Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
95/17.8T8MRA.E1
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
PRÉDIO CONFINANTE
VENDA DE QUOTA IDEAL
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Inspirado no n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2166, de 15 de Junho de 1962 (a primeira lei que regulamentou o emparcelamento como forma de obter uma exploração economicamente viável), o n.º 1 do art.º 1380.º do Cod. Civil enuncia, como pressupostos do exercício do direito de preferência (i.e. como factos constitutivos desse direito cujo ónus da prova cabe ao preferente), os seguintes elementos factuais: a) O prédio vendido ou dado em cumprimento apresenta uma área inferior à unidade de cultura; b) O preferente é dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) O prédio do preferente apresenta uma área inferior à unidade de cultura (se bem que o n.º 1 do art.º 18.º do Dec.-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro possibilite o recurso ao exercício do direito em causa a proprietários de prédios confinantes com área superior); d) O adquirente não é proprietário de terreno confinante.
II - O art.º 1380.º do Cod. Civil deve ser interpretado no sentido de que o direito de preferência aí previsto não tem lugar em caso de alienação de parte alíquota de determinado prédio
III - A reunião, na esfera jurídica dos recorridos, da totalidade dos direitos de compropriedade que antes eram pertença de pessoas diversas não pode ser confundida de per si com a alienação do prédio no seu todo.
IV - A constatação do efeito extintivo da compropriedade não basta para que, no caso concreto, se possa reconhecer o direito de preempção exercido pelos apelantes, já que os AA/recorrentes não alegaram, nem se evidencia, que às ditas transações haja presidido qualquer intuito fraudatório do regime legal da preferência, mediante a venda sucessiva de partes alíquotas.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
BB e CC propuseram acção declarativa, na forma comum, contra DD, EE, FF e GG, pedindo o reconhecimento do direito de preferirem na alienação do prédio rústico denominado P…, inscrito na matriz sob o nº …, Secção O da freguesia de Amareleja, com uma área de 3,65 ha, com cultura arvense, olival e figueiras, de sequeiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Moura, sob o número … da freguesia da Amareleja, concelho de Moura, substituindo-se aos 3.ºs Réus e a condenação dos 3.ºs Réus a entregar o prédio livre e desocupado, bem como requerem o cancelamento dos registos efectuados a seu favor.
Para tanto, invocam, em síntese, serem proprietários do prédio rústico denominado P…, sito na freguesia de Amareleja, inscrito na matriz sob o artigo …, Secção O, com uma área de 1,525 ha, com cultura arvense, olival e figueiras, e que os 1.º e 2.ºs Réus eram comproprietários em partes iguais do prédio rústico denominado Palma, sito na freguesia de Amareleja, Concelho de Moura, inscrito na matriz sob o artigo …, Secção O, com uma área de 3,65 ha, com cultura arvense, olival e figueiras, de sequeiro.
Que o segundo prédio rústico identificado confronta a sul com o prédio propriedade dos Autores, e ambos os prédios têm área inferior à unidade de cultura, definida para a zona sul do país, distrito de Beja, em 7,5 ha para plantações de sequeiro, nos termos do art.º 1 da Portaria nº 202/70 de 21 de Abril.
Mais invocam que o 1.º Réu, no dia 23 de Setembro de 2015, vendeu, pelo preço de € 9.500,00, a sua quota-parte do prédio rústico aos 3.ºs Réus.
Por seu turno, também o 2.º Réu, no dia 5 de Maio de 2016, vendeu, pelo preço de € 9.500,00, a sua quota-parte do referido prédio aos 3.ºs Réus.
Contudo, o 1.º Réu não informou os Autores, nem da intenção de alienar a sua quota no prédio nem dos elementos essenciais da alienação, não tendo os Autores podido exercer a preferência na alienação do prédio.
Mais alegaram que os 3.ºs Réus não eram proprietários de qualquer prédio rústico que confrontasse com o prédio objecto de venda e quando os 3.ºs Réus adquiriram, em 2016, a quota-parte ao 2.º Réu, só eram titulares de um direito de compropriedade porque o 1.º Réu, em 2015, não cumpriu o estatuído no nº 1 do art.º 1380 do C.C., e consequentemente, desrespeitando o direito de preferência dos aqui Autores, vendeu a sua quota de ½ do prédio rústico sem lhes dar preferência.
