Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
453/13.7TDEVR.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: ADN
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 12/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A recolha de amostras de ADN, a que se refere o artigo 8º, nº 2, da Lei nº 5/2008, de 12/02, não é automática face a uma condenação transitada em julgado, pressupondo a existência de grave perigo de continuação criminosa ou outros receios relevantes que possam ou permitam inferir a necessidade daquela recolha e subsequente conservação.
II - Determinando aquela recolha, a sentença deve fundamentar, em concreto, aquele perigo, de modo a convencer da sua necessidade e proporcionalidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I


1 – Nos autos de processo comum em referência, o arguido, MM, acusado pelo Ministério Público, foi submetido a julgamento e, a final, por acórdão de 19 de Dezembro de 2014, foi condenado, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de violação, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto no artigo 164.º n.º 1 alínea c), do Código Penal (CP), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

2 – O arguido interpôs recurso do acórdão.

Pretende ver-se absolvido.

Extrai da motivação do recurso as seguintes conclusões:

«a) O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito do acórdão proferido nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática de um crime de violação, previsto e punido pelo disposto no art.º 164º, n.º 1, alínea a) do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) O Tribunal a quo discutiu e julgou factos extintos por efeito de prescrição do procedimento criminal;

c) O Tribunal a quo ao dar como provados os factos enunciados nos pontos 34., 36., 37., 41., 42., 43. e 44. e nas versões que constam da fundamentação do acórdão, violou o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do CPP, o princípio geral do in dubio pro reo no direito processual penal, pelo que, por manifesto erro na apreciação da prova, impõe-se a reapreciação da matéria de facto provada;

d) Por outro lado, ao dar como provados os factos que não resultaram da prova produzida em sede de audiência e julgamento, violou, ainda, o disposto no artigo 355.º, n.º 1, do CPP, também por referência ao princípio ne bis in idem, consagrado constitucionalmente no artigo 29.º, n.º5;

e) Sem prescindir do supra alegado e admitindo, o que só por mera hipótese académica se concede, como provados os factos em que assentou o acórdão objeto deste recurso, verifica-se, claramente, que o recorrente não praticou o crime de violação de um crime de violação, previsto e punido pelo disposto no art.º 164º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, porquanto da prova produzida não resulta inequivocamente que a testemunha PP tenha alguma vez estado “(…) impossibilitada de resistir (…) perante o recorrente, elemento essencial para o preenchimento daquele tipo legal;

f) Pelo exposto, o Tribunal a quo não interpretou, nem aplicou, corretamente o artigo 164.º, nº 1, alínea a), do Código Penal;

g) Pelo que, o recorrente deverá ser absolvido da prática do crime de violação, previsto e punido pelo disposto no art.º 164º, n.º 1, alínea a) do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pelo qual foi condenado em Primeira Instância;

h) Sem prescindir do supra alegado e admitindo, o que só por mera hipótese académica se concede, como provados os factos em que assentou o acórdão objeto deste recurso, verifica-se, claramente, que o recorrente não praticou o crime de violação de um crime de violação, previsto e punido pelo disposto no art.º 164º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, mas a ser diferente a decisão do Tribunal ad quem, então, e atendendo sobretudo ao artigo 71.º e ao artigo 40.º ambos do CP, e ainda ao teor do Relatório da Direção – Geral de Reinserção e Serviços Prisionais o fez, ou seja: “Caso venha a ser condenado e esse tribunal entenda, considera-se que MM tem capacidade para cumprir uma medida de natureza probatória, privilegiando-se a intervenção ao nível das atitudes e do respeito pelos valores sócio jurídicos em contexto de relações de intimidade, sujeito a acompanhamento deste serviço.”

i) Mas a ser condenado nos termos da alínea h), desde já também se pugna pelo decaimento na recolha de ADN do recorrente que constituiria um gravíssimo atentado aos seus direitos fundamentais, porquanto não poderá jamais in casu proceder o disposto na Lei 5/2008, de 12/2, em concreto, no artigo 8.º, n.º 2.»

3 – O recurso foi admitido, por despacho de 9 de Fevereiro de 2015.

4 – O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso.

Defende a confirmação do julgado.

Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:

«1. O crime de violação p. e p. pelo artº 164º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, imputado ao arguido nos presentes autos é punível com uma pena de três a dez anos de prisão, pelo que o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos nos termos da al. b), do nº 1, do artº 118º, do Cód. Penal, contados da data da prática dos factos, que ainda não decorreu;

2. O prazo de exercício da acção penal pelo Ministério Público, deduzindo acusação, é constituído pelo prazo de prescrição do procedimento criminal e não um prazo de 6 meses, idêntico ao prazo de apresentação da queixa pelo seu titular, que nem o artº 49º, nº 2, do Cód. Proc. Penal nem qualquer outro dispositivo legal prevêem.

3. Nos termos bem explanados na fundamentação da matéria de facto o depoimento do arguido está repleto de «incoerências e inverdades» enquanto PP relatou os factos de forma bastante pormenorizada, de modo espontâneo, revivendo-os em julgamento de forma sofrida, «o que é próprio de quem está a falar a verdade» e é perceptível pela simples audição da gravação do julgamento.

4. O Tribunal «a quo», beneficiando da imediação que bem descreve ao sintetizar o testemunho de PP motivou de forma cabal as razões pelos quais deu como provados os factos sob julgamento, em sua livre convicção, mas não de forma arbitrária ou infundamentada, sendo claramente perceptível o percurso lógico e racional realizado pelo Tribunal Colectivo.

5. Sendo manifesto que os fundamentos invocados pelo Tribunal no Acórdão encontram plena sustentação nas provas produzidas em audiência, nomeadamente, no testemunho de PP, que referiu, aos 29’.50” do seu testemunho:

«Quando eu acordo é quando ele me agarra nos braços, é quando eu sinto as mãos dele, é quando eu sinto o peso em cima de mim. (…) Quando senti os braços presos, as pernas completamente imobilizadas (…) presa pelo corpo dele. Não me conseguia mexer, inclusive a cabeça. Tinha a cabeça para trás e não conseguia mexer a cabeça (…) tinha o queixo na minha testa.

Quando ele aliviou um bocadinho a tensão, eu consegui mexer a cabeça e bati com força no nariz dele. Quando bati devo-o ter magoado, ele aliviou um bocadinho e eu consegui soltar-me. (…)

Depois de fazer o que quis e entendeu, de se ter satisfeito. Depois de eu lhe pedir muitas vezes que não fizesse isso, por favor que não fizesse isso, que eu não queria. Eu implorei, quase com carinho, em respeito ao tempo que nós fomos felizes, que não fizesse isso. Em respeito ao filho que estava a dez cms da minha cabeça, que não fizesse isso, que não me fizesse isso que eu não merecia. Ele fez!»

