Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
740/12.1GELLE.E1
Relator: JOSÉ PROENÇA DA COSTA
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
CRIME DE USURPAÇÃO
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
II – Ocorre tal erro quando, estando em causa a prática de um crime de usurpação, o tribunal dá como provado que os arguidos ao executarem, através de fonogramas, determinados temas musicais, perante os seus clientes, estavam cientes que a sociedade que representavam não era titular de licença com a referência “PassMuúsica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas, mas agiram convictos que poderiam proceder a tal execução enquanto não ficassem resolvidos os litígios que opunha a sociedade que representavam à “DD” relativamente ao tarifário exigido por aquela para emissão de licença com a referência “PassMúsica”;
III – São elementos constitutivos do crime de usurpação, p. e p. pelo art. 195.º, n.º 1 do CDADC:
(i) Que o agente, sem autorização do autor, do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilize uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas no código;
(ii) O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade, em qualquer das modalidades previstas no art.º 14.º do Cód. Pen.
IV – Trata-se de um crime de mera actividade ou formal, que se funda apenas no desvalor da acção.
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 740/12.1GELLE.

Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
No âmbito dos Autos de Processo Comum Colectivo, com o n.º 740/12.1GELLE, a correrem termos pela Comarca de Faro - Juízo Central Criminal de Faro – Juiz 1, no Processo Principal, mostram-se Pronunciados os arguidos:
· BB (…); e
· CC (…);
Imputando-lhes a prática, em coautoria, de um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, por referência aos artigos 9.°, 68.º, n.º 2, 149.º, n.º 2, 155.º e 184.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março e alterado pelas Leis n.º 45/85, de 17 de setembro, e 114/91, de 3 de Setembro, Decretos-Lei n.º 332/97 e 334/97, ambos de 27 de novembro, e pelas Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, 24/2006, de 30 de junho, e 16/2008, de 1 de abril;

· O MINISTÉRIO PÚBLICO:
- No processo originalmente tramitado como NUIPC 6093/13.3TDLSB, deduziu acusação contra o arguido CC imputando-lhe, por referência aos factos narrados a fls. 371/373, a prática, em autoria material, de um crime de usurpação, p. e p. nos termos dos artigos 195.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 197.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo DL n.º 63/85, de 14 de março e alterado pelas Leis nºs 45/85, de 17 de setembro e 114/91, de 3 de setembro;
- No processo originalmente tramitado como NUIPC 215/15.7GELLE, deduziu acusação contra os arguidos: BB e CC imputando-lhes, por referência aos factos narrados a fls. 173/175, a prática, em coautoria, de um crime de usurpação, p. e p. nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, 197.º, n.º 1, por referência aos artigos 2.º, 9.º, 68.º, n.º 2, 149.º, n.º 2, 155.º e 184.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo DL n.º 63/85, de 14 de março e alterado pelas Leis nºs 45/85, de 17 de setembro e 114/91, de 3 de setembro.

Não foi apresentado, em quaisquer dos processos, pedido de indemnização civil.

Na sequência da remessa dos autos à distribuição foram proferidos nos processos cima identificado, despachos a declarar inexistentes quaisquer nulidades, questões prévias ou incidentais que obstassem ao conhecimento de mérito e a determinar o estatuto coativo do arguido em fase de julgamento.
Nos processos n.º 6093/13.3TDLSB e 215/15.7GELLE foram ainda exarados despachos a determinar a apensação aos presentes autos, pelo que os mesmos passaram a constituir, respetivamente, o processo n.º 740/12.1GBLLE-A e o processo n.º 740/12.1GBLLE-B.
Dada a apensação, o Ministério Público declarou não fazer uso da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, pelo que os autos principais foram remetidos a este juízo central, onde foi proferido despacho a aceitar competência para o julgamento e indicar data para a realização do julgamento.

Os arguidos apresentaram contestação, negando a prática dos factos e oferecendo o merecimento dos autos em tudo em que seu favor se venha a apurar em audiência de julgamento e arrolaram testemunhas.

Procedeu-se, com observância do legal formalismo e na presença dos arguidos, à realização da audiência de julgamento, vindo-se, no seu seguimento, a prolatar pertinente Acórdão, onde se Decidiu:
1) Absolver BB da prática, em co-autoria material, de:
1.1. Um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, por referência aos artigos 9.º, 68.º, n.º 2, 149.º, n.º 2, 155.º e 184.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março e alterado pelas Leis n.º 45/85, de 17 de setembro, e 114/91, de 3 de Setembro, Decretos-Lei n.º 332/97 e 334/97, ambos de 27 de novembro, e pelas Lei n.º 5012004, de 24 de agosto, 24/2006, de 30 de junho, e 16/2008, de 1 de abril [processo principal];
1.2. Um crime de usurpação, p. e p. nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, 197.º, n.º 1, por referência aos artigos 2.º, 9.º, 68.º, n.º 2, 149.º, n.º 2, 155.º e 184.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo DL n.º 63/85, de 14 de março e alterado pelas Leis nºs 45/85, de 17 de setembro e 114/91, de 3 de setembro [Apenso-B];
2) Absolver CC da prática, em co-autoria material, de:
2.1. Um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, por referência aos artigos 9.º, 68.º, n.º 2, 149.º, n.º 2, 155.º e 184.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março e alterado pelas Leis n.º 45/85, de 17 de setembro, e 114/91, de 3 de Setembro, Decretos-Lei n.º 332/97 e 334/97, ambos de 27 de novembro, e pelas Lei n.º 5012004, de 24 de agosto, 24/2006, de 30 de junho, e 16/2008, de 1 de abril [processo principal];
2.2. Um crime de usurpação, p. e p. nos termos dos artigos 195.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 197.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo DL n.º 63/85, de 14 de março e alterado pelas Leis nºs 45/85, de 17/9 e 114/91, de 3 de setembro [Apenso-A];
2.3. Um crime de usurpação, p. e p. nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, 197.º, n.º 1, por referência aos artigos 2.º, 9.º, 68.º, n.º 2, 149.º, n.º 2, 155.º e 184.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo DL n.º 63/85, de 14 de março e alterado pelas Leis nºs 45/85, de 17 de setembro e 114/91, de 3 de setembro [Apenso-B];
3) Declarar que não são devidas custas;
4) Declarar extintas as medida de coação de Termo de Identidade e Residência a que os arguidos se encontram sujeitos;
5) Ordenar que, após trânsito, notifique CC para, no prazo de 90 dias, proceder ao levantamento, dos objetos identificados a fls. 38 do apenso-B, com a advertência de findo tal prazo passa a suportar os custos do seu depósito (artigo 186.º, n.º 3, do Código de Processo Penal) e que, decorridos um ano sem que proceda a tal levantamento, a mesma se considera perdida a favor do Estado (artigo 186.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).

