Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
817/16.4T8STB.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ARGUIÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA
TRABALHO TEMPORÁRIO
CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – No âmbito do ordenamento processual laboral a nulidade da sentença tem de ser arguida expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, nos termos previstos pelo artigo 77º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho.
II – Tendo os autores sido contratados especificamente para exercerem subordinadamente e em exclusivo a sua atividade profissional para uma empresa com quem a empregadora celebrou um “formal” contrato de prestação de serviços, os factos indiciam que se está perante «uma relação encapotada de trabalho temporário ou de cedência ilícita de trabalhadores», tendo os trabalhadores direito à equiparação remuneratória consagrada nos artigos 185.º, n.ºs 5 e 6 e 291.º, n.º1 do Código do Trabalho. Além disso, a portaria que opera a extensão do AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ e outro, não restringe as condições de trabalho estabelecidas no AE aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho à Rebonave.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.817/16.4T8STB.E1
Apelação

Relatora: Paula do Paço
1º Adjunto: Moisés Silva
2º Adjunto: João Luís Nunes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

1. Relatório
BB intentou a presente ação declarativa com processo comum, contra CC, Lda., pedindo que lhe seja reconhecido o direito à retribuição pelo regime de disponibilidade aplicado no AE entre a REBONAVE – Reboques e Assistência Naval, S.A. e o SITEMAQ – Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outro e que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de €11.962,40, acrescida de juros de mora contados desde 30/11/2015, correspondente aos subsídios de disponibilidade e horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, vencidos e não pagos, e a quantia de €3.833,50 a título de trabalho suplementar.
Alegou, em súmula, que foi admitido ao serviço da R. para prestar trabalho subordinado à Rebonave – Reboques e Assistência Naval, S.A., mediante um contrato de trabalho temporário a termo incerto, com as funções correspondentes à categoria profissional de marinheiro de tráfego local, mediante a retribuição base mensal de €700, acrescida de €5,12 a título de subsídio de refeição por cada dia efetivamente trabalhado, com um período normal de trabalho de 40 horas semanais.
A contratação a termo foi justificada pelo contrato de prestação de serviço celebrado entre a R. e a Rebonave, destinando-se a contratação do A. exclusivamente a assegurar a execução do mencionado contrato de prestação de serviços, sendo que, no exercício das suas funções, mesmo não estando a prestar trabalho efetivo, estava de facto obrigado a permanecer em local de rápido e fácil contacto por parte da Rebonave, por forma a possibilitar a sua comparência no local de trabalho sempre que fosse chamado, obrigação que cumpriu e que o impedia de celebrar qualquer outro contrato de trabalho, com outra entidade, ainda que em regime parcial, sem que nunca lhe tivesse sido paga qualquer quantia a título de subsídio de disponibilidade, que considera ter direito.
Por último, alegou que realizou um total de 505 horas de trabalho suplementar, das quais apenas 54 horas foram contabilizadas e retribuídas como trabalho suplementar.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada na diligência de audiência de partes, a R. contestou alegando, para o que nos interessa em sede de recurso, que o AE celebrado entre a Rebonave e o SITEMAQ e outro, não se aplica à relação laboral celebrada com o A..
Foi proferido despacho saneador que, julgando verificados os pressupostos da instância e da coligação de autores, determinou a apensação aos presentes autos dos processos n.º 796/16.8T8STB, 1706/16.8T8STB, 1718/16.1T8STB, 1721/16.1T8STB, 1756/16.4T8STB, 1765/16.3T8STB, 1792/16.0T8STB, 1794/16.7T8STB, 1836/16.6T8STB, 1842/16.0T8STB, 1982/16.6T8STB e 2493/16.5T8STB.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, a matéria de facto controvertida foi fixada por acordo das partes.
Após, foi proferida sentença com o dispositivo que se transcreve:
«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação procedente e, em consequência e, reconhece a aplicação às relações de trabalho havidas entre os AA. e a CC, LDA. o Acordo de Empresa entre a REBONAVE e o STEMAQ publicado no BTE n.º 44, de 29/11/2009 e, em consequência, condena a Ré a pagar a:
a) BB:
- a quantia de €9.000 (nove mil euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.262,40 (dois mil, duzentos e sessenta e dois euros e quarenta cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €459 (quatrocentos e cinquenta e nove euros) devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago;
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 31/12/2015 e até integral pagamento.
b) EE:
- a quantia de €8.000 (oito mil euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.100,80 (dois mil e cem euros e oitenta cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €331,50 (trezentos e trinta e um euros e cinquenta cêntimos) devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago;
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 30/11/2015 e até integral pagamento;
c) FF:
- a quantia de €9.000 (nove mil euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.545,20 (dois mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e vinte cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 30/12/2015 e até integral pagamento;
d) GG:
- a quantia de €8.500 (oito mil e quinhentos euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.084,64 (dois mil e oitenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €1.729,75 (mil, setecentos e vinte e nove euros e setenta e cinco cêntimos) devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago, com o limite de €1.355,13 (mil, trezentos e cinquenta e cinco euros e treze cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 31/12/2015 e até integral pagamento;
