Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
221/17.7T8PTM.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: COMPRA E VENDA
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
CONDIÇÃO POTESTATIVA
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - Tendo as partes subordinado a produção de efeitos do contrato de compra e venda do imóvel em causa a uma condição que oportunamente fizeram registar na Conservatória do Registo Predial - “ De no lote de terreno vendido ser construído um prédio unifamiliar no prazo de 3 anos a contar de 22 de Março de 1973” - verificam-se a integralidade dos elementos do conceito “ condição” expresso no art.º 270º do Código Civil: o carácter futuro do facto ou acontecimento de cuja verificação ou não verificação depende a vigência do negócio e a sua incerteza.
II - A incerteza do facto avalia-se em termos objectivos e não subjectivos e respeita à sua verificação ou não verificação; não se conexiona com a circunstância de ficar dependente, em larga medida da vontade e da iniciativa do adquirente pois que tal circunstância reflecte-se apenas na classificação da condição assente na origem do facto condicionante: condição potestativa, casual ou mista.
III - A condição potestativa é aquela em que a verificação do facto depende da vontade humana, de uma das partes. Aliás, este tipo de condições são, de modo geral, um expediente legal a que uma das partes pode lançar mão para estimular o comportamento da contraparte ou para tentar assegurar-se de um certo resultado que lhe será benéfico.
IV - Perante a materialidade constitutiva desse acordo, no caso de não se verificar esse acontecimento futuro e incerto a que as partes condicionaram a produção dos efeitos do negócio, o contrato extinguir-se-ia automaticamente.
V - Ocorrida a destruição automática dos efeitos do negócio, a regra é que essa cessação seja retroactiva mas a isso pode opor-se a vontade das partes ou a natureza do negócio. (cfr. art.º 276º do Cód. Civil).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I – RELATÓRIO

1. AA, BB, CC e DD intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EE, FF, GG e HH, pedindo que as Rés fossem condenadas a reconhecê-los como legítimos proprietários do imóvel que identificam [prédio rústico, composto por um lote de terreno, destinado a construção urbana, com a área de 827 metros quadrados, sito no Vale da Areia ou Ponta do Altar, freguesia de Ferragudo, descrito na Conservatória do registo Predial de lagoa sob o n.º …/…, da freguesia de Ferragudo] e que seja declarada a prescrição da cláusula resolutiva constante do contrato de compra e venda respeitante a tal imóvel [efectuada em 29 de Março de 1973] e registada na Conservatória do Registo Predial.
Alegaram, para tanto e em síntese, que:
– São legítimos proprietários do prédio rústico composto por um lote de terreno, destinado a construção urbana, com a área de 827 metros quadrados, sito no Vale da Areia ou Ponta do Altar, freguesia de Ferragudo, na sequência do contrato de compra e venda celebrado em 22 de Março de 1973, entre João … e Maria …, na qualidade de vendedores e antecessores dos réus, e Manuel … e AA, na qualidade de compradores;
– Este contrato foi celebrado sob a condição de, no lote de terreno vendido, ser construído um prédio unifamiliar no prazo de três anos, a contar de 22 de Março de 1973, obrigação que só se considerava cumprida mediante a apresentação do respectivo certificado de habitabilidade passado pela Câmara Municipal. No caso de a condição não ser cumprida, o terreno e tudo o que nele estivesse edificado tornar-se-ia propriedade dos vendedores;
– Decorridos os três anos, a contar de 22 de Março de 1973, a moradia unifamiliar não foi construída, nem se encontra construída;
– Acresce que a autora AA e o seu marido abordaram os vendedores do imóvel e, por volta do ano de 1976, João … e Maria … disseram-lhes que a «questão» da resolução não se colocava, porque então se vivia um período de conturbação pós-revolução de 25 de Abril de 1974;
– Apesar disso, João deixou por testamento à sua mulher, Maria …, a parte que lhe pertencia nesse prédio e, por óbito desta, sucedeu-lhe o seu único herdeiro José …;
– Com a morte deste, em 22 de Dezembro de 2004, foi instaurado o Processo n.º 636/08.1TJLSB, que correu termos pelo então 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, 2.ª Secção, onde o referido prédio foi incluído na verba n.º 12 da relação de bens e adjudicado às rés, na proporção de ¼ para cada uma.
Referem também que o direito à resolução não pode ser exercido sem dependência de qualquer prazo, havendo de considerar, no caso concreto, como estabilizador das relações jurídicas estabelecidas entre as partes o prazo ordinário de 20 anos estabelecido no artigo 309.º do Código Civil.
Além disso, os autores têm registado a seu favor a propriedade do imóvel, beneficiando desta forma da presunção de que o direito existe e lhes pertence, prevista no artigo 7.º do Código do Registo Predial.
Concluem pela total procedência da acção, reconhecendo-se o direito que lhes assiste sobre o imóvel e declarando-se a prescrição da cláusula resolutiva inserta no contrato de compra e venda supra identificado.

