Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FÁTIMA BERNARDES | ||
Descritores: | COVID PERDÃO DE PENA LEI ESPECIAL | ||
Data do Acordão: | 06/08/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | O perdão de penas, previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, só pode ser aplicado a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado, em data anterior à da entrada em vigor da mesma Lei. Não podem beneficiar desse perdão os condenados que, embora a decisão condenatória, à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2020, já tenha transitado em julgado, não tenham, a essa data, ingressado no estabelecimento prisional, ou seja, que não tenham a condição de reclusos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. No processo n.º 132/15.0TXEVR-F, do Juízo de Execução das Penas de Évora – Juiz 1, por despacho judicial de 21/04/2021, foi decidido indeferir o requerido pelo recluso, ora recorrente, (…), não aplicando ao mesmo o perdão de penas previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 14/04, por se entender não estarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para o efeito, concretamente, não ter o ora recorrente, a qualidade de recluso, à data da entrada em vigor do referido diploma legal. 1.2. Inconformado com essa decisão, o recluso recorreu para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação e extraindo dela as seguintes conclusões: «1. Veio o arguido, ao abrigo da Lei n.º 9/2020, de 10/04, Artigo 2.º, requerer o perdão da pena que lhe foi aplicada. 2. A decisão transitou em julgado em 18.10.2018, a pena é de 2 (dois) anos de prisão efectiva e o crime em causa não é crime de exclusão do benefício do perdão. 3. A lei não refere se é necessário que já se tenha iniciado o cumprimento aquando da sua entrada em vigor e isso causa uma dualidade de critérios nas decisões dos Tribunais. 4. Entendeu a decisão ora recorrida que o perdão só poderá ser concedido a quem já tenha iniciado o seu cumprimento aquando da entrada em vigor da Lei. 5. Não é absurdo perdoar penas que ainda não foram cumpridas, desde que cumpram as condições exigidas, dado que o escopo da lei é exactamente reduzir o número de reclusos nos Estabelecimentos Prisionais de forma a evitar o contágio, seja por retirar reclusos, seja por evitar que novos reclusos entrem. 6. Nesse sentido, Acórdão do TR de Coimbra no Processo 10/18.1TXCBRC.C11 de 28.10.20201 Acórdão do TR de Coimbra no Processo 719/16.4TXPRT-F.C11 de 07.10.20201 Acórdão do TR do Porto no Processo 150/14.6GBILH.P21 de 21.10.20201 Acórdão do TR de Coimbra no Processo 178/20.7TXCBR-B.C11 de 09.09.20201 José Quaresma in e-book intitulado Estado de Emergência - Covid 19 -Implicações na Iustiça, 2ª ed., pág. 571, publicado pelo CEJ1 entre outros. 7. O legislador não só pretendeu a saída de reclusos como deverá ter pretendido, obviamente, evitar que outros entrassem em cumprimento, evitando a "substituição" de uns por outros. 8. Aliás, só assim se compreende o facto de a Lei ainda se encontrar em vigor. 9. Já para não falar da desigualdade criada entre situações no tratamento entre condenados por sentença transitada em julgado conforme sejam reclusos ou não reclusos, lesando drasticamente o principio constitucional da igualdade decorrente do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. 10. Por todo o exposto, entendemos que o arguido deveria beneficiar do perdão requerido, por preencher todos os pressupostos exigidos pela Lei n.º 9/2020 de 10/4. *** DISPOSIÇÕES VIOLADAS Todas as disposições citadas ao longo das motivações de recurso. Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento. V. EXAS. FARÃO SEMPRE JUSTIÇA!» 1.3. O recurso foi regularmente admitido. 1.4. O Ministério Público apresentou resposta, pronunciando-se no sentido dever ser negado provimento ao recurso e confirmado o despacho recorrido, formulando, a final, as seguintes conclusões: «1 - No âmbito do processo n ° 2228/11.9GBABF da Instância Central Secção Criminal- J1 - da Comarca de Faro, (…) foi condenado na pena de dois anos de prisão, por sentença transitada em julgado em 18-10-2018. 