Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
13/16.0TXEVR-E.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 02/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – Atingidos os 2/3 do cumprimento da pena, a liberdade condicional só deve ter lugar quando for adequada às necessidades de prevenção especial, que se mostram retratadas naquele objectivo de que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

II – Deve ser denegada quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um juízo positivo acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos autos em referência, que correm termos no Tribunal de Execução de Penas de Évora, a condenada VL encontra-se a cumprir a pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, imposta por acórdão do Juízo Central Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, no proc. n.º 1467/15.8T9FAR, concernente à prática de um crime de roubo e um crime de furto, cometidos em 08.05.2015 e 14.10.2015.

Encontra-se reclusa no Estabelecimento Prisional de Odemira.

Foram juntos os relatórios a que se reporta o art. 173.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL) - um em sentido desfavorável à concessão da liberdade condicional e outro em sentido contrário - e o parecer do Conselho Técnico do estabelecimento, ao abrigo do art. 175.º do mesmo Código - em sentido favorável.

Procedeu-se à audição da reclusa, após o que Ministério Público emitiu parecer, conforme ao art. 177.º do CEPMPL, de sentido desfavorável, tendo sido proferida sentença, segundo a qual não lhe foi concedida a liberdade condicional.

Inconformada com tal decisão, a condenada interpôs recurso, formulando as conclusões:

1- O presente recurso tem por objecto decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de Évora, que não concedeu a liberdade condicional à ora Recorrente.

2 - A decisão recorrida tem como fundamentos: a inexistência de um juízo de prognose favorável, os antecedentes criminais, o desvalor dos seus actos, a necessidade de prevenção especial e a necessidade de prevenção geral.

3 - A Recorrente encontra-se no estabelecimento prisional de Odemira a cumprir uma pena de 4 anos e 4 meses de prisão aplicada no processo 1467/15.8T9FAR do Tribunal Judicial de Faro Juízo Central Criminal de Faro pela prática de um crime de Roubo e um crime de Furto.

4 - Liquidou-se a execução da pena de prisão da seguinte forma 1/2 em 09/02/2018; 2/3 em 29/10/2018 e termo de 09/04/2020.

5 - O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade parecer favorável à concessão da liberdade Condicional.

6- A inexistência de um juízo de prognose favorável, os antecedentes criminais, o desvalor dos seus actos, a necessidade de prevenção especial e a necessidade de prevenção geral não ressalta dos relatórios apresentados.

7 - A necessidade de prevenção especial não pode ultrapassar a medida da pena, tal como não pode servir para castigar o condenado, sem ter em atenção a sua necessidade e o seu percurso evolutivo.

8 - O instituto da liberdade condicional tem em vista evitar uma transição brusca entre a reclusão e a liberdade. Assim verificam-se todos os pressupostos estatuídos no artigo 61º nº 1 e 2 do CP e o Tribunal tem o poder-dever de colocar o condenado em situação de liberdade condicional.

9 - O Tribunal “a quo” ao conceder a liberdade condicional violou o artigo 61º nº2 do C.P..

Nestes termos e nos demais de direito que VV.Exas. doutamente suprirão deverá o presente recurso ser admitido e, em consequência: alterar a decisão da 1ª instância e ser concedida a liberdade condicional à recorrente

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:

1 - Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a VL, tendo esta ultrapassado o cumprimento de 2/3 da pena única de 4 anos e 4 meses de prisão que lhe foi imposta no processo nº 1467/15.8T9FAR da Instância Central - Secção Criminal - J1 - da Comarca de Faro, pela prática em co-autoria de um crime de roubo e de um crime de furto simples.

2 - Ora, atentos os elementos constantes dos autos, designadamente os referenciados nos relatórios da DGRSP (Serviço de Educação/Tratamento Penitenciário e Serviço de Reinserção Social), as declarações da condenada a fls. 100 (apreciadas pelo juiz à luz do princípio da livre apreciação da prova), o seu registo criminal e a sua ficha biográfica, conclui-se que não é possível nem razoável efectuar um juízo de prognose positivo de que a mesma uma vez em liberdade adopte um comportamento conforme à Lei Penal e afastada da prática de novos crimes.