Inconformada com o assim decidido traz a Assistente DD o presente recurso onde formula as seguintes conclusões:
1. O presente recurso foi interposto pela Assistente DD, da douta decisão, proferida a 16.05.2017 que absolveu os arguidos pela prática do crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195º e 197º do CDADC.
2. O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão dos M.mos a quo, não foi, na perspetiva da mesma, e com o devido respeito, a mais acertada.
3. Desde logo, porque a decisão do M.mo a quo, contida na douta decisão recorrida, teve (na ótica da Assistente) por base uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face da factualidade apurada.
4. Pois, contrariamente ao que é sustentado na douta decisão recorrida resultaram verificados e comprovadamente preenchidos, nos autos a quo, todos os elementos do tipo incriminador.
5. Na realidade, dos factos apurados resulta que nos dias 17 de agosto de 2012, 14 de novembro de 2012, 20 de Julho de 2013 e 06 de junho de 2015, no estabelecimento denominado “EE”, cuja exploração cabe à sociedade dos quais os arguidos são legais representantes, estavam a ser executados publicamente fonogramas, sem que os mesmos possuíssem, de forma consciente, qualquer autorização dos produtores de fonogramas ou dos seus representantes, designadamente da ora assistente DD, através da licença denominada “PassMúsica”, para proceder a tal execução ou comunicação pública.
6. Ora, a execução/comunicação pública sem tal autorização deverá ser considerada uma utilização não autorizada de tais fonogramas, o que desde logo, implica a violação do disposto no artigo 184º.2 CDADC e preencherá, como se referiu, o tipo criminal de usurpação (artigo 195º CDADC).
7. Na realidade, como se defende na jurisprudência nacional “para se verificarem preenchidos os elementos deste tipo de ilícito, basta que qualquer cidadão, que não possua autorização do autor da obra ou de quem o represente, proceda à transmissão de tal obra”.
8. Não integrando assim, o elemento do tipo incriminador a ausência de remuneração, igualmente devida, aos titulares de direito de autor e conexos por força da autorização para a execução pública dos seus fonogramas.
9. Pelo que, como se sustenta doutrinal e jurisprudencialmente “Quanto à conduta, aludindo o tipo de ilícito a uma simples emissão/difusão de música sem licença, desinteressando-se da produção de qualquer desvalor moral ou material, integra um crime formal ou de mera actividade; porque se concretiza numa abstenção (actuar sem autorização/licença) e porque à negação do valor jurídico protegido não interessa o resultado obtido com a omissão (designadamente uma qualquer vantagem económica por parte do arguido ou prejuízo por parte do ofendido) é classificado como crime omissivo puro”.
10. Efetivamente, o direito de autorizar (existente na esfera jurídica dos produtores no que concerne à execução/comunicação pública e reprodução dos seus fonogramas) é algo bem diferente da contrapartida patrimonial legalmente devida por tal autorização, não sendo passíveis, as duas realidades, de confusão ou junção numa mesma realidade jurídica.
11. Ora, sendo de presumir que o legislador consagrou como solução a tida por acertada, não foi certamente por acaso que no tipo incriminador apenas se referiu ao direito de autorização dos titulares de direitos de autor e conexos e já não ao direito destes a auferirem (igualmente) uma remuneração decorrente de tal autorização.
12. Pelo que, com o devido respeito e s.m.o., não poderá, nesse sentido, o julgador estabelecer como elemento do tipo o que o próprio legislador não pretendeu que assim fosse.
13. Efetivamente quer o direito de autor quer os direitos conexos assumem a veste de direitos absolutos e exclusivos, pois da sua natureza resulta imediatamente a faculdade de “impedir” ou de “autorizar/proibir” uma dada utilização por terceiros, a que corresponde a atribuição do chamado “exclusivo de exploração” ou “Jus Proibendi”.
14. São pois direitos dotados de eficácia erga omnes, à qual, corresponde um dever geral de abstenção (obrigação passiva universal) de quaisquer atos que ponham em causa o referido “exclusivo de exploração”.
15. Pelo que, para que exista utilização é necessário que previamente se tenha verificado a respetiva autorização, (o que não ocorreu in casu) conforme aliás, entre nós, tem decidido a jurisprudência.
16. Ora, os interesses tutelados com o aludido direito de autorização, trata-se de interesses imateriais, permitindo assim que os titulares de direitos, em toda a sua plenitude, e sem restrição de que espécie for, possam exercer os seus direitos, nomeadamente, e nos que aqui importa, o de impedir a utilização por terceiros.
17. Impedindo, concomitantemente, ao infrator a continuação do aproveitamento económico que retira da utilização de direito alheio.
18. Sendo esse carácter imaterial que é objeto da tutela penal.
19. Acresce ainda que, como se defende na jurisprudência “os titulares dos estabelecimentos nunca ficarão totalmente desprotegidos”, pois têm sempre a possibilidade de, quer administrativa quer judicialmente, obter o reconhecimento do seu alegado direito.
20. Ora a verdade é que não se encontrando os arguidos em nenhuma das situações dos autos, prévia e devidamente autorizados para a execução pública de música que levaram a cabo, como igualmente se defende naquela, “ou se sujeitava ao pagamento das quantias exigidas (e depois, no local próprio e pelos meios próprios, faria valer o seu alegado direito) ou pura e simplesmente não exibia a música ao público, pois para tanto não se encontrava autorizada. Não parece aceitável que (…) se sentisse no direito de agir como se o mesmo lhe tivesse sido concedido”.
21. Na realidade, não obstante as anteriores condenações judiciais da sociedade da qual os arguidos são legais representantes no sentido, entre outros, da proibição da continuação de execução pública de fonogramas, cuja gestão pertence à Assistente, no estabelecimento denominado EE, bem como, o compromisso judicial (celebrado através de uma transação judicial transitada em julgado) daquela no sentido de tal não voltar a ocorrer sem prévio licenciamento por parte desta, a verdade é que, sem prejuízo de meras solicitações de licenciamento (sem qualquer adiantamento do valor correspondente ao licenciamento devido e em falta), justificada e legalmente recusadas, os arguidos desrespeitaram e incumpriram as mesmas.
22. Optando, de forma consciente quanto à ausência de autorização e licenciamento da Assistente, em voluntariamente prosseguir com a execução pública e ilícita de fonogramas musicais, cuja gestão pertence àquela, perpetuando assim a violação dos direitos desta e reiterando um comportamento criminalmente punível.
23. Usando e abusando de um direito de terceiro e agindo como se o mesmo lhe tivesse sido concedido.
24. Escudando-se sempre na aludida discordância do valor de tarifa “exigida” pela Assistente, a verdade é que os arguidos nunca nada fizeram, pelo contrário, para fazer valer o seu alegado direito por forma a permitir a execução lícita de música no seu estabelecimento, o que, aliás, diga-se, se encontrava na sua plena disponibilidade.
25. Mostrando-se a recusa pela Assistente, na concessão do licenciamento, nos moldes pretendidos pelos arguidos, isenta de qualquer atuação abusiva da sua parte, bem assim, conforme ao direito - atendendo à aplicabilidade dos princípios e regras do regime do direito da concorrência – e plenamente justificada no âmbito da proteção da propriedade intelectual.
26. Deste modo como se sustenta na jurisprudência “(…) impor a obrigação da requerente [ora Assistente] continuar a emitir licenças para períodos determinados sem pagamento de períodos anteriores, seria quase um incentivo à continuação do comportamento da requerida de violação dos direitos dos representados da requerente em períodos alternados e assim ir conseguindo funcionar com pagamentos muito parcelares e alternados”.
27. Mostrando-se assim, a posição dos arguidos para não obtenção dos prévios licenciamentos devidos, no mínimo, “incongruente com a transação que efectuou onde reconhece expressamente os direitos da requerente e confessa dever as remunerações devidas […] de acordo com as tarifas da requerente”,
28. Bem assim, contrária ao direito e em violação das normas legais e criminalmente punidas como bem sabiam.
29. Sendo manifesto o dolo na sua atuação, na qualidade de gerentes da sociedade exploradora do estabelecimento de diversão noturna “EE” não poderiam, igualmente, os mesmos desconhecer tal proibição legal – desconhecimento, esse, que lhes é absolutamente censurável.
30. Pelo que, em face de toda a matéria de facto apurada, conjugada com as regras de experiência comum, mostra-se liquido que os arguidos tinham o poder de evitar a produção do resultado típico verificado e que, pelo contrário consciente e voluntariamente se conformaram com o mesmo.
31. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos o disposto nos artigos 184º, 195º, 197º do Código do Direito do Autor e dos Direitos Conexos.