E mais adiante, aos 49’00” e segs.:

«Nem sequer houve luta como se vê nos filmes ou como se possa imaginar. Quando abri os olhos e acordei ele já estava em cima de mim. Eu não tive hipótese sequer de estrebuchar. Eu sentia muita pressão era nos braços, as pernas estavam só presas. A força toda que sentia era nos braços e na cabeça. (…) Eu tinha as cuecas vestidas, foram desviadas, não foram tiradas nem rasgadas. Foi tudo muito em silêncio, foi tudo muito … parecia que estava tudo muito previsto ao pormenor»

6. Dessa descrição dos factos não resulta que a queixosa devesse apresentar nódoas negras ou hematomas nos pulsos, pois o arguido não lhe bateu não lhe desferiu golpes, apenas a agarrou pelos pulsos com as suas mãos, prendeu-a, pelo que a ausência dessas lesões não é contrária às regras da experiência comum, como alega o Recorrente.

7. Ao deitar-se sobre a queixosa e ao prendê-la nos termos supra apontados, enquanto esta dormia, com vista ao consumar da cópula, o arguido colocou a queixosa numa situação de impossibilidade de se lhe opor, na impossibilidade de resistir, consumando a cópula depois da vítima ter acordado e enquanto lhe pedia que parasse, o arguido preencheu todos os elementos do tipo do artº 164º, nº 1, al. a), do Cód. Penal.

8. A pena de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão, fixada em «quantum» abaixo do meio da moldura penal aplicável não ultrapassa a elevada medida da culpa revelada pelo arguido e as fortes exigências de prevenção geral e especial, que no caso se fazem sentir, impedem que se aplique uma pena inferior.

9. Nem é possível formular o juízo de suficiência exigido pelo artº 50º, nº 1, do Cód. Penal, atentos os factos anteriormente praticados pelo arguido também contra PP, à personalidade do arguido descrita no Acórdão recorrido, revelada no modo de execução, com introdução sub-reptícia em casa da vítima, local onde esta deveria sentir-se segura, aproveitando um momento em que aquela se encontrava a dormir para a imobilizar por forma a impedir qualquer possibilidade de oposição, com satisfação dos seus instintos libidinosos apesar dos sucessivos pedidos da queixosa para que parasse, aos quais se mostrou completamente insensível.

10. No caso estão preenchidos todos os pressupostos formais exigidos pelo nº 2, do artº 8º, da Lei nº 5/2008, pelo que se justifica a inserção de amostra biológica a recolher ao arguido na base de dados de perfis de ADN.»

5 – Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, louvado na resposta, é de parecer que a improcedência do recurso é manifesta, pelo que deve ser rejeitado.

6 – O arguido não replicou.

7 – Atento o teor das conclusões da motivação, o objecto do recurso reporta às questões atinentes (i) à consideração de factos cujo procedimento criminal se extinguira por prescrição, (ii) ao erro de julgamento da matéria de facto (§§ 34, 36, 37 e 41-44 do rol de factos julgados provados), (iii) à violação do princípio in dubio pro reo; (iv) à violação do princípio ne bis in idem; (v) ao erro de subsunção [impossibilidade de resistir – artigo 164 n.º 1 alínea a), do CP)]; (vi) à escolha e medida da pena; (vii) à recolha de ADN, importando ademais, como questão prévia, apreciar (vii) à rejeição do recurso.


II

8 – As Mm.as Juízes do Tribunal a quo apreciaram a matéria de facto nos seguintes termos:

«A) Factos provados:

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão:

1. No ano de 2000, o arguido iniciou uma relação amorosa com a vítima PP.

2. Em data não concretamente apurada de 2000, o casal decidiu viver junto, como se de marido e mulher se tratassem, em comunhão de leito, mesa e habitação.

3. Tiveram um filho, MA, nascido no dia (….).

4. Fruto de outro relacionamento, a vítima tem mais dois filhos, MV e MR, nascidos nos dias (…) e (….), que sempre residiram com o arguido e a vítima.

5. O agregado familiar fixou residência habitual na Rua (....).

6. Decorridos 4 anos de vida em comum, o arguido começou a importunar física e psicologicamente, e com frequência, a sua companheira, na casa de morada de família e, posteriormente, na casa da vítima, convencendo-a ser capaz de atentar contra a sua integridade física e até contra a sua própria vida, com isso revelando uma personalidade contrária aos mais elementares princípios subjacentes ao relacionamento que mantinham, análogo à sociedade conjugal, e um desrespeito constante pela pessoa da companheira.

7. Assim, desde tal altura, as discussões começaram a intensificar-se.

8. Quando chegava a casa, o arguido implicava frequentemente com o MV e com a MR, apenas com o intuito de indispor a vítima, dizendo à MR que a mãe era Satanás.

9. Durante as contendas, e por várias vezes, o arguido apelidou a vítima de “puta”, “rameira”, “prostituta”, “porca”, “ordinária”, “vaca”, “louca”, e disse-lhe “és uma vendida, andas a vender-te, a mostrar o corpo aos homens, estás possuída”.

10. Por várias vezes, o arguido bateu no corpo da vítima, desferiu-lhe empurrões, alguns dos quais conduziram à sua queda, e cabeçadas.

11. No ano de 2004, a vítima sofreu uma crise depressiva.

12. A esse propósito, o arguido dizia-lhe que a mesma era “bipolar” e, em tom jocoso, perguntava-lhe “então hoje estás mais bi ou polar?”.

13. Também nesse ano de 2004, a vítima tinha pesadelos durante a noite e acordava a chorar.

14. Nessas situações, o arguido afirmava “esta merda, leva a noite toda a chorar, ninguém pode dormir”.

15. Numa dessas ocasiões, a vítima acordou e deparou com o arguido com a mão no ar, na sua direcção, como se a fosse agredir.

16. Assustada, a vítima levantou-se e correu em direcção às escadas, acabando por cair nas mesmas, ficando desmaiada.

17. No dia seguinte, pela manhã, o arguido avistou-a desamparada no chão, passando por cima da mesma, sem lhe prestar qualquer auxílio.

18. Em data não concretamente apurada, estando a vítima grávida do filho MA, o arguido encetou uma discussão com a mesma, desferindo-lhe empurrões.

19. Para se esquivar a mais empurrões, a vítima começou a andar à volta da mesa da sala quando se apercebeu que estava a perder líquido amniótico.

20. Nesse instante, parou e sentou-se numa cadeira, e pediu ao arguido, por várias vezes, que a transportasse ao hospital.

21. Bem sabendo o arguido que a vítima tinha uma gravidez de risco, só a levou ao hospital depois de muitas insistências por parte da mesma.

22. Quando a transportava de regresso a casa, pois a vítima não quis ficar internada porquanto tinha os seus filhos em casa, o arguido acusou-a de “estar a fazer fita, para que ele a levasse ao hospital”.

