Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2816/21.5T8FAR-A.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE RESPEITO
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
O simples tom de voz elevado do trabalhador para o seu superior hierárquico, sem qualquer outro elemento que permita avaliar a gravidade do tom de voz, não permite concluir que é de tal modo grave que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, sendo ilícito o despedimento com este fundamento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: AA (autor).
Apelada: Japblue Algarve, SA (ré).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho, J2.

1. O A. intentou processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra a R., requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento.
A R. foi notificado para apresentar articulado motivador do despedimento, o que a mesma, com respeito pelo prazo legalmente estabelecido, veio a fazer e no qual alega, em síntese, que elencou os factos constantes da nota de culpa e, posteriormente, os contantes do relatório final e decisão de despedimento, bem como a prova tida em conta no âmbito do procedimento disciplinar.
A factualidade em causa assume extrema gravidade pelo que aplicou licitamente a sanção de despedimento com justa causa, tanto mais que o A. era reincidente.
Conclui que o A., violou de forma grave os deveres que lhe são impostos, o que configura justa causa de despedimento.
Pugna, por isso, pela licitude e regularidade do despedimento do autor.
O A., regularmente notificado, apresentou contestação, impugnando os factos constantes do articulado motivador e invocando um quadro de pressão laboral e diminuição das condições de trabalho desde a aquisição pela R., o que o levou a ter de recorrer a ajuda médica, tendo os factos ocorrido no âmbito deste estado de grande comoção emocional.
Outros trabalhadores da R., devido à pressão relatada e trabalho aos fins-de-semana estão em situação de burnout profissional.
Considera o A. não ter violado com gravidade e consequências tais os seus deveres, tornando assim imediata e impossível a subsistência do vínculo laboral, tendo, no entanto, o seu despedimento sido a sanção mais extrema que se pode aplicar em sede de decisão de um processo disciplinar.
Termina pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento com todas as consequências legais.
Em sede de reconvenção peticiona o pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração a fixar entre 15 e 45 dias, bem como todas as remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado da sentença e o montante de € 2 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.
Proferiu-se despacho saneador, onde foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se audiência final como consta da ata.

2. Foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a R. Japblue Algarve, SA de tudo o peticionado.
Fixo o valor da ação em € 16 000.
O A. suportará as custas devidas.

3. Inconformado, veio o autor interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem:
A) Verifica-se uma falta de pronúncia da Sentença “a quo” relativamente à circunstância do dia 10 de junho ser um feriado obrigatório e por isso ser legítima a recusa do recorrente em trabalhar naquele dia;
B) O Tribunal “a quo” errou ao considerar que a recusa em trabalhar ao dia de feriado obrigatório e a expressão clara dessa recusa, não poder ser considerada uma violação do dever de lealdade porquanto o trabalhador tem direito a expressar a suas opiniões sobre as condições e organização do trabalho – art.º 14.º do CT;
C) O Tribunal “a quo” errou ao considerar que uma conversa em tom exaltado tem que forçosamente representar uma falta de respeito, uma tentativa de descredibilização ou intimidação do superior hierárquico, ignorando o contexto das relações laborais na recorrida, em que o sucedido não foi considerado nesse registo pelo próprio interlocutor do recorrente nos factos, afastando-se muito do critério da razoabilidade do homem médio;
D) O Tribunal “a quo” errou ao desconsiderar a relevância probatória da declaração médica e o estado psíquico do recorrente no quadro do comportamento que evidenciou nos dias 1 e 2 de junho de 2021, no sentido da compreensão do comportamento do recorrente e da sua relevância jurídica na apreciação da gravidade desse comportamento no contexto dos factos em apreciação;
E) O Tribunal “a quo” errou ainda ao atribuir relevância disciplinar ao sucedido no dia 2 de junho, porquanto o comportamento é justificado pelo seu estado psíquico comprovado e não é contraditório com o comportamento que adotou no dia 2 de junho;
F) O Tribunal “a quo” errou ao não considerar que objetivamente assistiu-se a uma degradação das condições de trabalho, por via da instituição do trabalho aos domingos e feriado e da alteração do sistema de comissões por venda;
G) O Tribunal “a quo” errou ao considerar verificada a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, com base numa visão unilateral dos deveres de lealdade e cooperação dentro da organização laboral, em que tudo pode ser exigido aos trabalhadores e aceite por estes, sob pena de violarem os deveres de lealdade para com a entidade empregadora, ignorando os limites legais dos poderes de direção da entidade empregadora.
H) A consideração dos antecedentes disciplinares do recorrente, não poderão ser entendida como o tribunal “a quo” o fez, como um estado que impediria o recorrente de se manifestar contra o atropelo de direitos, como se se encontrasse numa situação de limitação desses direitos por ter antecedentes disciplinares.
Termos em que, requer a V.Exas que, considerando a inexistência de justa causa de despedimento, revoguem a sentença recorrida e a substituam outra que julgue ilícito o despedimento do recorrente, com todas as consequências legais conforme peticionado.