e) HH:
- a quantia de €10.000 (dez mil euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.561,36 (dois mil, quinhentos e sessenta e um euros e trinta e seis cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €688,50 (seiscentos e oitenta e oito euros e cinquenta cêntimos), devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago, com o limite de €302,77 (trezentos e dois euros e setenta e sete cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 29/02/2016 e até integral pagamento;
f) II:
- a quantia de €10.000 (dez mil euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.553,28 (dois mil, quinhentos e cinquenta e três euros e vinte e oito cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 29/02/2016 e até integral pagamento;
g) JJ:
- a quantia de €9.500 (nove mil e quinhentos euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.181,60 (dois mil, cento e oitenta e um euros e sessenta cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €682,55 (seiscentos e oitenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago, com o limite de €394,97 (trezentos e noventa e quatro euros e noventa e sete cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 29/02/2016 e até integral pagamento;
h) KK:
- a quantia de €8.500 (oito mil e quinhentos euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €1.969,60 (mil, novecentos e sessenta e nove euros e sessenta cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €1.666 (mil, seiscentos e sessenta e seis euros), devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago, com o limite de €986,82 (novecentos e oitenta e seis euros e oitenta e dois cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 29/02/2016 e até integral pagamento;
i) LL:
- a quantia de €9.500 (nove mil e quinhentos euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.415,92 (dois mil, quatrocentos e quinze euros e noventa e dois cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €1.582,70 (mil, quinhentos e oitenta e dois euros setenta cêntimos), devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago, com o limite de €242,58 (duzentos e quarenta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 29/02/2016 e até integral pagamento;
j) MM:
- a quantia de €9.000 (nove mil euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.246,24 (dois mil, duzentos e quarenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €905,25 (novecentos e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago, com o limite de €463,47 (quatrocentos e sessenta e três euros e quarenta e sete cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 29/12/2015 e até integral pagamento;
k) NN:
- a quantia de €8.000 (oito mil euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €1.632,16 (mil, seiscentos e trinta e dois euros e dezasseis cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €692,75 (seiscentos e noventa e dois euros e setenta e cinco cêntimos), devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago, com o limite de €617,60 (seiscentos e dezassete euros e sessenta cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 29/02/2016 e até integral pagamento;
l) OO:
- a quantia de €9.500 (nove mil e quinhentos euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €2.375,52 (dois mil, trezentos e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos);
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de €405,45 (quatrocentos e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos, devido a título de trabalho suplementar e aquele que lhe foi pago, com o limite de €154,04 (cento e cinquenta e quatro euros e quatro cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 29/02/2016 e até integral pagamento;
m) PP:
- a quantia de €8.250 (oito mil, duzentos e cinquenta euros), a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia, a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de €1.987,68 (mil, novecentos e oitenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos);
- os juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal, desde 26/02/2016 e até integral pagamento;
*
Custas pela R. (art. 527.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho).
Valor das causas:
- do Processo Principal: €15.795,50;
- do apenso n.º 796/16.8T8STB: €14.595,80;
- do apenso n.º 1706/16.8T8STB: €12.495,20;
- do apenso n.º 1718/16.1T8STB:€ 13.139,77;
- do apenso n.º 1721/16.1T8STB: €12.864,13;
- do apenso n.º 1756/16.4T8STB: €12.553,28;
- do apenso n.º 1765/16.3T8STB: €12.476,57;
- do apenso n.º 1792/16.0T8STB: €12.466,42;
- do apenso n.º 1794/16.7T8STB: €13.358,50;
- do apenso n.º 1836/16.6T8STB: €12.909,71;
- do apenso n.º 1842/16.0T8STB: €11.049,76;
- do apenso n.º 1982/16.6T8STB: €12.229,56; e,
- do apenso n.º 2493/16.5T8STB: €10.237,68.»
Não se conformando com esta decisão, veio a R. interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«I – A douta sentença recorrida julgou aplicável aos contratos de trabalho celebrados entre a
recorrente e os recorridos, o Acordo de Empresa (AE) publicado no BTE n.º 44 de 29.11.2009, celebrado entre a sociedade Rebonave, Reboques e Assistência Naval, SA e o SITEMAQ, Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outro, publicado no BTE n.º 44 de 29.11.2009, por força da Portaria de Extensão (PE) publicada no BTE n.º 16 de 29.04.2010.
Pretende a recorrente que o Tribunal da Relação de Évora, sindicando a aplicação do direito aos factos, revogue tal sentença pelo que, a questão objeto do presente recurso é a inaplicabilidade do supracitado Acordo de Empresa aos contratos de trabalho celebrados e executados entre a recorrente e os recorridos.
II – Um dos principais fundamentos da douta sentença recorrida para concluir pela aplicação dos referidos instrumentos de regulamentação coletiva á recorrente, é o da suposta “existência na prática de uma relação de trabalho temporário encapotada” entre a recorrente, os trabalhadores recorridos e a sociedade a sociedade Rebonave, Reboques e Assistência Naval, SA, com a consequente aplicação do disposto no artigo 185º, n.º 4 do Código do Trabalho (IRC do utilizador aplicável aos trabalhadores temporários), argumentando que “Efetivamente, ficou provado que os AA. foram admitidos para prestar trabalho subordinado à REBONAVE, sendo esta quem dava instruções, dirigia e fiscalizava o trabalho, fazia os horários, controlava a pontualidade, a assiduidade e produtividade, limitando-se a R. a processar os respetivos vencimentos com base nas indicações daquela.”