23. Em dia não concretamente apurado de Setembro de 2006, durante a noite, fazendo uso da sua força física, o arguido abeirou-se da vítima, que tinha o filho MA ao colo, e desferrou-lhe uma bofetada no lado esquerdo da cara.

24. Em Maio de 2009, em hora não concretamente apurada, quando se dispunham a regressar a casa de uma festa de aniversário, a vítima sugeriu ao arguido que se ele estivesse cansado, ela podia conduzir o carro.

25. O arguido começou a gracejar com a sugestão da vítima e iniciou a condução, mesmo depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, afirmando “eu é que conduzo”.

26. Fê-lo, então, de uma forma perigosa, em excesso de velocidade.

27. Se a vítima lhe solicitava para abrandar a marcha, o arguido praticamente imobilizava o carro, para depois arrancar de seguida a grande velocidade.

28. Em face das condutas supra descritas, a vítima decidiu terminar o relacionamento que mantinha com o arguido, o que sucedeu em Setembro de 2009.

29. Contudo, entre tal data e o ano de 2011, o arguido continuou a frequentar a residência da vítima, usando como pretexto o filho de ambos e a necessidade de o adormecer.

30. E com o decurso do tempo, o arguido acabou por pernoitar na residência da vítima, no quarto desta com o filho de ambos, obrigando-a a dormir no sofá da sala.

31. Perante tal incómodo, e apercebendo-se que o arguido começava a pernoitar permanentemente na sua residência, a vítima acordava-o e solicitava-lhe que se fosse embora.

32. Nessas ocasiões, o arguido dizia-lhe “deixa-me dormir, vai badamerda, não saio daqui porque não quero, não sou nenhum cão, vai para o caralho”.

33. Por todos os factos até aqui descritos, o arguido foi condenado na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, subordinada à obrigação do arguido entregar à vítima a quantia de 2.000 euros, no âmbito do processo 11/12.3PBEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora.

34. Numa dessas noites, em data não concretamente apurada, mas seguramente em Setembro de 2011, e após a mesma solicitação de sempre por parte da vítima, esta julgou mesmo que o arguido se tinha ido embora da sua residência.

35. Nessa senda, deitou-se na cama e adormeceu.

36. Acto contínuo, e aproveitando o facto da vítima se encontrar a dormir, o arguido descalçou-se, despiu as calças e as cuecas e deitou-se em cima da vítima imobilizando-a.

37. De súbito, a vítima acordou e tentou libertar-se, facto que não logrou alcançar uma vez que o arguido, usando as suas mãos, agarrou-lhe os pulsos, e com a cabeça exercia pressão na cabeça da vítima.

38. Uma vez que, e como já se descreveu supra, a vítima dormia com o seu filho de 5 anos no quarto e não o queria acordar, para não o aterrorizar, não gritava por ajuda.

39. Porém, e apercebendo-se dos intentos do arguido, a vítima disse-lhe várias vezes que não queria ter qualquer contacto de natureza sexual com ele.

40. Não obstante, o arguido penetrou a vítima, mantendo com ela relação sexual vaginal, ejaculando na vagina da vítima.

41. Após, o arguido aliviou a pressão que exercia nos pulsos e na cabeça da vítima.

42. Acto contínuo, a vítima conseguiu libertar uma das mãos e aceder ao telemóvel que tinha numa prateleira junto à cama.

43. Nesse instante, e apercebendo-se que a vítima ia pedir ajuda, o arguido deu-lhe uma palmada na mão provocando a queda do telemóvel ao chão.

44. Após, pisou-o inutilizando-o, e de seguida vestiu-se e abandonou tranquilamente a residência.

45. Actuou o arguido de forma livre, deliberada e consciente, movido por excitação lasciva, utilizando a sua força física, com violência, imobilizando a vítima, com o propósito de a forçar a sofrer com ele coito vaginal, contra a sua vontade, assim satisfazendo os seus instintos libidinosos, o que conseguiu.

46. Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

47. O arguido foi julgado e condenado por sentença datada de 06.02.2009 e transitada em julgado no dia 22.06.2009, proferida no Proc. nº 526/09.9PBEVR, que correu termos no 1º Juízo Criminal deste Tribunal, pela prática, no dia 23.05.2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo disposto nos artigos 69º, nº 1, alínea a) e 292º, nº 1 do Código Penal, tendo-lhe sido aplicada uma pena única conjunta de 80 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e, bem ainda, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses.

48. O arguido foi julgado e condenado por sentença datada de 16.04.2013 e transitada em julgado no dia 22.04.2014, proferida no Proc. nº 11/12.3PBEVR, que correu termos no 1º Juízo Criminal deste Tribunal, pela prática, no dia 03.01.2012, de um crime de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, p. e p. pelo disposto no artigo 152º, nº 1, alínea a) do Código Penal, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e com a condição de entregar à ofendida a quantia de € 2.000,00. Foi, ainda, condenado na sanção acessória de proibição de contractos, por qualquer meio, de forma directa ou indirecta, com a assistente PP, pelo período de 3 anos e 2 meses.

49. O arguido frequentou um curso de electricidade, com equivalência ao 9º ano.

50. Mais tarde, iniciou actividade laboral como electricista, numa loja de electrodomésticos, que manteve regularmente.

51. Actualmente, trabalha na (….), como (….), executando tarefas de (….), onde aufere um vencimento de € 510,00.

52. O arguido verbaliza sentimentos persecutórios, centrando-se nos danos para si, revelando dificuldades quanto ao reconhecimento de comportamentos ilícitos.

53. Cresceu num meio sociofamiliar estruturado e gratificante emocionalmente, apresentando um percurso social e profissional estável e integrado, contando com o apoio da família de origem.

54. Regista duas relações conjugais duradoiras, com filhos, revelando dificuldades na gestão das emoções e no controlo dos impulsos em situações de tensão ou conflito, atribuindo responsabilidade a terceiros.

55. Do seu vencimento é descontada a quantia de € 200,00, sendo € 130,00 de pensão de alimentos e € 70,00 de pensão de alimentos em falta.

56. O arguido vive sozinho em casa arrendada, pagando de renda de casa a quantia de € 240,00.

B) Factos não provados:

Não se provou:

Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente aqueles que se encontram em contradição com os supra referidos (ex: o arguido, no dia em apreço, depois de ter adormecido o seu filho MA e de ter saído de casa da ofendida, regressou a casa desta para tentar uma reconciliação) sendo que aqui não importa considerar as alegações meramente probatórias, conclusivas e de direito, que deverão ser valoradas em sede própria.

C) Motivação:

A convicção do Tribunal quanto aos factos provados foi adquirida a partir da análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento e com recurso a juízos de experiência comum e à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

No que respeita aos factos descritos nos pontos 1) a 33), teve-se em atenção a certidão extraída do Proc. nº 11/12.3PBEVR, constante dos presentes autos a fls. 623 a 669.

