Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1082/18.4T8SLV.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: PRAZO DA CONTESTAÇÃO
CONFISSÃO POR FALTA DE CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 02/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Sendo apresentada após o decurso do prazo legal, a contestação não produz qualquer efeito processual, tudo se passando como se aquela apresentação não tivesse ocorrido. Nomeadamente, não tem cabimento a discussão de questões, ainda que de conhecimento oficioso, com base em factos alegados na contestação.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1082/18.4T8SLV.E1

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(…) e (…), casados entre si, propuseram a presente acção de despejo contra (…), com fundamento em falta de pagamento da renda. Os pedidos formulados são os seguintes: a) Ser decretada a cessação do contrato de arrendamento por resolução, com a condenação do réu na entrega do locado aos autores, imediatamente, livre e devoluto de pessoas e bens; b) Ser o réu condenado a pagar aos autores a quantia de € 600,00, correspondente às rendas vencidas e não pagas até à data da propositura da acção, bem como a quantia correspondente às rendas vincendas até à efectiva entrega do locado aos autores e os respectivos juros de mora.

O réu foi pessoalmente citado e não contestou.

Todavia, após o decurso do prazo para contestar, o réu apresentou um articulado em que alegou, resumidamente, ser casado sob regime diverso da separação de bens e encontrar-se a funcionar um estabelecimento comercial no arrendado, concluindo que, atento o disposto nos artigos 1682.º-A, n.º 1, al. b), do Código Civil (CC) e 33.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), a presente acção devia ter sido proposta contra ambos os cônjuges; tendo-o sido apenas contra si, verifica-se preterição de litisconsórcio necessário passivo, o que determina a sua ilegitimidade passiva, pelo que, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, al. d), do CPC, deve ser absolvido da instância. Com o referido articulado, o réu juntou certidão do assento do seu casamento.

Em seguida, foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelo réu. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 567.º do CPC, foram julgados confessados os factos alegados na petição inicial.

Após o cumprimento do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, declarou resolvido o contrato de arrendamento e condenou o réu a entregar o locado aos autores e a pagar-lhes as rendas vencidas e vincendas desde Abril de 2018, à razão de € 200,00, por mês, até à efectiva entrega do locado, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo pagamento.

O réu recorreu do despacho saneador e da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – É redutora e restritiva a interpretação e o julgamento quando se considera no caso concreto que o que está em causa é o objecto imediato da presente acção não é o estabelecimento comercial mas apenas o direito à resolução do contrato de arrendamento.

2 – A resolução do contrato de arrendamento implica a destruição do estabelecimento comercial.

3 – A resolução ou a cessação do contrato de arrendamento não é autónoma e desligada da existência do estabelecimento comercial que funciona no local arrendado.

4 – A existência do contrato de arrendamento é elemento essencial para a existência do estabelecimento, é o elemento que determina a essência do valor do estabelecimento, sendo que é o contrato de arrendamento, as suas condições, o montante da renda e o prazo do contrato que determinam o valor de trespasse do estabelecimento.

5 – Consequentemente, o valor do estabelecimento constitui um activo que pertence ao casal e estando posta em crise a existência do contrato de arrendamento que determina a existência e o valor do estabelecimento não pode deixar de se considerar que o cônjuge deve e tem que ser citado numa acção de resolução do contrato de arrendamento, quando está em causa a subsistência do contrato de arrendamento que por sua vez põe em causa a subsistência do estabelecimento comercial.

6 – Assim sendo, como se nos afigura que é, nos termos do n.º 3 do artigo 33.º do CPC, devem ser propostas contra ambos os cônjuges as acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges, as acções emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as acções compreendidas no n.º 1.

7 – Ou seja, as acções em que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto directa ou indirectamente a casa de morada de família.

8 – Sendo assim, como se nos afigura que é, estamos perante um caso de litisconsórcio necessário passivo, em que se exige a intervenção de ambos os cônjuges, pois trata-se de local arrendado em que funciona um estabelecimento em que o réu é casado em regime que não o de separação de bens.