Nestes termos, e com o mui douto suprimento de vossas excelências, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por douto acórdão, em que, acolhendo-se as razões supra-invocadas pela ora recorrente condene os arguidos pela prática dos crimes de usurpação, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 195.º e 197.º do cdadc, dos quais vinha acusado/pronunciado.

Respondeu ao recurso o Magistrado do Ministério Público entendendo que a douta decisão recorrida deve ser mantida nos seus termos, assim se fazendo Justiça.

Nesta Instância o Sr. Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso interposto pela Assistente dever ser julgado procedente, revogando-se e alterando-se o Acórdão recorrido nos termos que propõe.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Em sede de decisão recorrida foram considerados os seguintes Factos:
Factos Provados:
1) “FF, Lda.” é uma sociedade por quotas que se dedica à exploração hoteleira e similares, exercendo, na sequência dessa atividade, a exploração do estabelecimento “EE”, sito na (…);
2) “DD” é uma entidade de gestão coletiva que está mandatada para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes, executantes e produtores fonográficos/videográficos, através da emissão de uma licença com a referência “PassMúsica”;
3) No ano de 2008, a “DD”, intentou uma ação declarativa com processo ordinário contra “FF, Lda.” para cobrança das renumerações referidas em 2), a que foi atribuído o número 237034/08.6YIPRT;
4) Por não concordar com o valor do tarifário exigido pela “DD” para emitir a licença referida em 2), “FF, Lda.”, representada pelos gerentes de então, contestou a referida ação;
5) No dia 27 de abril de 2010, “DD” e “FF, Lda.” efetuaram uma transação no âmbito da referida ação, nos termos da qual, além dos mais, ficou consignado que a “DD” reduzia o pedido para o valor de € 4.963,48 (quatro mil, novecentos e sessenta e três euros e quarenta e oito cêntimos), e que a “FF, Lda.” se confessava devedora de tal quantia;
6) Os arguidos, desde 3 de agosto de 2012, são gerentes da “FF, Lda.”;
7) No dia 17 de agosto de 2012, no estabelecimento referido em 1), quando se encontrava aberto ao público e com clientes no seu interior, foram executadas, através de fonogramas, a música “Isatiable”, do artista Thick Dick, da editora/produtora Vedetta Records e a música intitulada “Dark”, do artista Thick Dick, da editora/produtora Sondos e Subliminal;
8) Nessa data “FF, Lda.”, representada pelos arguidos, não era titular de licença com a referência “passmusica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas em 7), cujos produtores fonográficos eram representados pela “DD”, por não concordar com o valor do tarifário exigido pela “DD” para emitir tal licença;
9) Em data não apurada do ano de 2012, mas posterior a 17 de agosto de 2012, “DD”, intentou procedimento cautelar contra “FF, Lda.”, no Tribunal da Propriedade Intelectual, que veio a ser distribuída sob o n.º …na qual a DD”, alegando o mencionado em 8) e 9), requereu, além do mais, o encerramento do estabelecimento explorado pela requerida;
10) “FF, Lda.”, representada pelos arguidos, deduziu oposição ao mencionado procedimento cautelar alegando, além do mais, que não era titular da licença com a referência “PassMúsica” por não concordar com o valor do tarifário exigido pela “DD” para emitir tal licença;
11) No dia 14 de novembro de 2012, no estabelecimento referido em 1), quando se encontrava aberto ao público e com clientes no seu interior, foram executados, através de fonogramas, temas musicais da “Banda Eva”;
12) Nessa data “FF, Lda.”, representada pelos arguidos, não era titular de licença com a referência “passmusica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas em 11), cujos produtores fonográficos eram representados pela “DD”, por não concordar com o valor do tarifário exigido pela “DD” para emitir tal licença;
13) Por decisão datada de 2 de julho de 2013, o Tribunal da Propriedade Intelectual julgou parcialmente procedente o procedimento cautelar, impondo à “FF, Lda.” a obrigação de permitir o livre acesso, pela “DD”, ao referido estabelecimento, durante o horário de funcionamento do mesmo, para escutar e registar, através do meios de gravação para tanto aptos, os fonogramas e/ou videogramas musicais que aí são executado publicamente;
14) “FF, Lda.” recorreu de tal decisão;
15) No dia 19 de julho de 2013 “FF, Lda.” dirigiu a “DD” um pedido de licenciamento «PassMúsica”, mediante o pagamento da tarifa semestral, com o propósito de poder executar perante os seus clientes fonogramas e/ou videogramas contendo obras de artistas, intérpretes, executantes e de produtores fonográficos/videográficos representados pela “DD”;
16) No dia 20 de julho de 2013, no estabelecimento referido em 1), quando se encontrava aberto ao público e com clientes no seu interior, foram executadas, através de fonogramas, a música intitulada “Get Luck”, do artista Daft Punk, da editora/produtora “Columbia” e a música “this is love”, do artista Will.L.Am, da editora/produtora Interscope Records;
17) Nessa data “FF, Lda.”, representada pelos arguidos, não era titular de licença com a referência “PassMúsica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas em 16), cujos produtores fonográficos eram representados pela “DD”, por não concordar com o valor do tarifário exigido pela “DD” para emitir tal licença;
18) No dia 5 de agosto de 2013, a “DD”, intentou, no Tribunal da Propriedade Industrial, uma ação declarativa com processo ordinário contra “FF, Lda.”, na qual pediu a condenação da “FF, Lda.” no pagamento das remunerações devidas aos artistas, intérpretes, executantes e produtores fonográficos/videográficos, referentes as tarifas anuais devidas de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, no valor global de € 60.000 (sessenta mil euros), bem como pediu que a tal ação fosse apensado o procedimento cautelar mencionada em 9), tendo a referida ação distribuída sob o n.º …;
19) Nessa sequência, o referido procedimento cautelar foi apensado à mencionada ação, sob o n.º …;
20) “FF, Lda.”, representada pelos arguidos, deduziu contestação à ação mencionada em 18), alegando, além do mais não concordar com o valor do tarifário exigido pela “DD” para emitir licença com a referência “PassMúsica”;
21) No dia 26 de setembro de 2013, “FF, Lda.”, pagou à “DD”, a quantia de € 10.128 (dez mil cento e vinte oito euros) para pagamento de parte das remunerações peticionadas na ação mencionada em 18), e ainda a quantia de € 2.481,76 (dois mil, quatrocentos e oitenta e um euros e setenta e seis cêntimos) relativa a remunerações do ano de 2007;