2 - Tal pena encontra-se em execução em meio prisional desde 1-32021, data em que o condenado se apresentou voluntariamente no EP de Beja. 3 - Dispõe o artigo 2º nº 1 da Lei na 9/2020 de 10-4, que "são perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igualou inferior a dois anos". 4 - Por seu turno, a n.º 7 do mesmo normativo preceitua que "o perdão a que se referem os nºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas decisões tenham transitado em julgado em data anterior à data da entrada em vigor da presente Lei." 5 - Ou seja, são apenas beneficiários desta medida de graça, os condenados que tinham a condição de reclusos, o mesmo é dizer que se encontravam a cumprir pena de prisão em meio prisional, à data da entrada em vigor do citado diploma legal. 6 - Esta é a única interpretação que a Lei consente, na medida em que as Leis de Amnistia ou de Perdão, são providências de excepção donde constam normas que devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem possibilidade de interpretação extensiva, restritiva ou analógica. 7 - Assim o Tribunal " a quo" efectuou uma correcta e adequada interpretação e aplicação do direito, ao indeferir o requerimento de aplicação do perdão formulado pelo recluso. Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido, sendo feita justiça.» 1.5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não dever merecer provimento, o que fundamentou do seguinte modo: «A questão não nos parece susceptível de interpretações alternativas e divergentes daquela propugnada no despacho recorrido. De facto, as medidas contidas na Lei nº 9/20 de 10 de Abril tinham caráter verdadeiramente excepcional e destinaram-se a obviar, ou minimizar, potenciais prejuízos de natureza sanitária decorrentes do confinamento, por vezes em condições de sobrelotação, dos estabelecimentos prisionais do País. O contexto, amplamente divulgado pela comunicação social, em que o processo legislativo decorreu não deixa margem para grandes dúvidas. Mas ainda assim, se dúvidas houvesse, a interpretação do texto legislativo que, ao contrário do que por vezes sucede, é bastante claro, sempre nos levaria a concluir no mesmo sentido que foi entendido pela Mmª Juíza do TEP. Na verdade, o artº 2º nº 1 do referido diploma legal faz referência expressa a reclusos e não a arguidos, sendo que a distinção entre um conceito e outro é elementar. Se é verdade que todo o recluso é arguido, pelo menos em referência ao processo à ordem do qual cumpre pena, já o inverso não é. A maior parte dos arguidos em processo penal nunca chegam a ser reclusos. Por outro lado, o nº 7 deste preceito refere expressamente que o perdão a que se referem os nºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente Lei. Há, portanto, uma dupla limitação para reivindicar o benefício concedido pela Lei nº 9/20. É necessária a condição de recluso, isto é encontrar-se já em cumprimento de pena. Por outro lado, é ainda necessário que a condenação tenha transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da Lei – 11 de Abril de 2020 -. Ainda assim e como muito bem salienta o Ministério Público na sua resposta, entendimento diferente contrariaria o disposto no nº 8 deste preceito ao atribuir competência aos Tribunais de execução das penas para proceder à aplicação do perdão estabelecido na Lei. Como se sabe, as leis de amnistia são providencias de carácter excepcional, que devem ser interpretadas nos seus precisos termos, sem recurso à interpretação extensiva ou analógica ainda que, por recurso a estas, pudesse ocorrer um benefício concreto para o arguido ou recluso. Pelo que esta Lei não se aplica ao recorrente como, aliás, já foi decidido por este Tribunal em ocasião idêntica. O recurso não merece provimento e o despacho deverá ser mantido.» 1.6. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta. 1.7. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir: 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.2. Despacho recorrido * De acordo com o disposto no art.