Pelo aos Autores nunca foi permitido exercer a preferência na alienação do prédio ou nas quotas vendidas.
E os Autores só tiveram conhecimento das alienações e das condições das compras e vendas no dia 25 de Outubro de 2016, data em que obtiveram as certidões referentes aos negócios jurídicos.
Entendem pois ter direito de preferência na alienação que foi feita do referido prédio rústico, nos termos do disposto nos art.ºs 1380, 1410 e 416 do C.C..
Citados, os 3.ºs Réus contestaram a acção, defendendo-se desde logo por impugnação de direito, nos termos do art.º 571, n.º 2 do C.P.C., argumentando não assistir aos proprietários confinantes o direito de preferência em caso de alienação de parte alíquota de determinado prédio rústico, pelo que, tendo os Réus adquirido, em Setembro de 2015, uma quota alíquota do prédio, e não a sua totalidade, os Autores não têm direito de preferência na venda. Por outro lado, se ao tempo da aquisição de metade, operada em Setembro de 2015, aos Autores não assistia o direito de preferência, pelas mesmas razões, aos mesmos também não assiste direito de preferência na aquisição da outra metade em Maio de 2016. Para além, quanto a esta segunda aquisição, os Réus já eram comproprietários do prédio e, por isso, também gozavam, em primeiro lugar, do direito de preferência na venda da outra parte.
Entendem pois não se verificarem os pressupostos para o exercício do direito de preferência pelos Autores.
Mais se defenderam por excepção peremptória, invocando a caducidade do direito de preferir pois que antes da venda, pelo preço de € 9.500,00, foi proposta a mesma ao Autor BB, que, por aquele preço, manifestou não pretender comprar, por ser muito caro.
Quanto à segunda venda alegam também que os Autores tiveram conhecimento da mesma imediatamente a seguir à sua concretização.
Invocam assim a caducidade por ter decorrido mais de seis meses após o conhecimento da venda e dos seus elementos essenciais, nos termos do art.º 1410, n.º 1 do C.C..
Deduziram ainda pedido reconvencional, peticionando, em caso de procedência da acção, a condenação dos Autores no pagamento da quantia de € 3.054,00, suportada pelos Réus no tratamento da terra e do olival, bem como na plantação de novas oliveiras.
O 1.º Réu contestou a acção, impugnando de direito e excepcionando peremptoriamente em termos em tudo idênticos aos acabados de referir.
O 2.º Réu também contestou, novamente em semelhantes termos, entendendo que (i) aos Autores, não assiste qualquer direito de preferência no contrato de compra e venda celebrado entre si e os 3.ºs Réus, uma vez que foi vendida apenas uma quota do prédio e não o prédio no seu todo, e a quem já era proprietário da outra quota do referido prédio, e invocando que (ii) os Autores tomaram conhecimento da realização do contrato de compra e venda por si celebrado, logo após a efectivação do mesmo, já tendo caducado o seu direito de preferência.
Os Autores replicaram, respondendo à reconvenção, em suma, impugnado a factualidade alegada pelos 3.ºs Réus, e mais adiantando, sem prejuízo, que os gastos na propriedade foram feitos para fruição dos reconvintes, que apanharam e venderam a azeitona produzida no olival e como tal beneficiaram do prédio em exclusivo, não existindo qualquer benfeitoria.
Foi realizada audiência prévia, tendo o Tribunal informado as partes de que pretendia conhecer do mérito da causa e facultado às mesmas a discussão de facto e direito, nos termos do art.º 591.º, n.º 1, al. b) do C.P.C.
Foi proferido saneador-sentença, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os Réus do pedido.
Os AA. não se conformando com a sentença prolatada dela interpuseram recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1-O presente recurso vem interposto do douto Saneador- Sentença que julgou improcedente a acção de preferência por se entender que os recorrente não têm direito a preferir sobre a venda da quota ideal do prédio identificado no ponto 3 do factos provados, celebrado entre os 1º e 3º RR em 23 de Setembro de 2015, assi como não têm relativamente à venda idêntica quota-ideal celebrada entre os 2º e 3º RR.