22) Nessa sequência, “DD” emitiu uma licença provisória «PassMúsica”, válida de 13 de setembro de 2013 a 19 de outubro de 2013, habilitando a “FF, Lda.” a executar perante os seus clientes fonogramas e/ou videogramas contente obras dos artistas, intérpretes, executantes e produtores fonográficos/videográficos por si representados;
23) No dia 8 de outubro de 2013, “DD” e “FF, Lda.” efetuaram transação no âmbito da ação identificada em 18), nos termos da qual:
23.1. “FF, Lda.” confessou dever à “DD” a quantia de € 31.676,20 (trinta e um mil, seiscentos e setenta e seis euros e vinte cêntimos), a título de indemnização por utilização de música não autorizada pelos produtores desde 2008 até 2012, e a título de licenciamento “PassMúsica” para o ano de 2013; e
23.2. Se considerou que desse montante a “FF, Lda.” já havia pago a quantia de € 10.128 (dez mil cento e vinte oito euros) referida em 21), devendo o remanescente, no valor de € 21.548,20 (vinte e um mil, quinhentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos), ser pago em trinta prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de € 600 (seiscentos euros) cada uma, à exceção da última no montante de € 548,20 (quinhentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos), com início a 14 de outubro de 2013;
24) No dia 31 de outubro de 2013 o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, na parte em que impôs “FF, Lda.” a obrigação de permitir o livre acesso, pela “DD”, ao referido estabelecimento, durante o horário de funcionamento do mesmo, para escutar e registar, através do meios de gravação para tanto aptos, os fonogramas e/ou videogramas musicais que aí são executado publicamente, a decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual proferida no âmbito do procedimento cautelar mencionado em 9);
25) No 6 de abril de 2015 “FF, Lda.”, na pessoa do arguido CC, dirigiu a “DD”, um pedido de licenciamento «PassMúsica”, mediante o pagamento da tarifa trimestral, com o propósito de poder executar perante os seus clientes fonogramas e/ou videogramas contendo obras de artistas, intérpretes, executantes e de produtores fonográficos/videográficos representados pela “DD”;
26) No dia 17 de abril de 2015, a “DD”, em resposta ao solicitado em 25), devolveram o pedido de licenciamento, alegando, em súmula, que a “FF, Lda.” estava em incumprimento da transação mencionada em 23) a 23.2., pelo que só emitiria nova licença caso a “FF, Lda.” regularizasse os montantes em atraso;
27) No dia 6 de junho de 2015, no estabelecimento referido em 1), quando se encontrava aberto ao público e com clientes no seu interior, foram difundidas, a partir do fonograma “100% Black séptimo volumen”, a música “Never Leave You” do artista “Lumidee”, e logo de seguida, a partir do fonograma “Essencial R&B” a obra musical “Gat right” da artista “Jennifer Lopez”;
28) Nessa data “FF, Lda.”, representada pelos arguidos, não era titular de licença com a referência “passmusica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas em 17), cujos produtores fonográficos eram representados pela “DD”;
29) Os arguidos, em representação da “FF, Lda.”, ao decidiram, em 17 de agosto de 2012, 14 de novembro de 2012 e 20 de julho de 2013, executar, através de fonogramas, os temas musicais identificados em 7), 11) e 16), perante os seus clientes, estavam cientes que a sociedade que representavam não era titular de licença com a referência “PassMuúsica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas, mas agiram convictos que poderiam proceder a tal execução enquanto não ficassem resolvidos os litígios que opunha a sociedade que representavam à “DD” relativamente ao tarifário exigido por aquela para emissão de licença com a referência “PassMúsica”;
30) Os arguidos, em representação da “FF, Lda.”, ao decidiram, em 6 de junho de 2015, executar, através de fonogramas, os temas musicais identificados em 27), estavam cientes que a sociedade que representavam não era titular de licença com a referência “PassMúsica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas, mas agiram convictos que poderiam proceder a tal execução porque entendiam que não lhe podia ser recusada a emissão da referida licença para um trimestre de 2015 com fundamento de não haverem cumprido a transação mencionada em 23) a 23.2;
Factos não Provados:
a) Os arguidos quiseram, de forma livre, deliberada e consciente, assumir condutas que sabiam proibidas e punidas por lei penal;
b) As condutas assumidas pelos arguidos são proibidas e punidas por lei penal;

Em sede de fundamentação da decisão de facto consignou-se o seguinte:
(…)
Já os pedidos de licenciamento e a discordância quanto ao tarifário se mostram plenamente comprovados por elementos exteriores às declarações dos arguidos.
Com efeito, desde pelo menos de 2008 que a “DD” vem intentando ações e procedimentos cautelares contra a “FF, Lda.” para pagamento da licença «PassMúsica» e que esta última vem contestando por não concordar com o tarifário exigido.
Daqui resulta que os arguidos pretendiam o licenciamento, tanto que o solicitaram, pelo menos por duas vezes [c. factos 15) e 25)], mas o mesmo foi-lhes recusado porque não quiseram pagar os valores exigidos pela “DD”, dado entenderam não serem os devidos, no primeiro caso, e dado entenderem que não lhes podiam ser recusada a emissão de licença por estarem em atraso quanto ao pagamento das prestações fixadas na transação.
Quer na primeira transação, ocorrida em 2010 [não diz respeito a factos descritos na pronúncia ou acusações, mas deve ser convocada para comprovar que a discordância quanto ao tarifário já se arrastava há vários anos], quer na segunda transação ocorrida em outubro de 2013, houve redução dos pedidos, o que inculca a ideia de que, pelo menos em parte, assistia razão aos arguidos em recusar pagar o valor peticionado para a emissão das licenças.
Dir-se-á, porém, que os motivos do agente para não ter pago a licença de utilização da obra artística são indiferentes ao preenchimento do tipo de crime em análise.
Com efeito, independentemente da posição interpretativa que se prossiga [], não suscita dúvida que as peças musicais difundidas pelos arguidos se materializam em obra do domínio artístico, que essa obra foi exibida publicamente em fonograma, e que o foi sem autorização dos autores, tudo de acordo com a exigência do tipo.
Parece que a um preenchimento formal do tipo deveria, então, corresponder o preenchimento material. Tanto mais que o pagamento dos direitos autorais – elemento em que entroncam as razões dos arguidos – não se encontra expressamente descrito como elemento do tipo, parecendo assim desinteressar à sua realização.