III – Ora, por um lado, não ficou provado tal facto, não consta da matéria de facto da “Fundamentação de Facto” constante da sentença, nem poderia constar, já que a matéria de facto foi estabelecida por acordo entre as partes (cf. Ata da Audiência de fls.), tendo estas remetido para o alegado em sede de petição inicial e contestação, e em nenhum destes articulados consta alegado esse facto, pelo que, neste ponto, a douta sentença argumenta e decide com base em factos que não constam dos articulados, nem mesmo da “Fundamentação de Facto” da própria sentença, o que torna ininteligível e nula a sentença nesta matéria, e que se invoca expressamente - art.º 615º, n.1, alínea c) do CPC.
IV – E, por outro lado, ainda que por hipótese se tivesse provado tal facto nos autos, então, seguindo por este caminho, também lógica e necessariamente teria de ser a Rebonave (utilizador fictício) e não a recorrente (empresa de trabalho temporário fictícia) a responsável pelo pagamento dos créditos laborais aos trabalhadores recorridos, já que estes teriam de ser considerados trabalhadores da Rebonave/utilizadora em regime de contrato de trabalho sem termo, nos termos do n.º 3 do artigo 180º do Código do Trabalho, por inexistência dos requisitos formais e substanciais previstos no n.º 4 do art.º 177º e no n.º 1 e 2 do art.º 180 do Código do Trabalho. Ou seja, partindo do pressuposto da existência de uma “relação de trabalho temporário encapotada”, sob pena de incoerência e contradição, teria também de se concluir que nunca a recorrente poderia ser condenada no presente processo, já que a real responsável seria a Rebonave/Utlizador, e consequentemente, teria de ser contra esta sociedade que os autores/recorridos teriam de instaurar ações reclamando os seus créditos, por ser ela a sua real entidade empregadora.
V – O outro fundamento da douta sentença recorrida para concluir pela aplicação do supracitado AE á recorrente ex vi da referida PE, consistindo em considerar que tais instrumentos se aplicariam a trabalhadores “ao serviço” da Rebonave ainda que não vinculados a esta por contrato de trabalho, não só não está suportado em qualquer norma legal, como contraria o disposto no artigo 1º do Código do Trabalho, que expressamente dispõe serem os contratos de trabalho que estão sujeitos aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, já que o objeto destes é o de conformarem normativamente o conteúdo daqueles.
VI – Consequentemente, o que tem de ser equacionado e solucionado nos presentes autos, é se aos contratos de trabalho celebrados entre a recorrente e recorridos se aplica o referido AE, ou seja, se ao contrato sinalagmático ou bilateral, e portanto a ambas as partes contratantes, se aplica o AE, e não como faz a douta sentença, partindo do pressuposto que, aplicando-se unilateralmente o AE a trabalhadores pela razão de estarem “ao serviço” da Rebonave, a recorrente sofreria, não se sabe por que fundamento legal, as consequências dessa aplicação unilateral.
VII – Efetivamente, a sentença diz a razão pela qual se aplica o AE aos recorridos (estarem ao serviço da Rebonave ainda que não vinculados a esta por contrato de trabalho), mas não diz, a razão pela qual também se aplicaria o AE á outra parte do contrato de trabalho, á recorrente, ou seja, a sentença não se pronuncia sobre a principal questão dos autos, concretamente qual a fonte da suposta obrigação da recorrente para aplicar o AE, qual a norma ou disposição, legal ou contratual, que obrigaria a recorrente, pelo que também é nula nesta parte a douta sentença, nulidade que se invoca expressamente - artigo 615º, alínea d) do CPC.
VIII – Para que a supracitada Portaria de Extensão estendesse as disposições do referido AE aos contratos de trabalho celebrados entre recorrente e recorridos, teriam de se verificar nos termos do artigo 514º do Código do Trabalho vigente (artigo 573º do Código do Trabalho de 2003), cumulativamente, duas condições, a saber, (i) a recorrida teria de exercer a mesma atividade económica da Rebonave, ou seja, a atividade definida no AE, no caso, a atividade de reboques marítimos e (ii) a PE, na sua letra, ratio, e termos concretos, teria de ter estendido o âmbito da sua aplicação a outras empresas e sociedades da mesma área económica da Rebonave, de modo que estas ficassem também vinculadas ao AE, condições que não se verificam. Com efeito,
IX – Em relação á primeira daquelas duas condições: sendo certo que para efeitos da aplicação da PE, a qualificação da atividade económica se afere pelo objeto social da empresa e não pela atividade dos seus clientes, os objetos sociais estatutários da Rebonave e da recorrida CC e respetivos CAEs (classificação de atividades económicas) são completamente diferentes, não existindo qualquer “identidade ou semelhança económica e social”, conforme resulta provado na Fundamentação de Facto da douta sentença (Factos 185º a 190º): o Objeto da Rebonave consiste em “Serviços auxiliares dos transportes por água, transportes por meio de navegação interna e serviços ligados aos transportes”; o Objeto da recorrida consiste na “Otimização de recursos humanos em empresas públicas e privadas, através de atividades e serviços de consultoria, formação, capitalização, qualificação, atualização e aperfeiçoamento técnico e profissional; psicologia aplicada, recrutamento, seleção, orientação e reconversão profissional, desenvolvimento organizacional, desenvolvimento e qualificação de competências cognitivas através da produção, comercialização, importação e exportação de produtos e serviços relacionados com as ciências empresariais a nível nacional e internacional, nomeadamente tecnologias de informação, elaboração de conteúdos, certificação. Auditoria, diagnóstico e marketing aplicado; outsourcing.”; o CAE da Rebonave é 52220-R3 (atividades auxiliares dos transportes por água), enquanto o CAE da recorrida é 70220-R3 (outras atividades de consultoria para os negócios e gestão);