Relativamente aos factos descritos nos pontos 34) a 44), o Tribunal teve em atenção o depoimento de PP, ofendida nos autos. Por sua vez, desvalorizou as declarações que o arguido prestou em audiência de discussão e julgamento.

Explicando…

Prestando declarações em audiência de discussão e julgamento, o arguido referiu que, no dia em apreço, se deslocou a casa da ofendida PP para adormecer o seu filho MA, sendo este o regime de visitas fixado no processo que regulou o exercício das responsabilidades parentais.

Mais contou que adormeceu o menor e que, após, foi “compulsivamente” posto na rua pela ofendida. Não obstante, regressou a casa desta cerca de um minuto depois, por uma porta que dá acesso ao quarto da ofendida, para tentar uma reconciliação. Contudo, a ofendida PP não se quis reconciliar, tendo o arguido abandonado, novamente, a casa desta.

O arguido negou ter tido, naquele dia, uma relação sexual com ofendida (consensual ou imposta por decisão unilateral).

Aqui chegados, importa referir que as declarações do arguido não nos convenceram, sendo de desvalorizar.

Desde logo, o arguido demonstrou ser uma pessoa bastante ciumenta e emocionalmente descontrolada e instável, o que resulta da análise aos factos que resultaram provados no Proc. nº 11/12.3PBEVR e que constam nos pontos acima elencados.

Esta personalidade ciumenta e instável do arguido não se coaduna com a descrição dos factos que foi feita por este, mas sim com a que a ofendida efectuou em audiência de discussão e julgamento.

Repare-se, ainda, que o arguido referiu em julgamento que foi ele quem pôs termo à relação, explicando que a ofendida era uma pessoa bipolar, instável e que estava sempre a gritar com tudo e com todos. Assim sendo, se de facto a ofendida tinha estes traços e se tal foi determinante na sua decisão de terminar o relacionamento entre ambos, por que motivo tentou, por diversas vezes, a reconciliação, sem qualquer sucesso? E por que motivo, volvidos cerca de dois anos, voltou a insistir na reconciliação?

Acresce que o arguido referiu que esta história foi inventada pela ofendida, uma vez que pretendia que o arguido saísse de sua casa para poder estar com o seu namorado e para se poder ver livre de si, dando a entender algum desconforto com esta situação.

Em suma, estamos perante uma pessoa ciumenta, que não aceitou o termo da relação e que, conforme se apurou no Proc. nº 11/12.3PBEVR, no período de tempo entre o momento em que o relacionamento amoroso terminou e o ano de 2011, o arguido “continuou a frequentar a residência da vitima, usando como pretexto o filho de ambos e a necessidade de o adormecer” (ponto 29) dos factos provados).

Apurou-se, ainda, naqueles autos que:

“Com o decurso do tempo, o arguido acabou por pernoitar na residência da vítima, no quarto desta com o filho de ambos, obrigando-a a dormir no sofá sala” (facto 30) dos factos provados). “Perante tal incómodo, e apercebendo-se que o arguido começava a pernoitar permanentemente na sua residência, a vítima acordava-o e solicitava-lhe que se fosse embora” ao que este respondia: “deixa-me dormir, vai badamerda, não saio daqui porque não quero, não sou nenhum cão, vai para o caralho” (cfr. pontos 31) e 32)).

É, ainda, de apontar uma outra incoerência à versão apresentada pelo arguido.

Referiu o arguido que, depois de ter adormecido o seu filho MA, saiu de casa da ofendida pela porta principal e que era esta porta que costumava utilizar quando entrava e saía daquela casa. Assim sendo, por que motivo é que, quando regressou a casa da ofendida para se tentar reconciliar com ela, entrou por uma outra porta, que dá acesso ao quarto da ofendida e que o liga à rua? O normal seria que tivesse entrada pela porta principal, por onde costumava entrar e sair.

A este propósito, explicou o arguido que não queria acordar o menor com o barulho que poderia fazer ao subir as escadas, caso tivesse entrado pela porta principal por onde era habitual entrar. Ora, se tal corresponde à verdade, ao entrar directamente no quarto onde se encontravam a ofendida e o filho de ambos a dormir e ao pretender reconciliar-se com aquela, sempre iria o arguido fazer o tão indesejado barulho…

Podem-se, ainda, apontar outras incoerências e estranhezas à tese sustentada pelo arguido, na parte em que referiu que regressou a casa da ofendida para tentar uma reconciliação.

Alegou o arguido que, depois de ter adormecido o filho, saiu de casa da ofendida, tendo regressado cerca de um minuto depois para tentar uma reconciliação com a sua ex companheira.

Ora, se esta era a sua intenção, por que motivo saiu de casa? Não poderia o arguido ter tentado a reconciliação antes de ter abandonado a casa de PP? E a ideia de tentar a reconciliação surge-lhe um minutos depois?

Por outro lado, todo o contexto envolvente era desfavorável a uma reconciliação. O arguido havida sido expulso “compulsivamente” pela ofendida, da casa desta… Era noite, e a ofendida encontrava-se a dormir com o menor, no quarto…

Pretendia o arguido reconciliar-se com alguém que o expulsou “compulsivamente” e que se encontrava a dormir, partilhando o quarto com o menor? E pretendia fazê-lo, neste cenário, entrando directamente no quarto da ofendida?

Tudo isto escapa, manifestamente, à ideia de normalidade e não é credível aos olhos de um cidadão comum e à luz das regras da lógica e da experiência comum.

Importa, ainda, acrescentar um outro ponto.

Referiu o arguido que o regime de visitas fixado pelo Tribunal, que permitia ao arguido deslocar-se todos os dias a casa da ofendida para adormecer o filho de ambos, foi sugerido pela ofendida e que o arguido nem o queria aceitar, tendo sido forçado a fazê-lo.

Mais tarde, acabou por referir que não foi forçado a aceitar este acordo e que esta era a única medida possível, uma vez que não dispunha de uma casa onde pudesse receber e estar com o menor.

Contudo, a personalidade do arguido acima sucintamente descrita e que consta bem patente dos factos provados aponta claramente para a ideia de que este regime de visitas nunca obteve a discordância do arguido, sendo até do seu agrado.

Mais. Se foi a ofendida a propor este acordo e se o arguido, num momento inicial, nem o queria aceitar, como se compreende que o arguido tenha chegado a pernoitar em casa da ofendida e que, quando esta lhe pedia que fosse embora, a agredia verbalmente? – cfr pontos 29) a 32) dos factos provados.

Por outro lado, se foi a ofendida a propor este regime de visitas, por que motivo, naquela noite, o expulsou “compulsivamente” da sua casa?