3 - Na verdade, a falta de uma adequada interiorização crítica dos seus comportamentos ilícitos e da culpa na comparticipação criminosa, a falta de consolidação do percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre e os seus antecedentes criminais, constituem-se como relevantes factores de risco de recidiva criminal, risco esse que não é socialmente sustentável e que impede a sua libertação antecipada.

4 - Assim e tendo em conta que não se mostram verificados os pressupostos materiais/substanciais previstos no artigo 61º nºs 1, 2 al. a) e 3 do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso interposto pela recorrente e confirmar a sentença recorrida.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, no sentido que a sentença padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, assim, da parcial procedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), a condenada veio declarar renunciar ao prazo para resposta àquele parecer.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP.

Reside, então, em apreciar se deveria ter sido concedida a liberdade condicional.

No que ora releva, consta da sentença recorrida:

Factos provados:
Com relevância para a decisão a proferir, resultam provados os seguintes factos:

1. A reclusa encontra-se em cumprimento da pena única de 4 anos e 4 meses de prisão que lhe foi aplicada no processo n.º 1467/15.8T9FAR do Juízo Central Criminal de Faro, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, pela prática de um crime de roubo e de um crime de furto;

2. Liquidou-se a execução da pena de prisão da seguinte forma: 1/2 em 09.02.2018; 2/3 em 29.10.2018; e termo 09.04.2020;

3. Não lhe são conhecidos processos pendentes de julgamento nem penas autónomas de prisão por cumprir;

4. Regista ainda condenações pela prática de um crime de furto qualificado, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de furto simples;

5. A reclusa cumpre pena de prisão pela primeira vez;

6. Declarou aceitar a liberdade condicional;

7. O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional;

8. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional;

9. É a primeira vez que está presa;

10. Iniciou atividade laboral de limpeza e higiene no estabelecimento prisional em 19.06.2016;

11. Em 04.01.2017 foi punida com a medida disciplinar de repreensão sendo que, desde aí, tem evidenciado uma postura adequada às normas do estabelecimento prisional;

12. Cumpre a pena em regime comum e beneficiou de uma licença de saída jurisdicional que decorreu com normalidade;

13. Encontra-se perante um processo de consciencialização e interiorização do sentido punitivo da pena aplicada;

14. Agia em grupo e em alguns caso isolada, furtando roupas e carteiras e desvalorizando o sofrimento causado às vítimas;

15. Apesar de verbalizar arrependimento e revelar alguma evolução no sentido de aquisição de índices de autocritica face ao crime, assume uma atitude de desculpabilização face à sua conduta;

16. Tem apoio familiar da sua progenitora, para casa de quem pretende ir viver quando sair, que se encontra a atualmente a cuidar dos seus filhos;

17. Em liberdade, pretende desempenhar atividade laboral numa empresa de limpezas.

Fundamentação:
Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objetiva e criteriosa:

a) Certidão da decisão condenatória e liquidação da pena (fls. 2 a 42);
b) Certificado de registo criminal (fls. 56 a 64);
c) Relatórios dos Serviços Prisionais e Reinserção Social (fls. 68 a 70 e 77 a 82);
d) Ficha biográfica (fls. 72 a 74);
e) Declarações da reclusa (fls. 100).

Do direito:
A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade” (RODRIGUES, ANABELA, “A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26).

Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. artigo 61.º, n.º 3 do Código Penal), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.

Como tal, aos dois terços da pena, é único requisito material a expectativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente e sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa). Pelo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração e na prevenção de cometimento de novos crimes.

Na avaliação da prevenção especial o julgador tem de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.

Estas exigências não estão minimamente debeladas.

O percurso prisional da reclusa é, no global, positivo, tendo sido punida em 04.01.2017 com uma repreensão sendo que, a partir dessa data, tem adotado uma postura adequada, trabalha e não regista outros incidentes disciplinares.