2-O tribunal entendeu que como o prédio sobre cuja venda se pretendia exercer preferência estava, primitivamente, em compropriedade, inexiste direito de preferência do proprietário do prédio confinante nos termos do artigo 1380 do CC.
3-Nos termos do art.º 1380º, n.º 1 do C.C., os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
4-Para o exercício do direito de preferência aplicam-se ex vi do n.º 2 do citado artigo, o disposto nos art.os 416 a 418, bem como no art.o 1410 do C.C..
5- Quando a totalidade das quotas da compropriedade são vendidas a um mesmo terceiro ,
extingue-se a compropriedade e é o prédio, ou seja a coisa objecto do direito de propriedade, que é
vendida.
6- Com efeito, existe compropriedade quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa ( artigo 1403 nº 1 do CC)
7- Quanto o terceiro R adquiriu a quota-parte do 2 Réu, ou seja quando em 5/05/2016, por escritura publica lavrada no Cartório de Moura, o 3º R adquiriu a totalidade do prédio extinguiu-se a
compropriedade e, nessa altura , todo o prédio foi alienado.
8- Sendo alienado prédio, como foi, e verificados os restantes pressupostos que a lei configura no artigo 1380 do cc o confinante, dono de prédio com área inferior à unidade de cultura tem direito de preferência na aquisição do prédio alienado.
9- A lei apenas configura como excepção ao direito de preferência as circunstancia indicadas no artigo 1381º do CC e nestas não está a compropriedade
10- Com efeito, a ratio do artigo 1380º do CC “ o de facilitar o emparcelamento dos prédios rústicos com o fim de criar maiores unidades de cultura e de maior rendimento, o que não sucede no caso de parte ideal do prédio vendido em virtude de não ser possível anexá-lo ao outro prédio de modo a formar um todo “ A do STJ processo nº 99A731, relatado pelo Conselheiro Machado Soares com o seguinte hiperligação www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f00
3fa814/bcb8550a28437ce680256974002f6da9?OpenDocument
11- Ou seja, a preferência na venda de prédios rústicos com área inferior à unidade de cultura visa permitir a criação de prédios com áreas próximas ou acima da unidade de cultura de forma serem unidades económicas viáveis o que não foi permitido ao recorrentes
12- Nem se diga que a obrigação de dar preferência não é compatível com a compropriedade em virtude da necessidade do vendedores terem ambos de dar preferência a terceiros pois, sempre que haja uma obrigação os vários contitulares têm de se entender para a exercer .
13- Nestes termos e no mais de direito deve ser dar provimento ao presente recurso declarando- se que o proprietário de prédio confiante, verificados os pressupostos do disposto no artigo 1380 do CC, têm direito de preferência na venda, dação em pagamento ou aforamento de um prédio em compropriedade a um único e mesmo adquirente, ainda que a venda seja efectuada em momentos distintos, revogando-se assim o douto saneador sentença , e ordenando-se a prossecução dos autos.”
Os RR. apresentaram resposta às alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
Dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II. Objecto do Recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).
A única questão a decidir resume-se a determinar se assiste jus aos apelantes, proprietários de prédio confinante de área inferior à unidade de cultura, a preferirem na alienação das partes alíquotas do prédio rústico mencionado no ponto factual 3.