Por fim, importa referir que o arguido chegou a referir que, depois deste dia, a ofendida “disse que já não o queria lá” e que o arguido deixou ir a casa da ofendida, tendo o Tribunal que intervir a respeito de regime de visitas do menor. A ser verdade que não houve qualquer relação sexual naquela noite e que esta foi uma das muitas tentativas de reconciliação, não se compreende a razão pela qual a ofendida mudou de atitude, não permitindo a entrada do arguido na sua residência.

Apontado um conjunto de incoerências e de inverdades nas declarações do arguido, quedamo-nos com o depoimento da testemunha PP, com base no qual formámos a nossa convicção segura de que os factos se passaram tal como constam descritos nos pontos 34) a 44).

PP relatou estes factos de forma pormenorizada, tendo-o feito de um modo espontâneo. Ademais, ao descrevê-los, reviveu, de forma sofrida, esta situação, o que é próprio de quem está a falar a verdade.

De forma resumida, contou que se sentiu tranquila e feliz com o facto de o arguido, momentos antes de sair de sua casa, logo após ter adormecido o menor MA, em vez de lhe “mandar bocas nojentas a seu respeito”, se despediu calmamente, dizendo-lhe “até amanhã”. Explicou que o arguido saiu “sem bater a porta”, como era normal, e que sentiu que tudo estava calmo. Espreitou à janela e reparou que o veículo automóvel do arguido não se encontrava estacionado nas imediações. E, perante este ambiente de aparente calma, tomou um medicamento para dormir. Quando acordou, deparou-se com o arguido em cima de si, a agarrar-lhe os pulsos e a fazer pressão com o queixo na sua cabeça, tendo introduzido o pénis na sua vagina, ejaculando.

Contou que lhe pediu, por diversas vezes, que parasse e que este não o fez e que não gritou para não acordar o seu filho MA, que dormia ao lado. Explicou, ainda, que tentou ligar e pedir ajuda, tendo o arguido atirado o seu telemóvel para o chão, pisando-o em seguida.

Esta testemunha prestou um depoimento repleto de detalhes, próprios de quem vivenciou esta situação (Ex1: sentiu-se calma e relaxada, porque o arguido se despediu tranquilamente, o que a levou a baixar a guarda e a tomar medicação para a ajudar a adormecer; Ex2: “implorei-lhe, com carinho, para que não fizesse isto”; Ex3: depois de consumada a relação sexual, ele alivou a tensão que fazia nos seus pulsos e foi nessa altura que conseguiu pegar no telemóvel; Ex4: “eu estava desorientada, nem sei se conseguia marcar um número”). Descreveu, com rigor, os episódios enunciados nestes pontos, a dor e o sofrimento que sentiu (Ex: ““Apetecia-me bater-lhe, morder-lhe, perguntar-lhe porquê”) e o motivo pelo qual não contou a ninguém o que se passou naquela noite (mãe conservadora que não compreende como pode haver uma violação quando em causa esteja um casal ou um ex casal; receio de que o filho mais velho, que é muito protector, se descontrolasse e perdesse a cabeça; vontade de esquecer o que se passou).

Em consequência, não sendo, de todo, credível a tese que o arguido apresentou, ante o supra exposto, não resultou provada a sua versão (que se encontra em contradição com os factos que resultaram provados), designadamente que apenas se deslocou a casa da ofendida para se tentar reconciliar com ela.

Relativamente aos factos descritos nos pontos 45) e 46), o Tribunal teve em atenção as declarações do arguido, que referiu saber que os factos descritos na acusação pública são criminalmente puníveis e, bem ainda, as regras da lógica e da experiência comum que nos dizem que qualquer cidadão médio colocado na posição do arguido saberia que tais condutas são previstas e punidas por lei penal.

A prova dos antecedentes criminais assentou no CRC do arguido, junto a fls. 744 e ss.

No que tange às condições de vida do arguido – pontos 49) a 56) – o Tribunal teve em atenção as declarações do arguido e, bem ainda, o relatório social que se encontra junto aos autos.»

9 – Em sede de escolha e medida da pena, as Mm.as Juízes do Tribunal a quo ponderaram nos seguintes termos:

«[…] O crime de violação é punido com pena de prisão de três a dez anos – artigo 164º, nº 1, alínea a) do Código Penal.

Em desfavor do arguido, há que referir que este actuou com dolo directo, com conhecimento e vontade de praticar tais condutas, forçando a vítima a, contra a vontade desta, ter uma relação sexual vaginal consigo (artigo 14º, nº 1 do Código Penal).

Há, ainda, que atender à conduta anterior do arguido, que caracterizamos de traiçoeira e desleal. Assim, aproveitando-se do facto de ter tido um filho com a ofendida e de poder ter acesso a casa desta, todos os dias, para adormecer o menor, o arguido, depois de ter deitado o menor, regressou a casa da vítima e forçou-a a ter uma relação sexual consigo. Para o efeito, penetrou a vítima, mantendo com ela uma relação sexual vaginal, ejaculando na vagina da vítima.

Em desfavor do arguido, agravando a ilicitude da conduta e, bem ainda, a culpa do arguido, cumpre tomar em consideração o facto de a relação sexual (não consentida) ter sido praticada no mesmo espaço e muito perto do local onde o filho menor se encontrava a dormir, podendo dar-se o caso de o menor acordar e presenciar esta agressão. E foi exactamente este receio que impediu a vítima de gritar, pedindo ajuda, facto que foi aproveitado pelo arguido.

A respeito da conduta posterior do arguido, de referir que este atirou o telemóvel da vítima ao chão, quando esta tentativa pedir ajuda, e pisou-o, inutilizando-o.

O arguido não demonstrou arrependimento, negando a prática dos factos. Deste modo, do seu discurso não resultou que tenha interiorizado a gravidade dos actos praticados e, bem ainda, que seja detentor de um juízo crítico de auto-censura. Por outro lado, demonstrou ser uma pessoa emocionalmente instável e descontrolada, que não se coíbe em agredir a sua ex companheira e mãe do seu filho nos termos em que o fez.

A este propósito, pode-se ler no relatório social: “o arguido verbaliza sentimentos persecutórios, centrando-se nos danos para si, revelando dificuldades quanto ao reconhecimento de comportamentos ilícitos. (….) Regista duas relações conjugais duradoiras, com filhos, revelando dificuldades na gestão das emoções e no controlo dos impulsos em situações de tensão ou conflito, atribuindo responsabilidade a terceiros”.

Tem antecedentes criminais registados.

Contra o arguido, militam ainda as elevadas exigências de prevenção geral positivas, estando em causa crimes intrinsecamente ligados ao íntimo da pessoa humana.

Em seu favor, cumpre registar que o arguido se encontra profissionalmente inserido, tendo uma profissão estável.

Encontra-se, ainda, familiarmente integrado.

