Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
18/19.0T8TVR.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Existindo um despacho autónomo de indeferimento da pretensão da arguida de que a audiência não se realize na sua ausência, despacho que, por não ter sido posto em causa pela arguida no prazo legal, transitou em julgado e assumiu caráter definitivo, não pode tal despacho ser posto em causa no recurso interposto da sentença.
II - Tendo a audiência sido realizada a coberto de um despacho judicial transitado em julgado que autorizou que tal diligência tivesse lugar sem a presença da arguida, em conformidade com o disposto no artigo 333º, nºs 1 e 2 do CPP, não estamos em presença de uma situação em que a lei exige a comparência da arguida nos termos consignados no artigo 119º, alínea c) do CPP.
III - Constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a obrigatoriedade da sua presença, situação que também se verifica nos casos em que o arguido está ausente processualmente, em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente por não ter sido regularmente notificado da data da leitura da sentença.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.
Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo de competência Genérica de Tavira, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com o n.º 18/19.0T8TVR, foi a arguida Clarisse Helena Tavares Fonseca, filha de João Marcolina Vieira Fonseca e de Joana Borges Tavares, natural de Santiago, Tavira, nascida em 17.01.1980, casada, cozinheira, atualmente residente em 11 Rue de Pologne 13010 Marseille, França, condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), num total de €600,00 (seiscentos euros) e no pagamento à demandante de uma indemnização no valor de €700,00 (setecentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contabilizados a partir da data do trânsito em julgado da presente decisão, até integral e efetivo pagamento.
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Inconformada com tal decisão, veio a arguida interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:
“1. Por sentença datada de de 08-11-2021 o tribunal “a quo” decidiu:
“Na parte criminal:
(i)Julgar a Acusação/Pronúncia procedente, por provada e, em consequência, condenar a arguida CLARISSE HELENA TAVARES FONSECA, como autora material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143.º do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), num total de €600,00 (seiscentos euros);
(ii) Condenar a arguida nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s e no pagamento das restantes custas processuais e dos honorários da sua Ilustre Defensora, nos termos da tabela em vigor, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.
Na parte cível:
(iii) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido pelo assistente/demandante Laureni Batista Guedes e, consequentemente, condenar a arguida/demandada no pagamento de uma indemnização no valor de €700,00 (setecentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contabilizados a partir da data do trânsito em julgado da presente decisão, até integral e efectivo pagamento;
(iv) Condenar a arguida/demandada e a assistente/demandante nas custas processuais, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.”.
2. A arguida ora Recorrente não se conforma com a decisão de que ora se recorre.
3. A Arguida foi julgada na ausência sem que para isso tenha dado o seu consentimento.
4. Não tendo a arguida sido convocada para a sessão da audiência em que se procedeu à leitura da sentença, nem foi notificada da sentença de que ora se recorre, o que consubstancia uma nulidade insanável.
5. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que se realizou a audiência de julgamento, na ausência da arguida, com observância das formalidades legais, nos termos do disposto no artigo 333.º do Código de Processo Penal, conforme melhor resulta da respectiva acta, quando do requerimento apresentado pela arguida ora Recorrente resulta expressamente que esta não dá o seu consentimento para ser julgada na ausência.
6. Termos em que deverá ser declarada a nulidade da sentença recorrida.
7. O julgamento nos termos em que foi realizado, na ausência da arguida, viola o artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e bem assim o artigo 61.º do Código de Processo Penal, sendo de igual modo cominado com a nulidade insanável do artigo 119.º, alínea c) e artigo 122.º ambos do Código de Processo Penal.
8. A interpretação dada pelo tribunal “a quo” do disposto no artigo 333.º do Código de Processo Penal de que a arguida pode ser julgada na ausência é manifestamente inconstitucional por violação do artigo 18.º e bem assim o artigo 32.º, n.º 2 e 5 ambos da Constituição, o que desde já se invoca para efeito de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.
9. Tendo ainda sido violado o disposto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma vez que o arguido tem direito a um processo equitativo e a estar presente na audiência de discussão e julgamento.
10. O tribunal “a quo” valorou em sede de motivação da matéria de facto as declarações prestadas pela arguida ora Recorrente em sede de instrução, porém e pese embora as mesmas tenham sido reproduzidas após as alegações finais, a verdade é que a arguida não se encontrava presente e como tal não foi confrontada com as mesmas.
11. Andou mal o tribunal “a quo” ao valorar as declarações prestadas pela arguida em sede de instrução e violou o disposto o disposto no artigo 357.º do Código de Processo Penal.
12. Termos em que deverá a sentença recorrida ser declarada nulo por valoração de prova proibida ao abrigo do disposto no artigo 122.º do Código de Processo Penal.
13. Salvo o devido respeito, foram incorretamente julgados e apreciados pelo douto Tribunal “a quo” o vertido nos factos dados como provados n.º s 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 e nas alíneas a), b) e c).
14. Sendo certo que a arguida ora Recorrente foi julgada na ausência e como tal não estava presente para ser confrontada com as declarações já prestadas e bem assim para as confirmar ou infirmar.
15. Por outro lado, andou mal o tribunal “a quo” ao valorar as declarações prestadas pela Assistente/demandante dado que as mesmas não foram isentas e imparciais, exemplo disso mesmo é o facto de a demandante ser parte e por isso mesmo parte interessada nos autos, aliás as declarações prestadas são exacerbadas, confusas e repetitivas, o que é desde logo percecionado pelo próprio tribunal “a quo” motivo pelo qual não podem as mesmas serem valoradas.
16. Assim como não pode o tribunal “a quo” concluir que a arguida praticou os factos pelos quais vinha pronunciada porquanto a testemunha Silvestre (Agente da PSP) confirmou o aditamento de fls. 61, resultando desde logo que do aditamento não consta quem praticou os factos em apreço.
17. Não resultando provado que a arguida praticou os factos ora impugnados.
18. Desta forma o tribunal “a quo” violou o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
19. Da análise crítica da prova não se pode concluir como concluiu o douto tribunal “a quo”, devendo os factos ora impugnados serem julgados como não provados, impondo decisão diversa da recorrida, artigo 412.º, n.º 3 do CPP, o que determina a final a alteração da sentença, devendo resultar na absolvição do arguido, aqui recorrente.