Os motivos do agente para não ter pago a licença de utilização da obra artística seriam assim indiferentes à decisão sobre a ilicitude, sem prejuízo de poderem vir a relevar depois, mas já em sede de culpa. O tipo formal pareceria, assim, não atender às razões do não pagamento, uma vez que nele se não descreve o uso de obra artística sem pagar (os direitos autorais), mas sim sem autorização (dos autores).
Porém, conforme decidido pelo acórdão da Relação de Évora de 19.3.2013 [ ], que, a partir deste momento, passamos a seguir de muito perto “Contudo, se aquela autorização, que é elemento expresso no tipo, está condicionada ao prévio pagamento de uma quantia monetária, remuneração que traduzirá o direito autoral patrimonial, a cobrança desse direito (gerida pela assistente), representa pura contrapartida da autorização para utilização da obra intelectual.
Dizendo de outro modo, o pagamento valida a licença, a licença incorpora a autorização, o pagamento equivale à autorização, o pagamento (para o efeito que interessa aqui) é a autorização.
Do que se trata é de garantir a remuneração do autor.
Verifica-se uma certa indeterminação na descrição típica do crime de usurpação. A conduta proibida não se encontra descrita de um modo totalmente esgotante.
Nestes parâmetros de valoração, e considerando que ao preenchimento do elemento típico “autorização” interessa a questão do “pagamento” (dos direitos autorais ou da “licença”), importa cuidar juridicamente dos factos relativos aos motivos do arguido, pois esses motivos afetam a própria realização do tipo objetivo.
Referimo-nos às razões da abstenção de pagamento, circunstâncias que relevam afinal ainda a nível da ilicitude, e não apenas para a culpa.
Ora, os critérios usados pela “DD” para exigir o valor de € 60.000 na ação que intentou em 5 de agosto de 2013 [facto n.º 18] não são nada transparentes. Com efeito, nessa ação são exigidos valores referentes aos anos de 2008 a 2013. Porém, em 2010 já tinha existido uma transação referente tarifas de 2008, que a sociedade representada pelos arguidos pagou (!!!). Por outro lado, a sociedade representadas pelo arguido pagou uma fatura referente a 2007, no valor de € 2.481,76, que não faz parte da ação e não foi imputada na transação, que se refere apenas aos € 10.128. Porquê?
Por último, e não menos importante, o valor é reduzido de € 60.000 para € 31.676,20. Porquê uma redução e quase 50%?
Tudo isto carece de explicação, que não compete aos arguidos, e não foi dada pelas testemunhas arroladas pela assistente ou pelo Ministério Público.
Reafirma-se, pois, que pelo menos em parte, assistia razão aos arguidos em recusar pagar o valor peticionado para a emissão das licenças. Reduções de pedido na ordem do 50% suportam a versão dos arguidos de que o valor do tarifário estava inflacionado.
Assim, e retomando o acórdão acima citado, é, pois, legítimo aceitar que o arguido não tenha (obtido, adquirido ou pago) “a autorização”, por lhe ter sido efetivamente exigida uma contrapartida indevida. E, não, que tenha omitido esse pagamento por querer agir contra o direito e por pretender violar o âmbito de proteção da norma em causa.
O tipo objetivo descreve uma conduta ativa – a difusão de obra musical sem autorização dos autores – mas compreende ainda um comportamento omissivo – o não pagamento dos correspondentes direitos autorais.
Podemos, então, considerar que ao tipo objetivo subjaz (ou dele resulta) um dever – o dever de pagar uma quantia em momento prévio à utilização de obra intelectual e como contrapartida da autorização para essa utilização.
Terá sido supostamente este dever que o arguido incumpriu.
Mas a sua atuação configura afinal uma abstenção de pagamento de quantia que não teria a obrigação de pagar – de pagar daquele forma ou naquele montante. Ou seja, a conduta em causa não chega a ser reveladora de violação do cumprimento do dever imposto pela (ou que resulta ainda da) norma.
O arguido não deixou de cumprir o seu dever, por ter faltado ao pagamento naquelas condições – ele não cumpriu por não lhe ser exigível que cumprisse daquela forma.
Dito de outro modo, “a ação do arguido não cai notoriamente fora do ordenamento ético-social da comunidade” (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, 2004, p. 275).
Ela ainda poderá ser socialmente compreendida e tolerada.
No caso presente, “o sentido social global da ação não integra ab initio o sentido de ilicitude que vive no tipo questionado”. E, “sendo o tipo o portador de um sentido de ilicitude” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 277) deve, no presente caso, ser negada a tipicidade da conduta provada.
Sendo “a função político-criminal do tipo objetivo a delimitação dos limites externos do proibido e do permitido” (Luís Greco, Das Subjektive an der objektiven Zurechnung, Zeitschrift für die Gesante Wissenschaft, 117, 2005, p. 519), reconhece-se, no caso presente, essa falta de correspondência entre o significado objetivo da conduta d agente e o significado da conduta descrita no tipo.
Essa correspondência falha, pois só realiza o tipo objetivo quem usa obra intelectual alheia sem autorização, ou seja, faltando ao cumprimento do dever de pagar por essa utilização, dever que, de acordo com o exposto, não é de considerar como incumprido pelo arguido.
No mesmo sentido de pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.6.2016 [].
Por tudo se conclui pela atipicidade material objetiva do comportamento dos arguidos no que se refere às situações ocorridas nos dias 17 de agosto de 2012, 14 de novembro de 2012 e 20 de julho de 2013.
Quanto à situação ocorrida em 6 de junho de 2015, provou-se que os arguidos, em representação da “FF, Lda.”, ao decidiram, em 6 de junho de 2015, executar, através de fonogramas, os temas musicais identificados em 27), estavam cientes que a sociedade que representavam não era titular de licença com a referência “PassMúsica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas, mas agiram convictos que poderiam proceder a tal execução porque entendiam que não lhe podia ser recusada a emissão da referida licença para um trimestre de 2015 com fundamento de não haverem cumprido a transação mencionada em 23) a 23.2. [facto n.º 30].
Também nesta situação os arguidos procuraram agir de acordo com o direito, pois solicitaram emissão de licença, mediante o pagamento da mesma, o que lhe foi recusado por estarem em incumprimento de uma transação passada. Ora esta recusa de emissão de licença como forma de pressão para pagamento de licenças passadas, pôs os arguidos na situação e não poderem exercer a sua atividade sem incorrerem na prática de um crime.
O direito penal não pode ser usado como forma de pressão para garantir o pagamento de licenças passadas.
Assim sendo, também a conduta adotada pelos arguidos em 6.6.2015 deve ser considerar atípica.
Termos em que não se considerou não provados os factos vertidos nas alíneas a) e b).