2. As rés contestaram a acção, fazendo-o por excepção e por impugnação, e deduziram ainda reconvenção.
Após aceitarem os termos do negócio celebrado em 22 de Março de 1973, qualificam como condição resolutiva a cláusula inserta no mesmo (que impunha, em determinado prazo, a construção no terreno transmitido de uma moradia unifamiliar), por via da qual, na sua pendência, o negócio celebrado produz todos os efeitos que lhe são próprios, que desaparecerão retroactivamente se a condição se verificar.
Nesta perspectiva, o contrato de compra e venda celebrado produziu os seus efeitos típicos, mas no que concerne à transferência da propriedade do prédio, ficou dependente da verificação de um evento futuro e incerto – construção de uma moradia unifamiliar, no prazo de três anos –, obrigação que não se tendo verificado, fez desencadear automaticamente a resolução do contrato e, consequentemente, a reversão da propriedade do prédio para os vendedores.
Assim, não obstante existir um registo a favor dos autores, as herdeiras dos vendedores, as aqui rés, são as legítimas proprietárias do imóvel em causa.
Finalizam, solicitando a total improcedência da acção e a procedência dos pedidos reconvencionais que deduziram, atinentes à verificação da condição resolutiva, conduzindo resolução automática do contrato de compra e venda celebrado entre os primitivos contratantes, com o consequente reconhecimento do direito de propriedade das contestantes/reconvintes e a obrigação de os autores procederem à entrega do mesmo.
Mais pretendem o cancelamento do registo da aquisição do imóvel a favor dos autores e a inscrição da propriedade a seu favor.

3. Notificados da contestação, os autores apresentaram articulado de réplica, no qual mantiveram o alegado na petição inicial, concluindo pela integral procedência da acção, naqueles exactos termos, e pela improcedência da reconvenção, por não provada.
Ademais acrescentam que, dado o tempo decorrido, sempre teriam adquirido o direito de propriedade sobre o prédio rústico em questão por via do instituto da usucapião, assistindo-lhes por isso inteira razão nas pretensões que deduzem juízo.

4. Dispensada a realização de uma audiência prévia, realizou-se audiência final após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e a reconvenção improcedente.