Contudo, importa desde logo destacar os antecedentes criminais da reclusa e o efeito pouco dissuasor que anteriores intervenções judiciais tiveram sobre a mesma, o que nos dá conta de uma forte propensão para a atividade criminosa, pois que as condenações anteriormente sofridas, em penas não privativas da liberdade, não foram de molde a evitar que voltasse a praticar crimes.

Por outro lado, a reclusa tem um longo caminho a percorrer na interiorização do desvalor dos seus atos, necessitando de evoluir ao nível da perceção que tem das consequências das suas condutas delituosas. Não basta expressar o seu arrependimento sem interiorizar as implicações - consecutivas - da prática de crimes.

Enquanto tal não acontecer, não pode afirmar-se que a reclusa tem noção total das consequências que advêm da prática de ilícitos penais e, por conseguinte, que não são elevados os riscos de reincidência.

Refira-se, por fim, que a reclusa se encontra a cumprir a pena em regime comum e apenas beneficiou de uma licença de saída jurisdicional.

Deve, pois, continuar a ser avaliado o seu comportamento em meio livre e testada a sua capacidade de resiliência, bem como de determinação para uma mudança de estilo de vida, aspetos essenciais para que se mostrem reduzidos os fatores de risco que caracterizam a sua personalidade e se atenue a possibilidade de reincidência criminal.

Como tal, não é possível concluir que se tenha operado uma efetiva mudança na reclusa, no sentido de o seu estilo de vida ter sido alterado, para que se mostrem reduzidos os fatores de risco que caracterizam a sua personalidade e se atenue a possibilidade de reincidência criminal, sendo necessário consolidar o seu percurso prisional.

Não se mostram, assim, preenchidos os requisitos previstos no artigo 61.º, n.º 2 do Código Penal, pelo que entendo não estarem reunidas as condições para que seja concedida a liberdade condicional à reclusa.

Apreciando:
A recorrente, insurgindo-se contra a denegação da liberdade condicional, invoca, no essencial e em síntese, que Após requerer a liberdade condicional e antes da ora recorrente ser ouvida, beneficiou de uma segunda licença de saída jurisdicional que decorreu com normalidade, deverá ser alterado o ponto 12 da matéria de facto dada como provada, o Conselho Técnico emitiu por unanimidade um parecer favorável à concessão da liberdade condicional, Apenas o Ministério Público se opôs, esse Parecer técnico não deve ser ignorado, sob pena de se criar a ideia que é apenas uma mera formalidade e tem um percurso globalmente positivo

Conclui que A inexistência de um juízo de prognose favorável, os antecedentes criminais, o desvalor dos seus actos, a necessidade de prevenção especial e a necessidade de prevenção geral não ressalta dos relatórios apresentados e, por isso, o tribunal a quo violou o disposto no art. 61.º, n.º 2, do Código Penal (CP).

Vejamos.
A liberdade condicional visa permitir a melhor readaptação possível do condenado à vida em liberdade, no sentido de lograr a sua readaptação social, como que o preparando, após a prisão, para que consiga reingressar à “vida livre”, desde que salvaguardados os requisitos previstos no aludido art. 61.º do CP, uns de ordem formal, outros de carácter material, a que a sentença recorrida se reportou.

Resulta, então, em concreto, que se mostram verificados os requisitos formais consistentes em que a aqui recorrente consentiu na aplicação da liberdade condicional e cumpriu dois terços da pena em execução e, bem assim, mais de seis meses da mesma.

A questão controvertida situa-se, pois, no âmbito daqueles requisitos que mais relevam, de carácter material, atinentes à circunstância de que, em concreto, “uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, de acordo com a alínea a) do n.º 2 daquele art. 61.º, de que depende a concessão da liberdade condicional atingidos aqueles limites de cumprimento de pena.

Ora, revestindo-se como facultativa, a liberdade condicional só deve ter lugar, no que aqui releva, quando for adequada às necessidades de prevenção especial, que se mostram retratadas naquele objectivo, afinal relacionado, como não pode deixar de ser, com as finalidades das penas e, em particular, da pena de prisão.