Consigna-se que não se fez constar dos factos provados as condições pessoais e socioeconómicas dos arguidos e o respetivo passado criminal, porque se entende que devem ser absolvidos da prática dos crimes pelos quais se encontram pronunciados e acusados, pelas razões aduzidas em sede de subsunção dos factos ao direito. Com efeito, nossa lei processual penal consagra, como regime regra, um sistema de césure ainda que mitigado, conforme decorre da conjugação do disposto nos artigos 361º, nº 2, 365º a 369º e 371º, todos do Código de Processo Penal, resultando expressamente do n.º 1, do artigo 369º, do referido diploma, que só no caso de dever ser aplicada uma pena ou medida de segurança, é que têm lugar as diligências necessárias com vista ao apuramento dos factos relevantes para a questão da determinação da sanção [].

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso e bem assim os poderes de cognição do Tribunal ad quem.
Se bem lemos o pretendido pela aqui impetrante, o que se visa é o reexame da matéria de direito.
Porquanto, em seu entender, o Tribunal fez errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face da factualidade apurada.
Já que, contrariamente ao que é sustentado na douta decisão recorrida resultaram verificados e comprovadamente preenchidos, nos autos a quo, todos os elementos do tipo incriminador.
Pelo que pede que os arguidos sejam condenados pela prática dos crimes de Usurpação, p. e p. pelos art.ºs 195.º e 197.º, do CDACD, pelos quais vinham acusados/pronunciados.
Porém, se bem lemos o expendido pelo Senhor Procurador Geral-Adjunto quer ver reexaminada a matéria de facto provada vertida na parte final dos artigos 29 e 30, em confronto com a facticidade contida sob as alíneas a) e b), dos factos não provados, pois lhe aponta a existência de vício compaginado no n.º 2, do art.º 410.º, do Cód. Proc. Pen.
Não se vendo qualquer obstáculo a que se venha proceder ao reexame da matéria de facto, como pretendido, aliás, no seguimento do AFJ, n.º 7/95, de 19.10.1995, onde se deu nota de que é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.

· Quanto ao reexame da matéria de facto.

Vem assente na Decisão revidenda sob o ponto 29) que:
Os arguidos, em representação da “FF, Lda.”, ao decidiram, em 17 de agosto de 2012, 14 de novembro de 2012 e 20 de julho de 2013, executar, através de fonogramas, os temas musicais identificados em 7), 11) e 16), perante os seus clientes, estavam cientes que a sociedade que representavam não era titular de licença com a referência “PassMuúsica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas, mas agiram convictos que poderiam proceder a tal execução enquanto não ficassem resolvidos os litígios que opunha a sociedade que representavam à “DD” relativamente ao tarifário exigido por aquela para emissão de licença com a referência “PassMúsica”;

E sob o ponto n.º 30) que:
Os arguidos, em representação da “FF, Lda.”, ao decidiram, em 6 de junho de 2015, executar, através de fonogramas, os temas musicais identificados em 27), estavam cientes que a sociedade que representavam não era titular de licença com a referência “PassMúsica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas, mas agiram convictos que poderiam proceder a tal execução porque entendiam que não lhe podia ser recusada a emissão da referida licença para um trimestre de 2015 com fundamento de não haverem cumprido a transação mencionada em 23) a 23.2.

Sendo que se considerou como factualidade não provada a seguinte:
a) Os arguidos quiseram, de forma livre, deliberada e consciente, assumir condutas que sabiam proibidas e punidas por lei penal;
b) As condutas assumidas pelos arguidos são proibidas e punidas por lei penal;