X – Em suma, a atividade efetivamente exercida pela recorrida, que é também a que consta como objeto social no Pacto Social, não é a mesma, nem idêntica á atividade da Rebonave, nem a que é definida no supracitado AE: “ atividade de reboques marítimos ” tal como foi definida na cláusula 1ª do referido AE, BTE n.º 44, de 29.11.2009.
XI – Mas, se por um lado, não se verifica a condição do exercício pela recorrida da atividade económica definida no supracitado AE, também não se verifica a condição de a referida PE, nos seus “termos concretos”, na sua letra, ratio e intenção legislativa, alargar o AE que vincula a Rebonave a outras empresas e sociedades, e nomeadamente á recorrida. Com efeito,
XII – Dispondo a cláusula 1ª do referido AE, BTE n.º 44, de 29.11.2009, que “As partes outorgantes vinculam-se a requerer ao ministério responsável pela área laboral, no momento do depósito do presente acordo, a sua aplicação, com efeitos a partir da sua entrada em vigor, aos trabalhadores da empresa não filiados nos sindicatos outorgantes” (sublinhado da recorrente), resulta claro que as partes outorgantes do AE manifestaram a intenção expressa de requerer a extensão do seu âmbito a trabalhadores da Rebonave, mas nada consta na letra do AE que demonstre qualquer intenção de requerer a sua extensão a outras empresas e sociedades, (que de qualquer modo teriam de se dedicar á atividade de reboques marítimos), nem aliás, as partes outorgantes teriam legitimidade para tal, já que o AE foi subscrito apenas por uma única empresa/sociedade e não por uma associação de empregadores.
XIII – Portanto, a ratio da PE, manifestada em declaração de vontade pelas partes e acolhida pelo Ministério do Trabalho, foi a de estender o âmbito do AE aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho á Rebonave, não filiados no sindicato outorgante, e não a de estender o seu âmbito a qualquer outra empresa ou sociedade.
XIV – E, a letra da PE, também não consente qualquer outra interpretação, já que o artigo 1.º, n.º 1 da PE dispõe que, ” As condições de trabalho constantes do AE entre a REBONAVE, Reboques e Assistência Naval, S. A., e o SITEMAQ, Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 44, de 29 de Novembro de 2009, são estendidas no território do continente às relações de trabalho entre a empresa e os trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas no acordo.” (sublinhado da recorrente),
XV – A PE centrou-se apenas na Rebonave e nos seus trabalhadores, pretendendo uniformizar o padrão de condições de trabalho, quer para os trabalhadores filiados no sindicato subscritor, quer para trabalhadores filiados noutros sindicatos, ou sem filiação, já que, alargando através da PE o âmbito do AE aos seus trabalhadores que não estivessem filiados no sindicato subscritor, a Rebonave evitou a inválida “cláusula de garantia sindical”, ou seja, evitou que o sindicato subscritor do AE se pudesse transformar num “serviço de emprego” privilegiado na Rebonave.
XVI – Caraterizando-se a eficácia normativa dos instrumentos de regulamentação coletiva pelo princípio da receção automática nos contratos individuais de trabalho, nos termos do artigo 1º do Código do Trabalho, o que a Rebonave pretendeu e o que ficou expresso “em letra de lei” foi, endereçar aos seus trabalhadores, ou seja aos trabalhadores com ela vinculados por contrato de trabalho subordinado, um conjunto de normas jurídicas que integrassem os respetivos contratos individuais de trabalho, quer originariamente através do AE, quer supervenientemente através da PE.
XVII - Em suma, as fontes de regulação dos contratos de trabalho celebrado entre recorrente e recorridos são as normas legais aplicáveis e o clausulado convencionado nesses contratos individuais de trabalho, mas nunca o Acordo de Empresa (AE) publicado no BTE n.º 44 de 29.112009, celebrado entre a sociedade Rebonave, Reboques e Assistência Naval, SA e o SITEMAQ, Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outro, publicado no BTE n.º 44 de 29.11.2009, por força da Portaria de Extensão (PE) publicada no BTE n.º 16 de 29.04.2010, e consequentemente, os recorridos não têm direito aos créditos laborais peticionados ao abrigo do referido Acordo de Empresa.
XVIII – A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1º, 180º, n.º 3 e 514º, n.º 1 do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro de 2009, a cláusula 1ª do Acordo de Empresa (AE) publicado no BTE n.º 44 de 29.112009, celebrado entre a sociedade Rebonave, Reboques e Assistência Naval, SA e o SITEMAQ, Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outro, publicado no BTE n.º 44 de 29.11.2009, o artigo 1º, n.º 1 da Portaria de Extensão (PE) publicada no BTE n.º 16 de 29.04.2010, enfermando ainda das nulidades nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do Código do Processo Civil.
TERMOS EM QUE, deve ser julgado procedente e provado o presente recurso, e em consequência, ser declarada nula e de nenhum efeito a douta sentença proferida em Primeira Instância, como é de Justiça.»
Contra-alegaram os AA., com o patrocínio do Ministério Público, propugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido pelo tribunal de 1.ª instância com subida imediata e efeito devolutivo.
A Meritíssima Juíza a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença, concluindo pela sua não verificação.
Tendo os autos subido ao Tribunal da Relação e mantido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:
1.ª Nulidade da sentença;
2.ª Saber se aos contratos de trabalho celebrados entre a recorrente e os recorridos é inaplicável o Acordo de Empresa celebrado entre a sociedade Rebonave, Reboques e Assistência Naval, SA e o SITEMAQ, Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outro, e as consequências daí decorrentes para os pedidos formulados pelos AA..
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
Processo n.º 817/16.4T8STB