Pelo exposto, sopesados os critérios legais de determinação da pena concreta, entende-se por adequado, necessário e proporcional aplicar ao arguido uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

V. RECOLHA DE ADN:

Dispõe o artigo 8, nº 2 da Lei 5/2008, de 12/2 que, quando não se tenha procedido à recolha da amostra de ADN a partir da constituição de arguido, é ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento e, após trânsito em julgado, a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída.

Por sua vez o artigo 18, nº 3 do mesmo diploma, estipula que, “os perfis de ADN resultantes da análise das amostras recolhidas ao abrigo do disposto nos nºs. 2 e 3 do artigo 8, bem como os correspondentes dados pessoais, são introduzidos na base de dados de perfis de ADN, mediante despacho do juiz do julgamento”.

Concordando com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, no Processo 721/10.0PHSNT.L1-5, relatado pelo Sr. Desembargador Agostinho Torres, entendemos que, a recolha de amostras de ADN, a que se refere o artigo 8º, nº 2 da Lei 5/2008, de 12/2, não é automática face a uma condenação transitada em julgado, pressupondo a existência de grave perigo de continuação criminosa ou outros receios relevantes que possam ou permitam inferir a necessidade daquela recolha e subsequente conservação. Determinando aquela recolha, a sentença deve fundamentar, em concreto aquele perigo, de modo a convencer da sua necessidade e proporcionalidade.

Desta forma, cumpre referir que, o arguido foi sancionado com pena 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. Da sua postura em julgamento, não revelou arrependimento, nem demonstrou ter interiorizado a gravidade da sua conduta

Por outro lado, a necessidade de protecção de futuras vítimas representa um bem superior quando comparada com o direito do arguido a não ser importunado na sua esfera privada. Sopesando ambos os interesses, afigura-se-nos que, em concreto o direito à protecção de eventuais vítimas, bem como a possibilidade de o Estado prosseguir o seu fim da realização da justiça, é justificativa suficiente a que se determine a recolha em causa.

Assim sendo, deverá, após trânsito, ser efectuada recolha de amostra de ADN ao arguido, de molde a que o respectivo perfil de ADN resultante da análise das amostras recolhidas seja introduzido na base de dados de perfis de ADN - cfr. Artigos 8, nº 2 e 18, nº 3 da Lei 5/2008, de 12/2.»

10 – O Ministério Público, em primeira e nesta instância, suscita, como questão prévia (pretextando convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação ou mesmo a rejeição do recurso), o incumprimento, pelo recorrente, do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 412.º, do CPP, normação que lhe impunha, designadamente, a especificação das concretas provas que imporiam decisão diversa da recorrida.

11 – O recorrente, do passo em que pretende impugnar a decisão proferida na instância sobre a matéria de facto, tem o ónus de especificar, designadamente, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida [artigo 412.º n.º 3 alínea b), do CPP].

12 – Não se vê que a lei imponha ao recorrente que essa especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida conste das conclusões da motivação do recurso – basta cotejar o proémio do n.º 2 com aquele do n.º 3 do citado artigo 412.º, do CPP.

13 – Por outro lado, no corpo da motivação recursiva, o arguido não deixa de invocar as suas próprias declarações, em audiência de julgamento, por contraponto ao depoimento da testemunha PP, como prova que, no seu dizer, conduziria a julgar como não provados os factos, arrolados como provados, nos §§ 34, 36, 37 e 41 a 44, do rol constante da decisão revidenda.

14 – De qualquer modo, por imperfeitas que sejam as referências da motivação e conclusões do recurso à luz do citado segmento normativo, resulta incontornavelmente do alegado que o arguido recorrente alega, em síntese, que não havia razão para a desconsideração, pelas Mm.as Juízes do Tribunal a quo, das declarações do arguido, em confronto com o depoimento da referida testemunha, cuidando de transcrever passagens de tais declarações e depoimentos.

15 – Isto posto, não se vê razão para fazer reparar as conclusões da motivação, sequer para rejeitar o recurso.

16 – Importa dar nota, de ofício, de que se não verifica nos autos qualquer nulidade cujo conhecimento se imponha a este Tribunal ad quem.

17 – Do mesmo passo, não se verifica vício de procedimento que inquine o acórdão recorrido – com efeito, mesmo ex officio e muito em síntese (ressalvando-se a generalização), não pode deixar de reconhecer-se que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP – investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.

18 – O arguido defende que «o Tribunal a quo discutiu e julgou factos extintos por efeito de prescrição do procedimento criminal».

19 – Sem qualquer desdouro para o esforço argumentativo do recorrente, afigura-se clara a sem razão do argumentado.

20 – Com efeito – e como, de resto e com particular e incontornável acuidade vem salientado pelo Dg.º respondente –, o prazo de prescrição do procedimento criminal relativo ao crime acusado é de 10 anos contados desde Setembro de 2011, nos termos prevenidos nos artigos 164.º n.º 1 alínea a) e 118.º n.º 1 alínea b), do CP, por isso que se não vê que tal prazo possa considerar-se já decorrido.

21 – Por outro lado, o direito de queixa foi exercido atempadamente pela ofendida, a 3 de Janeiro de 2012 (fls. 17-19), não podendo colher o argumento de que o Ministério Público não promoveu o procedimento pelos factos denunciados até ao dia 3 de Julho de 2012, quando (i) o arguido foi confrontado com tais factos no interrogatório a que foi submetido (fls. 232, §§ 17-19), factos que abonaram o despacho acusatório prolatado no Processo n.º 11/12.3PBRVR, de que foi extraída certidão com base na qual se iniciaram estes autos (fls. 467, §§ 34-41), integrando, com outros, a indiciada prática, pelo arguido, sobre a mesma ofendida, de crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do disposto no artigo 152.º, do CP, quando (ii) na audiência de julgamento levada nestes autos, o Tribunal, ponderando que tais factos, com outros, indiciavam a prática do crime de violação, prevenido no artigo 164.º n.º 1 alínea a), do CP, os comunicou aos intervenientes processuais, sem que tenha havido acordo, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 359.º, do CPP, e quando (iii) tendo a queixa sido apresentada em prazo, nos termos prevenidos no artigo 115.º, do CP, o prazo para o exercício da acção penal se assimila ao prazo de prescrição do procedimento (no caso, de 10 anos), que não ao prazo de 6 meses previsto no artigo 49.º n.º 2, do CPP.

22 – No âmbito do erro de julgamento em matéria de facto, admitindo (cf. § 14, supra) que o recorrente deu o devido cumprimento ao disposto no artigo 412.º n.os 3 e 4, do CPP, há-de também conceder-se que, revista a prova produzida na audiência de julgamento levada na instância (particularmente no cotejo das declarações ali produzidas pelo arguido, no sentido de que não cometeu os factos por que foi condenado, com o depoimento da ofendida, que os elencou e pormenorizou), à míngua da imediação e da oralidade de que as Mm.as Juízes do Tribunal recorrido beneficiaram, a tese sustentada, fundamentadamente, na sentença, nos termos e âmbito do disposto, maxime, nos artigos 374.º n.º 2 e 127.º, do CPP, mesmo que se não possa ter como imposta, tem de ter-se por consentida pela prova na audiência levada em primeira instância.