20. Pelo que se pode concluir que se encontra em contradição a prova feita com a decisão proferida.
21. Ao que acresce que a sentença recorrida encontra-se em contradição com a sentença.
22. Face ao supra exposto a arguida deverá ser absolvida, porém e caso assim não se entenda sempre se dirá que os dias de pena de multa aplicados são excessivos, devendo, assim, e em caso de condenação ser a arguida condenada pelos mínimos legais.”
Termina pedindo a declaração de nulidade da sentença e, subsidiariamente, a sua substituição por acórdão no qual a Recorrente seja absolvida da prática do crime pelo qual vem condenada ou, em caso de condenação, com diminuição do número de dias da pena de multa.
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O recurso foi admitido.
Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. Não se conformando com a Sentença condenatória proferida em 8 de Novembro de 2021 a arguida, representada pela sua Ilustre Defensora, veio dela recorrer alegando, em síntese a nulidade da sentença, por a arguida ter sido julgada na ausência, sem o seu consentimento, a nulidade da sentença por terem sido valoradas as declarações prestadas pela arguida em sede de instrução e invocando erro na apreciação da prova, violação do caso julgado e excesso na determinação da pena de multa aplicada.
2. Da leitura da sentença e respectivas actas verifica-se que a arguida foi julgada na ausência, com observância das formalidades legais, nos termos do disposto no artigo 333.º do Código de Processo Penal e não foi, ainda, pessoalmente notificada da sentença condenatória proferida, pelo que o presente recurso deverá ser considerado intempestivo, o que obstará ao seu conhecimento, atento o disposto nos artigos 333.º, n.º 5 e 417.º, n.º 6, alínea a) do Código de Processo Penal.
3. Caso assim, não se entenda, o Ministério Público considera que não assiste razão à Ora Recorrente quanto às nulidades e vícios invocados.
4. Conforme resulta da Sentença proferida a arguida foi julgada na ausência, tendo sido observados os devidos formalismos legais, nos termos do disposto no artigo 333.º do Código de Processo Penal.
5. O Tribunal pode determinar a realização da audiência na ausência do arguido nas seguintes condições:
a) Encontrar-se o arguido devidamente notificado para a mesma;
b) O arguido não estar presente na hora e dia designados;
e c) O tribunal considerar que não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade a presença do arguido desde o início da audiência.
6. A arguida encontrava-se devidamente notificada, tanto das datas designadas para a audiência de julgamento como para a data designada para leitura da sentença, tendo ainda sido previamente e fundamentadamente indeferida a sua audição por meios de comunicação à distância e informada que a sua presença não era absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material.
7. A arguida não compareceu em nenhum das audiências designadas e a Ilustre defensora não requereu a sua audição, nos termos do disposto no artigo 333.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
8. O Tribunal a quo não considerou a presença da arguida como absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, “não só considerando o tipo de crime em apreço, quer porque o mesmo não revela qualquer complexidade e, ainda, porque a arguida prestou declarações em sede de instrução, em 18.11.2020, tendo sido advertida nos termos do disposto no artigo 357.º do C.P.P.”
9. Pelo que antecede, a sentença recorrida não padece da nulidade invocada, tendo sido observados todos os formalismos legais.
10. No que concerne à inconstitucionalidade da decisão recorrida, por violação do disposto no artigo 32º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e pela interpretação do artigo 333.º do Código de Processo Penal, e sempre ressalvando uma mais avalizada opinião, não pode colher a argumentação do Recorrente.
11. A arguida prestou declarações em sede de instrução, perante Juiz de Instrução Criminal, assistida por Defensor e sendo advertida que as declarações prestadas poderiam ser utilizadas em sede de audiência de julgamento ainda que não comparecesse ao mesmo ou aí exercesse o seu direito ao silêncio, sendo sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova.
12. Em sede de audiência de julgamento foram as declarações da arguida reproduzidas, ainda, antes do encerramento da audiência de julgamento, tendo sido proferido despacho fundamentado que admitiu a referida reprodução.
13. O facto de a arguida se encontra ausente, verificando-se os devidos formalismos legais, não obsta à reprodução das declarações por si prestadas e não coloca em causa os seus direitos de defesa, nomeadamente, o princípio do contraditório.
14. Pelo que o Tribunal a quo não valorou quaisquer provas proibidas e observou os devidos formalismos legais, não incorrendo a sentença proferida do vício invocado.
15. O Tribunal a quo analisou todas as fontes probatórias utilizáveis em julgamento efectuando uma súmula do respectivo conteúdo, mormente das declarações da arguida, das declarações da Assistente e do depoimento da testemunha, que não é desmentida pela audição das respectivas gravações.
16. Quanto às declarações da arguida, as mesmas foram reproduzidas nos termos do disposto no artigo 357.º do CPP e valoradas de acordo com o livre princípio da apreciação da prova, não tendo sido consideradas como confessórias, mas conjugadas com a de mais prova produzida.
17. Quanto ao depoimento da Assistente, assumindo-se que o mesmo foi exacerbado e repetitivo, o mesmo não deixou de oferecer credibilidade e foi igualmente valorado o depoimento da testemunha José Henrique da Conceição Silvestre o qual, em exercício de funções, ocorreu ao local dos factos e confirmou a presença da arguida e da assistente e, ainda, que a Assistente estava nervosa, com a roupa amarrotada e com cabelo em falta e que, em consequência, chamaram uma ambulância, que levou a ofendida ao hospital
18. O Tribunal a quo, deve ainda em consideração toda a prova documental e pericial constante dos autos, conjugando-a com a de mais prova produzida.
19. Assim, verifica-se que a fundamentação do estabelecimento dos factos provados é clara e não apresenta qualquer dúvida ou contradição, não merecendo censura tanto a matéria de facto dada como provada, como a matéria de facto dada como não provada.
20. O Processo n.º 91/16.2PATVR, após a declaração de contumácia dos arguidos Clarisse Fonseca e José Tavares e determinada a separação de processos, prosseguiu apenas, para a apreciação jurídico-penal e cível da conduta do arguido João Marcolino Vieira Fonseca.
21. No âmbito do Processo n.º 91/16.2PATVR a conduta da ora arguida não foi sujeita a apreciação, não tendo havido qualquer decisão relativamente à própria naqueles autos, pelo que não se verifica a excepção do caso julgado.