1. No dia 25/06/2014, BB foi admitido pela R. para prestar trabalho subordinado à Rebonave – Reboques e Assistência Naval, S.A..

2. Mediante um contrato de trabalho a termo incerto.

3. Para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de marinheiro de tráfego local.

4. Mediante a retribuição base mensal de €700 acrescidos de € 5,12 por dia efetivamente trabalhado a título de subsídio de refeição.

5. Nas instalações do Estaleiro ….

6. Com um período normal de trabalho de 40 horas semanais.

7. Sendo a justificação da referida contratação a termo o contrato de prestação de serviço celebrado entre a R. e a REBONAVE.

8. Destinando-se a contratação de BB exclusivamente a assegurar a execução do mencionado contrato de prestação de serviço à REBONAVE.

9. No exercício das suas funções, e mesmo não estando a prestar trabalho efetivo, BB estava de facto obrigado a permanecer em local de rápido e fácil contacto por parte da REBONAVE, por forma a possibilitar a sua comparência no local de trabalho sempre que fosse chamado.

10. O A. cumpriu sempre essa obrigação.

11. Tal obrigação impedia BB de celebrar qualquer outro contrato de trabalho, com outra entidade e ainda que em regime parcial.

12. Uma vez que a qualquer hora do dia ou da noite poderia ser chamado, como foi, a desempenhar as funções para as quais foi contratado pela Ré.

13. A Ré nunca pagou a BB qualquer quantia a título de subsídio de disponibilidade.

14. BB trabalhou para a R. desde 25/06/2014 até 31/12/2015, num total de 18 meses.

Processo n.º 796/16.8T8STB

15. No dia 01/08/2014, EE foi admitido pela R. para prestar trabalho subordinado à Rebonave – Reboques e Assistência Naval, S.A..

16. Mediante um contrato de trabalho a termo incerto.

17. Para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de marinheiro de tráfego local.

18. Mediante a retribuição base mensal de €700 acrescidos de € 5,12 por dia efetivamente trabalhado a título de subsídio de refeição.

19. Nas instalações do Estaleiro ….

20. Com um período normal de trabalho de 40 horas semanais.

21. Sendo a justificação da referida contratação a termo o contrato de prestação de serviço celebrado entre a R. e a REBONAVE.

22. Destinando-se a contratação de EE exclusivamente a assegurar a execução do mencionado contrato de prestação de serviço à REBONAVE.

23. No exercício das suas funções, e mesmo não estando a prestar trabalho efetivo, EE estava de facto obrigado a permanecer em local de rápido e fácil contacto por parte da REBONAVE, por forma a possibilitar a sua comparência no local de trabalho sempre que fosse chamado.

24. EE cumpriu sempre essa obrigação.

25. Tal obrigação impedia EE de celebrar qualquer outro contrato de trabalho, com outra entidade e ainda que em regime parcial.

26. Uma vez que a qualquer hora do dia ou da noite poderia ser chamado, como foi, a desempenhar as funções para as quais foi contratado pela Ré.

27. A Ré nunca pagou a EE qualquer quantia a título de subsídio de disponibilidade.

28. EE trabalhou para a R. desde 01/08/2014 até 30/11/2015, num total de 16 meses.

Processo n.º 1706/16.8T8STB

29. No dia 25/06/2014, FF foi admitido pela R. para prestar trabalho subordinado à Rebonave – Reboques e Assistência Naval, S.A..

30. Mediante um contrato de trabalho a termo incerto.

31. Para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de marinheiro de tráfego local.

32. Mediante a retribuição base mensal de €700 acrescidos de € 5,12 por dia efetivamente trabalhado a título de subsídio de refeição.

33. Nas instalações do Estaleiro….

34. Com um período normal de trabalho de 40 horas semanais.

35. Sendo a justificação da referida contratação a termo o contrato de prestação de serviço celebrado entre a R. e a REBONAVE.

36. Destinando-se a contratação de FF exclusivamente a assegurar a execução do mencionado contrato de prestação de serviço à REBONAVE.

37. No exercício das suas funções, e mesmo não estando a prestar trabalho efetivo, FF estava de facto obrigado a permanecer em local de rápido e fácil contacto por parte da REBONAVE, por forma a possibilitar a sua comparência no local de trabalho sempre que fosse chamado.

38. O A. cumpriu sempre essa obrigação.

39. Tal obrigação impedia FF de celebrar qualquer outro contrato de trabalho, com outra entidade e ainda que em regime parcial.

40. Uma vez que a qualquer hora do dia ou da noite poderia ser chamado, como foi, a desempenhar as funções para as quais foi contratado pela Ré.

41. A Ré nunca pagou a FF qualquer quantia a título de subsídio de disponibilidade.

42. FF trabalhou para a R. desde 25/06/2014 até 30/12/2015, num total de 18 meses.

(…)

185. A REBONAVE tem como objeto social a prestação de “Serviços auxiliares dos transportes por água, transportes por meio de navegação interna e serviços ligados aos transportes”.

186. A CC tem como objeto social a “Otimização de recursos humanos em empresas públicas e privadas, através de atividades e serviços de consultoria, formação, capitalização, qualificação, atualização e aperfeiçoamento técnico e profissional; psicologia aplicada, recrutamento, seleção, orientação e reconversão profissional, desenvolvimento organizacional, desenvolvimento e qualificação de competências cognitivas através da produção, comercialização, importação e exportação de produtos e serviços relacionados com as ciências empresariais a nível nacional e internacional, nomeadamente tecnologias de informação, elaboração de conteúdos, certificação. Auditoria, diagnóstico e marketing aplicado; outsourcing.”

187. A REBONAVE possui o CAE 52220-R3 (atividades auxiliares dos transportes por água).

188. A CC possui o CAE 70220-R3 (outras atividades de consultoria para os negócios e gestão);

189. A REBONAVE dedica-se ao reboque portuário, costeiro, e de alto mar, serviços de escolta, operações de resgate, salvamentos, e combates a incêndios no mar, para o que dispõe de uma frota de rebocadores.

190. A CC dedica-se efetivamente à prestação de serviços a empresas de qualquer sector, ramo ou atividade, na área de gestão de recursos humanos, consultoria, seleção e recrutamento e formação profissional e outsourcing.

191. Durante a execução dos contratos os A. trabalharam as seguintes horas:

(…)

192. As horas referidas na tabela como sendo extraordinárias foram pagas como trabalho suplementar nos termos do Código do Trabalho.