No tocante, pois, à prevenção especial, sobreleva a imposição de que, apreciadas “as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena”, se espere que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, abstendo-se de praticar crimes.

Tal como acentua Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 528, foi uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento.

Na aferição das razões de prevenção especial que justificam essa liberdade antecipada, tem de revelar-se um juízo de prognose favorável quanto à futura condução de vida por parte do condenado, demonstrado pelo circunstancialismo fáctico globalmente atendido, no sentido de que se possa fundadamente concluir que, em liberdade, adeqúe a sua conduta aos padrões sociais, sendo certo que a concessão dessa liberdade, independentemente da configuração da sua natureza jurídica, se reveste como medida excepcional, que apenas se compadece, não somente com o comportamento prisional, mas com a firme convicção, ainda que suportada numa expectativa de risco comunitariamente aceite, de que esse comportamento prisional na sua evolução consubstancie índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade (mesmo Autor, ob. cit., págs. 538/539).

Revertendo ao concreto, afigura-se que a decisão recorrida ponderou a fixação dos factos que mencionou como provados e mediante a valoração dos elementos que aí fez constar.

Em conformidade, contrariamente ao que a recorrente preconiza, considerou que “beneficiou de uma licença de saída jurisdicional que decorreu com normalidade”, como ficou reflectido no facto provado em 12, apesar da invocada circunstância de que já teria beneficiado de uma segunda saída, justificando alteração desse facto.

No entanto, de acordo com aqueles elementos, não decorre que, ao tribunal, se impusesse considerar mais do que uma saída jurisdicional, dado que é apenas isso que resulta da respectiva análise, sem que, note-se, a recorrente, sequer concretize em que data se teria verificado essa pretensa saída.

Deste modo, dada a ausência de diferente prova, o provado em 12 tem de manter-se.

Por seu lado, contestando que os fundamentos que justificaram a denegação da liberdade condicional resultem dos relatórios apresentados, a recorrente quererá reportar-se ao relatório elaborado pelo Serviço de Reinserção Social, de 10.10.2018, em sentido favorável, mas, de todo o modo, não deixando de realçar-se, como aí se consignou, que Iniciou medidas de flexibilização da pena no passado mês de setembro e Identificam-se necessidades de intervenção ao nível da formação/capacitação profissional e competências pessoais e sociais, de forma a contribuir para uma maior autonomia e capacidade crítica, ainda que considerando como aspetos que poderão continuar a ser trabalhados em meio livre.

Também, inevitavelmente, ao parecer, favorável, do Conselho Técnico, de 21.11.2018.

Não obstante, não se pode descurar o relatório do Serviço de Educação/Tratamento, de 25.09.2018, em sentido desfavorável, segundo o qual, além do mais, Ao nível do pensamento consequencial, revela baixo poder de autocrítica face à sua conduta criminal e interiorização dos erros cometidos, bem como das consequências para com as vítimas. Pese embora, nos permita referir a existência de alguns progressos e mudanças pessoais ao nível das necessidades criminógenas, deverá ainda consolidar um pouco mais o seu percurso prisional.

Bem como o parecer do Ministério Público, desfavorável, salientando que os deficits evidenciados por aquela quer ao nível da interiorização crítica das suas condutas criminosas e sua danosidade social, quer ao nível do seu percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre que não se mostra minimamente consolidado, adequadamente conjugados com os seus antecedentes criminais e bem assim com o facto de nunca ter exercido qualquer actividade profissional remunerada (o que torna muito mais difícil a sua integração laboral), fazem concluir pela existência de risco de recidiva criminal, sendo elevadas as exigências de prevenção especial que obviam à sua libertação antecipada.

Todos esses elementos foram avaliados pelo tribunal, sujeitos ao crivo da sua livre apreciação, nos termos do art. 127.º do CPP, embora não se tenha detido na avaliação da circunstância, referida pelo Ministério Público, de que anterior entendimento (desfavorável à concessão) tivesse sido, estranhamente, alterado em sede de Conselho Técnico (favorável à concessão).