4. A ré respondeu e pugnou pela improcedência do recurso.

5. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.
Não foi apresentada resposta.

6. Dispensados os vistos por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

7. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1. Nulidade da sentença
2. Apurar se o despedimento é lícito e suas consequências.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada a matéria de facto seguinte:
A) O A. foi admitido ao serviço em 18/02/2011 da R., anteriormente denominada LACOCAR - COM. IND. DE AUTOMÓVEIS, S.A., como vendedor de automóveis de uma das marcas representadas, concretamente da marca Audi;
B) A R. intentou contra o A. um processo disciplinar por factos ocorridos a 1 e 2 de Junho de 2021, do qual o autor foi notificado por carta datada de 28 de julho de 2021 da Nota de Culpa da qual contava que o processo disciplinar tinha em vista o despedimento do A.;
C) Apresentada a resposta do ora A. e a instrução do processo, a R. comunicou ao A. a cessação do contrato de trabalho por despedimento com justa causa;
D) A decisão de despedimento foi proferida e comunicada ao trabalhador, ora A., em 29 de setembro de 2021, através de e-mail enviado ao seu Mandatário e, ainda, por correio registado com aviso de recepão ao trabalhador, nessa mesma data;
E) O Mandatário do A. recebeu a comunicação nesse mesmo dia, tendo a comunicação enviada ao trabalhador chegado ao seu poder no dia 30 de setembro de 2021, que só não a recebeu porque não atendeu, ficando a mesma, desde essa data, disponível para levantamento no respetivo posto CTT;
F) O A. nunca procedeu ao levantamento da comunicação de despedimento, tendo a mesma sido devolvida à remetente, ora R.;
G) Na nota de culpa foram imputados ao ora A. os seguintes factos: “(…) A) No dia 01 de Junho de 2021, pelas 15h30m, no decurso de uma conversa mantida entre o colaborador BB, Gerente de Polo e superior hierárquico do trabalhador-arguido, e o colaborador CC, sobre a organização da escala de serviço para o mês de Junho, em que estavam a averiguar quem tinha sido o último colaborador a gozar folga num dia de feriado, o trabalhador-arguido interveio, afirmando que no dia 10 de Junho de 2021 (feriado) não estaria na cidade e, por conseguinte, não iria trabalhar. B) Perante tal afirmação, o superior hierárquico do trabalhador-arguido respondeu-lhe que o colaborador DD, consultor comercial, já tinha previamente solicitado o gozo de folga nesse dia, pois iria visitar os pais a Sines, que já não via há seis meses, em resultado da pandemia. C) Nessa sequência, o trabalhador-arguido insurgiu-se, de forma exaltada, alegando que o colaborador DD tinha sido admitido na entidade empregadora recentemente, ao contrário dele e, como tal, o seu pedido deveria ser atendido em detrimento do pedido do seu colega. D) O seu superior hierárquico, BB, retorquiu, esclarecendo o trabalhador-arguido que na entidade empregadora todos os colaboradores são tratados como iguais, não havendo favorecimentos, pelo que, a sua argumentação não poderia ser considerada. E) Em face disso, o trabalhador-arguido, de forma exaltada e em tom de voz elevado, afirmou que, caso a entidade empregadora o colocasse de escala no referido dia 10 de Junho, não compareceria no local de trabalho para exercer as suas funções. F) Terminada a conversa, o trabalhador-arguido regressou ao seu posto de trabalho, nesse dia afecto ao serviço do stand. G) Todavia, volvidos alguns minutos, o trabalhador-arguido abandonou o seu posto de trabalho, saindo das instalações da entidade empregadora, sem nada comunicar ou justificar ao seu superior hierárquico, não tendo mais regressado nesse dia. H) Nesse seguimento, o superior hierárquico, BB, estabeleceu de imediato contacto telefónico com o trabalhador-arguido para o questionar sobre o abandono do local de trabalho, ao que este respondeu não se encontrar em condições de falar. I) O superior hierárquico, BB, informou, ainda, o trabalhador-arguido de que, no dia seguinte (02-06-2021), logo que chegasse ao seu local de trabalho, iria reunir com ele e com o Dr. EE, Director-Geral da entidade empregadora. J) No dia 02 de Junho, pelas 09h00, o trabalhador-arguido compareceu no seu local de trabalho, exercendo as suas funções como habitualmente. K) No decurso dessa manhã, o superior hierárquico do trabalhador-arguido dirigiu-se junto deste e comunicou-lhe que a referida reunião ficara agendada para esse dia, às 15h00, tendo o trabalhador-arguido anuído, sem manifestar qualquer