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V. Nulidade da sentença
A apelante argui a nulidade da sentença, com fundamento nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
No processo laboral, porém, o regime de arguição de nulidades da sentença diverge do regime geral adotado nos recursos cíveis.
No ordenamento processual-laboral existe uma norma específica que exige que a arguição de nulidades seja feita expressa e separadamente no requerimento de recurso (cfr. artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Na base de tal dispositivo legal estão os princípios de economia e celeridade processuais subjacentes às leis reguladoras do processo de trabalho. Visa-se dar ao tribunal que proferiu a sentença a possibilidade de suprir as nulidades de que a mesma eventualmente enferme antes de mandar subir o recurso. Para que tal faculdade possa ser exercida, é necessário que a arguição da nulidade seja feita na parte do requerimento que é dirigido ao juiz do tribunal onde a decisão foi proferida.
Nos casos em que o recorrente não respeita o formalismo exigido pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, a jurisprudência dos tribunais superiores, tem entendido que a arguição da nulidade se mostra intempestiva ou extemporânea, pelo que o tribunal ad quem não deve conhecer de tal nulidade. Veja-se a título de exemplo: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/9/2006, P.06S574; de 5/7/2007, P. 06S4283; de 10/10/2007, P. 07S048; de 22/2/2017, P. 5384/15.3T8GMR.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Este tem sido, igualmente, o entendimento adotado por este tribunal.
Apreciando agora, em concreto, o requerimento de interposição do recurso que foi dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal de 1.ª instância, verificamos que no mesmo não foi suscitada qualquer nulidade da decisão recorrida. A aludida arguição apenas consta das alegações e das conclusões de recurso.
Deste modo, não tendo sido observado o estatuído pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, há que considerar que a suscitada nulidade foi arguida intempestivamente, pelo quer não se apreciará a mesma.
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VI. Inaplicabilidade do AE Rebonave e SITEMAQ e Outro
Inconformada com a condenação no pagamento dos créditos laborais reconhecidos aos recorridos, sustenta a recorrente que aos contratos de trabalho celebrados entre as partes processuais não se aplica o Acordo de Empresa celebrado entre a sociedade Rebonave, Reboques e Assistência Naval, SA e o SITEMAQ, Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outro.
Apreciemos a questão.
Na fundamentação da sentença em crise, escreveu-se o seguinte, a respeito desta matéria:
«Da aplicação do AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ:
Alegam os AA. que, tendo sido admitidos pela R. para prestar trabalho subordinado à Rebonave – Reboques e Assistência Naval, S.A. lhes deveria ter sido aplicado o AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ, publicado no BTE n.º 44, de 29/11/2009.
Diversamente, defende a R. que o AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ não se aplicava às relações laborais emergentes dos contratos de trabalho com os AA. em virtude de não de dedicar à atividade nele prevista.
O AE entre a REBONAVE e o STEMAQ publicado no BTE n.º 44, de 29/11/2009, aplica-se no território nacional, continental e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, e no estrangeiro, à atividade de reboques marítimos, obrigando, por uma parte, a REBONAVE e, por outra, os sindicatos outorgantes e os trabalhadores ao serviço daquela por estes representados (cfr. Cláusula 1.ª).
Sob a epígrafe “Princípio da filiação” dispõe o art. 496.º do Código do Trabalho que:
“1 - A convenção coletiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.
2 - A convenção celebrada por união, federação ou confederação obriga os empregadores e os trabalhadores filiados, respetivamente, em associações de empregadores ou sindicatos representados por aquela organização quando celebre em nome próprio, nos termos dos respetivos estatutos, ou em conformidade com os mandatos a que se refere o n.º 2 do artigo 491.º
3 - A convenção abrange trabalhadores e empregadores filiados em associações celebrantes no início do processo negocial, bem como os que nelas se filiem durante a vigência da mesma.
4 - Caso o trabalhador, o empregador ou a associação em que algum deles esteja inscrito se desfilie de entidade celebrante, a convenção continua a aplicar-se até ao final do prazo de vigência que dela constar ou, não prevendo prazo de vigência, durante um ano ou, em qualquer caso, até à entrada em vigor de convenção que a reveja.”
Do normativo em apreço resulta que, em observância ao princípio da dupla filiação, para a aplicação de uma convenção coletiva, terá que se verificar, simultaneamente, a filiação do empregador e do trabalhador na respetiva entidade outorgante.
Contudo, o âmbito de aplicação das convenções coletivas de trabalho pode ser estendido, após a sua publicação, através de acordo de adesão ou portaria de extensão, a que alude o art. 514.º do Código do Trabalho.
No caso em apreço, não obstante não se tenha provado a filiação das partes nas associações e sindicatos outorgantes do AE referido, as condições de trabalho constantes do AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ foram estendidas no território do continente às relações de trabalho entre a empresa e os trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas no acordo (cfr. art. 1.º, n.º 1, da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 16, de 29/04/2010.
Resultando da factualidade provada que a R. se dedica à prestação de serviços a empresas de qualquer sector, ramo ou atividade, na área de gestão de recursos humanos, consultoria, seleção e recrutamento e formação profissional e outsourcing, poder-se-ia equacionar, como fez a R. que, não obstante a extensão operada pela Portaria supra identificada, o AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ, não era aplicável à relação de trabalho havida entre os AA. e a R.
Contudo, tendo os trabalhadores sido contratados pela R. para prestar trabalho subordinado, em exclusivo, à REBONAVE, como marinheiros de tráfego local, afigura-se que a extensão das condições de trabalho constantes do AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ, deve, necessariamente, abarcar aqueles que para esta trabalharam na sequência do contrato de prestação se serviços firmado em 24/06/2014.
Isto porque, apesar de alegar que os AA. foram contratados para assegurar a prestação de serviços contratada com a REBONAVE, na prática aqueles acabaram por ficaram sujeitos ao poder de direção e fiscalização desta última, como se de seus trabalhadores de facto se tratassem.
Efetivamente, ficou provado que os AA. foram admitidos para prestar trabalho subordinado à REBONAVE, sendo esta quem dava instruções, dirigia e fiscalizava o trabalho, fazia os horários, controlava a pontualidade, a assiduidade e produtividade, limitando-se a R. a processar os respetivos vencimentos com base nas indicações daquela.
Refletindo a filosofia do “outsourcing” uma tendência crescente para as empresas se concentrarem no que melhor sabem fazer, subcontratando a terceiros as atividades que, apesar de importantes ao desenvolvimento do negócio, não constituem o seu “core business”, dúvidas não há de que, no caso vertente, não foi isso que se passou.
Com efeito, dedicando-se a REBONAVE ao reboque portuário, costeiro e de alto mar; serviços de escolta, operações de resgate, salvamentos e combates a incêndios no mar, atividade que exerce com a sua própria frota de rebocadores, admitir-se como válida a tese da R., ou seja, a subcontratação das tarefas de marinharia, implicaria um esvaziamento desse objeto social.
Donde se conclui que, em bom rigor, não obstante a forma utilizada para estabelecer a relação entre as três partes envolvidas (trabalhadores, CC e REBONAVE), na prática existia uma relação encapotada de trabalho temporário ou de cedência ilícita de trabalhadores.
Nos termos do art. 185.º, n.º 5, do Código do Trabalho, o trabalhador temporário tem direito à retribuição mínima de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável à empresa de trabalho temporário ou ao utilizador que corresponda às suas funções, ou à praticada por este para trabalho igual ou de valor igual, consoante a que for mais favorável.
Também nos termos do art. 291.º, n.º 5, do Código do Trabalho, o trabalhador cedido tem direito a auferir a retribuição mínima que, em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ao cedente ou ao cessionário, corresponda às suas funções, ou à praticada por este para as mesmas funções, ou à retribuição auferida no momento da cedência, consoante a que for mais elevada.
Sopesando tudo o que deixamos escrito, designadamente no que tange à subordinação dos AA. à REBONAVE, e decorrendo da Portaria publicada no BTE n.º 16, de 29/04/2010, que a extensão das normas do AE supra referido visou uniformizar as condições de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço não representados pelos sindicatos outorgantes, sem exigir que se mostrassem vinculados a si por contrato de trabalho, impõe-se reconhecer a aplicação aos AA. das normas do AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ, publicado no BTE n.º 44, de 29/11/2009.»