5. É desta sentença que recorrem os Réus, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:
“1. Por vontade consciente dos compradores, devidamente registada e constante da escritura de compra e venda ora em causa, um dos efeitos do negócio – a transmissão plena e definitiva da propriedade - ficou dependente de um facto futuro e incerto, totalmente externo às obrigações típicas do contrato de compra e venda.
2. A edificação de uma moradia no prazo de três anos não é um facto certo ou incontornável, totalmente dependente da vontade dos compradores. Pelo contrário, é um facto futuro e incerto.
3. O processo de licenciamento e construção de um imóvel está também dependente de terceiros e de factores externos à vontade das partes, não controláveis pelos compradores.
4. Existe um grau de incerteza associado e inerente à condição a que o negócio ficou sujeito.
5. As obrigações que caracterizam o contrato de compra e venda são, por um lado, o pagamento do preço e, por outro, a entrega da propriedade, as quais foram integralmente cumpridas.
6. As Partes estipularam que a não-verificação da conclusão da obra em três anos implicaria a resolução dessa transmissão, optando expressamente por uma condição resolutiva, válida ao abrigo do disposto na parte final do artigo 270º do Código Civil.
7. Tal condição não corresponde a uma obrigação contratual prestada pelos compradores a favor dos vendedores.
8. Da leitura da escritura pública não se pode retirar que os compradores se obrigaram perante os vendedores a construir uma moradia unifamiliar e, caso não o fizessem, incumpriam o mesmo contrato.
9. Como resulta claro da interpretação literal das declarações supra transcritas, prestadas pelos outorgantes na escritura de compra e venda, foi expressamente dito pelos mesmos que a venda foi feita “sob condição”.
10. Sendo, ainda, expressamente referido que a venda se deu, naquele momento, como efectivada com a entrega do preço, mas que considerar-se-ia automaticamente resolvida se a condição a que ficou sujeita não fosse cumprida, o que reflecte a tipificação da condição como resolutiva, nos termos e para os devidos efeitos do disposto no artigo 270º e ss. do Código Civil.
11. Os compradores aceitaram comprar este lote de terreno, sabendo que essa venda estava onerada com uma condição – a construção de uma moradia unifamiliar – assumindo o risco do negócio.
12. Caso a construção não fosse concluída em tal período, os compradores perderiam o seu direito de propriedade, regressando a titularidade do bem à esfera jurídica dos vendedores mediante resolução automática do contrato por força da verificação da condição resolutiva.
13. Não está, assim, em causa nos presentes autos uma cláusula resolutiva com base numa obrigação prestada pelos compradores perante e a favor dos vendedores e que ao ser incumprida geraria a resolução desse mesmo contrato.
14. Está, sim, em causa um contrato de compra e venda sujeito a uma condição resolutiva.
15. A resolução do negócio por força da condição resolutiva opera automaticamente, sem necessidade de qualquer comunicação pela parte a quem aproveita.
16. Tendo o negócio sido automaticamente resolvido pelo preenchimento da condição resolutiva, não procede o argumento da alegada prescrição do direito a resolver o contrato, uma vez que este há muito se encontra resolvido.
17. Tanto assim é que ao longo de mais de quarenta anos os compradores não exerceram qualquer acto que fizesse demonstrar a sua actuação como proprietários, nomeadamente, qualquer construção, plantação ou utilização.
18. Nem nunca, até hoje, os compradores liquidaram algum imposto associado à titularidade do terreno, tendo ficado demonstrado nos autos que são as ora Recorrentes que liquidam o Imposto Municipal sobre Imóveis (conforme ponto 11 da matéria dada como provada na douta sentença).
19. Pagamento esse, aliás, que ao longo de todo este tempo vinha sendo feito pelos vendedores, já que sempre constaram como proprietários na matriz predial (cfr. nota de liquidação de IMI do ano de 2003 em nome da vendedora, Maria …, à data ainda viva, que se junta como Doc.1 que se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).
20. Para além disso, como ficou igualmente provado de acordo com o ponto 4 da matéria dada como provada na douta sentença, decorre da escritura de habilitação de herdeiros do vendedor João …, outorgada a 5 de Fevereiro de 1998 (e, portanto, já depois da venda ora em causa e da verificação da condição resolutiva), (vide documento nº5 junto com a petição inicial) que o falecido deixou “a minha mulher, Maria …, (…) a minha parte no prédio rústico denominado …, Urbanização …, sito no lugar do Pintadinho, Vale da Areia ou Ponta do Altar, freguesia de Ferragudo, concelho de Lagoa; (…)”, facto que conduz, salvo melhor opinião, a que os vendedores consideravam ser os proprietários do terreno ora em causa e, portanto, que a resolução tinha operado.
21. Por tudo o exposto, deverá o presente Tribunal revogar “in totum” a sentença ora recorrida, decidir pela improcedência da acção e pela procedência integral da reconvenção deduzida pelas ora Recorrentes, designadamente:
(vii) Declarar verificada a 23 de Março de 1976 a condição resolutiva aposta no contrato de compra e venda outorgado a 22 de Março de 1973;
(viii) Declarar reconhecida a resolução automática a 23 de Março de 1976 e com efeitos retroactivos do contrato de compra e venda outorgado a 22 de Março de 1973;
(ix) Reconhecer a propriedade do terreno a favor das RR., por força da sua reversão para a esfera dos vendedores e, por sucessão, para as ora Recorrentes;
(x) Condenar os ora Recorridos a restituir o prédio rústico em causa às RR., ficando impedidos de realizar qualquer acto de disposição sobre o mesmo;
(xi) Determinar o cancelamento do registo predial a favor dos ora Recorridos sobre o prédio em causa nos presentes autos e determinada a inscrição d apropriedade do mesmo a favor das RR.
(xii) Julgar totalmente improcedentes os pedidos deduzidos pelos AA., nãosendo, por isso, reconhecida a favor dos AA. a propriedade do prédio rústico actualmente descrito sob o nº …, nem reconhecida a alegada prescrição do direito de resolver o contrato de compra e venda outorgado a 22 de Março de 1973.

6. Contra-alegaram as Autoras impetrando apenas pela improcedência do recurso.

7. Dispensaram-se os vistos.

8. Delimitado que está pelas alegações das autoras/recorrentes, oobjecto do recurso circunscreve-se à apreciação da cláusula aposta no contrato de compra e venda: se cláusula resolutiva, como decidido na sentença, se condição, como as mesmas defendem.

Caso proceda o entendimento das recorrentes cuidar-se-á de determinar os efeitos decorrentes da fixação de uma condição ao negócio em causa e, por consequência, da procedência do pedido reconvencional oportunamente formulado pelas mesmas.


II- FUNDAMENTAÇÃO

i) Foi o seguinte o elenco dos “Factos Provados” inserto na sentença recorrida e que não foi impugnado pelos recorrentes:

“1. Em escrito intitulado «Venda e constituição de servidão», realizado no dia 22 de Março de 1973, no 9.º Cartório Notarial de Lisboa, consta o seguinte:
«(…) compareceram como outorgantes:
Primeiro: Dr. João … e sua mulher Dona Maria …, casados, segundo declaram, com o regime de separação absoluta de bens, com residência habitual em Lisboa, na Avenida …, número …, 4.º andar, ele natural da freguesia e concelho de Tomar e ela natural da freguesia e conselho de Lagoa.
Segundo: Manuel … e sua mulher, AA, casados, segundo declaram, com o regime da comunhão geral, com residência habitual em Lisboa, na Rua …, Lote …, 7.ºandar esquerdo, (Olivais Sul), ele natural da freguesia e conselho de Chamusca e ela natural da freguesia e concelho de Portimão.
(…)
Pelos primeiros outorgantes, João … e mulher, foi dito:
- Que pela presente escritura e pelo preço de cento e dois mil escudos vendem ao segundo outorgante, Manuel …, um lote de terreno destinado a construção urbana sito no Vale de Areia na Ponta do Altar, freguesia de Ferragudo, concelho de Lagoa, com a área de oitocentos e vinte e sete metros quadrados, designado Lote A (…), a confrontar do Norte por onde mede trinta e quadro metros, com terrenos do prédio donde é destacado, do Nascente, por onde mede seis metros com Marcel … e outros, do Sul por onde mede cerca de quarenta e três metros, com escadas de acesso à Rua superior, do Poente por onde mede cerca de quarenta e um metros, com a Rosa, Lote de terreno este a destacar do prédio rústico denominado … Sito no Vale de Areia em Ponta do Altar, freguesia de Ferragudo, concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o número …, a folhas … do Livro B … e inscrito na respectiva matriz predial rústica, sob o artigo …, livre de quaisquer ónus.
- Que esta venda é feita sob a condição de no lote de terreno vendido ser construído um prédio unifamiliar no prazo de três anos a contar desta data, a qual só se considerará cumprida mediante a apresentação do respectivo certificado ou certidão de habitabilidade passado pela Câmara Municipal.
- Que, no caso desta condição não ser cumprida, o lote de terreno e tudo o que nele estiver edificado torna-se propriedade dos vendedores, resolvendo-se o contrato.
E que tendo recebido do comprador o referido preço de que lhe dão a devida quitação dão como efectivada a venda.
Pelo segundo outorgante, Manuel … foi dito:
- Que aceita o contrato.
Pelos segundos outorgantes, Manuel e mulher foi em seguida dito:
- Que por esta mesma escritura e pelo preço de quinhentos escudos que já receberam dos primeiros outorgantes e de que lhe dão a devida quitação, constituem sobre o lote de terreno que acaba de ser comprado as seguintes servidões a favor do prédio do qual é destacado:
a) Servidão não aparente de no lote não poder ser feita qualquer construção cuja altura, incluída a parte mais alta da cobertura ou terraço ultrapasse cinco metros do eixo da rua que corresponder à dita construção. A servidão destes cinco metros passará pela parte central do edifício.
b) Servidão não aparente de as vedações do terraço não ultrapassarem setenta centímetros de altura.
c) Servidão não aparente de a mesma construção ficar afastada das extremas norte, nascente e sul, pelos mesmos cinco metros.
Assim disseram os outorgantes.
As sisas devidas foram pagas aos dez de Fevereiro do corrente ano na tesouraria da Fazenda Pública do Concelho de Lagoa, Faro pelos conhecimentos números oitenta e oito e noventa e um, constando do primeiro a inscrição matricial do prédio de onde é destacado o lote de terreno vendido. Foram arquivados sobre os números cinco e sete, no maço de documentos relativo a este livro, os dois conhecimentos de sisa acima referidos e o duplicado da participação para efeito da liquidação do imposto de mais valias que for devida para efeito desta venda, o qual apresenta a data de dezanove de Fevereiro finda como … a do recebimento do original na secção de finanças de Lagoa (Faro), com rubrica e o selo branco da referida Repartição.
Tendo exigido a prova da autorização para a venda deste lote ou a da declaração municipal de que o terreno vendido não está sujeito ao condicionamento estabelecido por lei, foi-me dito:
- Que embora não situada em zona urbanizada foi, no entanto, loteada anteriormente ao Decreto-Lei numero quarenta e seis mil, seiscentos e setenta e três de vinte e nove de Novembro de mil, novecentos e sessenta e cinco.
(…)».
2. Na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, relativamente ao imóvel descrito sob o n.º …/…, da freguesia de Ferragudo, desanexado do prédio n.º …, omisso na matriz, sito em Vale da Areia ou Ponta do Altar, com a área de 827 m2, composto de talhão de terreno, destinado a construção urbana, a confrontar ao norte com o prédio de onde é destacado, ao nascente com Marcel … e outro e ao sul e poente com rua, mostram-se registados os seguintes factos:
Através da AP 6 de 1973/10/12 a aquisição a favor de Mário …, casado no regime de comunhão geral de bens com AA, por compra a João … e mulher Maria …, com sujeição à seguinte cláusula: «sob condição de no lote de terreno vendido ser construído um prédio unifamiliar no prazo de 3 anos a contar de 22 de Março de 1973, a qual só se considerará cumprida mediante a apresentação do respectivo certificado ou certidão de habitabilidade passada pela Câmara Municipal, e no caso de a condição não ser cumprida o terreno e tudo que estiver nele edificado tornar-se-á propriedade dos vendedores»;