Como decorre dos autos, os aqui arguidos são, desde 3 de agosto de 2012, gerentes da “FF, Lda.”- ponto 6), dos factos provados.
Existia um dissídio entre esta sociedade e DD relativamente ao não pagamento de direitos autorais, desde 17 de Agosto de 2012, na parte que ora importa, por parte da primeira à segunda, ver pontos 9) e 10), dos factos provados.
Sendo a DD uma entidade de gestão coletiva que está mandatada para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes, executantes e produtores fonográficos/videográficos, através da emissão de uma licença com a referência “PassMúsica”- ponto 2), dos factos provados.
A 5 de Agosto de 2013 “DD”, intentou, no Tribunal da Propriedade Industrial, uma ação declarativa com processo ordinário contra “FF, Lda.”, na qual pediu a condenação da “FF, Lda.” no pagamento das remunerações devidas aos artistas, intérpretes, executantes e produtores fonográficos/videográficos, referentes às tarifas anuais devidas de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, no valor global de € 60.000, (…) ponto 18), dos factos provados.
No dia 26 de setembro de 2013, “FF, Lda.”, pagou à “DD”, a quantia de € 10.128 (dez mil cento e vinte oito euros) para pagamento de parte das remunerações peticionadas na ação mencionada em 18), e ainda a quantia de € 2.481,76 (dois mil, quatrocentos e oitenta e um euros e setenta e seis cêntimos) relativa a remunerações do ano de 2007; ponto 21), dos factos provados.
Nesse seguimento, “DD” emitiu uma licença provisória «PassMúsica”, válida de 13 de setembro de 2013 a 19 de outubro de 2013, habilitando a “FF, Lda.” a executar perante os seus clientes fonogramas e/ou videogramas contente obras dos artistas, intérpretes, executantes e produtores fonográficos/videográficos por si representados, ponto 22), do factos provados.
Vindo a 8 de Outubro de 2013 DD” e “FF, Lda.” efetuar transação no âmbito da ação identificada em 18), nos termos da qual:
“FF, Lda.” confessou dever à “DD” a quantia de € 31.676,20 (trinta e um mil, seiscentos e setenta e seis euros e vinte cêntimos), a título de indemnização por utilização de música não autorizada pelos produtores desde 2008 até 2012, e a título de licenciamento “PassMúsica” para o ano de 2013; e
Se considerou que desse montante a “FF, Lda.” já havia pago a quantia de € 10.128 (dez mil cento e vinte oito euros) referida em 21), devendo o remanescente, no valor de € 21.548,20 (vinte e um mil, quinhentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos), ser pago em trinta prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de € 600 (seiscentos euros) cada uma, à exceção da última no montante de € 548,20 (quinhentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos), com início a 14 de outubro de 2013, ver pontos 23), 23.1.) e 23.2.), dos factos provados.
O que quer significar que não era expectável, por parte dos aqui arguidos, enquanto gerentes da “FF, Lda” lhes fosse concedido licenciamento para a difusão de fonogramas para os períodos temporais mencionados no ponto 29), dos factos provados, mais concretamente para os dias 17 de agosto de 2012, 14 de novembro de 2012 e 20 de julho de 2013.
Até por só em 26 de Setembro de 2013 terem liquidado as remunerações relativas ao ano de 2007, ver ponto 21 dos factos provados; como a transação para pagamento das remunerações respeitantes aos anos de 2008 a 2012 só ocorreu a 8 de Outubro de 2013, ver ponto 23, dos factos provados.
Veja-se que só após o pagamento das remunerações relativas ao ano de 2007 vem “DD” emitir uma licença provisória «PassMúsica”, válida de 13 de setembro de 2013 a 19 de outubro de 2013, conforme decorre do ponto 22, dos factos provados.
A aceitar o mencionado, na parte final do ponto 29), dos factos provados, a mencionada licença deveria abranger um período temporal mais vasto e não aquele que foi, efectivamente, concedido.
Sendo certo que, a 19 de julho de 2013 “FF, Lda.” dirigiu a “DD” um pedido de licenciamento «PassMúsica”, mediante o pagamento da tarifa semestral, e este não veio a ser concedido, como decorre dos pontos 15) e 16), dos factos provados.
Como não é de colher o referido na parte final do ponto 30), dos factos provados, face a tudo o que se vem de mencionar e bem assim pelo facto de a 6 de abril de 2015 “FF, Lda.”, na pessoa do arguido CC, ter dirigido a “DD”, um pedido de licenciamento «PassMúsica”, mediante o pagamento da tarifa trimestral, e esta ter, a 17 de Abril de 2015, devolvido o pedido de licenciamento, com fundamento no incumprimento da transacção supra-mencionada, cfr. pontos 25) e 26), dos factos provados.
Raciocínio que contraria as mais elementares regras da experiência comum, entendidas estas como aquelas regras que são o resultado da experiência da vida ou de um especial conhecimento no campo científico ou artístico, técnico ou económico e são adquiridas, por isso, em parte mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, em parte mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria e que permitem fundar as presunções naturais, não abdicando da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios conduzindo à extracção do facto conhecido o desconhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente, por isso verosímil.[1]
O que quer significar que o Tribunal ao dar como assente aqueles segmentos, parte final dos pontos 29) e 30), incorreu em erro notório na apreciação da prova, cfr. art.º 410.º, n.º 2, al.ª c), do Cód. Proc. Pen.
Como sabido, ocorre o predito vício quando existe um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão.
As provas revelam claramente num sentido e a decisão recorrida extrai ilações contrárias, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela algum elemento.
Trata-se, assim, de uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se passou, provou ou não provou.
Existe um tal erro quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Não se podendo incluir no erro notório na apreciação da prova sindicância que os recorrentes possam pretender fazer/efectuar á forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no art.º 127.º, do Cód. Proc. Pen.
Ou dito de outro modo, o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao vício do erro notório sobre matéria de facto.[2]
Para lá de, como bem o põe de relevo o Sr. Procurador Geral-Adjunto, o Acórdão não explicitar de que modo formaram os arguidos tal convicção, o que fizeram, ou deixaram de fazer, para procurar saber que direitos lhes assistiam, em suma, se diligenciaram, e de que modo, por um esclarecimento sério e informado.
Sem curar de outros considerandos, impõe-se sejam eliminados, ao nível dos factos provados, os segmentos finais dos pontos 29) e 30), passando a integrar os factos não provados; sendo que os factos não provados passarão a integrar o elenco dos factos provados. Tudo, por os autos conterem os elementos bastantes para que se venha alterar a facticidade acolhida no Acórdão revidendo.
Passando-se a proceder à alteração da matéria de facto, como segue:

Factos Provados:
Ponto 29)
Os arguidos, em representação da “FF, Lda.”, ao decidiram, em 17 de agosto de 2012, 14 de novembro de 2012 e 20 de julho de 2013, executar, através de fonogramas, os temas musicais identificados em 7), 11) e 16), perante os seus clientes, estavam cientes que a sociedade que representavam não era titular de licença com a referência “PassMuúsica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas.
Ponto 30)
Os arguidos, em representação da “FF, Lda.”, ao decidiram, em 6 de junho de 2015, executar, através de fonogramas, os temas musicais identificados em 27), estavam cientes que a sociedade que representavam não era titular de licença com a referência “PassMúsica” que a autorizasse a executar perante os seus clientes as músicas mencionadas.
Ponto 31)
Os arguidos quiseram, de forma livre, deliberada e consciente, assumir condutas que sabiam proibidas e punidas por lei penal.
Ponto 32)
As condutas assumidas pelos arguidos são proibidas e punidas por lei penal.

Factos não Provados:
a) Que os arguidos – nas situações respeitantes aos dias 17 de agosto de 2012, 14 de novembro de 2012 e 20 de julho de 2013 - agiram convictos que poderiam proceder a tal execução enquanto não ficassem resolvidos os litígios que opunha a sociedade que representavam à “DD” relativamente ao tarifário exigido por aquela para emissão de licença com a referência “PassMúsica”;
b) Que os arguidos – na situação respeitante a 6 de Junho de 2015 - agiram convictos que poderiam proceder a tal execução porque entendiam que não lhe podia ser recusada a emissão da referida licença para um trimestre de 2015 com fundamento de não haverem cumprido a transação mencionada em 23) a 23.2.

Tornando-se despiciendo o conhecimento de qualquer outros dos vícios elencados no art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., face ao acabado de tecer.

· Quanto ao reexame da matéria de direito.