9 – A falta do cônjuge do requerente é motivo de ilegitimidade nos termos do artigo 33.º do CPC, o que se invoca para todos os efeitos legais.

10 – Deve ser revogada a decisão proferida no despacho saneador que julgou ser o réu parte legítima desacompanhado do cônjuge.

11 – Por outro lado, a falta de pagamento das rendas tem que ser feita pela exibição dos recibos não pagos e ausência de depósito na conta bancária.

12 – Com efeito, as cartas que se encontram juntas aos autos declaram que a renda não foi paga mas na acção não são juntos os recibos que se encontram em falta.

13 – E o certo é que o réu fez o pagamento, pese embora não os tenha apresentado no processo.

14 – A autora deveria então ter indicado os valores que recebeu.

15 – As cartas que foram enviadas também não indicam que resolvem o contrato de arrendamento.

16 – As comunicações feitas ao arrendatário destinadas à cessação do contrato nos termos do artigo 1084.º, n.º 2, do CC, têm de ser feitas nos termos do artigo 9.º, n.º 7, do NRAU, e não o foram.

17 – Ora, sendo esta a exigência da lei, nos termos do artigo 364.º do CC, o silêncio da parte não torna a exigência desse documento dispensável, pelo que os factos não poderiam ser julgados confessados no despacho saneador e, como tal, a sentença não pode decretar a resolução do contrato e a entrega do locado.

18 – A vontade do réu desacompanhado da mulher é ineficaz para confessar a falta de pagamento de rendas e o direito da resolução do contrato.

19 – Fez-se incorrecta aplicação dos artigos 30.º, 34.º e 577.º, al. e), do CPC, 364.º, 1084.º, n.º 2, 1722.º, n.º 1, al. a), e 1682.º-A, n.º 1, al. b), do CC, e 9.º, n.º 7, da Lei n.º 6/2006, de 27.02.

Os recorridos não contra-alegaram.

O recurso foi admitido.


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As questões a resolver são as seguintes:

- Legitimidade passiva;

- Se há fundamento para julgar provados todos os factos alegados pelos autores, ora recorridos.


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O tribunal a quo julgou provados os factos alegados pelos autores, ora recorridos, a saber:

1 – A autora é proprietária do prédio urbano sito na Rua de (…), em (…), freguesia de (…), concelho de Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob a ficha n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da União das Freguesias de … e … (anterior artigo … da freguesia de …).

2 – Com o falecimento da sua mãe, a autora adquiriu o imóvel por sucessão hereditária.

3 – Em 05.12.1978, a mãe da autora arrendou o imóvel ao réu, para qualquer ramo de comércio ou indústria.

4 – A renda é de € 200,00 e, nos termos do contrato de arrendamento, deve ser paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que diz respeito.

5 – O réu não paga a renda desde Abril de 2018.

6 – Apesar de várias vezes interpelado para proceder ao pagamento das rendas em dívida e da indemnização prevista no artigo 1041.º do CC, o réu continua a manter sempre o atraso no pagamento das rendas.


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Como referimos anteriormente, o recorrente não contestou a acção dentro do prazo legal. Só depois de decorrido este prazo apresentou um articulado, a que juntou um documento, mais precisamente uma certidão do assento do seu casamento. Nesse articulado, o recorrente alegou, resumidamente, ser casado sob regime diverso da separação de bens e estar a funcionar um estabelecimento comercial no arrendado, pelo que, atento o disposto nos artigos 1682.º-A, n.º 1, al. b), do CC e 33.º, n.º 3, do CPC, a presente acção devia ter sido proposta contra ambos os cônjuges; tendo-o sido apenas contra si, houve preterição de litisconsórcio necessário passivo, o que determina a sua ilegitimidade passiva, pelo que, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, al. d), do CPC, deveria ser absolvido da instância. Ou seja, estamos, materialmente, perante uma contestação, na qual o réu, alegando os factos acima referidos, se defendeu invocando uma excepção dilatória [artigos 571.º, 572.º, al. c), 573.º, 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. e), do CPC].