22. No que concerne a escolha e medida da pena, o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto nos artigos 40.º, 70.º, 71.º, 77.º, considerou que a pena de multa seria suficiente para satisfazer as finalidades da punição, por acautelar adequadamente quer a reprovação e prevenção do crime em causa (prevenção geral) quer a recuperação social do delinquente (prevenção especial).
23. O Tribunal a quo ponderou globalmente “- O grau de ilicitude - como já supra adiantado, é imperioso consciencializar a comunidade para a reprovação deste tipo de conduta; As necessidades de prevenção especial são medianas, pois embora a arguida não tenha reconhecido o desvalor da sua conduta a arguida, a mesma não tem antecedentes criminais. Por outro lado, os factos já remontam a 2016 e os danos que a assistente sofreu não se revelam irreversíveis ou prolongados no tempo – art. 71.º, n.º 2, alínea a) do CP; - A intensidade do dolo, que é elevado, porque a arguida actuou com dolo directo, bem sabendo da reprovação da sua conduta - 71.º, n.º 2, alínea b) do CP; - Os sentimentos manifestados pela arguida no cometimento do crime, que militam contra si,dado não haver qualquer causa de justificação ou desculpação - art. 71.º, n.º 2, alínea c) do CP; - As condições pessoais da arguida – pese embora não tenha estado na audiência de julgamento, não existem razões para crer que a mesma não se encontre pessoal, familiar (é casada) e profissionalmente inserida (trabalhará em França) – art. 71.º, n.º 2, alínea d); - Aconduta anterior ao facto e posterior a este – a arguida não tem antecedentes criminais – art. 71.º, n.º 2, alínea e) do CP; -Apreparação para manter uma conduta lícita –que ainda se afigura existir, dado não se conhecerem outros processos instaurados contra a arguida, desta ou de outra natureza, sendo possível concluir-se que se tratou de um episódio isolado na vida da mesma – art. 71.º, n.º 2, alínea f) do CP.
24. Ora, com efeito, o Tribunal a quo, ponderou os critérios e circunstâncias legais previstos nos artigos 40.º, 70.º, 71.º, 77.º e 60.º do Código Penal e fixou a pena, em atenção aos elementos de facto atinentes à culpabilidade e às exigências de prevenção que se fazem sentir no caso concreto, de forma adequada e proporcional.”
Termina pugnando pela intempestividade do recurso e, caso assim não se entenda, pela sua improcedência total.
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O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da rejeição do recurso atendendo à sua intempestividade.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar, no qual, entre o mais, se decidiu pela tempestividade do recurso.
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II – Fundamentação.
II.I Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10.95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.
No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, são as seguintes, por ordem lógica de apreciação, as questões a analisar e a decidir, a saber:
A) Apreciar a verificação da nulidade insanável invocada pela arguida decorrente da realização do julgamento na sua ausência, nos termos previstos conjugadamente nos artigos 61º, nº 1, alínea a), 119.º alínea c) e 122.º todos do CPP.
B) Apreciar se a interpretação efetuada pelo tribunal “a quo” do disposto no artigo 333.º do CPP, no que tange à possibilidade de a arguida ser julgada na sua ausência, tendo-se a mesma oposto a tal solução, contraria a CRC, violando os seus artigos 18.º e 32.º, n.ºs 2 e 5 e, bem assim, o disposto no artigo 6º da CEDH.
C) Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por valoração das declarações prestadas pela arguida em sede de instrução, proibida nos termos dos artigos 355º e 357º, ambos do CPP, o que determinará a nulidade da sentença, em conformidade com o disposto no artigo 122º, nº 1 do CPP.
D) Determinar se a sentença recorrida enferma de vício de violação do caso julgado ou se se revela nula nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP.
E) Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, em violação do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP.
F) Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de Direito por errada qualificação jurídica dos factos em virtude de a determinação das medidas das penas não ter respeitado os princípios da legalidade e da adequação.
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De acordo com as regras da precedência lógica, aplicáveis às decisões judiciais – artigo 608.º, nº 1.º CPC, ex vi do artigo 4.º CP – cumpre apreciar, primeiramente, os vícios de procedimento e os vícios formais da decisão recorrida.
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II.II - Apreciação do mérito do recurso.
A) Da invocada nulidade insanável decorrente da realização do julgamento na ausência da arguida contra a sua vontade.
Como questão prévia invoca a recorrente a verificação da nulidade insanável tipificada no artigo 119º, alínea c) do CPP decorrente da realização do julgamento sem a presença da arguida, alegando concretamente que:
4. Não tendo a arguida sido convocada para a sessão da audiência em que se procedeu à leitura da sentença, nem foi notificada da sentença de que ora se recorre, o que consubstancia uma nulidade insanável.
5. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que se realizou a audiência de julgamento, na ausência da arguida, com observância das formalidades legais, nos termos do disposto no artigo 333.º do Código de Processo Penal, conforme melhor resulta da respectiva acta, quando do requerimento apresentado pela arguida ora Recorrente resulta expressamente que esta não dá o seu consentimento para ser julgada na ausência.
6. Termos em que deverá ser declarada a nulidade da sentença recorrida.
7. O julgamento nos termos em que foi realizado, na ausência da arguida, viola o artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e bem assim o artigo 61.º do Código de Processo Penal, sendo de igual modo cominado com a nulidade insanável do artigo 119.º, alínea c) e artigo 122.º ambos do Código de Processo Penal.
8. A interpretação dada pelo tribunal “a quo” do disposto no artigo 333.º do Código de Processo Penal de que a arguida pode ser julgada na ausência é manifestamente inconstitucional por violação do artigo 18.º e bem assim o artigo 32.º, n.º 2 e 5 ambos da Constituição, o que desde já se invoca para efeito de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.
9. Tendo ainda sido violado o disposto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma vez que o arguido tem direito a um processo equitativo e a estar presente na audiência de discussão e julgamento.
Vejamos se lhe assiste razão.
Compulsados os autos, constatamos que, para apreciação da questão que somos chamados a apreciar, releva a seguinte factualidade alegada no recurso e atestada pela análise do iter processual:
- Em 03.06.2021 foi despacho proferido de recebimento da pronúncia da arguida e de designação de datas para a realização do julgamento.