III. Fundamentação
1.De Facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos, ora dispostos por ordem lógica:
1. No concelho de Moura, freguesia da Amareleja, existe um prédio rústico denominado P…, com cultura arvense, olival e figueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Moura sob a ficha n.º…/… e inscrito na matriz sob o art.º… - Secção O, com a área de 1,525 hectares;
2. O prédio id. em 1., está inscrito no registo predial a favor dos Autores, que têm registada a sua aquisição por compra [Ap. 2331 de 01/08/2013];
3. No concelho de Moura, freguesia da Amareleja, existe um prédio rústico denominado P…, com cultura arvense, olival e figueiras, de sequeiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Moura sob a ficha n.º …/… e inscrito na matriz sob o art.º … - Secção O, com a área de 3,65 hectares;
4. O prédio id. em 3. confronta a sul com o prédio id. em 1.;
5. No dia 23/09/2015, por título de compra e venda celebrado na Conservatória do Registo Predial de Barrancos, o 1.º Réu vendeu aos 3.ºs Réus a sua quota-parte do prédio id. em 3., pelo preço de € 9.500,00;
6. No dia 05/05/2016, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Moura, o 2.º Réu vendeu aos 3.ºs Réus a sua quota-parte do prédio id. em 3., pelo preço de € 9.500,00;
7. O prédio id. em 3., está inscrito no registo predial a favor dos 3.ºs Réus, que têm registada a aquisição da quota de ½ por compra ao 1.º Réu [Ap. … de 23/09/2015] e a aquisição da quota de ½ por compra ao 2.º Réu [Ap. … de 13/05/2016];
8. À data do negócio referido em 5., os 3.ºs Réus não eram proprietários de nenhum terreno confinante com o id. em 3.
3. O Direito
A questão deve ser dirimida à luz do disposto no art.º 1380.º do Cod Civil.
Aí se estipula que: “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente de direito de preferência no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”, acrescentando o n.º 4 do mesmo normativo que “é aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º com as necessárias adaptações”.
O direito de preferência (também designado de preempção) é genericamente concebido como um direito potestativo do titular do direito de preferência legal ou convencional de contratar nas mesmas condições ajustadas entre o obrigado à preferência e o terceiro (o que se designa o tanto por tanto) e assenta na ideia de que o primeiro não está obrigado a contratar o negócio objecto da preferência mas apenas, caso se decida a fazê-lo, a seleccionar obrigatoriamente o preferente como contraparte nesse negócio (sendo encarado, por isso, como uma limitação à liberdade de escolha do contraente decorrente do princípio da autonomia privada).
Atenta a sua oponobilidade erga omnes, tem-se entendido que os direitos de preferência emergentes da lei se inserem na categoria dos direitos reais de aquisição, fundando-se aqueles na necessidade de extinguir situações que a lei considera como menos consentâneas com a boa exploração económica dos bens.
“(…) conforme se escreveu no Acórdão do STJ, de 27.02.1986, a razão de ser do direito de preferência atribuído a proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura foi a de facilitar o emparcelamento de prédios rústicos com o fim de criar maiores unidades de cultura e de maior rendimento, o que não sucede no caso de parte ideal do prédio vendido em virtude de não ser possível anexá-la ao outro prédio de modo a formar um todo”[1].
O direito de preferência conferido ao proprietário de terreno com área inferior à unidade de cultura conferido pelo art.º 1380.º do Cod. Civil assenta precisamente nessa ideia, pretendendo-se, especificamente, evitar que continuem fraccionados prédios de área inferior a essa superfície mínima e favorecer o emparcelamento de prédios rústicos.
Inspirado no n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2166, de 15 de Junho de 1962 (a primeira lei que regulamentou o emparcelamento como forma de obter uma exploração economicamente viável), o n.º 1 do art.º 1380.º do Cod. Civil enuncia, como pressupostos do exercício do direito de preferência (i.e. como factos constitutivos desse direito cujo ónus da prova cabe ao preferente), os seguintes elementos factuais:
- O prédio vendido ou dado em cumprimento apresenta uma área inferior à unidade de cultura;
- O preferente é dono de prédio confinante com o prédio alienado;
- O prédio do preferente apresenta uma área inferior à unidade de cultura (se bem que o n.º 1 do art.º 18.º do Dec.-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro possibilite o recurso ao exercício do direito em causa a proprietários de prédios confinantes com área superior);
- O adquirente não é proprietário de terreno confinante;
É ainda ponto assente que, entre os pressupostos a demonstrar, não se conta a existência de identidade de culturas entre os dois prédios.
No caso vertente, os negócios translativos a que aludem os pontos n.º 5 e 6 do elenco factual – sobre os quais recairia o direito de preferência que os apelantes pretendem ver reconhecido – reportam-se a quotas ideais do prédio mencionado no ponto n.º 3 do elenco factual.