Através da AP. 7 de 1973/10/12, com base em acordo subsequente à venda, uma servidão a favor do prédio n.º …, a fls. … do Livro B-1 (PRÉDIO DOMINANTE) imposta no prédio n.º …, a fls. … v.º do Livro B-3, actual n.º …/… (PRÉDIO SERVIENTE) com o encargo de não poder ser feita, no prédio serviente qualquer construção cuja altura, incluída a frente mais alta da cobertura ou terraço, ultrapasse 5 metros do eixo da rua, que corresponder à dita construção, sendo a medição destes 5 metros efectuada pela parte central do edifício; de as vedações do terreno não ultrapassarem 7,5 cm de altura; de a construção ficar afastada das extremas, norte, nascente e Sul pelo menos 5 metros.
3. Decorridos três anos, a contar do dia 22 de Março de 1973, a moradia unifamiliar não foi construída na parcela de terreno identificada nos factos 1.º e 2.º.
4. Através de escrito realizado no dia 5 de Fevereiro de 1998, no 6.º Cartório Notarial de Lisboa, denominado «Habilitação», Vanda …, Helena … e Manuel … declararam que, no dia 8 de Maio de 1981, na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, concelho de Lisboa, faleceu João …, no estado de casado em primeiras núpcias de ambos e sob o regime de separação de bens, com AA.
Mais declararam que o falecido deixou testamento público, onde, para além do mais, dispôs que «deixo à minha mulher, AA, a minha quota disponível em todos os bens que ficarem por meu falecimento, devendo esta quota disponível começar a preencher-se com (…) a minha parte no prédio rústico denominado …, Urbanização …, sito no lugar do Pintadinho, Vale da Areia ou Ponta do Altar, freguesia de Ferragudo, concelho de Lagoa (…)».
Declaram, também, que ao autor da sucessão, sucederam, por vocação da lei, como únicos herdeiros legitimários:
a) A sua referida mulher AA, que se mantém viúva do falecido; e
b) O seu filho, por efeito de adopção plena, José …, sendo à data do óbito casado no regime de comunhão de adquiridos com Maria Cristina …, e actualmente casado no regime de separação de bens com Patrícia …. Declararam, por último, que ao mencionado autor sucederam:
– Por chamamento do testamento, e como herdeira da sua quota disponível, a sua identificada esposa; e
– Por vocação da lei, e do próprio testamento e como herdeiros legitimários: a sua referida mulher, e seu filho, acima identificados.
5. Mediante escrito realizado no dia 7 de Março de 2002, no 15.º Cartório Notarial de Lisboa, intitulado «Habilitação», AA declarou que, no dia 12 de Novembro de 2001, na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, concelho de Lisboa, faleceu Manuel …, natural da Chamusca, no estado de casado no regime de comunhão geral de bens e em primeiras núpcias de ambos com a declarante.
Mais declarou que o falecido não deixou testamento, nem qualquer outra disposição de última vontade, e deixou como únicos herdeiros:
a) A declarante, sua mulher;
b) Sua filha BB, casada no regime de separação de bens com Nuno …;
c) Seu filho CC, divorciado; e
d) Seu filho DD, divorciado.
6. Através de escrito realizado no dia 11 de Abril de 2005, no 19.º Cartório Notarial de Lisboa, denominado «Habilitação de herdeiros», Martim …, Rita … e Filipe … declararam que, no dia 6 de Dezembro de 2004, na freguesia de Santa Maria de Belém, concelho de Lisboa, faleceu Maria …, no estado de viúva de João …. Mais declararam que a autora da herança não deixou testamento público ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como único herdeiro, seu filho, José …, ao tempo casado no regime de separação de bens com Patrícia ….
7. Consta do Assento de Óbito n.º 551, da 5.ª Conservatória Registo Civil de Lisboa, que, no dia 22 de Dezembro de 2004, faleceu José …, no estado de casado com Patrícia ….
8. No âmbito do inventário por óbito de José …, que correu termos na então 2.ª Secção do 1.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, sob o n.º 636/08.1TJLSB, EE, na qualidade de cabeça-de-casal, relacionou como «verba n.º 12», o seguinte imóvel: «prédio rústico, designado “…”, sito em Ferragudo, com a área de (ha) 2,638000, freguesia de Ferragudo, concelho de Lagoa, Distrito de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º …, da freguesia de Ferragudo, concelho de Lagoa, Distrito de Faro, inscrito sob o artigo matricial n.º …, da Secção “E”, concelho de Lagoa, freguesia de Ferragudo».
9. Nesses autos de inventário, por acordo firmado na Conferência de interessados realizada em 02-12-2014, homologado por Sentença proferida nessa mesma data, a mencionada verba foi adjudicada a todos os interessados e em partes iguais.
10. Posteriormente, por despacho de 03-12-2015, na sequência da apresentação de requerimento por todos os interessados, a verba n.º 12, foi adjudicada da seguinte forma:
a) ¼ à herdeira EE, no valor de € 7,37 (sete euros e trinta e sete cêntimos);
b) ¼ à herdeira FF, no valor de € 7,37 (sete euros e trinta e sete cêntimos);
c) ¼ à herdeira GG, no valor de € 7,37 (sete euros e trinta e sete cêntimos); e
d) ¼ à herdeira HH, no valor de € 7,37 (sete euros e trinta e sete cêntimos).
11. Desde o ano de 2004 que os réus efectuam o pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz no artigo …, da secção E, do concelho de Lagoa, freguesia de Ferragudo.