- Por requerimento apresentado a 20.10.2021 veio a arguida informar que se encontrava a trabalhar e a residir em França, tendo fornecido a respetiva morada, e que, por motivos laborais, não lhe era possível viajar para Portugal a fim de comparecer na audiência de julgamento agendada.
- No mesmo requerimento informou a arguida que não prestava consentimento para que o julgamento se realizasse na sua ausência e que pretendia estar presente desde o início da audiência por considerar que a sua presença era absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material.
- Terminou solicitando que lhe fosse permitido estar presente no julgamento através da plataforma webex ou através de qualquer outro meio de comunicação à distância, tendo para tal indicado o e-mail e o número de telefone, e tendo pedido, em alternativa, que a audiência fosse adiada para a primeira quinzena do mês de Julho, data em que previa estar de férias e conseguir deslocar-se a Portugal.
- Em 21.10.2021 foi indeferido tal requerimento através do seguinte despacho: “Veio a arguida CLARISSE HELENA TAVARES FONSECA informar os autos de que se encontra a residir e a trabalhar em França, razão pela qual não consegue estar presente na audiência de julgamento.
Informando não consentir o julgamento na sua ausência, requer, em alternativa, a sua audição por meios de comunicação à distância ou o adiamento da audiência, informando que a sua presença é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material.
A Digna Magistrada do Ministério Público opõe-se ao requerido (ref.ª 121876926).
Dispõe o art. 332.º do C.P.P. que é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto no art. 333.º, n.ºs 1 e 2 e 334.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P..
O arguido tem direito a estar presente em todos os actos processuais que lhe disserem respeito, maxime, no seu julgamento, sendo esse um direito constitucionalmente protegido (cfr. art. 32.º, n.º 5, 6 e 7 da C.R.P.). Porém, o n.º 6 do referido preceito constitucional, dispõe que «A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.»
A este propósito, resulta do art. 333.º. n.ºs 1 e 2, aqui plenamente aplicável que:
«1 - Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.
2 - Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º» (sublinhado nosso)
Conforme ensina Fernando Gama Lobo, in Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 3.ª Edição, pág. 685 «(…) Sendo verdade que o arguido tem o direito de estar presente em todos os actos que lhe disserem respeito, tal direito, se não for exercido (é um direito disponível) não impede que se proceda ao julgamento na sua ausência. O julgamento na ausência do arguido regularmente notificado é condição incontornável que esteja regularmente notificado) pode ocorrer ou por iniciativa do tribunal (…) O arguido é sempre representado pelo seu defensor.»
Assim, a circunstância de a arguida não poder estar presente na audiência de julgamento e se opor a que o mesmo ocorra na sua ausência, não constitui impedimento legal à sua realização.
No que respeita à audição da arguida através de meios de comunicação à distância, o art. 318.º, n.º 1 do C.P.P. apenas admite essa possibilidade ao assistente, às partes civis, às testemunhas, aos peritos ou aos consultores técnicos. Tal possibilidade não se estende ao arguido, cuja presença deve ser pessoal.
Acresce que, a utilização de meios electrónicos obriga à existência de disponibilidade de sala de audiência específica para o efeito (com equipamento e/ou cobertura de rede necessários), sendo que, não raras vezes, existem dificuldades técnicas e/ou de comunicação, o que, a suceder, levará ao adiamento da audiência que se encontra agendada e que, salvo as situações previstas no art. 333.º do C.P.P., se pretende que seja inadiável.
Por fim, não se crê que a presença da arguida seja absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, não só considerando o tipo de crime agora em questão, porque o mesmo não revela qualquer complexidade e porque a arguida prestou declarações em sede de instrução, em 18.11.2020, tendo sido advertida nos termos do disposto no artigo 357.º do C.P.P..
Assim, concordando-se na íntegra com a promoção que antecede, acrescendo ainda os argumentos supra aduzidos, indefere-se o requerimento de audição da arguida por meios de comunicação à distância, por inadmissibilidade legal.
Por conseguinte, caso a arguida não esteja presente na data aprazada, não se reputando a sua presença como absolutamente indispensável para a descoberta da verdade, nos termos do art. 333.º, n.º 1 C.P.P., a audiência de julgamento poderá realizar-se na sua ausência, sendo a mesma, para todos os efeitos legais, representada pela sua Ilustre Defensora.
Notifique.”
- A arguida não reagiu a tal despacho.
- Em 25.10.2021 o julgamento foi realizado sem a presença da arguida, constando da respetiva ata o seguinte:
(…) Antes de se dar início à produção de prova, e verificada ainda a ausência da arguida Clarisse Fonseca, por motivos de trabalho, conforme consta de requerimento enviado aos autos (refª 40199206), a Mmª Juiz, concedeu a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público para se pronunciar, a qual no uso da mesma promoveu o que se encontra gravado de 9:56:38 a 9:57:05:
Promovo que se considere justificada a falta, nos termos do artº 117º (CPP), e no restante mantenho o já promovido em despacho anterior, considerando que a sua presença não é imprescindível e dando-se início à audiência de julgamento.
Concedida a palavra à ilustre defensora oficiosa da arguida, pela mesma foi dito nada ter a opôr ou a requerer.
Posto isto, proferiu a Mmª Juiz o seguinte:
DESPACHO (de 9:57:06 a 9:59:54)
Considerando que a arguida se encontra a residir em França e que informou não poder estar presente por motivos profissionais, nos termos do artº 117º do CPP considera-se a sua ausência como justificada, não sendo a mesma condenada em multa processual. No que respeita ao início da audiência de julgamento na sua ausência, dá-se por reproduzido o despacho de 21-10-2021, dando-se início à audiência de julgamento e sendo a arguida representada pela sua ilustre defensora. Considerando que a arguida não se encontra presente, mas revelando-se necessário apurar as suas condições sócio-económicas determina-se, nos termos do disposto no artº 340º do CPP, a realização de pesquisas às bases de dados disponíveis e a junção aos autos do resultado das mesmas. Notifique.
Notificado que foi o antecedente despacho, a Mmª Juiz, conforme já determinado, procedeu à audição das duas testemunhas presentes (…)”
- A data da leitura da sentença marcada para o dia 08.01.2022 não foi pessoalmente notificada à arguida, sendo certo que para efeito da sua notificação foi enviada carta para a sua anterior morada em Tavira, não se tendo levado em consideração a nova morada em França por aquela fornecida no requerimento de 20.10.2021 a que acima aludimos.