Desde já se adianta que o decidido não nos merece censura.
Expliquemos a razão!
Como é referido com acerto pelo tribunal de 1.ª instância, no nosso ordenamento jurídico-laboral vigora o princípio da filiação.
De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 496. º do Código do Trabalho, a Convenção Coletiva obriga o empregador que a subscreve ou que seja filiado em associação de empregadores celebrante, assim como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante. É a consagração do princípio da chamada dupla filiação, ou seja, as regras de uma convenção coletiva só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.
Este princípio basilar em matéria de direito laboral coletivo vigora há muito no sistema jurídico português, pois já se mostrava previsto no artigo 7.º da LCCT, bem como no artigo 552.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003.
No caso dos autos, o instrumento de regulamentação coletiva cuja alegada inaplicabilidade às relações laborais celebradas entre as partes processuais se aprecia, é o AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ e outro, publicado no BTE n.º 44, de 29/11/2009.
Mostra-se pacífico que nem a empregadora subscreveu o dito AE nem os trabalhadores recorridos estão filiados nas organizações sindicais signatárias.
Contudo, de harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 514.º do Código do Trabalho, a convenção coletiva em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento. Por sua vez, o n.º 2 do normativo estipula que a extensão é possível mediante ponderação das circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.
Constituindo a portaria de extensão um instrumento administrativo de regulação laboral que comporta uma prévia ponderação das circunstâncias sociais e económicas que a justificam, visa-se através da mesma alargar, com alcance supletivo ou residual, o âmbito de aplicação de uma convenção coletiva. Conforme refere Menezes Cordeiro[1]: «As portarias de extensão visam suprir a não iniciativa dos particulares, seja filiando-se em associações laborais já existentes, seja promovendo a sua formação.»
Especificamente em relação à portaria de extensão que se aplicou pode ler-se no n.º 1 do artigo 1.º:
« As condições de trabalho constantes do AE entre a REBONAVE — Reboques e Assistência Naval, S. A., e o SITEMAQ — Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 44, de 29 de Novembro de 2009, são estendidas no território do continente às relações de trabalho entre a empresa e os trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas no acordo(realce da nossa responsabilidade)
A 1.ª instância entendeu que revelando o acervo factual que «na prática existia uma relação encapotada de trabalho temporário ou de cedência ilícita de trabalhadores», encontrando-se os trabalhadores juridicamente subordinados à Rebonave, os mesmos têm direito a beneficiar das mesmas condições retributivas dos trabalhadores contratados pela empresa Rebonave, até porque na portaria não se restringe a extensão operada aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho à Rebonave.
Efetivamente, com arrimo nos factos provados, o que se depreende é que a relação da recorrente com os trabalhadores se resume ao ato de contratação e ao pagamento da retribuição. Os recorridos foram contratados para irem prestar trabalho subordinado à Rebonave. Elucidativa dessa subordinação é a circunstância dos recorridos estarem totalmente dependentes da determinação da Rebonave para irem prestar trabalho, quando necessário, no designado e ordenado “tempo de disponibilidade”.
Não restam, pois, dúvidas, de que estamos perante relações de emprego triangulares, tudo indiciando, como apreciou o tribunal a quo, com perspicácia, que se esteja face a «uma relação encapotada de trabalho temporário ou de cedência ilícita de trabalhadores»
Seguramente que os recorridos não foram contratados para realizar um trabalho que permitisse que a recorrente apresentasse um determinado resultado ou prestasse um serviço à Rebonave, como deveria decorrer do contrato de prestação de serviços formalmente celebrado entre as duas empresas.
Qual o serviço a que a recorrente se vinculou?
Qual o resultado a que se obrigou?
O que a recorrente fez foi contratar trabalhadores para irem exercer a sua atividade profissional sob a direção e autoridade da Rebonave, pagando-lhes depois a retribuição.
Ora, esta realidade triangular constitui o circunstancialismo subjacente a uma relação de trabalho temporário e a uma cedência ocasional de trabalhador.
E, o nosso sistema jurídico-laboral consagra em tais casos, o princípio da equiparação retributiva - artigos 185.º, n.ºs 5 e 6 e 291.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
No Código do Trabalho anotado por Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro e outros, 2016, Almedina, págs. 476 e 690, considera-se que a solução legal entrecruza dois princípios fundamentais juslaborais: o princípio “a trabalho igual, salário igual” e o princípio do “tratamento mais favorável ao trabalhador”.
