Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3145/15.9T8PTM-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: INCIDENTE DA INSTÂNCIA
RECLAMAÇÃO DA CONTA
PRAZO DO RECURSO
Data do Acordão: 11/24/2020
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Sumário: I- Incidente da instância é uma ocorrência estranha ao desenrolar normal de um processo, que dá lugar a processado próprio e tem fins específicos a alcançar.
II- O incidente anómalo que constitui a reclamação da conta de custas não tem as características de incidente da instância como exigido pelo regime legal, pelo que não está incluído na previsão do artigo 644.º/1, a), do CPC.
III.- O prazo para recorrer do despacho que indeferiu a reclamação da conta de custas é o de 15 dias, previsto pela conjugação dos artigos 638.º/1, in fine, e 644.º/2, g), do CPC.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 3145/15.9T8PTM-A.E1

DECISÃO SINGULAR



(…) e Outros, reclamaram do despacho de 01-10-2020, proferido pela Sra. Juiz do Juízo Central Cível e Criminal de Évora, Juiz 2, ao abrigo do disposto nos artigos 641.º/6 e 643.º do CPC, que não admitiu o recurso por si interposto, por extemporâneo, e que é do seguinte teor:
Nos presentes autos os Autores vieram interpor recurso de uma decisão proferida depois da decisão final, pelo que o prazo para interposição do mesmo é de 15 dias e não 30 dias, artigos 638.º, n.º 1 e 644.º n.º 2, g), ambos do C.P.C.
Os Autores foram notificados em 10.7.2020 do despacho de que pretendem interpor recurso e apenas em 28.9.2020 vieram interpor o mesmo, pelo que por ser extemporâneo não admito o recurso interposto pelos Autores.
Notifique.
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Na reclamação foram formuladas as seguintes conclusões:
1. O Despacho reclamado não admitiu o recurso interposto pelos Autores do Despacho de 09.07.2020, que decidiu as reclamações deduzidas pelas partes das Notas discriminativas e justificativas de custas de parte, considerando que “os Autores vieram interpor recurso de uma decisão proferida depois da decisão final, pelo que o prazo para interposição do mesmo é de 15 dias e não 30 dias, artigos 638.º, n.º 1 e 644.º, n.º 2, g), ambos do C.P.C”.
Ora, este entendimento do Despacho reclamado encerra um evidente lapso: o Despacho recorrido, na medida em que decidiu as Reclamações deduzidas das Notas de custas de parte, consubstancia uma decisão que põe termo a incidente processado autonomamente (cfr. artigo 644.º, n.º 1, a), do CPC), pelo que o prazo de recurso é de 30 dias e não de 15.
2. De facto, a Reclamação da Nota de custas de parte inicia um incidente destinado à discussão e fixação do valor das mesmas.
Este incidente encontra-se expressamente previsto na lei processual, com uma sequência processual autónoma e é processado de forma autónoma (art.º 26.º-A, n.º 1, do RCP e art.º 33.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril) face à causa principal dos autos em que é deduzido.
Deste modo, a decisão proferida quanto a uma reclamação de Nota de custas de parte é uma decisão que põe termo a um incidente processado autonomamente, motivo pelo qual o prazo de interposição do respetivo recurso é de 30 dias, nos termos do artigo 638.º, n.º 1, do CPC.
Este foi o erro essencial do Despacho sub judice e o único fundamento para a não admissão do recurso dos Autores.
3. Para uma clara compreensão do contexto processual em causa, importa considerar o seguinte:
a. Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2019, foi proferida a decisão final da causa principal dos presentes autos.
b. Nos termos do artigo 25.º, n.º 1, do RCP, ambas as partes apresentaram nos autos as respetivas Notas discriminativas e justificativas de custas de parte.
c. Posteriormente, nos termos do artigo 33.º, nº 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, e do art.º 26.º-A, n.º 1, do RCP, ambas as partes deduziram reclamação das Notas discriminativas e justificativas da parte contrária.
d. Por Despacho de 09.07.2020 ambas as reclamações foram julgadas improcedentes.
e. Inconformados com o cálculo do decaimento que resulta do referido Despacho de 09.07.2020, os Autores interpuseram recurso do mesmo, no prazo de 30 dias, visto aquele Despacho de 09.07.2020 ser a decisão que colocaria termo ao incidente iniciado pelas Reclamações deduzidas (cfr. artigos 638.º, n.º 1 e 644.º, n.º 1, a), do CPC).
f. Em evidente erro, o Despacho reclamado não admitiu o recurso interposto pelos AA. por extemporaneidade, considerando que o mesmo teria de ter sido interposto no prazo de 15 dias em virtude de o Despacho recorrido ser uma decisão proferida depois da decisão final.