- Em 08.01.2022 procedeu-se à leitura da sentença sem a presença da arguida.
*
Como corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, plasmado no seu artigo 1.º, a Constituição da República Portuguesa consagra no artigo 32.º, n.º 1 as garantias de defesa em processo penal, aí se estabelecendo o núcleo fundamental de tais garantias.
Com relevo para a situação que nos ocupa, importa convocar especialmente os nºs 1, 5 e 6 do referido preceito constitucional. Atentemos, pois, na sua redação.
“Artigo 32.º
(Garantias de processo criminal)
1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
(…)
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
(...)”
Tem vindo a ser pacificamente aceite na nossa doutrina e jurisprudência que o direito do arguido a estar presente na audiência de julgamento é atualmente uma das garantias do processo criminal com assento constitucional.
Ao nível do direito europeu, pese embora o direito do arguido a estar presente na audiência de julgamento não encontre consagração expressa na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), o mesmo tem vindo a ser reconhecido como uma das dimensões essenciais da existência de um processo justo e equitativo, pelo que se considera incluído no âmbito dos “minimum rights” (direitos mínimos de defesa) previstos no artigo 6.º da referida Convenção, que, no que agora releva, estatui:
“Artigo 6°
Direito a um processo equitativo
(…)
3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
(…)
c) Defender-se a si próprio[1] ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; (…).”

Ao nível do direito infraconstitucional nacional importa convocar o artigo 61º do CPP, que no seu nº 1 consagra o elenco dos direitos do arguido que o acompanham em todo o processo penal, prevendo concretamente nas alíneas a) e b) os seguintes direitos:
“Artigo 61.º
Direitos e deveres processuais
1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito;
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete;(…).”
*
Não se tratando de um direito absoluto, não temos dúvida que a regra nos julgamentos penais deverá ser a da presencialidade, assumindo os julgamentos na ausência do arguido um carácter excecional, pelo que apenas poderão ocorrer nas situações expressamente permitidas por lei. Assim tem vindo a ser entendido, quer pela jurisprudência dos tribunais superiores[2], quer pela jurisprudência do TEDH[3].
Sobre as nulidades, sua natureza, regime de arguição, formas de sanação e efeitos da sua declaração, dispõem os artigos 118º a 122º do CPP. O vício arguido pela recorrente, decorrente da realização do julgamento na sua ausência, encontra-se incluído no elenco das nulidades insanáveis constante do artigo 119º do CPP, concretamente na sua alínea c), dispondo tal preceito da seguinte forma:
“Artigo 119.º
Nulidades insanáveis
Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
(…)
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência;
(…).”
*
Por seu turno, o artigo 122º, estabelecendo os efeitos da declaração de nulidade, estatui que:
“Artigo 122.º
Efeitos da declaração de nulidade
1 - As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar.
2 - A declaração de nulidade determina quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respetivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.
3 - Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.”
*
Resulta inequívoco do elenco das garantias do processo criminal constitucionalmente previstas no artigo 32º da CRP e, bem assim, do artigo 6º da CEDH e do artigo 61º do CPP acima transcritos, que o arguido tem direito a um processo justo e equitativo (“fair trail”), o que deve ser sempre assegurado esteja ou não o mesmo presente na audiência de julgamento. Para tanto se impõe a verificação de que ao arguido foi comunicada pessoal e atempadamente a data designada para a realização da audiência de julgamento ou, alternativamente, que o mesmo se tenha deliberadamente furtado a essa comunicação.
Ao arguido devem ser asseguradas, de modo efetivo, as suas garantias de defesa, conferindo-lhe as oportunidades necessárias para que o mesmo se possa defender, sendo que só dessa forma se revelará possível garantir a existência de um processo justo e equitativo.
Do que vimos de dizer podemos retirar e ter como assente que
a dispensa da presença do arguido em julgamento tem sempre um carácter excecional
[4], sendo que a previsão legal de tal dispensa se encontra legitimada pela necessária conciliação entre as garantias de defesa e a realização da justiça penal através dos Tribunais. É manifestamente esse desígnio de equilíbrio que as normas processuais penais que prevêem as possibilidades de realização do julgamento penal na ausência do arguido visam prosseguir. Entre tais normas se inclui o artigo 333º do CPP do qual se socorreu o tribunal “a quo” para proceder ao julgamento sem a presença da arguida.
Analisemos então de que forma e em que situações o legislador processual penal densificou as possibilidades de o julgamento ser realizado na ausência do arguido, tendo sempre por seguro que a essencialidade do direito à defesa constitucionalmente protegido não se conciliará, nem poderá conviver com normas processuais – ou com interpretações que das mesmas venham a ser realizadas – que desrespeitem o conteúdo útil do direito a um julgamento justo e equitativo. Assim, e sempre nesse pressuposto, encontramos no CPP três normas fundamentais respetivamente reguladoras da presença do arguido na audiência (artigo 332º), da realização do julgamento na sua ausência sempre que o mesmo esteja devidamente notificado (333º) e da realização da audiência na ausência do arguido em casos especiais e de notificação edital (artigo 334º).
Na situação dos autos, relevam as duas primeiras normas, que, para melhor análise, passamos a transcrever:
“Artigo 332.º
Presença do arguido
1 - É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 334.º
2 - O arguido que deva responder perante determinado tribunal, segundo as normas gerais da competência, e estiver preso em comarca diferente pela prática de outro crime, é requisitado à entidade que o tiver à sua ordem.
3 - A requerimento fundamentado do arguido, cabe ao tribunal proporcionar àquele as condições para a sua deslocação.
4 - O arguido que tiver comparecido à audiência não pode afastar-se dela até ao seu termo. O presidente toma as medidas necessárias e adequadas para evitar o afastamento, incluída a detenção durante as interrupções da audiência, se isso parecer indispensável.
5 - Se, não obstante o disposto no número anterior, o arguido se afastar da sala de audiência, pode esta prosseguir até final se o arguido já tiver sido interrogado e o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor.
6 - O disposto no número anterior vale correspondentemente para o caso em que o arguido, por dolo ou negligência, se tiver colocado numa situação de incapacidade para continuar a participar na audiência.