Sobre esta questão, citamos, também, a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 2/7/2013, P. 253033/11.8YIPRT.C1, acessível em www.dgsi.pt, no qual se escreveu:
«I – Num contrato de utilização de trabalho temporário (no contrato definido no artigo 172º, alínea c) do Código do Trabalho) a obrigação de pagamento da retribuição ao trabalhador cedido incumbe à empresa de trabalho temporário (cedente) e não ao utilizador (cessionário).
II – A retribuição devida ao trabalhador cedido é, obrigatoriamente, a mesma que seja paga ao trabalhador originário do utilizador que exerça as mesmas funções, paralelamente ao trabalhador cedido (como resulta do artigo 177º, nº 1, alínea e) do Código do Trabalho), estando essa retribuição sujeita às incidências da regulamentação coletiva de trabalho aplicável aos trabalhadores do utilizador.
III – Assim, a retribuição devida pelo utilizador à empresa de trabalho temporário sofre as incidências legais da remuneração devida ao trabalhador original do utilizador (designadamente as decorrentes da contratação coletiva), atualizando-se automaticamente na exata medida dessas incidências, refiram-se elas a valores que seriam já devidos ao tempo da celebração do contrato de utilização de trabalho temporário ou que só no futuro venham a ser estabelecidas.»
Para além da equiparação retributiva resultante das normas indicadas, considerou o tribunal a quo que a portaria de extensão em causa «visou uniformizar as condições de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço [leia-se ao serviço da Rebonave] não representados pelos sindicatos outorgantes, sem exigir que se mostrassem vinculados a si por contrato de trabalho»
A propósito desta interpretação, escreveu-se com pertinência nas contra-alegações:
«Tem razão a recorrente quando afirma que a ratio da Portaria de Extensão (PE) publicada no BTE n.º 16 de 29/04/2010 era estender a aplicação do Acordo de Empresa (AE) publicado no BTE n.º 44 de 29.11.2009, celebrado entre a sociedade Rebonave, Reboques e Assistência Naval, SA e o SITEMAQ, Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra e outro, publicado no BTE n.º 44 de 29.11.2009 aos trabalhadores da empresa não filiados nos sindicatos outorgantes.
Contudo, a Portaria de Extensão supra mencionada não usa exatamente a mesma terminologia: ela refere-se antes às relações de trabalho entre a empresa e os trabalhadores os seu serviço das profissões e categorias previstas no acordo.
Na leitura que fazemos desta redação, a intenção foi abranger o universo de trabalhadores, sem a limitação do vínculo do contrato de trabalho à REBONAVE, por forma a incluir precisamente os trabalhadores temporários e os cedidos ocasionalmente.»
Esta é uma interpretação que se justifica pela aplicação dos critérios estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, pois encontra apoio na redação do artigo 1.º da portaria e nos objetivos deste ato administrativo, que visou alargar ou uniformizar as condições de trabalho em vigor na empresa Rebonave a todos os trabalhadores não filiados nas organizações sindicais signatárias do AE, que, no continente, servissem a empresa e em relação aos quais a mesma beneficiasse da sua força laboral, em circunstâncias idênticas, similares ou equiparáveis, por questões de justiça social e económica.
Mas mesmo que esta interpretação suscitasse dúvidas [porque os critérios gerais e abstratos da lei, são sempre interpretados com algum cunho de subjetividade – afinal o Direito não é uma ciência exata], sempre restariam as anteriormente referidas normas do Código do Trabalho que preveem a equiparação retributiva, para concluir pelo reconhecimento dos créditos laborais.
Em suma, tendo em conta as mencionadas normas legais de equiparação salarial e considerando o alargamento ou extensão do âmbito da aplicação do AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ e outro, operadas pela portaria de extensão publicada no BTE n.º 16, de 29/04/2010, não restritiva aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho à Rebonave, bem andou o tribunal recorrido ao decidir «reconhecer a aplicação aos AA. das normas do AE entre a REBONAVE e o SITEMAQ, publicado no BTE n.º 44, de 29/11/2009.»
E, tendo a recorrente assumido, sem controvérsia nos autos, a qualidade de empregadora dos recorridos, sobre a mesma recai a obrigação de garantir o pagamento dos créditos laborais – artigos 127.º, n.º1, alínea b) do Código do Trabalho.
Por todo o exposto, sufragamos o juízo expresso pela 1.ª instância do qual decorre o reconhecimento e consequente condenação da R./apelante nos créditos salariais identificados no dispositivo da sentença.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
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VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Évora, 26 de Outubro de 2017
Paula do Paço (relatora)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes


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[1] “Manual de Direito do Trabalho”, 1999, Almedina, pág. 347.