23 – Com efeito, sob análise e valoração, neste Tribunal ad quem, das provas produzidas no Tribunal recorrido, a convicção ora formada sobre os factos sob julgamento (seja quanto aos que devem considerar-se como provados, seja no que respeita aos que devem ter-se como não provados) não diverge daquela que as Mm.as Juízes do Tribunal a quo alcançaram e exprimiram na decisão recorrida.

24 – E assim, precedendo ponderação e convicção autónomas e autonomamente formuladas, nesta instância recursória, e tudo sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e mesmo pelos termos, modelo e modo de impugnação, inerentes ao recurso sub indice.

25 – O recorrente defende que o facto relatado, como provado, no § 34 do correspondente rol, devia ter sido julgado não provado, do passo que, alega, a ofendida não consegue concretizá-lo no tempo e que afirma que o arguido saiu de sua (dela) casa.

26 – Ora, como se refere na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (acima editada), e se confirma pelo cotejo da gravação audio do correspondente depoimento, a indeterminação temporal do facto e a assertiva que leva a julgá-lo provado advém, com coerente clareza, do contexto narrado, em audiência, pela ofendida, não se vendo que a prova produzida – ademais no contexto das declarações («incoerentes») do arguido – consentisse, menos ainda que impusesse decisão diversa daquela levada na instância.

27 – O mesmo no que respeita aos factos alinhados, como provados, nos §§ 36, 37, 41, 42, 43 e 44,do correspondente rol: ressalvado o muito e devido respeito, não se vê (nem o recorrente demonstra) que o facto alinhado no sentido de que da acção do arguido não resultaram hematomas ou nódoas negras, designadamente nos pulsos da ofendida, contrarie qualquer regra de experiência comum, pois que muito depende da força exercida pelo ofensor e da reacção do próprio organismo da ofendida, e quando, comprovadamente, o arguido não bateu na queixosa, limitando-se a imobilizá-la.

28 – Como resulta do depoimento da ofendida, o arguido, aproveitando a circunstância de esta se encontrar a dormir, colocou-se sobre ela e imobilizou-a, manietando-a com as mãos e o queixo, e foi quando a vítima, já imobilizada, despertou, sem hipótese de «estrebuchar» (na expressão da própria) ainda que implorando que o não fizesse, concretizou o forçamento da ofendida, não se vendo, perante o testemunho coerente, firme e sentido desta, que provas outras pudessem ser levadas a impor ao Tribunal a quo um julgamento daqueles factos diverso do (fundamentadamente) decidido na instância.

29 – De par, não se detecta qualquer lesão do princípio in dubio pro reo, do passo que se não vê que o Tribunal recorrido haja alcançado ou devesse ter alcançado qualquer estado de dúvida sobre a culpabilidade do arguido e que a tenha resolvido contra reo, como se não vê lesado o princípio ne bis in idem, face à referência à perturbação contumaz, pelo arguido, da vida da ofendida, quando tal facto resulta, incontornavelmente concretizado, não apenas no reportado no processo n.º 11/12.3PBEVR, mas também do depoimento da arguida, na audiência de julgamento do presente processo.

30 – Defende o recorrente que, não se verificando que o arguido tenha posto a ofendida na impossibilidade de resistir, não pode a conduta vir subsumida na previsão típica do artigo 164.º n.º 1 alínea a) do CP.

31 – Ora, sem quebra do respeito devido pela douta argumentação recursiva, não pode deixar de relevar-se que os factos alinhados, como provados (com fundamento no depoimento da ofendida), nos §§ 35 a 40 do correspondente rol do acórdão revidendo, como acima se deixou editado, traduzem que o arguido se aproveitou da circunstância de a ofendida se encontrar a dormir para se deitar sobre ela, afastar-lhe as cuecas, agarrá-la pelos pulsos com as mãos e prender-lhe a cabeça com o queixo para, sem atender aos rogos da queixosa, lhe introduzir o pénis na vagina e nela ejacular, materialidade que consubstancia, fora de qualquer hesitação interpretativa, a exigência contida no transcrito segmento normativo.

32 – Em sede de escolha e medida da pena, na moldura abstracta de 3 a 10 anos de prisão, o Colectivo a quo concretizou a pena em 5 anos e 6 meses de prisão ponderando nos seguintes termos:

«Em desfavor do arguido, há que referir que este actuou com dolo directo, com conhecimento e vontade de praticar tais condutas, forçando a vítima a, contra a vontade desta, ter uma relação sexual vaginal consigo (artigo 14º, nº 1 do Código Penal).

Há, ainda, que atender à conduta anterior do arguido, que caracterizamos de traiçoeira e desleal. Assim, aproveitando-se do facto de ter tido um filho com a ofendida e de poder ter acesso a casa desta, todos os dias, para adormecer o menor, o arguido, depois de ter deitado o menor, regressou a casa da vítima e forçou-a a ter uma relação sexual consigo. Para o efeito, penetrou a vítima, mantendo com ela uma relação sexual vaginal, ejaculando na vagina da vítima.

Em desfavor do arguido, agravando a ilicitude da conduta e, bem ainda, a culpa do arguido, cumpre tomar em consideração o facto de a relação sexual (não consentida) ter sido praticada no mesmo espaço e muito perto do local onde o filho menor se encontrava a dormir, podendo dar-se o caso de o menor acordar e presenciar esta agressão. E foi exactamente este receio que impediu a vítima de gritar, pedindo ajuda, facto que foi aproveitado pelo arguido.

A respeito da conduta posterior do arguido, de referir que este atirou o telemóvel da vítima ao chão, quando esta tentativa pedir ajuda, e pisou-o, inutilizando-o.

O arguido não demonstrou arrependimento, negando a prática dos factos. Deste modo, do seu discurso não resultou que tenha interiorizado a gravidade dos actos praticados e, bem ainda, que seja detentor de um juízo crítico de auto-censura. Por outro lado, demonstrou ser uma pessoa emocionalmente instável e descontrolada, que não se coíbe em agredir a sua ex companheira e mãe do seu filho nos termos em que o fez.

A este propósito, pode-se ler no relatório social: “o arguido verbaliza sentimentos persecutórios, centrando-se nos danos para si, revelando dificuldades quanto ao reconhecimento de comportamentos ilícitos. (….) Regista duas relações conjugais duradoiras, com filhos, revelando dificuldades na gestão das emoções e no controlo dos impulsos em situações de tensão ou conflito, atribuindo responsabilidade a terceiros”.