7 - Nos casos previstos nos n.os 5 e 6 deste artigo, bem como no n.º 4 do artigo 325.º, voltando o arguido à sala de audiência é, sob pena de nulidade, resumidamente instruído pelo presidente do que se tiver passado na sua ausência.
8 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 116.º e no artigo 254.º”
*
“Artigo 333.º
Falta e julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência
1 - Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.
2 - Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.os 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efetuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º
3 - No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º 2 do artigo 312.º
4 - O disposto nos números anteriores não prejudica que a audiência tenha lugar na ausência do arguido com o seu consentimento, nos termos do n.º 2 do artigo 334.º
5 - No caso previsto nos n.os 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.
6 - Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respetivo prazo.
7 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 116.º, no artigo 254.º e nos n.os 4 e 5 do artigo seguinte.”
*
Afigura-se-nos útil realçar, neste momento do nosso raciocínio teórico, que o estatuto jurídico-processual do arguido consagrado no Código de Processo Penal é composto não apenas por direitos – os estabelecidos pelo nº 1 do artigo 61º – mas também por deveres, encontrando-se estes previstos no nº 6 do mesmo artigo 61º. Na dicotomia entre as garantias de defesa e a realização da justiça a que acima aludimos, resulta evidente que os deveres processuais do arguido surgem como instrumento privilegiado de realização da justiça penal.
No que diz respeito à situação que nos ocupa, assumem especial relevância os deveres previstos nas alíneas a) e c) do nº 6 do artigo 61º do CPP: o dever de comparência perante as autoridades judiciárias (al. a)) e a obrigação de prestar termo de identidade e residência (TIR) (al. c)), contendo este instrumento, regulado no artigo 196º do CPP, um conjunto de informações de especial importância para a atuação processual do arguido, das quais decorrem específicas obrigações de procedimento.
Aqui chegados, importa notar que nos deveres específicos que integram o estatuto jurídico-processual do arguido se inclui um dever geral de diligência[5], entendido como um dever funcional que visa dar efeito útil e tornar operacional o referido estatuto[6]. É precisamente a existência de tal dever funcional que legitima que, verificado o seu incumprimento, o arguido passe a estar representado por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência, nos termos do artigo 333º” (artigo 196º, nº 1, alínea d) do CPP).
Assente que está a regra da presencialidade consignada no nº 1 do artigo 332º do CPP, analisemos então mais de perto as situações em que o julgamento poderá realizar-se sem a presença do arguido, em conformidade com o regime estabelecido no artigo 333º do CPP.
Descortinamos na previsão de tal preceito, dois tipos de situações, distintas na sua génese, mas ambas respeitadoras do conteúdo útil do direito a um julgamento justo e equitativo a que acima nos reportámos. Assim:
- Nos nºs 1 a 3 do artigo 333º do CPP encontra-se prevista a possibilidade de realização de audiência de julgamento sem a presença do arguido por iniciativa do tribunal, situação que pode ocorrer nos casos de ausência voluntária daquele, que tanto pode ser injustificada como justificada.
- No nº 4 encontra-se prevista a possibilidade de realização de audiência de julgamento sem a presença do arguido por iniciativa do próprio, que expressamente consente que assim aconteça.
Registamos que nenhuma das referidas possibilidades se revela compatível com a ausência forçada do arguido, nem com as situações em que lhe não é imputável qualquer falta relevante de diligência, casos em que, realizando-se o julgamento na sua ausência e na falta de qualquer decisão ou intercorrência processual legitimadora do mesmo, ocorrerá a nulidade insanável tipificada no artigo 119.º, al. c) do CPP.
Transpondo as considerações teorizadas nos parágrafos precedente para o caso em apreço, podemos constatar que, não obstante o julgamento da arguida ter sido realizado sem a sua presença, a sua primeira sessão, que teve lugar no dia 25.10.2021, ocorreu a coberto do despacho proferido em 21.10.2021, que se sustentou no regime legal estabelecido no artigo 333º, nºs 1 e 2 do CPP e que, por não ter sido posto em causa pela arguida, assumiu caráter definitivo, tendo transitado em julgado.
Analisados os termos de tal despacho, verificamos que no mesmo foi, clara e expressamente, indeferida a pretensão da arguida de estar presente desde o início da audiência e de adiamento da mesma, decisão que foi tomada com fundamento no regime legal estabelecido no artigo 333º, nºs 1 e 2 do CPP. É certo que, existindo nos autos posição expressa da arguida a manifestar a sua oposição a que o julgamento fosse realizado sem a sua presença, deveria, a nosso ver, o julgador, na apreciação de tal requerimento, ter cuidado de respeitar tal manifestação de vontade, mormente no que tange aos reflexos e incidência da mesma no juízo que no despacho foi formulado sobre a não indispensabilidade da presença da arguida em julgamento. Note-se que é a própria arguida, para fundamentar a sua pretensão de que o julgamento não tivesse lugar na sua ausência, que afirma pretender “estar presente desde o início da audiência considerando que a sua presença é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material”legitimamente se podendo extrair de tal afirmação, a vontade da arguida de se fazer ouvir presencialmente na audiência, exercendo o seu direito de defesa, ouvindo e contraditando as provas que aí viessem a ser produzidas, entre as quais se incluiriam as declarações pela mesmas prestadas em instrução com a advertência constante do artigo 357.º do C.P.P. – pelo que dificilmente compreendemos que no aludido despacho se tenha consignado que “(…) não se crê que a presença da arguida seja absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, não só considerando o tipo de crime agora em questão, porque o mesmo não revela qualquer complexidade e porque a arguida prestou declarações em sede de instrução, em 18.11.2020, tendo sido advertida nos termos do disposto no artigo 357.º do C.P.P..(…)”.[7]
*
Sucede que, no caso dos autos, antes da realização da audiência sem a presença da arguida – o que, atendendo à violação do direito fundamental que à mesma assiste de estar presente em todos os atos processuais que pessoalmente a afetem, entre os quais se inclui, obviamente, a audiência, poderia consubstanciar a nulidade insanável tipificada no artigo 119º, alínea c) do CPP – existe um despacho de indeferimento da pretensão por aquela manifestada de exercer tal direito, despacho que, sendo recorrível[8], por não ter sido posto em causa no prazo legal, transitou em julgado e assumiu caráter definitivo, não podendo, obviamente, ser posto em causa nesta instância recursiva que tem por objeto exclusivamente a impugnação da sentença.