4. Conforme é unanimemente entendido, embora o Despacho recorrido tenha sido proferido após a decisão final da causa principal, na medida em que o mesmo é a decisão que põe termo ao incidente processado autonomamente iniciado com a Reclamação da Nota de custas de parte, aplica-se aqui o artigo 644.º, n.º 1, a), do CPC.
Neste sentido, por exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.12.2017, processo nº 1638/08.3TBACB-C.C1:
I - O incidente da reclamação da conta 1deve ser entendido, face à sua tramitação própria relativamente ao processado que conduz à decisão final da ação, como um “incidente processado autonomamente”, para efeitos do disposto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a), parte final, do nCPC.
II - Segundo julgamos, a decisão final, como referência para a apelação autónoma, prevista no artigo 644.º, n.º 2, alínea g), do NCPC, e para o enquadramento na previsão do prazo de 15 dias estabelecido na parte final do artigo 638.º, n.º 1, só interessa relativamente aos recursos que não sejam interpostos de decisão que ponha termo a “incidente processado autonomamente”.
III –Se a decisão pôs termo ao “incidente processado autonomamente” é logo o 1, a), do artigo 644.º que manda seguir o respectivo recurso como apelação autónoma, não havendo qualquer necessidade de, para o efeito, chamar a colação o disposto no n.º 2, al. g), desse artigo e, consequentemente, de aplicar o prazo de 15 dias previsto, “ex vi” da parte final do artigo 638.º, n.º 1, para os casos em que a apelação autónoma é admissível por via dessa alínea g).
IV - A disposição do n.º 2, g) do artigo 644.º visa disciplinar todos os recursos proferidos depois da decisão final que não tenham integração no n.º 1 desse artigo, ou numa das outras alíneas do nº2 do mesmo.
V - Ao recurso de decisão da 1.ª instância que ponha termo a “incidente processado autonomamente”, ainda que tal decisão seja proferida depois daquela que colocou termo à causa principal, aplica-se o prazo de interposição de 30 dias, “ex vi” do n.º 1, a) do artigo 644.º e da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 638.º, ambos do NCPC, não havendo que chamar à colação o disposto no n.º 2, alínea g) desse artigo 644.º, nem, consequentemente, o prazo de 15 dias previsto na parte final do citado artigo 638.º, n.º 1”.
B. A Reclamação da Nota discriminativa e justificativa faz iniciar um incidente processado autonomamente, pelo que a decisão que lhe põe termo é recorrível nos termos do artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
5. Constitui entendimento e jurisprudência unânime que a Reclamação da Nota discriminativa de custas de parte inicia um incidente da instância, no qual se discute o conteúdo da Nota reclamado e que é autónomo face à causa principal.
Neste sentido, a seguinte jurisprudência dos nossos Tribunais superiores (com sublinhados nossos):
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.09.2020, processo n.º 249/19.2T8FNC.L1-7:
1. O incidente de reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte se inicia com a apresentação da reclamação à nota de custas, que impõe a apreciação pelo juiz.
b. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 09.02.2017, processo n.º 473/10.3TBVRL-B.G1:
I) - Por força das disposições conjugadas dos artº. 145º, nº. 1 e 539º, nº. 1, do NCPC e artº. 31º, . 6, parte, do RCP, a reclamação da conta de custas consubstancia um incidente processual inominado, sujeito ao pagamento prévio da taxa de justiça nos termos gerais, a autoliquidar pelo seu valor mínimo previsto na Tabela II que faz parte integrante do RCP, nos termos do artº. 7º, . 4 deste Regulamento”.
c. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.05.2017, processo n.º 175/11.3GDGMR-H.G1:”A reclamação da conta de custas apresentada pelo assistente consubstancia um incidente processual inominado, sujeito ao pagamento prévio da taxa de justiça nos termos gerais, a autoliquidar pelo valor mínimo previsto na Tabela II que faz parte integrante do RCP, nos termos do artigo 7.º, n.º 4, deste Regulamento”.
d. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12.05.2020, processo n.º 540/15.7T9EVR-A.E1:
I Não obstante a alteração legislativa operada ao artigo 31.º do RCP, admite-se que, à luz do seu n.º 1, e em conjugação com os n.ºs 2 e 3, a reforma e a reclamação continuem a revelar-se como tendencialmente diferentes, a primeira, destinada a corrigir erros materiais e, a segunda, acolhendo ainda outro tipo de erros, funcionando, pois, como formas aparentemente alternativas de reacção do interessado à notificação da conta de custas, mas não propriamente, como sentido deque a reforma constitua procedimento prévio à reclamação.
II - O legislador, através da operada alteração ao artigo 31.º, não deixou de atentar na irrelevância da alegada distinção entre reforma e reclamação para o efeito de as considerar como incidentes - ainda que o n.º 6 desse artigo se reporte apenas à reclamação”.
6. Por outro lado, considerando que o Incidente da Reclamação da Nota de custas de parte ocorrerá sempre após o trânsito em julgado da decisão final da causa principal (uma vez que a Nota de custas de parte só deverá ser apresentada após o referido trânsito em julgado) é evidente que este incidente se processa autonomamente, nos termos processualmente definidos no artigo 26.º-A, n.º 1, do RCP, e no artigo 33.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.
7. Assim, um Despacho que decida as Reclamações das Notas de custas de parte deduzidas, como o Despacho recorrido, é uma decisão que põe termo a incidente processado autonomamente, sendo, por isso, recorrível nos termos do artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC, no prazo de 30 dias, ao abrigo do artigo 638.º, n.º 1, 1ª parte, do CPC.
8. Deste modo, o recurso interposto pelos Autores do referido Despacho de 09.07.2020, interposto no prazo de 30 dias por força dos referidos artigos 644.º, n.º 1, a), e 638.º, n.º 1, 1ª parte, do CPC, é tempestivo, devendo ser admitido e conhecido.
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Os reclamados não responderam.
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Os factos.
1.- Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2019, foi proferida a decisão final da causa principal dos presentes autos.
2.- Ambas as partes apresentaram nos autos as respetivas Notas discriminativas e justificativas de custas de parte.
3.- Posteriormente, ambas as partes deduziram reclamação das Notas discriminativas e justificativas da parte contrária.
4.- Por Despacho de 09.07.2020 ambas as reclamações foram julgadas improcedentes.
5.- Os ora reclamantes foram notificados desta decisão em 10-07-2020 e interpuseram recurso da mesma em 28-09-2020.
6.- Este recurso não foi admitido por extemporâneo.
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Atendendo a que “...a questão a decidir é simples...”, nos termos previstos no artigo 656.º do CPC, o mérito do pleito irá ser apreciado e julgado mediante decisão singular do relator, a proferir de imediato.
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Conhecendo
A questão a dirimir cinge-se a saber qual o conteúdo da expressão “incidente processado autonomamente” constante do artigo 644.º/1, a), in fine, do CPC.
Se nesta expressão couber a reclamação da conta de custas, o prazo para recorrer é de 30 dias e a reclamação é procedente.
Se na expressão couberem apenas os incidentes da instância previstos nos artigos 296.º a 361.º – verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, habilitação e liquidação – o prazo de recurso é de 15 dias, pelo que a reclamação será improcedente.
Os reclamantes entendem que a reclamação da conta de custas é um incidente processado autonomamente, e a sra. Juiz entende o contrário e, por isso, não admitiu o recurso por extemporâneo.
Mas há algo que é indesmentível: um incidente é sempre da instância vista esta como sucessão dos atos processuais que compõem um processo judicial.
