBVCD-A.P1:
«I – São requisitos cumulativos do justo impedimento a não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes ou mandatários e a consequente impossibilidade de praticar o acto em tempo.
II – O atestado médico que declara a impossibilidade do exercício dos deveres profissionais do advogado, por doença, omitindo qualquer referência à natureza e gravidade da mesma, quando desacompanhado de outros meios de prova, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento.
III – A elaboração e entrega da alegação recursiva podem ser efectuadas por outro advogado, mediante substabelecimento ou por constituição pela parte.»
Acórdão da Relação de Coimbra de 20.04.2018, no Proc. 3188/17.8T8LRA-A.C1:
«I – Dispõe o artº 140º, nº 1 do nCPC que ‘considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto’.
II – A jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do acto pode ser considerada ‘justo impedimento’, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele.
III – O atestado médico que declara a impossibilidade de exercício da profissão por parte do advogado/mandatário, sem esclarecer a gravidade da doença ou desacompanhado de outros meios de prova que demonstrem essa gravidade, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento.
IV – Se o acto for praticável por outro advogado, mediante substabelecimento ou por constituição pela parte, é irrazoável a alegação da conveniência na prática do acto pelo mandatário impedido.
V – O que releva decisivamente para a verificação do justo impedimento é a inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremptório.»

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.
Foi invocado o justo impedimento com fundamento na circunstância da Ilustre Mandatária da Ré se encontrar impedida de exercer as suas funções profissionais desde 18.08.2020, por gravidez de alto risco clínico, tendo indicação clínica para repouso físico até à data de parto. No seu entender, a parte tem o direito de escolher o seu mandatário e exercendo a Ilustre Mandatária da Ré a advocacia em prática individual, estava impossibilitada de substabelecer o seu mandato.
Porém, estes factos não permitem o reconhecimento do justo impedimento.
Com efeito, a parte sabia, desde o dia 15.07.2020, que o prazo se iria iniciar logo que findassem as férias judiciais, a 01.09.2020, dispondo então de 10 dias para contestar. Sobrevindo a situação de gravidez de risco a 18.08.2020, a parte não logrou justificar estar impedida de adoptar as providências necessárias a garantir o atempado exercício do direito de contestação, nomeadamente procedendo a Ilustre Mandatária ao substabelecimento do mandato, como expressamente previsto na procuração.
E não se argumente com o exercício da advocacia em prática individual, pois o dever do Advogado é garantir a defesa dos interesses dos respectivos constituintes, pelo que, na hipótese de estar impedido de exercer os deveres do mandato, deverá adoptar as providências necessárias para impedir que os seus constituintes sejam prejudicados, no limite substabelecendo o mandato.
Estando afastado o argumento da impossibilidade de substabelecimento, também haverá a dizer que a parte não se apresentou a praticar o acto omitido – a contestação – logo que cessado o impedimento. A Ilustre Mandatária logrou apresentar o requerimento de justo impedimento e praticar outros actos no processo, mas certo é que, vários meses após a data prevista de parto, continua por apresentar a contestação.
Como vimos, o requerente do justo impedimento tem de alegar e provar a sua falta de culpa na prática tardia do acto, não bastando assim a mera alegação de impossibilidade de exercício dos deveres profissionais, tornando-se ainda necessário provar que esse facto era absolutamente impeditivo de tomar as providências necessárias à prática atempada do acto, se necessário procedendo ao substabelecimento.
Prova esta que não foi efectuada.
Como se escreve no Acórdão n.º 178/2014, de 25.02.2014, do Plenário do Tribunal Constitucional (Proc. 336/2013), «o justo impedimento para a prática do acto processual por mandatário judicial só se verifica quando ocorra impossibilidade absoluta ao desenvolvimento do mandato judicial, nas suas múltiplas vertentes, em virtude da produção de facto independente da sua vontade e que o cuidado e diligência normais não permitiam antecipar, não bastando a mera dificuldade na prática do acto. Haverá, então, para julgar verificado justo impedimento por doença de mandatário, de se ter como demonstrada afectação ou condição que, pela sua natureza ou gravidade, impeça razoavelmente o mandatário de substabelecer noutro advogado ou de comunicar com o seu constituinte, ou ainda quando o acto não possa de todo ser levado a cabo por outro causídico. Nada disso vem alegado, nem se evidencia, tendo especialmente em atenção, repete-se, o prolongamento por mais de duas semanas da situação de doença e de tratamento. Nessa medida, o tempo em que foi apresentada a reclamação deve-se, em primeira linha, a escolha do mandatário da recorrente, e não resulta de motivo de força maior, contra o qual não lhe fosse possível, com diligência normal, desenvolver outro comportamento, capaz de conduzir à prática do acto no prazo fixado por lei.»

No fundo, o que a parte pretendia era a declaração de suspensão dos prazos processuais.
Porém, de acordo com a lei em vigor, não existia fundamento para tal.
O art. 2.º do DL 131/2009, de 1 de Junho, na redacção do DL 50/2018, de 25 de Junho, estipula que, em caso de maternidade ou paternidade, os advogados, ainda que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante comunicação ao tribunal, o adiamento dos actos processuais em que devam intervir, após o nascimento do filho.
No caso, não nos encontramos perante o adiamento de actos processuais, para além que este sempre estaria dependente de prévia comunicação ao tribunal, facto que, de todo o modo, não ocorreu.
Poderia ainda ponderar-se a eventual suspensão da instância, por motivo justificativo ou acordo das partes, nos termos do art. 272.º n.ºs 1 e 4 do Código de Processo Civil. Mas certo é que a Ré não requereu atempadamente a suspensão da instância, permitindo o decurso integral do prazo sem qualquer informação ao tribunal nem à parte contrária, pelo que essa falta apenas lhe é imputável.
Não se desconhece que se encontram pendentes na Assembleia da República dois Projectos de Lei – n.º 88/XIV e n.º 113/XIV – prevendo a suspensão da instância em caso de doença grave ou exercício do direito de parentalidade dos mandatários, aditando um novo art. 272.º-A ao Código de Processo Civil. Mas para além de não se encontrarem ainda provados, decorrendo o respectivo processo legislativo, o que aqueles Projectos admitem é a possibilidade de as partes acordarem na suspensão da instância por determinados períodos, para exercício dos direitos de parentalidade, após o nascimento ou adopção de filho, situação igualmente não verificada nos autos.
Em suma, apenas teremos a dizer que concordamos com o despacho recorrido, ao concluir pela inexistência do justo impedimento invocado.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso, com manutenção da decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 25 de Fevereiro de 2021
Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
_______________________________________________
[1] In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª ed., Coimbra, Setembro de 2014, págs. 273-278.