º 2 n.º 1 da Lei n.º 9/2020 de 10/4 (diploma que estabelece um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19), são perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos. Acrescenta o n.º 7 do referido diploma legal que o perdão a que se referem os n.ºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei e sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce a pena perdoada - o sublinhado é nosso. Perante os termos da legislação enunciada, e sobretudo sempre tendo presente o seu escopo (por via do muito particular contexto em que foi emitida), é nosso entendimento que o perdão de pena ali previsto visa apenas, e só, os indivíduos que, à data da sua entrada em vigor, se encontrassem já recluídos. De facto, foi propósito desta lei proteger as pessoas que, no momento da sua entrada em vigor, já se encontravam recluídas em ambiente carcerário, visando diminuir o número de presos por forma a prevenir o contágio da doença. Isto é, não foi propósito da Lei n.º 9/2020 de 10/4 impedir novas prisões e novos cumprimentos de pena, ainda que de remanescentes/penas até dois anos se trate. Só assim se poderá interpretar esta legislação, a nosso ver, sob pena de se ter o absurdo (como seria o caso dos autos), de se exigir que o condenado ingressasse em meio prisional para iniciar o cumprimento de uma pena de prisão, para logo a ver perdoada - quando precisamente o que a lei visa é alivar a pressão que existia nos Estabelecimentos Prisionais. No sentido do que se vem dizendo decidiram já os Tribunais da Relação de Évora (Ac. de 24/11/2020 e de 9/2/2021) e de Lisboa (Ac. de 9/12/2020) - acessíveis in IGFEJ - bases jurídico-documentais. No caso dos autos temos que a decisão condenatória, em pena de prisão de 2 anos, transitou em julgado em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 9/2020 de 10/4; o crime pelo qual o requerente foi condenado não se encontra excluído do perdão (cfr. n.º 6 do art.º 2 da citada Lei); mas o requerente entrou em meio prisional apenas em 1/3/2021. Pelo exposto, e por falta de fundamento legal, indefiro o requerido, considerando não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a aplicação do perdão previsto no art.º 2 n.º 1 da Lei n.º 9/2020 de 10/4. Notifique.» 2.3. Conhecimento do recurso 3. DECISÃO Notifique. Évora, 08 de junho de 2021 Fátima Bernardes Fernando Pina
__________________________________________________ [1] Neste sentido, cfr. Acórdãos da RE de 16/12/2020, proc. n.º 13/15.8PTEVR.E1 e de 09/02/2021, proc. n.º 1346/10.5TXCBR-T.E1; Acórdãos da RC de 09/09/2020, proc. n.º 178/20.7TXCBR-B.C1, de 30/09/2020, proc. n.º 47/20.0TXCBR-B.C1, de 07/10/2020, proc. n.º 719/16.4TXPRT-F.C1, de 14/10/2020, procs. n.º 175/20.2TXCBR-B.C1 e n.º 259/18.7GLSNT.L1-3, de 28/10/2020, procs. n.ºs 109/20.4TXCBR-B.C1, 187/20.6TXCBR-B.C1, 210/20.4TXCBR-C.C1 e 404/18.2TXCBR-B.C1, de 03/02/2021, proc. n.º 190/20.6TXCBR-B.C1 e de 07/04/2021, proc. n.º 380/12.5TXCBR-B.C1 e Ac. da RG de 09/12/2020, proc. n.º 242/15.4GEBRG.G1, todos acessíveis in www.dgsi.pt. [2] Neste sentido, vide Acs. da RC de 30/09/2020, proc. n.º 744/13.7TXCBR-P.C1, de 28/10/2020, proc. n.º 10/18.1TXCBR-C.C1 e de 16/12/2020, proc. n.º 430/20.1TXCBR-A.C1; Acs. da RP de 21/10/2020, proc. n.º 150/14.6GBILH.P2, de 25/11/2020, proc. n.º 311/15.0GAARC.P2, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [3] Proferidos, respetivamente, no proc. n.º 628/17.0PYLSBA.S1 e no proc. n.º 155/20.8TXLSB-F.S1, acessíveis in www.dgsi.pt. [4] Cfr., entre outros, Ac. do STJ n.º 2/2001 – AFJ – in DR Série I-A de 14/11/2001. [5] Vide, entre outros, Acs. do TC n.º 152/95, de 15/03/1995 e n.º 784/96, de 25/06/1997, acessíveis in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/; n.º 298/2005, de 07/06/2005, in DR n.º 144/2005, Série II de 28/07/2005 e n.º 488/2008, de 07/10/2008, in DR n.º 250/2008, Série II de 29/12/2008 [6] Proferido no proc. n.º 109/20.4TXCBR-B.C1, acompanhando o Ac. da mesma Relação de 30/09/2020, proc. nº 47/20.0TXCBR-B.C1, acessíveis in www.dgsi.pt. [7] Cfr. citado Ac. da RC de 20/09/2020. |