Perante este contexto, é de notar que foram já profusamente adiantadas, na sentença apelada, as razões pelas quais não se deve reconhecer o direito de preferência na alienação de parte alíquotas de determinado prédio rústico, reiterando que “Importa considerar, relativamente a este problema, duas hipóteses: a de um prédio se encontrar em regime de compropriedade e um dos consortes transmitir a sua quota a um estranho que não seja comproprietário confinante; e a de, numa situação de propriedade plena, o respectivo titular alienar uma quota do seu direito, também a favor de um estranho que não seja comproprietário confinante.
Em nenhuma destas hipóteses deve ser reconhecido o direito de preferência aos proprietários confinantes com o prédio a que respeita a quota alienada. Em primeiro lugar, a art. 1380º, que é uma norma de natureza excepcional, apenas atribui o direito de opção na alienação de todo o prédio, e não na alienação de partes alíquotas. Por outro lado, a preferência, na medida em que não proporcionaria a aquisição da propriedade plena do terreno, mas apenas de uma quota ideal, não permitiria alcançar o objectivo que está na base do art. 1380º, que é fomentar a exploração unitária de áreas que atinjam ou se aproximem da unidade de cultura considerada economicamente aconselhável. Acresce que a preferência iria fazer ingressar um estranho na compropriedade, com todos os inconvenientes que normalmente daí decorrem. Encarando a lei com desfavor as situações de comunhão (arts 1409º e 1412) e sabendo-se que, mesmo quando estabelecidas voluntariamente, constituem uma fonte permanente de conflitos, estranho seria que, através da regra do art. 1380º, se permitisse a aquisição da qualidade de comproprietário sem o assentimento e até, em regra, contra a vontade dos demais consortes.”[2]
Os fundamentos essenciais desse entendimento não se mostram postos em causa na apelação, sendo certo que, a título adjuvante, poder-se-ia acrescentar que deverão ter-se em conta “(…) critérios funcionais ou teleológicos, decorrentes da adequada ponderação dos interesses e valores jurídicos determinantes da concessão do direito legal de preferência: serão tais interesses alcançados quando apenas é alienado a terceiro um direito de compropriedade sobre o imóvel comum, nele sucedendo, por «subrogação», o preferente; ou pelo contrário, os valores e interesses jurídicos determinantes desse direito real de aquisição só são realizados quando, tendo sido alienada, na totalidade, a propriedade do imóvel, o preferente possa ingressar nessa propriedade plena?
Por outro lado – e ao contrário do que parece estar subjacente à alegação do recorrente – esta questão não pode resolver-se, de modo global e unitário, relativamente a todos os tipos normativos que conferem a determinado sujeito jurídico uma preferência legal, verificados os específicos pressupostos, definidos na «fattispecie» normativa – bem podendo suceder que, para o efeito de certa e determinada preferência legal, deva considerar-se como alienação do prédio a venda de um direito de compropriedade – enquanto para outra e diversa preferência apenas deva valer, face aos interesses e valores jurídicos tutelados, a transmissão onerosa da propriedade plena do prédio.
Implica isto que, ao citar e invocar jurisprudência e doutrina, em apoio de um ou outro dos entendimentos sobre o âmbito do direito legal de preferência, não possa perder-se de vista a exacta situação normativa em que as posições invocadas se enquadram, não podendo, por exemplo, garantir-se à partida que deva ser dada uma resposta unitária para a situação dos autos, enquadrada no art. 1555º, para os casos em que a preferência legal se situa no domínio do emparcelamento rural (art. 1380º do CC) ou para as situações que se reportam antes ao arrendamento rural (vejam-se as dúvidas suscitadas acerca da interpretação da norma que constava do art. 29º da Lei 76/77).