Encontra-se, assim este tribunal impedido de conhecer da segunda questão acima enunciada – apreciar se interpretação efetuada pelo tribunal “a quo” do disposto no artigo 333.º do CPP, no que tange à possibilidade de a arguida ser julgada na sua ausência, tendo-se a mesma oposto a tal solução, contraria a CRP, violando os seus artigos 18.º e 32.º, n.ºs 2 e 5 e, bem assim, o disposto no artigo 6º da CEDH – uma vez que a mesma implicaria a sindicância do aludido despacho que, reitera-se, não constitui objeto do presente recurso.
No sentido em que agora decidimos – reportando-se a uma situação diversa (indeferimento de diligências) mas aplicando a mesma ratio decidendi no que tange ao respeito pelo caso jugado formal – se pronunciou o Acórdão da Relação de Évora de 07.11.2017, relatado pelo Desembargador António João Latas, no proc. nº275/12.2GCMMN.E1, nos seguintes termos: “I - O meio processual próprio de reagir contra o indeferimento de diligência probatória requerida em audiência (prestação de esclarecimento em audiência por perito), nos termos do art. 340º nº4 a) do CPP, é o recurso do despacho judicial respetivo e não a arguição de nulidade, pois de acordo com postulado antigo que, no essencial, se mantem válido, «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
II - Na verdade, constituindo o recurso o meio normal de impugnação das decisões judiciais, através do qual se pretende obter decisão sobre a legalidade de decisão judicial por um órgão judicial diferente do que proferiu a decisão que, em regra, lhe é hierarquicamente superior, mantem-se atual a afirmação de A. Reis de que «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente».
III - Só assim não será no caso de a decisão judicial não admitir recurso, pois nessas hipóteses a arguição de nulidade será o único meio de o requerente ou a parte contrária suscitarem decisão expressa sobre os argumentos que pretendam fazer valer contra o despacho proferido e, simultaneamente, sujeitar a decisão que os desatenda a apreciação por um tribunal superior.”.
E assim não poderá deixar de decidir-se, a nosso ver, sob pena de violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança na tramitação processual, ínsitos ao princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da CRP, princípios que constituem, eles próprios, pilares essenciais da atividade judiciária indispensáveis à boa realização da justiça.
Pelo exposto, somos a concluir, no caso dos autos, pela inexistência da nulidade tipificada no artigo 119º, alínea c) do CPP invocada pela arguida no que diz respeito à sessão da audiência realizada no dia 25.10.2021, conquanto, tendo a mesma sido realizada ao abrigo de um despacho judicial transitado em julgado que autorizou que tal diligência tivesse lugar sem a presença da arguida, em conformidade com o disposto no artigo 333º, nºs 1 e 2 do CPP, não estamos em presença de uma situação em que a lei exige a comparência da arguida nos termos consignados no mencionado artigo 119º, alínea c) do CPP.
Ao invés, encontrando-se a arguida regularmente notificada para tal diligência e tendo o tribunal decidido realizá-la ao abrigo do disposto no artigo 333º do CPP, estamos em presença de uma das exceções à regra da presencialidade do arguido no julgamento legalmente prevista, à qual acima nos reportámos. Registamos, ademais, que, podendo tê-lo feito, optou a defensora da arguida, presente em julgamento, por nada requerer relativamente à falta de comparência daquela, nem no início da audiência, nem no final da produção de prova quando lhe foi dada a palavra para tal efeito, o que, aliás, poderá ter inculcado a ideia de que a arguida se conformara com a decisão anterior (à qual não reagira) relativa à não indispensabilidade da sua presença em julgamento.
Improcede, pois, a nulidade arguida relativamente à primeira sessão de julgamento.
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Solução diversa merecerá, de outra sorte, a arguição da mesma nulidade relativamente à última sessão da audiência, ou seja, a sessão em que se procedeu à leitura da sentença. Efetivamente, decorre da consulta dos autos, conforme acima assinalámos, que a data da leitura da sentença, designada para o dia 08.01.2022, não foi pessoalmente notificada à arguida, sendo certo que para efeito da sua notificação foi enviada carta para a sua anterior morada em Tavira, não se tendo levado em consideração a nova morada em França por aquela fornecida no requerimento de 20.10.2021 e tendo-se procedido à leitura da sentença na referida data sem a presença da arguida.
Conforme tem vindo a ser unanimemente decidido pela jurisprudência dos tribunais superiores, a audiência de julgamento pode iniciar-se, decorrer e até terminar na ausência do arguido, respeitado o disposto no artigo 333º do CPP, mas sempre no pressuposto de que o mesmo esteja notificado das datas de cada uma das respetivas sessões, nos termos disposto no n.º 10 do art.º 113.º do CPP.[9] Ora, tal norma consagra expressamente a obrigatoriedade de que certos atos – como é o caso da notificação da data designada para a leitura da sentença, uma vez que também ela faz parte integrante da audiência de julgamento – pela sua importância decorrente da relação estreita que têm com as garantias do processo penal, sejam notificados não só ao defensor como também ao arguido, estabelecendo que “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado;”
Constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade. Situação que também se verifica em casos, como o dos autos, em que o arguido está ausente processualmente, em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente, por não ter sido regularmente notificado da data da leitura da sentença.
Na situação que é objeto do presente recurso o que se verifica é que a arguida não foi notificada da última sessão da audiência, uma vez que a respetiva notificação foi dirigida para uma morada que não correspondia à nova morada que havia sido indicada nos autos (11 Rue de Pologne 13010 Marseille), não tendo o tribunal acautelado, como era seu dever, à luz da informação do processo, o direito de defesa da arguida e tendo prosseguido com a audiência de julgamento sem a sua presença.
Assim, não tendo chegado a tomar conhecimento do despacho que designou a data da leitura da sentença, a sua não comparência em tal sessão da audiência não resultou da sua inércia, desresponsabilização ou alheamento, mas antes da omissão do ato processual consubstanciado na sua notificação na morada por ela indicada, pelo que, não tendo sido notificada de forma regular, não podia tal sessão da audiência ter sido realizada sem a sua presença, nos termos dos artigos 333.º, n.º 1, 113.º, n.º 1, al. c), 196.º, n.ºs 2 e 3, alíneas c) e d) do CPP, por preterida a devida notificação obrigatória.