Tem antecedentes criminais registados.

Contra o arguido, militam ainda as elevadas exigências de prevenção geral positivas, estando em causa crimes intrinsecamente ligados ao íntimo da pessoa humana.

Em seu favor, cumpre registar que o arguido se encontra profissionalmente inserido, tendo uma profissão estável.

Encontra-se, ainda, familiarmente integrado.»

33 – Dispõe o artigo 40.º n.º 1, do CP, que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

34 – As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração de agente do crime nos valores sociais afectados.

35 – Na protecção de bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral.

36 – A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial.

37 – As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

38 – Num caso concreto, a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir, por isso, o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas, e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

39 – Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

40 – Nos limites da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização há-de ser encontrado o modelo adequado e a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa como seu limite inultrapassável.

41 – A criminalidade contra a liberdade sexual comporta exigências de prevenção geral de acentuada intensidade, de modo a confortar a comunidade com a reafirmação, através da pena, da validade das normas, com o consequente impacto positivo no sentimento da colectividade.

42 – As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.

43 – Na determinação da pena o juiz deve atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais as que estão exemplificativamente enunciadas no artigo 71.º n.º 2 alíneas a) a f) do CP.

44 – Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.

45 – No caso, a ilicitude dos factos manifesta-se em grau muito elevado, ponderado sobretudo o modo de execução do crime, marcado pela violência física e psicológica com grave afectação da liberdade física e sexual e pelo intenso condicionamento da vítima.

46 – Por seu lado, a culpa do recorrente manifesta-se ponderosa, no contexto do ocorrido, da relação pretérita com a vítima, a concitar um particular resguardo e respeito pela dignidade da mesma.

47 – Para além da reportada integração familiar e profissional, nada está provado que possa ser valorado favoravelmente no âmbito das circunstâncias do artigo 71.º n.º 2 do CP, designadamente uma qualquer atitude, minimamente activa, de contrição e arrependimento.

48 – Por outro lado, o recorrente não invoca quaisquer circunstâncias que não tivessem sido, de todo, consideradas pelo Tribunal recorrido.

49 – A tudo acresce o pretérito delitivo do arguido, que não consente a atenuativa de se considerar a conduta em juízo como ocasional ou fortuita.

50 – Importa ademais ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.

51 – Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada.

52 – No caso, não se vê que o Colectivo a quo haja valorado as circunstâncias apuradas com inadequado peso prudencial, por isso que o acórdão revidendo não merece nem suscita, também neste particular, qualquer intervenção ou suprimento reparatório.

53 – O arguido «pugna pelo decaimento na recolha de ADN do recorrente que constituiria um gravíssimo atentado aos seus direitos fundamentais, porquanto não poderá jamais in casu proceder o disposto na Lei 5/2008, de 12/2, em concreto, no artigo 8.º, n.º 2».

54 – A Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro «aprova os princípios de criação e manutenção de uma base de dados de perfis de ADN, para fins de identificação, e regula a recolha, tratamento e conservação de amostras de células humanas, a respectiva análise e obtenção de perfis de ADN, a metodologia de comparação de perfis de ADN, extraídos das amostras, bem como o tratamento e conservação da respectiva informação em ficheiro informático» (artigo 1.º n.º 1).

55 – O artigo 8.º da citada Lei, epigrafado de «recolha de amostras com finalidades de investigação criminal», dispõe, designadamente, nos seguintes termos:

«1 - A recolha de amostras em processo crime é realizada a pedido do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do juiz, a partir da constituição de arguido, ao abrigo do disposto no artigo 172.º do Código de Processo Penal.

2 - Quando não se tenha procedido à recolha da amostra nos termos do número anterior, é ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento, e após trânsito em julgado, a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída.»

56 – O acórdão revidendo sustentou a determinada recolha de amostra de ADN do arguido nos seguintes termos:

«Desta forma, cumpre referir que, o arguido foi sancionado com pena 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. Da sua postura em julgamento, não revelou arrependimento, nem demonstrou ter interiorizado a gravidade da sua conduta

Por outro lado, a necessidade de protecção de futuras vítimas representa um bem superior quando comparada com o direito do arguido a não ser importunado na sua esfera privada. Sopesando ambos os interesses, afigura-se-nos que, em concreto o direito à protecção de eventuais vítimas, bem como a possibilidade de o Estado prosseguir o seu fim da realização da justiça, é justificativa suficiente a que se determine a recolha em causa.

Assim sendo, deverá, após trânsito, ser efectuada recolha de amostra de ADN ao arguido, de molde a que o respectivo perfil de ADN resultante da análise das amostras recolhidas seja introduzido na base de dados de perfis de ADN - cfr. Artigos 8, nº 2 e 18, nº 3 da Lei 5/2008, de 12/2.»

57 – Afigura-se que a mera verificação dos requisitos de natureza formal contidos no citado artigo 8.º n.º 2, da mencionada Lei n.º 5/2008, não basta para abonar a decisão de recolha da amostra biológica em causa.

58 – Vejam-se, a respeito, destoantes entre si, os citados acórdãos, do Tribunal da Relação de Lisboa (prolatado no processo n.º 721/10.0PHSNT.L1-5), e deste Tribunal da Relação de Évora (prolatado no processo n.º 6/11.4TAPTG.E1).

59 – E assim, desde logo, por a tanto obstar o disposto no artigo 205.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos 97.º n.º 5 e 374.º n.º 2, estes do CPP, mas também na medida em que tal automaticidade, no ponto em que desconsidera a verificação de um concreto perigo de reiteração da actividade delitiva ou de outro receio relevante, comprime, ao insuportável (artigo 18.º, da CRP) o respeito devido pelos direitos, constitucionalmente proclamados, à reserva da intimidade (genética) da vida privada, do livre desenvolvimento pessoal e da auto-determinação informacional (artigos 36.º e 35.º, da CRP, e artigo 8.º, da Convenção Euripeia dos Direitos do Homem).

60 – Sem embargo, no caso sub inde, atento o contexto delitivo em presença (bem como o pretérito delitivo do arguido), não pode deixar de considerar-se suficientemente justificado o falado receio de reiteração delitiva ao ponto de se conceder, no que ao arguido respeita, a decretada recolha de amostra de ADN.

61 – Em conclusão, o recurso interposto pelo arguido não pode, de todo em todo, lograr provimento.

62 – O decaimento total no recurso impõe a condenação do arguido em custas, nos termos e com os critérios prevenidos nos artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP, e no artigo 8.º n.º 5 e Tabela III, estes do Regulamento das Custas Judiciais – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.


III

63 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, MM; (b) condenar o arguido recorrente nas custas, com a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.

Évora, 15 de Dezembro de 2015

António Manuel Clemente Lima (relator)

Alberto João Borges (adjunto)