Quid juris?
Incidente da instância é uma ocorrência estranha ao desenrolar normal de um processo, que dá lugar a processado próprio e tem fins específicos a alcançar.
Segundo Anselmo de Castro, Processo Civil Declaratório, Vol. I, 1982, pág. 186, os incidentes da instância, “refletem a mesma ideia e amplitude que a lei concede à ação. Através deles vêm a reproduzir-se modificações subjectivas na relação processual, ou porque, ao lado dos litigantes primitivos, passam a intervir novos interessados, ou porque algum ou alguns dos pleiteantes iniciais se vêm substituídos por outros”.
José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 563, enquadra o conceito de incidente numa perspetiva mais ampla e ensina:
“A ideia que, ente nós, está na base da noção de incidente, é a seguinte: uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo.
Está pendente uma acção para a solução de certo conflito substancial; esta acção tem o seu processo próprio: a lei regula os termos e actos que hão-de praticar-se para se atingir o resultado final – a decisão da lide.
Suponhamos que, no curso deste processo, surge uma questão secundária e acessória, para a solução da qual se torna necessária a prática de actos e termos não compreendidos na estrutura própria do processo da acção: temos o incidente.
O incidente é uma forma processual secundária que apresenta, em relação ao processo da acção, o carácter de episódio ou acidente.”
É aqui que a expressão “processado autonomamente” do artigo 644º/1, a), encontra coincidência conceitual, porque pressupõe um processado não regulado na estrutura da ação em que é suscitado, tal como alertava J. Alberto dos Reis.
É também este o entendimento de Abrantes Geraldes in Recursos No Novo Processo Civil, 5ª Ed. 218, pág. 204, os incidentes a que alude o artº 644º/1, a), do CPC são “incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia … a implicar trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados”.
Ora, a reclamação da conta de custas, sendo um incidente inominado, processa-se autonomamente?
O que se visa com a previsão do artigo 26.º-A do RCP que segue o regime do artigo 31.º do mesmo regulamento?
Visa-se reagir contra uma parte da sentença – a que respeita à condenação em custas –, pelo que não estamos em presença de um episódio ou um incidente estranho à normal tramitação e que exija um processado autónomo do que foi seguido pela ação.
Por outro lado, se o fim a atingir é a alteração da sentença numa das suas partes, o legislador poderia prever o regime do recurso para se reagir contra esta condenação, ou seja, a apelação.
Mas não foi este o escopo do legislador.
Visando um procedimento tão célere quanto possível, concedeu em que a reação à condenação em custas fosse concretizada pela via da reclamação, num claro intuito de conferir maior celeridade à apreciação da questão, ainda na instância em que foi proferida a decisão, e, também por isso, o prazo diminuído que instituiu para reclamar e decidir (10 dias) e também para recorrer da decisão que incide sobre a reclamação (15 dias).
Tudo porque o processo não visa condenar ou absolver em custas, visa condenar ou absolver do pedido.
O incidente anómalo que constitui a reclamação da conta de custas, não tem as características de incidente da instância como exigido pelo regime legal, pelo que não está incluído na previsão do artigo 644.º/1, a), do CPC.
O incidente segue uma tramitação que se inscreve nos trâmites seguidos pela ação em que está integrado, por isso, carece de autonomia procedimental.
Logo, o prazo para recorrer do despacho de indeferimento da reclamação da conta de custas é de 15 dias, pela aplicação conjugada dos artigos 638.º/1, in fine e 644.º/2, g), do CPC, uma vez que o recurso incide sobre uma decisão proferida depois da decisão final.
Tendo os recorrentes sido notificados da decisão que indeferiu a reclamação da conta de custas em 10-07-2020, e interposto recurso da decisão em 28-09-2020, o recurso é extemporâneo.
Assim sendo, a reclamação é improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
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Sumário:
(…)
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Decisão.

Em face do exposto, decide-se confirmar a decisão reclamada que não admitiu o recurso dos Autores, por extemporâneo.
Custas pelos reclamantes – artigo 527.º C.P.C.
Notifique.
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Évora, 24-11-2020
José Manuel Barata