Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
476/08.8GTABF-A.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: PROCESSO SUMARISSIMO
NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
1 - A sentença proferida em processo sumaríssimo é notificada ao arguido e ao seu defensor.

II - Mesmo na redacção do artigo 397.º do CPP anterior à Lei n.º 20/2013, o trânsito em julgado da sentença só ocorria, não imediatamente após prolação da sentença, mas imediatamente após notificação da sentença ao arguido e ao seu defensor. [[1]]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No processo sumaríssimo nº476/08.8GTABF da Comarca de Faro, foi proferido despacho a ordenar a notificação da sentença ao arguido e a não conhecer da prescrição da pena aplicada no processo, por se considerar que não ocorrera ainda o trânsito em julgado da sentença.

Inconformado com o decidido, recorreu o MP, concluindo:

“1 – Tendo a decisão judicial proferida nestes autos de processo sumaríssimo, ao abrigo do disposto no art. 397º, nºs 1 e 2, do C.P.P., sido proferida no dia 08/04/2010, há que atender ao regime processual penal vigente a essa data, face ao disposto no art. 5º, nº1, do C.P.P;

2 – O regime processual penal vigente não era o regime actual introduzido pela entrada em vigor da Lei nº 20/2013, de 21/02, que apenas entrou em vigor no dia 24/03/2010;

3 – O art. 397º, nº2, do C.P.P. vigente à data, dispõe que a decisão judicial de fls. 36 a 37, de 08/04/2010, vale como sentença condenatória e transita imediatamente em julgado, pelo que, e uma vez que a Ilustre Mandatária foi notificada da liquidação da pena de multa, não há que proceder, neste momento, à notificação do arguido;

4 – A nulidade prevista pelo art. 397º, nº3, do C.P.P., introduzida pela entrada em vigor da Lei nº 59/98, de 25/08, não contende com o nº 2 do mesmo artigo, no regime anterior, ao determinar que a decisão transita imediatamente, já que se trata de nulidade sanável que, não tendo previsão expressa no art. 120º, do C.P.P. quanto à sua forma de arguição, deve ser arguida no prazo de 10 dias a contar da notificação do ato do qual o arguido tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou tiver intervindo em algum ato nele praticado, nos termos da regra geral prevista no art. 105º, nº1, do C.P.P., sendo a notificação da liquidação da pena da multa na pessoa da Ilustre Defensora o ato processual a considerar, para esse efeito; não tendo sido suscitada a nulidade prevista no art. 397º, nº3, do C.P.P. (que, de resto, inexiste), a decisão de fls. 36 a 37 transitou, nos termos do disposto no art. 397º, nº2, do C.P.P., no regime anterior;

5 – A circunstância do regime actual previsto no art. 397º, nº2, do C.P.P., imposto pela entrada em vigor da Lei nº 20/2013, de 21/02, vigente desde 24/03/2013, ter vindo determinar que a decisão proferida não admite recurso ordinário, em nada contende com o regime processual penal vigente à data da prolação da decisão judicial de fls. 36 a 37, face ao disposto no art. 5º, do C.P.P;

6 – Ao decidir aplicar o actual regime processual penal previsto para o art. 397º, nº2, do C.P.P., introduzido pela Lei nº 21/2013, de 21/02, e não o regime processual penal vigente à data da prolação da decisão, de 08/04/2010, entendemos, salvo o devido respeito, que é muito, que a Mmª Juiz “a quo” incorreu em erro na determinação do regime processual penal aplicável, e violou o disposto no art. 5º, nº1, do C.P.P. o que expressamente se argui, para efeitos do disposto no art. 412º, nº2, als. a) e c), do C.P.P;

7 - Pelo que se requer que seja determinada a revogação do despacho de fls. 67 a 68, que considerou que a decisão judicial de fls. 36 a 37, de 08/04/2010, proferida nos termos do disposto no art. 397º, nºs 1 e 2, do C.P.P., não transitou em julgado, substituindo-a por decisão que considere que esta decisão judicial já transitou em julgado, nos termos do disposto no art. 397º, nº2, do C.P.P., e se aprecie sobre a prescrição da pena.”

O arguido não respondeu ao recurso.

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:

“Nos presentes autos vem o arguido Ascanio acusado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º n.º1 do DL2/98 de 3 de Janeiro, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

Os factos imputados ao arguido remontam a 09.04.2008.

Nos termos do disposto no artigo 118º n.º1 alínea c) do Código Penal, o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: (…) cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a 5 anos.

O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 119º do Código Penal, o que sucedeu, como se referiu, no dia 9 de Abril de 2008.

O arguido foi notificado pessoalmente no dia 01.08.2008 do requerimento do Ministério Público para aplicação de sanção em processo sumaríssimo (cfr. fls. 30) o que constitui simultaneamente causa de interrupção e de suspensão da prescrição (artigos 120º n.º 1 alínea b) e n.º 2 e 121º n.º 1 alínea b).

Assim, o prazo de prescrição interrompeu-se no dia 01.08.2011, tendo estado suspenso nos três anos subsequentes, conforme dispõe o artigo 120º n.º 1 alínea b) e n.º2; tendo cessado a suspensão no dia 01.08.2011, momento em que se reiniciou a contagem do prazo de cinco anos, em virtude da interrupção (artigo 121º n.º 2 do CP).