Nesta conformidade, e com os fundamentos expostos, concluímos que a ausência da arguida na última sessão de julgamento, tendo ficado a dever-se a causa que não lhe é imputável, gerou a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. c), reportada ao artigo 332.º, n.º 1, com os efeitos previstos no 122.º do CPP, procedendo, assim, nesta parte, a nulidade arguida pela recorrente.
Em consequência da verificação da nulidade da última sessão de julgamento e, em consequência, da própria sentença, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.
***
III- Dispositivo.
Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso interposto pela arguida e, em consequência:
- Declarar verificada a nulidade insanável prevista no artigo 119º alínea c) do CPP, declarando inválida a sessão da audiência de julgamento realizada no dia 25.10.2021, bem como a sentença lida em tal sessão.
- Determinar a repetição de tais atos processuais, com a designação de nova data para a continuação da audiência, subsequente notificação da arguida nos termos legais e prolação de nova sentença.
Sem custas.
(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 10 de maio de 2022
Maria Clara Figueiredo
Maria Margarida Bacelar
Gilberto da Cunha


_________________________________________________

[1] Negrito acrescentado
[2] Neste sentido, se pronunciaram, entre outros, os Acórdão do STJ de 07.04.2010, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges; Acórdãos da Relação de Lisboa de 31.03.2009, relatado pelo Desembargador Vieira Lamim e de 24.06.2020, relatado pelo Desembargador Augusto Lourenço; Acórdão da Relação do Porto de 04.07.2012, relatado pelo Desembargador Joaquim Gomes; Acórdãos da Relação de Coimbra de 08.05.2018, relatado pela Desembargadora Maria Pilar Oliveira e de 17.12.2020, relatado pela Desembargadora Olga Maurício; Acórdãos da Relação de Évora de 02.07.2019, relatado pela Desembargadora Fátima Bernardes e de 08.02.2022, relatado pela Desembargadora Maria Filomena Soares; Acórdão da Relação de Guimarães de 05.06.2017, relatado pela Desembargadora Fátima Furtado, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] A título de exemplo, ver os seguintes Acórdãos do TEDH: Sejdovic v. Itália, de 10.11.2004 e em plenário em 01.03.2006; Colozza v. Itália, de 12.02.1985; Poitrimol v. França de 23.11.1993; Jones v. Reino Unido, de 09.09.003 e Ziliberberg v. Moldávia, 01.02.2005, também cotados no acórdão da Relação do Porto de 04.07.2012 acima citado.
[4] O que aliás, resulta, desde logo da previsão do artigo 332º, nº 1 do CPP, que estabelece “1 - É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 334.º”
[5] Dever a que aludem os Acórdãos do TC nºs 545/2006, 378/2003 e 111/2007, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[6] Neste sentido ver Acórdãos da Relação do Porto de 16.05.2012 e de 04.07.2012, este último relatado pelo Desembargador Joaquim Gomes.
[7] A respeito do direito fundamental do arguido em contraditar em sede de julgamento as declarações pelo mesmo prestadas anteriormente nos autos – direito que, obviamente, apenas poderá garantir-se assegurando a sua presença em julgamento – se pronunciaram amplamente os recentes Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 770/2020 de 21 de dezembro e 125/2022 de 03 de fevereiro, relatados ambos pela Conselheira Joana Fernandes Costa e disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.. No primeiro, com toda a relevância para a densificação do direito do arguido a que agora nos reportamos, podemos ler “O estatuto processual do arguido é no essencial conformado pelos n.ºs 1, 2 e 5 do artigo 32.º da Constituição. O princípio segundo o qual o «processo criminal assegura todas as garantias de defesa», consagrado no n.º 1, tem como conteúdo essencial a exigência de que o arguido seja tratado como sujeito, e não como objeto do procedimento criminal» (cf. Acórdãos n.º 695/95 e 619/98). Da conceção do arguido como autêntico sujeito processual e, sobretudo, da proteção da liberdade de autodeterminação processual que nessa condição vai implicada, resulta, em primeira linha, que ao mesmo seja reconhecida a faculdade de definir, no exercício de uma plena liberdade de vontade, qual a posição a tomar perante a matéria que constitui objeto do processo, decidindo, na condição, tanto quanto possível, de «senhor do seu destino» (Nuno Brandão, "Acordos sobre a Sentença Penal: problemas e vias de solução", Julgar, n.º 25, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, 161-168, p. 166), «sobre se e como quer pronunciar-se» (Esser (A.), apud Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 122).
(…)o arguido há de poder decidir em cada momento, «de forma incondicionada e informada, se participa ou não pessoalmente na atividade probatória do processo» (idibem, p. 38) e quais os termos dessa participação, é-lhe assegurada uma liberdade de declaração tanto positiva quanto negativa, pressupondo a primeira «o mais irrestrito direito de intervenção e declaração em abono da sua defesa» (Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, Coimbra Editora, pp. 120-121.
(…) Até porque a fase de julgamento é justamente aquela em que o arguido «surge, em plenitude, como sujeito processual» (Jorge de Figueiredo Dias, "Sobre os sujeitos....", p. 28), crê-se que os argumentos invocados em favor do regime que consta dos artigos 141.º, n.º 4, alínea b), 355.º, 357.º, n.º 1, alínea b), do CPP, só poderão ser constitucionalmente procedentes se e na medida em que a negação do direito ao apagamento do que se disse for acompanhada do (ou compensada pelo) reconhecimento ao arguido presente em audiência de julgamento de um direito a dispor do que anteriormente declarou. Isto é, se, para além do contraditório pela prova, lhe for assegurado um contraditório sobre a prova de que foi fonte, tendo por base, senão a liberdade declarativa que em geral lhe assiste, ao menos o seu direito à não autoincriminação. (…)”
[8] Pronunciando-se expressamente sobre a recorribilidade do despacho que indefere o adiamento da audiência e que determina a sua realização na ausência do arguido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Lisboa, 2018, anotações 3 e 4 ao artigo 333º do CPP, 860.
[9] Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos identificados na nota 2. que aqui se dão por reproduzidos.