ii. Do mérito do recurso

1. Antecipando a nossa decisão, dir-se-á que, não obstante a douta argumentação expendida na sentença, as partes subordinaram a produção de efeitos[1] do contrato de compra e venda do imóvel em causa a uma condição que oportunamente fizeram registar na Conservatória do Registo Predial através da AP 6 de 1973/10/12 : “ De no lote de terreno vendido ser construído um prédio unifamiliar no prazo de 3 anos a contar de 22 de Março de 1973”.

Na verdade, verificam-se a integralidade dos elementos do conceito “condição[2]” expresso no art.º 270º do Código Civil [As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva]: o carácter futuro do facto ou acontecimento de cuja verificação ou não verificação depende a vigência do negócio e a sua incerteza.
Porque parece ter sido precisamente este último elemento que a sentença recorrida entendeu que não se verificava, justifica-se que sobre ele nos debrucemos com mais profundidade.[3]
A incerteza do facto avalia-se em termos objectivos e não subjectivos e respeita à sua verificação ou não verificação.
Não se conexiona, salvo o devido respeito, com a circunstância de ficar dependente, em larga medida da vontade e da iniciativa do adquirente.
Tal circunstância reflecte-se apenas na classificação da condição assente na origem do facto condicionante :condição potestativa, casual ou mista.
Com efeito, a condição potestativa é aquela em que a verificação do facto depende da vontade humana, de uma das partes. Aliás, este tipo de condições são, de modo geral, um expediente legal a que uma das partes pode lançar mão para estimular o comportamento da contraparte ou para tentar assegurar-se de um certo resultado que lhe será benéfico.
A condição casual, por seu turno, é aquela em que o acontecimento depende de uma causa naturalou de um acto de um terceiro.
E, por fim, a condição mista é aquela em que para a verificação ou não verificação do facto condicionante se torna necessário o concurso da vontade de uma das partes e de um facto natural ou da vontade de terceiro.
No caso em apreço, afigura-se-nos que a condição a que as partes subordinaram a eficácia do negócio se pode configurar como uma condição mista: a sua verificação –construção de um prédio unifamiliar no lote vendido-estava não só dependente da vontade dos compradores mas também da Câmara Municipal competente para licenciar a obra.
Outrossim, se pode qualificar como uma condição positiva simples i.e. aquela em que o evento condicionante se traduz na alteração dum estado de coisas anterior e que é formada por um só elemento – a construção de um prédio unifamiliar.
Sem embargo do que se disse, é o próprio texto contratual[4] que permite sem margem para grandes dúvidas alcançar tal conclusão.
É certo que na sentença se perfilhou entendimento diferente aludindo que “(…) ponderando o complexo de obrigações assumidas por cada um dos contraentes e a interpretação que as declarações negociais prestadas autorizam, entende-se que as partes quiseram estabelecer, por via contratual, uma verdadeira e autónoma causa de resolução do contrato de compra e venda celebrado em 22 de Março de 1973, a favor dos vendedores do imóvel, tendo por base o incumprimento da descrita obrigação de edificação da aludida moradia unifamiliar por parte dos compradores, que dispunham de um prazo de três anos para a sua concretização.”.
Cremos, porém, que as regras da hermenêutica negocial, plasmadas nos art.ºs 236º e segs. do Código Civil, não o autorizam.
Como das mesmas resulta, o legislador acolheu a doutrina da impressão do destinatário, segundo a qual, a declaração negocial vale com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria, salvo se este não pudesse razoavelmente contar com ele ( artº 236º nº1 ).
No entanto, nos negócios formais, como é o caso, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso ( art.º 238º/1 do Cód.Civil).
Na busca de tal sentido, são vários os elementos, os meios ou subsídios que o intérprete deve tomar em consideração.
A título exemplificativo, Manuel de Andrade [5] refere :“ os termos do negócio ; os interesses que nele estão em jogo ( e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento ) ; a finalidade prosseguida pelo declarante ; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes ; os hábitos do declarante ( de linguagem ou outros ) ; os usos da prática , em matéria terminológica , ou de outra natureza que possa interessar , devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais ( próprios de certos meios ou profissões ) etc.”.
Ao lado destas circunstâncias, referidas a título de exemplo, podem assinalar-se outras, designadamente “ os modos de conduta porque posteriormente se prestou observância ao negócio concluído”.
Vejamos então.
Relembrando os termos que foram clausulados nesse acordo e que acima se transcreveram, surge-nos, por duas vezes, a adequada utilização da expressão “condição” [“ Que esta venda é feita sob a condição de no lote de terreno vendido ser construído um prédio unifamiliar no prazo de três anos a contar desta data, a qual só se considerará cumprida mediante a apresentação do respectivo certificado ou certidão de habitabilidade passado pela Câmara Municipal” ; “no caso desta condição não ser cumprida, o lote de terreno e tudo o que nele estiver edificado torna-se propriedade dos vendedores, resolvendo-se o contrato]aliada às consequências próprias de uma condição resolutiva : o alienante “ retoma “automaticamente o seu direito.