contrariedade ou impedimento. L) No entanto, por volta das 14h00, o trabalhador-arguido abandonou, uma vez mais, o local de trabalho, sem comunicar ou obter autorização prévia do seu superior hierárquico para o efeito, solicitando, apenas, ao colaborador DD que o levasse a casa. M) Quando chegou a casa, entregou as chaves da sua viatura de serviço ao colaborador DD, desejando-lhe sorte, sem nada mais acrescentar. N) Pelas 14h51m desse mesmo dia, 02 de Junho, o superior hierárquico do trabalhador-arguido recebeu um e-mail, remetido, alegadamente, por uma pessoa que se intitulou como cônjuge do trabalhador-arguido, no qual constava em anexo um Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, datado de dia 02 de Junho de 2021, com a indicação do período de incapacidade entre os dias de 01 e 12 de Junho de 2021, e, ainda, uma Declaração Médica, datada de dia 01 de Junho de 2021, a atestar que o trabalhador-arguido apresentava uma situação aguda que o impedia de trabalhar no próprio dia e no dia seguinte. O) Não obstante constar do Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho que o trabalhador-arguido apenas se encontrava autorizado a ausentar-se do seu domicílio entre o período das 11h00 às 15h00 e das 18h00 às 21h00, desde o dia 01 de Junho de 2021 a 12 de Junho de 2021, e, ainda da Declaração Médica datada de dia 01 de Junho de 2021 constar a justificação de ausência da sua actividade profissional, o trabalhador-arguido compareceu ao serviço no dia 02 de Junho, pelas 9h00, contrariando, dessa forma, as indicações médicas constantes dos documentos apresentados. (…)
H) O A. apresentou resposta à nota de culpa com o seguinte teor: “1. O presente processo disciplinar e a dedução da Nota de Culpa a que agora se responde, é manifestação de uma atitude persecutória e de intimidação do Trabalhador/Respondente levada a cabo pela entidade empregadora, com vista a que o mesmo deixe a empresa, conforme já sucedido com outros colegas; 2. Além da diminuição das condições de trabalho e do aumento da pressão sobre os profissionais, a entidade empregadora utiliza a técnica do empolamento de qualquer situação para a transformar num incidente disciplinar, quando o mesmo não existe; 3. Os factos vertidos na Nota de Culpa, não consubstanciam uma situação de justa causa de despedimento, porquanto há um empolamento dos factos atribuindo-lhe a relevância que não têm, com vista ao seu enquadramento num quadro disciplinar, sem fundamento. Sobre a Matéria Acusatória; 4. O referido no Ponto 1.3 não é rigoroso, já que Trabalhador/Respondente foi admitido ao serviço em 18/02/2011 mas ao serviço da sociedade LACOCAR - COM.IND. DE AUTOMÓVEIS, S.A., a quem a atual entidade empregadora sucedeu nessa qualidade por aquisição do estabelecimento em 2016, como vendedor de automóveis de uma das marcas representadas, concretamente da marca Audi; 5. É, aliás, a partir de 2016 com a aquisição do estabelecimento pela atual entidade patronal, que se dá início a uma diminuição das condições de trabalho no sector de vendas da empresa, com a banalização do trabalho aos fins-de-semana e feriados, com a alteração do esquema de comissões por venda de viaturas e com a prática de pressão sobre os vendedores para obtenção de vendas, que muito têm contribuindo para o mau ambiente e problemas de relacionamento entre os funcionários e as chefias; 6. Exemplo disso, foi a saída desde 2016 de 2 vendedores admitidos ao serviço pela Lacocar e recentemente na saída de um chefe de vendas de uma marca também representada pela atual entidade empregadora; 7. É neste quadro de pressão laboral, que o Trabalhador/Respondente também é afetado, sofrendo de stress profissional e instabilidade emocional; 8. Todavia, o stress profissional sentido pelo Trabalhador/Respondente também é acentuado pelos modos e formas de comunicação do seu superior hierárquico BB que assume comportamentos prepotentes e desrespeitadores da dignidade do Trabalhador/Respondente; 9. Designadamente, no dia 01 de Junho, na reunião ocorrida sobre a questão das escalas no feriado de 10 de Junho, quando o Trabalhador/Respondente referiu que não poderia assumir o Feriado de 10 de Junho por compromissos previamente assumidos para esse dia, foi o BB que se mostrou intransigente quanto à indisponibilidade manifestada pelo Trabalhador/Respondente e levantou a voz, insistindo que seria o Trabalhador/Respondente que teria que assegurar aquele feriado, não permitido que fosse o DD a assegurar o feriado; 10. Aliás, o argumento referido na Nota de Culpa no