Se assim é, porém, tal não significa que algum desses elementos devesse vincular o sentido da decisão e/ou necessitasse de esclarecimento (art. 175.º, n.º 1, do CEPMPL), se o juiz entendesse, como parece ser no caso concreto, dispor de prova suficiente para a prolação dessa decisão.

A questão, não despicienda, foi, aliás, trazida pelo Digno Procurador-Geral Adjunto, ao ter suscitado, mesmo, que, por necessidade de melhor esclarecimento, a sentença padeça do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por referência ao art. 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, ex vi art. 154.º do CEPMPL.

Ora, tal vício, que tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar solução de direito ou, nas palavras de Germano Marques da Silva, in ”Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 325, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.

Ou seja, quando tribunal deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, sendo que será sempre na perspectiva deste objecto que terá de ser analisado.

Dentro destes parâmetros, entende-se que o tribunal se pronunciou acerca de todos os factos pertinentes ao objecto da causa e logrou fundamentá-los, ainda que não tivesse feito menção especial ao referido parecer do Conselho Técnico na vertente de ter enveredado por posição não secundada por anterior relatório.

Acresce que a análise da decisão de direito permite dilucidar que foi alcançada através da adequada valoração dos factos, sem que decorra que alguma insuficiência factual tivesse restado, além do mais, para avaliação do objecto em apreço.

Afigura-se, pois, que a aludida insuficiência não se perspectiva.

Defrontando, então, os fundamentos que levaram à denegação da liberdade condicional, retratados na sentença, cabe dizer que, apesar da argumentação trazida ao recurso, não merecem censura.

Ao formular o juízo de prognose, o tribunal aceita um “risco prudencial” que radica na expectativa de que o perigo de perturbação da paz jurídica, resultante da libertação, possa ser comunitariamente suportado, por a execução da pena ter concorrido, em alguma medida, para a socialização do delinquente (Sandra Oliveira e Silva, in “A Liberdade Condicional no Direito Português: breves notas”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, ano I, 2004, pág. 377).

Todavia, esse risco tem de ser devidamente acautelado.

Em concreto, revela-se a necessidade de uma mais segura avaliação, de sentido positivo que, através de medidas de flexibilização, consiga conduzir à certeza mínima de que, em meio menos controlado, a recorrente tenha capacidade para agir em conformidade com os padrões exigíveis e não volte a delinquir.

Se bem que denote evolução positiva, tem demonstrado ausência relevante de preparação para que, em liberdade, se possa crer que não voltará a delinquir, revelada, sobretudo, por personalidade cuja evolução não se tem manifestado num patamar compatível com a sua libertação antecipada e, por maioria de razão, quando ainda cumpriu dois terços da pena e teve uma única saída jurisdicional.

O percurso até ao momento experienciado pela recorrente não oferece ainda suficiente segurança para sustentar juízo positivo acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre.

Não obstante os sinais positivos que vem transmitindo, afigura-se que o tribunal procedeu a análise adequada relativamente ao afastamento do juízo de prognose favorável à liberdade condicional, uma vez que esses sinais não oferecem dimensão que prevaleça/infirme as razões de prevenção especial, ainda elevadas e, por isso, sem emprestarem expectativa de que o risco de libertação já possa ser comunitariamente suportado (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 539).

Receia-se pela sua capacidade de resiliência e, consequentemente, pela sua determinação para manter um estilo de vida normativo.

Tudo ponderado, inexiste imagem evolutiva que suficientemente conduza à necessária segurança de que apresenta condições para, desde já, beneficiar da liberdade condicional.

Como tal, a decisão recorrida, tendo respeitado os legais critérios, deve manter-se.

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:

- negar provimento ao recurso interposto pela condenada VL e, em conformidade,

- manter integralmente a sentença recorrida, que não lhe concedeu a liberdade condicional.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 3 UC (arts. 513.º, n.º 1, do CPP, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais).

Processado e revisto pelo relator.

Évora, 19-02-2019
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(Carlos Jorge Berguete)

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(João Gomes de Sousa)