Na verdade, perante a materialidade constitutiva desse acordo, no caso de não se verificar esse acontecimento futuro e incerto a que as partes condicionaram a produção dos efeitos do negócio, o contrato extinguir-se-ia[6].

Um normal declaratário, postado na situação dos aquicompradores, entenderia seguramente, em face dos termos do negócio, que aquilo que se firmou significava que caso não levassem a efeito a construção ajustada no prazo assinalado, construção essa sujeita a determinados requisitos contemplados nas servidões descritas e constituídas através do mesmo instrumento, em contrapartida das quais haviam recebido uma significativa maquia, os efeitos decorrentes do contrato de compra e venda cessariam.
Não tendo tal construção sido jamais efectuada e, por consequência, não o tendo sido no prazo assinalado no contrato, é revelador, para aquele desiderato, que o lote de terreno vendido tenha afinal vindo a ser contemplado no testamento do vendedor – que veio a falecer depois dos três anos mencionados na dita cláusula – e sido objecto de partilha pelos seus herdeiros e, bem assim, que o IMI tenha pelos mesmos sido pago praticamente desde que tal imposto foi instituído[7].
Tudo isto a inculcar ter revertido para a esfera jurídica do vendedor a titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo imóvel.

2. Posto isto, cuidemos agora dos efeitos da aposição de uma condição deste jaez no contrato de compra e venda.
No contrato de compra e venda há que distinguir dois tipos de efeitos[8] : um efeito real (a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito) e dois efeitos obrigacionais (que se reconduzem à constituição das obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço).

O período que medeia entre a celebração do contrato e a verificação ou não verificação da condição, denomina-se de “ pendência da condição” ( art.ºs 272º a 274º do Cód. Civil).

Durante esse tempo em que a condição se encontra pendente a concretização definitiva da titularidade do direito na pessoa do adquirente depende da superveniência do facto futuro e incerto.

O adquirente pode, aliás, praticar actos dispositivos sobre os bens ou direitos que constituem objecto do negócio condicional mas os mesmos ficam sujeitos à eficácia ou ineficácia do próprio negócio ( cfr. art.º 274º nº1 do Cód. Civil).

E pode, também, fazer registar o seu direito, o que lhe dará preferência sobre qualquer direito incompatível que venha a surgir posteriormente sobre os mesmos bens por acto do alienante.

Por conseguinte, no caso em apreço, não se tendo verificado a condição durante o prazo assinalado, o contrato resolvia-se, desaparecendo aqueles efeitos que se tivessem já produzido na pendência da mesma, v.g. transmissão da propriedade, ou seja, o efeito real da compra e venda.

Ocorrida a destruição automática dos efeitos do negócio, a regra é que essa cessação seja retroactiva mas a isso pode opor-se a vontade das partes ou a natureza do negócio. ( cfr. art.º 276º do Cód. Civil).

3. É, pois, chegado o momento de concluir que as pretensões das Autoras /apeladas na acção não podem obter provimento.
O reconhecimento que, através desta acção, pretendiam do seu putativo direito de propriedade sobre o prédio em causa esbarra com a circunstância de se ter provado que a condição aposta no contrato de compra e venda e devidamente registada não se verificou e, por conseguinte, o mesmo se extinguiu automaticamente volvido o prazo que havia sido concedido para a sua concretização: 3 anos a contar de 22.3.1973.

De igual sorte não há fundamento para julgar extinta, por prescrição a cláusula em apreço pois não se trata de uma cláusula resolutiva mas sim de uma condição resolutiva que, como se viu, opera automaticamente não carecendo de qualquer declaração de vontade das partes ou do exercício de qualquer direito resolutório.

4. Da (im) procedência dos pedidos reconvencionais formulados pelas apelantes na sua contestação [a) ser reconhecida a verificação da condição resolutiva; b) ser reconhecida a resolução automática e com efeitos retroactivos do contrato de compra e venda outorgado a 22 de Março de 1973;c) ser reconhecida a propriedade do terreno a favor das ora RR., por força da sua reversão para a esfera dos vendedores e, por sucessão, para as ora RR. d) ser os AA. condenados a restituir o prédio rústico em causa às ora RR., ficando impedidos de realizar qualquer acto de disposição sobre o mesmo. e) ser determinado o cancelamento do registo predial a favor dos compradores sobre o prédio em causa nos presentes autos e determinada a inscrição da propriedade do mesmo a favor das RR.].