Assim, a prescrição do procedimento criminal ocorrerá no dia 01.08.2016.

Não tendo chegado o arguido a ser notificado da sentença em processo sumaríssimo, não poderá nunca estar em causa a prescrição da pena aplicada.

Com efeito, a prolação da sentença carece de ser notificada, até porque, atenta a nova redacção do artigo 397º n.º 2 do CPP, em vigor já à data da respectiva sentença, a mesma não transita imediatamente em julgado, apenas não admitindo recurso ordinário, o que implica que o trânsito ocorrerá após o decurso do prazo de 10 dias para arguição de nulidades.

Em face do exposto, e antes de mais, urge notificar o Arguido da sentença.

Para o efeito, oficie a Embaixada da Roménia em Portugal com vista a obter informações sobre o atual paradeiro do arguido.
Notifique.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar respeita a saber se a sentença proferida em processo sumaríssimo tem de ser notificada ao arguido, só então ocorrendo o trânsito em julgado dessa decisão.

No despacho judicial considerou-se não ser de conhecer da prescrição da pena aplicada no processo, como pretendia o MP, em virtude de dever haver antes lugar a essa notificação. O arguido não chegara a ser notificado da sentença proferida, não podendo por isso estar em causa a prescrição da pena (e ainda não ocorreu a prescrição do procedimento criminal).

Assiste razão ao MP, mas apenas na parte em que refere que no despacho se aplicou indevidamente o art. 379º, nº 2 do CPP, na redacção que lhe foi dada posteriormente, considerando-se esta já em vigor, o que não sucedia, como bem explana o MP.

O regime processual penal vigente à data da sentença não era o regime actual, introduzido pela Lei nº 20/2013 que apenas entrou em vigor a 24/03/2013.

A redacção actual do artigo 397º n.º 2 do CPP dispõe que “o despacho a que se refere o número anterior vale como sentença condenatória e não admite recurso ordinário”. Já a redacção em vigor à data dos factos dispunha que “o despacho a que se refere o número anterior vale como sentença condenatória e transita imediatamente em julgado”.

Já não tem razão o MP quando defende que “uma vez que a Ilustre Mandatária foi notificada da liquidação da pena de multa, não há que proceder, neste momento, à notificação do arguido” e que “a circunstância do regime actual previsto no art. 397º, nº2, do C.P.P., imposto pela entrada em vigor da Lei nº 20/2013, de 21/02, vigente desde 24/03/2013, ter vindo determinar que a decisão proferida não admite recurso ordinário, em nada contende com o regime processual penal vigente à data da prolação da decisão judicial de fls. 36 a 37, face ao disposto no art. 5º, do CPP”.

Sucede que a alteração legislativa operada no nº 2 do art. 397º do CPP é indiferente à resolução da questão colocada em recurso, que é a de saber se a sentença proferida em processo sumaríssimo deve ser notificada ao arguido.

Independentemente de se considerar que a sentença sumaríssima transita imediatamente em julgado ou de se considerar que o trânsito ocorre apenas decorridos dez dias (para arguição de nulidades), em processo penal a sentença tem de ser sempre notificada ao arguido e ao seu defensor.

Assim, mesmo que se considerasse que na redacção da norma em vigor à data da sentença (ou seja, na versão alterada) a sentença em processo sumaríssimo transitava imediatamente em julgado, teria sempre de se entender que o trânsito ocorria imediatamente após notificação da sentença ao arguido e, não, imediatamente após a prolação da sentença.

Saber se o trânsito em julgado ocorre imediatamente após notificação da sentença ou apenas decorridos dez dias após tal notificação, é indiferente ao problema colocado em recurso. Que é o de saber se a sentença proferida em processo sumaríssimo deve ou não ser notificada ao arguido e seu defensor.

O art. 113º do CPP, que trata das regras gerais sobre notificações, é claro. E estatui, no nº 10, que as notificações do arguido podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Mas ressalva destas as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à decisão sobre medida de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido cível.

Independentemente de admitir ou não recurso, de transitar imediatamente ou não, a sentença penal é sempre de notificação obrigatória ao arguido e ao seu defensor (podendo considerar-se notificado de modo diferente apenas nos casos e excepções que a lei especialmente preveja, como sucede na hipótese prevista no art. 373º, nº 3 do CPP).

Não há trânsito em julgado da sentença (imediato ou diferido) sem a notificação desta ao arguido. A sentença é a decisão judicial mais importante do processo e que mais afecta a pessoa do condenado. É ela que decide o caso e que põe termo à causa. Não se compreenderia a defesa de posição contrária, num processo penal que impõe a notificação obrigatória ao arguido de outras decisões judiciais menos relevantes.

Por último, refira-se que também a decisão instrutória de pronúncia é uma decisão irrecorrível e a lei não deixa de prescrever a obrigatoriedade da notificação do arguido e do seu defensor. “Notificar” visa sempre “dar a conhecer”. Visa também possibilitar uma reacção processual na maior parte dos casos. Mas não forçosamente.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar improcedente o recurso, confirmando-se despacho recorrido.
Sem custas.

Évora, 05.07.2016

(Ana Maria Barata de Brito)

(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)
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[1] - Sumário processado pela relatora