Face à factualidade considerada importa decidir se se mostram, ou não, preenchidos os elementos típicos do crime de usurpação, p. e p. pelo art.º 195.º, n.º 1, do CDADC.
Diz-se em tal normativo que comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código.
Como se vem entendendo neste inciso normativo protegem-se os direitos patrimoniais do autor e titulares dos direitos conexos.
Cometendo o analisado crime terceiro que utilizar a obra do autor, sem o seu consentimento, violando-se, dessa forma os direitos patrimoniais do autor, que lhe asseguram a exploração económica exclusiva da obra.
Sendo elementos constitutivos do tipo legal de crime:
- Que o agente, sem autorização do autor, do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilize uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas no código;
- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade, em qualquer das modalidades previstas no art.º 14.º do Cód. Pen.
Sendo seu elemento negativo o não consentimento do autor, como resulta do art. 195º: “Comete o crime de usurpação que, sem autorização do autor ou do artista. (…)”.[3]
Gizando-se o crime de usurpação em causa como crime de mera actividade ou formal, que se funda apenas no desvalor da acção.
O agente ao actuar conforme descrito no tipo coloca em causa as faculdades patrimoniais pertencentes ao autor e titular de direitos conexos e que só este delas pode usufruir ou autorizar outrem à sua utilização.
Quem actua de forma a ofender essas faculdades do autor e direitos conexos está a afectar os seus direitos, independentemente de qualquer resultado posterior que venha a ocorrer.
O autor vê-se assim afectado nas suas faculdades patrimoniais com a simples actividade do agente, não sendo necessário qualquer resultado, mormente uma lesão efectiva dos direitos e autor através do prejuízo económico do criador ou o enriquecimento ilícito do agente.
A previsão do crime de usurpação como de mera actividade justifica-se pela quase impossibilidade prática de comprovar no caso concreto se ocorreu ou não prejuízo patrimonial para o autor e, na afirmativa, qual o seu montante.[4]
Desta feita, não se perfilhando o entendimento vazado, entre outros, no Acórdão desta Relação, de 19.03.2013, no Processo n.º 200/11.8GBSTC.E1 , ao transformar o crime em apreço em crime de resultado, ao entender que a descrição típica se não encontra descrita de um modo totalmente esgotante, porquanto, ao preenchimento do elemento típico “autorização” interessa a questão do “pagamento” (dos direitos autorais ou da “licença”).
No sentido de se tratar de crime formal ou de mera actividade, vemos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30.03.2011, no Processo n.º 1788/04.5JFLSB.C1, e Jorge Miranda e Miguel Pedrosa Machado, in Constitucionalidade da protecção penal dos direitos de autor e da propriedade industrial: normas penais em branco, tipos abertos, crimes formais e interpretação conformem à Constituição», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.º 4, 1994, p. 480.
Como não divisarem estes autores, in Ob. Cit., qualquer questão da inconstitucionalidade material deste artigo por violação do princípio da tipicidade, porquanto o crime de usurpação previsto e punido nos artigos 195º, nº 1 e 197º do Código do Direito de Autor não esgota as incriminações com o mesmo nomen iuris consagradas na lei e constitui um tipo autónomo relativamente às demais incriminações de usurpação. Não é uma norma penal em branco e a consideração de que a respectiva tipicidade integra elementos carecidos de concretização não o individualiza relativamente à generalidade dos crimes, nem permite que seja procedente qualquer dúvida sobre a alegada inconstitucionalidade.
Como se não poder perfilhar entendimento de colocar nas mãos dos aqui arguidos a possibilidade de poder vir, justificadamente, não pagar a prestação devida pela execução da obra – fonogramas -, como se deu nota no Acórdão desta Relação e acima mencionado. Quando entende que o não pagamento da prestação configura afinal uma abstenção de pagamento de quantia que não teria a obrigação de pagar – de pagar daquele forma ou naquele montante. Ou seja, a conduta em causa não chega a ser reveladora de violação do cumprimento do dever imposto pela (ou que resulta ainda da) norma.
O que contraria, frontalmente, o disposto no art.º 9.º, n.º 2, do CDADC, onde se diz que no exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente.
Invertendo a razão de ser dos direitos autorais e direitos conexos, fazendo uma inversão total do tipo legal de crime, o que suscita, de pronto, entre o mais, questões de constitucionalidade orgânica, por violação do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al.ª c), da CRP.
Ora, face ao exposto e tendo em conta a materialidade tida como provada no Acórdão revidendo, temos de concluir que os arguidos, ao executarem no seu estabelecimento, através de fonogramas, as músicas que os autos documentam, sem o pertinente licenciamento, incorreram na prática dos crimes de usurpação, nos termos daquele artigo 195.º n.º 1, com referência ao disposto nos art.ºs 9.º, n.º 2, 68.º n.º 2 alínea d) e 184.º n.º 2, todos do CDADC, pelos quais se mostravam pronunciados.

Aqui chegados, importa passar à determinação da pena e sua medida.

Os crimes em presença são puníveis com pena de prisão e multa.
Ora, da factualidade tida como provada decorre ser a mesma omissa quanto ao apuramento da situação económica e condição social dos arguidos – atente-se no que, a respeito, é mencionado na parte final da fundamentação da decisão de facto - o que obstaculiza à apreciação do demais suscitado nos autos, v.g., dar cumprimento ao disposto no art.º 47.º, n.º 2, do Cód. Pen.
Impondo-se, desta feita, a remessa dos autos à 1.ª Instância para que aí proceda ao apuramento de tais elementos e, consequentemente, venha aplicar uma pena e decidir a causa.
O que não contraria o teor do AUJ, n.º 4/2016, onde se fixou entendimento de que em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.
Tudo, por inexistirem nos autos elementos fácticos bastantes para, nesta sede, se vir decidir a causa.
Ficando prejudicadas todas as demais questões suscitadas no recurso.

Termos são em que, na procedência do recurso e nos moldes tecidos, Acordam em:
1.º Alterar a matéria de facto, nos termos retro mencionados;
2.º Imputar aos arguidos BB e CC a prática, em co-autoria, de dois crimes de usurpação, p. e p. nos termos dos art.ºs 195.º, n.º 1, 197.º, n.º 1, por referência aos artigos 2.º, 9.º, 68.º, n.º 2, 149.º, n.º 2, 155.º e 184.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos;
3.º Imputar ao arguido CC a prática, em autoria material, de um crimes de usurpação, p. e p. nos termos dos art.ºs 195.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 197.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos;
4.º Ordenar a remessa dos autos à 1.ª Instância para que aí se venha a proceder ao apuramento da situação económica e condição social da arguida e, em consequência, aplicar as respectivas penas e decidir a causa.

Sem custas, por não devidas.
(texto elaborado e revisto pelo relator).

Évora, 20 de Março de 2018
José Proença da Costa (relator)
António Clemente Lima
__________________________________________________
[1] Como se refere no Acórdão do STJ, de 18.06.2009, no Processo n.º 81/04.8PBBGC.S1, da 3ª Secção, citando o Prof.º Vaz Serra.
[2] Ver, Ac. S.T.J., de 15.06.86, no B.M.J., 450-464, Ac. S.T.J., de 26.03.98, no Processo n.º1483/97 e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, págs. 74.
[3] Ver, entre outros, A tutela Penal do Direito de Autor - Relatório de Direito de Autor, do Professor Doutor José Alberto Vieira e Vera Elisa Marques Dias, págs. 23, 24, 42 e 47.
[4] Ver, Valter da Silva Alves, in O Crime de Usurpação de Direitos de Autor, págs. 61 e 62.