Decorrente do que atrás se deixou exposto, a procedência dos pedidos enunciados nas alíneas a) e b) não merece quaisquer dúvidas, sendo, todavia, de salientar – no que a esta concerne – que não tendo as partes do contrato de compra e venda em apreço fixado o momento em que a resolução produzia os seus efeitos destrutivos, ter-se-á de considerar, como se disse, que aqueles se retroagem à data da celebração do negócio (art.º 276.º do Cod. Civil).
O mesmo se diga quanto à alínea c), sendo de salientar que mercê da partilha efectuada no âmbito de inventário judicial por óbito de José …, filho dos vendedores do imóvel, homologado por Sentença de 2-12-2014, o prédio em causa foi adjudicado a todos os interessados e em partes iguais e que posteriormente, por despacho de 03-12-2015, na sequência da apresentação de requerimento por todos os interessados, a verba n.º 12, foi adjudicada às Rés/reconvintes na proporção de ¼ para cada uma.
Naturalmente que o registo predial há-de expressar a actual situação jurídica do imóvel em causa e por consequência ter-se-á de proceder ao cancelamento do registo de aquisição a favor de Manuel e AA e à inscrição da propriedade a favor das Rés/reconvintes.

Subsiste por apreciar o pedido de restituição do imóvel – que a par do reconhecimento do direito de propriedade- integra os pedidos típicos de uma reivindicação ( art.º 1311º do Cód. Civil).
Efectivamente, na acção de reivindicação, recai sobre o autor não apenas o ónus de provar que é titular do direito de propriedade sobre a coisa cuja restituição reclama, como também o de provar que ela é possuída (ou simplesmente detida materialmente) pelo réu.
A procedência deste pedido pressupunha, assim, que tivesse sido alegado e provado que o imóvel se encontra ocupado pelos Autores /reconvindos.
Tal não sucedendo, nada mais resta do que desatendê-lo.

III- DECISÃO
Por todo o exposto, julga-se a apelação procedente e, revogando-se a sentença recorrida, decide-se:
A) Absolver as Rés/apelantes dos pedidos formulados pelos Autores/apelados na petição;

B) Na procedência parcial da reconvenção deduzida pelas Rés/apelantes:

a) Declarar que a condição aposta no contrato de compra e venda celebrado em 29 de Março de 1973 entre Mário …, casado no regime de comunhão geral de bens com AA, como compradores, e João … e mulher Maria …, como vendedores [ “ (…) de no lote de terreno vendido ser construído um prédio unifamiliar no prazo de 3 anos a contar de 22 de Março de 1973, a qual só se considerará cumprida mediante a apresentação do respectivo certificado ou certidão de habitabilidade passada pela Câmara Municipal (…)] não foi cumprida e que o contrato se resolveu com efeitos a 22 de Março de 1973, revertendo para a esfera jurídica destes últimos e, por sucessão, para as Reconvintes, o direito de propriedade sobre o prédio rústico, composto por um lote de terreno, destinado a construção urbana, com a área de 827 metros quadrados, sito no Vale da Areia ou Ponta do Altar, freguesia de Ferragudo, descrito na Conservatória do registo Predial de lagoa sob o n.º …/…, da freguesia de Ferragudo;

b) Determinar o cancelamento do registo de aquisição que, do mesmo prédio e através da AP 6 de 1973/10/12, foi feito a favor de Mário …, casado no regime de comunhão geral de bens com AA, por compra a João … e mulher Maria … e a inscrição a favor destes e das Reconvintes por sucessão.

c) Absolver os Autores/reconvindos do pedido formulado sob a alínea c) do petitório reconvencional [serem os AA. condenados a restituir o prédio rústico em causa às ora RR., ficando impedidos de realizar qualquer acto de disposição sobre o mesmo].


Custas pelos apelados porque vencidos no recurso (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Évora, 22 de Março de 2018

Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] Quer para se começarem a produzir, quer para cessarem – Assim, Carvalho Fernandes in Teoria Geral do Direito Civil, Vol.III, AAFD, pag.311.
[2] Na feliz terminologia de Inocêncio Galvão Telles in Manual dos Contratos, pag.258, pode definir-se condição “ a cláusula acessória pela qual as partes fazem depender a vigência do contrato (ou de outro negócio jurídico) da verificação ou não verificação de um facto futuro.”.
[3] Seguiremos de perto o ensinamento de Castro Mendes in Direito Civil, Teoria Geral, Vol. III., 1979, pag. 482 e seguintes.
[4] E o próprio registo da cláusula em apreço que incorpora uma condição resolutiva e consequentemente tem como consequência a cessação da produção de efeitos da compra e venda que é a transmissão da propriedade a favor dos compradores.
[5] Apud Carlos Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil , pag. 421.
[6] Outra seria seguramente a redacção da cláusula caso se configurasse como “cláusula resolutiva”. A mesma pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução.
A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução em consonância com o disposto no art.º 432º, n.º 1, do Cód. Civil. Admite este preceito, portanto, a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas, o direito ( potestativo ) de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (por exemplo, não cumprimento ou não cumprimento nos termos devidos, segundo as modalidades estabelecidas, de uma obrigação).
A resolução não é automática e opera-se por meio de declaração unilateral, receptícia, do credor (art. 436º do Cód. Civil), que se torna irrevogável, logo que chegue ao poder do devedor ou é dele conhecida (arts. 224º, n.º 1 e 230º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil).
[7] E que veio substituir a "contribuição autárquica" em 1 de Dezembro de 2003.
[8] Assim, Menezes Leitão in Direito das Obrigações, Vol.III, 2015, pag. 20.