Por ter sido apresentada após o decurso do prazo para o efeito fixado pelo artigo 569.º, n.º 1, mesmo com o acréscimo previsto no artigo 139.º, n.ºs 5 e 6, ambos do CPC, a contestação não produz qualquer efeito processual. A causa deve prosseguir como se a mesma não tivesse sido apresentada.

Ora, o tribunal a quo não retirou, da falta de contestação, todas as ilações que devia. Considerou, acertadamente, confessados os factos alegados na petição inicial, nos termos do artigo 567.º, n.º 1, do CPC, mas sentiu necessidade de proferir um despacho saneador autónomo, à revelia do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, e, nesse despacho, tomou como demonstrados os factos que haviam sido alegados na contestação, a saber, o casamento do réu sob regime diverso da separação de bens e o funcionamento de um estabelecimento comercial no imóvel arrendado, embora acabando por concluir que os mesmos factos não determinavam a ilegitimidade processual do recorrente. Desta forma, o recorrente conseguiu introduzir no processo uma discussão que, devido à extemporaneidade da contestação, nele não devia ter tido lugar.

Na realidade, dada a falta de contestação e atento o disposto no já citado artigo 567.º, n.º 1, do CPC, os únicos factos que se encontram provados neste processo são aqueles que os recorridos alegaram na petição inicial. Entre eles, não se contam o de o recorrente ser casado, seja sob que regime de bens for, nem o de funcionar um estabelecimento comercial no imóvel arrendado. No que toca a este último aspecto, provado está apenas que, em 05.12.1978, a mãe da recorrida arrendou o imóvel ao recorrente, para qualquer ramo de comércio ou indústria. Não está provado que o recorrente utilize o imóvel nem, logicamente, que no mesmo funcione um estabelecimento comercial. Como vimos, tais factos nem sequer foram validamente alegados.

Consequentemente, é estéril a discussão, que o recorrente conseguiu indevidamente suscitar no tribunal a quo através da apresentação de uma contestação fora do prazo legal e tenta reiterar em sede de recurso, sobre se o funcionamento de um estabelecimento comercial no imóvel arrendado o torna parte ilegítima por estar desacompanhado do seu cônjuge. Não pode considerar-se provado, nem que o recorrente seja casado (tenha-se em conta o disposto no artigo 423.º, n.º 1, do CPC, sobre o momento da apresentação de documentos), nem que funcione um estabelecimento comercial no imóvel arrendado. Isso mata à nascença a discussão que o recorrente pretende suscitar nas conclusões 1 a 10 e 18. Ainda que sejam de conhecimento oficioso (artigo 578.º do CPC), só tem utilidade a discussão de questões jurídicas no processo com base em factos que nele se encontrem provados, não em factos hipotéticos e indemonstrados, como aqueles que referimos.

No que concerne às questões suscitadas nas conclusões 11 a 17, relembramos o disposto no artigo 567.º, n.º 1, do CPC. Por força desta norma e dada a não verificação de qualquer das excepções previstas no artigo seguinte, a falta de contestação teve como efeito considerarem-se confessados pelo recorrente os factos alegados pelos recorridos. Sendo assim, não é admissível pôr-se em causa, em sede de recurso, a forma observada para as comunicações entre recorridos e recorrente ou a falta de pagamento de rendas. Note-se que o recorrente chega a alegar, pela primeira vez no processo, que estas últimas foram pagas (conclusões 13 e 14), como se estivesse a contestar a acção. Repetimos, os factos alegados pelos recorridos foram acertadamente julgados confessados pelo recorrente e, como tal, provados. Desses factos resulta a existência de fundamento de resolução do contrato de arrendamento, atento o disposto no artigo 1083.º, n.ºs 1 e 3, do CC.

Concluindo, inexiste fundamento para revogar ou alterar qualquer das decisões recorridas, pelo que o recurso improcede.


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Sumário:

(…)


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Decisão:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se as decisões recorridas.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

Évora, 13 de Fevereiro de 2020

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Barata