Foi esta última, aliás, a situação mais profundamente debatida e que maiores dúvidas suscitou na jurisprudência, durante o período temporal de vigência da norma constante do art. 29º da Lei nº 76/77 – tendo o Assento nº 5/93, de 9/2, dirimido este conflito jurisprudencial no sentido propugnado por A. Varela, em anotação a precedente aresto, proferido em 10/2/83 (RLJ, ano 119º, pags. 382 e segs.) – e prevalecendo o entendimento de que o direito de preferência concedido ao arrendatário rural pelo art. 29º da Lei nº76/77, de 29 de Setembro, abrange a venda de quota do prédio.
Para tal solução normativa pesou decisivamente, por um lado, a intensidade da preferência outorgada ao arrendatário rural, colocando-o no primeiro lugar dos preferentes legais, inclusivamente antes da preferência legal identicamente outorgada pelo CC aos restantes comproprietários do imóvel arrendado; e, por outro, a ponderação das razões político-ideológicas que estiveram na base da outorga de tal preferência legal, perspectivada como via para a consagração dos princípios básicos da «Reforma Agrária», reforçando drasticamente a posição e o estatuto jurídico do efectivo e directo cultivador da terra.
(…)
Na verdade, e como é evidente, as razões que estão na base da amplitude e intensidade da preferência outorgada ao arrendatário rural não podem automaticamente ser transpostas para as restantes previsões legais de direitos de preferência na alienação de imóveis – desde logo, para o caso da que, em sede de emparcelamento, decorre da previsão normativa que consta do art. 1380º do CC, a que se reporta alguma jurisprudência citada pelos recorrentes: os objectivos prosseguidos por tal regime legal já não têm a mesma coloração político ideológica, visando antes – e tão somente – alcançar, no plano técnico e económico, uma exploração rentável e viável dos prédios rústicos, agregando vários imóveis contíguos, de área inferior à unidade de cultura vigente , de modo a propiciar uma exploração economicamente rentável da unidade resultante do emparcelamento alcançado através do exercício dessa preferência legal. Daí que se conclua que – sem prejuízo do sancionamento de actuações com escopo fraudatório – só os consortes do alienante devam ser admitidos a preferir.[3]
Argumentam, contudo, os apelantes que, por via dos ditos negócios translativos, ocorreu a extinção da compropriedade.
É certo que, por intermédio das aquisições efectuadas pelos recorridos FF e GG, se pôs termo ao concurso dos vários direitos de propriedade pertencentes aos demais recorridos que incidiam sobre o prédio mencionado no ponto n.º 3 do elenco factual, o que, naturalmente, implica a extinção da compropriedade, já que esta pressupõe uma pluralidade de direitos sobre o mesmo bem (n.º 1 do art.º 1403.º do Cod. Civil).
No entanto, a reunião, na esfera jurídica daqueles recorridos, da totalidade dos direitos de compropriedade que antes eram pertença de pessoas diversas não pode ser confundida com a alienação do prédio no seu todo. Tem, por isso, manifesta pertinência a menção na sentença apelada aos Acórdãos do STJ de 09.11.1999[4] e de 10.04.2003[5] e Acórdão da RG de 02.07.2013[6], em que se afirma que o art.º 1380.º do Cod. Civil deve ser interpretado no sentido de que o direito de preferência aí previsto não tem lugar em caso de alienação de parte alíquota de determinado prédio. Já no mesmo sentido se pronunciara o Ac. do STJ de 27.02.1986 e onde se lê “"Antes do Código Civil admitia-se expressamente a preferência em relação à venda de parte alíquota ou ideal, mas hoje o artigo 1380° daquele diploma só se refere a proprietários de "terrenos confinantes" que gozam de preferência na venda de qualquer dos "prédios", o que parece ter excluído o respectivo direito na venda de parte ideal."[7]
Mas, vejamos.
É pacífico, quer para os recorrentes quer para o tribunal, que o direito legal de preferência exercitado pelos primeiros tem como pressuposto a alienação onerosa de todos os direitos de compropriedade que incidem sobre o imóvel comum.
Porém, há a notar, desde logo, que, entre cada uma dessas aquisições, mediaram cerca de 8 meses.
Ora, a simultaneidade das alienações constituiria um elemento essencial para alcançar a conclusão de que, por essa via, os recorridos DD e EE pretenderam alienar a totalidade do imóvel e não apenas as respectivas quotas ideais.
Acresce, por outro lado, que os AA/recorrentes não alegaram, nem se evidencia, que às ditas transações haja presidido qualquer intuito fraudulento do regime legal da preferência (art.º 281.º do Cod. Civil) mediante a venda sucessiva de partes alíquotas. Como já se acentuara na douta sentença apelada, em pertinente citação do ensinamento de ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, - que relembramos: “(…) pode acontecer que os interessados (alienante e adquirente) actuem com escopo fraudatório, substituindo a venda global e unitária do imóvel pela venda escalonada de partes alíquotas, a fim de precludirem o exercício da prelação. Quando tal aconteça, o direito de preferência, uma vez consumada a alienação de todo o prédio, terá já fundamento e justificação, pois em caso algum deve admitir-se que os particulares defraudem impunemente preceitos imperativo.[8]. - só a evidenciação desse escopo poderia conduzir ao reconhecimento do direito de preferência num caso como o dos autos.
Por isso, a constatação do efeito extintivo da compropriedade decorrente não basta para que, no caso concreto, se possa reconhecer o direito de preempção exercido pelos apelantes. Dito por outras palavras, o prédio mencionado no ponto n.º 3 do elenco factual não foi transaccionado no seu todo em qualquer um dos ditos negócios, o que, como vimos, constitui o pressuposto essencial do exercício do direito de preferência, nem tão-pouco os AA./recorrentes alegaram quaisquer factos consubstanciadores de actuações com escopo fraudatório, pelo que se conclui que na espécie não assiste aos apelantes jus a preferir nas alienações em causa.
Resta, enfim, salientar que não se trata aqui de uma das excepções peremptórias prevenidas no art.º 1381.º do Cod. Civil – razão pela qual é despicienda a invocação deste preceito –, mas antes da falta de um pressuposto basilar daquele direito.
Improcede, por todas estas razões, a apelação.
As custas serão suportadas, porque vencidos, pelos apelantes (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Sumário
I. Inspirado no n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2166, de 15 de Junho de 1962 (a primeira lei que regulamentou o emparcelamento como forma de obter uma exploração economicamente viável), o n.º 1 do art.º 1380.º do Cod. Civil enuncia, como pressupostos do exercício do direito de preferência (i.e. como factos constitutivos desse direito cujo ónus da prova cabe ao preferente), os seguintes elementos factuais: a) O prédio vendido ou dado em cumprimento apresenta uma área inferior à unidade de cultura; b) O preferente é dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) O prédio do preferente apresenta uma área inferior à unidade de cultura (se bem que o n.º 1 do art.º 18.º do Dec.-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro possibilite o recurso ao exercício do direito em causa a proprietários de prédios confinantes com área superior); d) O adquirente não é proprietário de terreno confinante.
II. O art.º 1380.º do Cod. Civil deve ser interpretado no sentido de que o direito de preferência aí previsto não tem lugar em caso de alienação de parte alíquota de determinado prédio
III. A reunião, na esfera jurídica dos recorridos, da totalidade dos direitos de compropriedade que antes eram pertença de pessoas diversas não pode ser confundida de per si com a alienação do prédio no seu todo.
IV. A constatação do efeito extintivo da compropriedade não basta para que, no caso concreto, se possa reconhecer o direito de preempção exercido pelos apelantes, já que os AA/recorrentes não alegaram, nem se evidencia, que às ditas transações haja presidido qualquer intuito fraudatório do regime legal da preferência, mediante a venda sucessiva de partes alíquotas.
IV. Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Registe.
Notifique.
Évora, 12 de Julho de 2018
Florbela Moreira Lança (Relatora)
Elisabete Valente (1.ª Adjunta)
Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)

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[1] Ac. da RG de 02.07.2013, proferido no processo n.º 936/11.3TBBCL.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[2] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., pp. 272.
[3] Ac. do STJ de 30.06.2011, proferido no proc. n.º 148/03.0TBPNC.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Proferido no proc. n.º 99ª731, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Proferido no proc. n.º 03B671, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Referido na nota 1.
[7] BMJ n.º 354, pp. 532.
[8] Op. cit.., pp. 273.