Ponto 2.1 B) quanto ao vendedor e colega do Trabalhador/DD sobre a visita aos pais, não foi sequer referido na dita reunião, pelo que é falso que essa situação tivesse sido ponderada na ocasião pelo BB; 11. Acresce ainda que, o colaborador CC, também presente na reunião, perante a indisponibilidade manifestada pelo Trabalhador/Respondente, disponibilizou-se na ocasião para assegurar o feriado de 10 de Junho, o que também não foi aceite pelo BB numa manifesta atitude de autoritarismo e prepotência querendo demostrar ao Trabalhador/Respondente tal como referiu na reunião que era ele que mandava; 12. Ora, a intransigência do BB quanto à organização da escala, quando existiam alternativas, agastaram emocionalmente o Trabalhador/Respondente que, visivelmente transtornado com a situação, desabafou que não viria trabalhar no referido feriado; 13. Na verdade, o Trabalhador/Respondente saiu da reunião no estado de grande comoção emocional, tendo por isso abandonado as instalações da empresa porque sentiu que não estava em condições psicológicas de estabelecer qualquer contacto interpessoal; 14. O que aliás reiterou no contacto telefónico com o BB nesse mesmo dia; 15. No dia 2 de Junho, o Trabalhador/Respondente compareceu no serviço porque tinha assuntos profissionais urgentes e inadiáveis e tratar, nomeadamente a entrega de uma viatura automóvel (Audi Q3 SportBack) adquirida por um cliente em Agosto de 2020, mas cuja a entrega só tinha sido possível realizar naquele dia; 16. Tendo também naquela manhã realizado um teste drive a um cliente já seu conhecido que também estava agendado; 17. Porém, durante toda a manhã o Trabalhador/Respondente restringiu os contactos interpessoais ao minimamente necessário para cumprir estes compromissos profissionais, porque se encontrava em estado de grande alteração emocional; 18. Tendo depois pedido ao colega DD que o acompanhasse a casa e a quem entregou o carro de serviço; 19. No dia 1 de Junho, após ausentar-se do local de trabalho, o Trabalhador/Respondente compareceu a uma consulta médica, onde foi constatado pelo clínico a vivência de um ataque de pânico após conflito laboral, tendo sido recomendada a suspensão da atividade laboral; 20. O Trabalhador/Respondente foi re-observado no dia 2 de Junho, tendo sido medicado com ansiolíticos e calmantes, conforme relatório médico que se junta como Documento n°. 1, confirmando-se o quadro de stress pós-traumático, que ainda persiste atualmente; 21. Todavia, no dia 3 de Junho (Feriado), e apesar de estar de baixa médica, o Trabalhador/Respondente compareceu nas instalações da empresa, tendo reunido com o BB, a quem fez a entrega do computador de serviço e facultado ao superior hierárquico um apontamento de todos os processos de venda em curso, passando assim o serviço e acautelando os interesses da entidade empregadora e dos seus clientes; 22. Estranha-se a omissão na Nota de
Culpa da presença do Trabalhador/Respondente nas instalações da entidade empregadora no dia 3 de Junho para passagem do serviço, apesar de estar de baixa médica; 23. Sublinhe-se que o Trabalhador/Respondente comunicou, assim que possível, a situação de saúde em que se encontrava, designadamente através do email de 2 de Junho e a apresentação do certificado de incapacidade temporária para o trabalho e declaração médica, comprovativa do estado de saúde do Trabalhador/Respondente, conforme referido na Nota de Culpa; 24. Sublinhe-se também que a circunstância do Trabalhador/Respondente não ter comunicado verbalmente no dia 1 e no dia 2 a sua situação médica, resulta precisamente da natureza dessa situação, em que o Trabalhador/Respondente estava impossibilitado por razões de saúde de estabelecer relações interpessoais num quadro de mínima serenidade, evitando por isso a qualquer contacto com o BB; 25. Sublinhe-se que, a circunstância do Trabalhador/Respondente ter comparecido nas instalações da empresa quando já estava de baixa médica, teve precisamente em vista a defesa dos interesses económicos da entidade empregadora, assegurando os serviços previamente agendados e passando os serviços em curso; 26. Sublinhe-se que, o Trabalhador/Respondente sempre assegurou os fins-de-semana e os feriados para o qual foi escalado, tendo sempre assegurado as suas funções de vendedor, nas quais sempre se destacou como bom profissional; 27. O episódio de 1 de Junho e a reação emocional do Trabalhador/Respondente ao que lhe pareceu ser uma atitude injusta e prepotente do superior hierárquico BB face à indisponibilidade que manifestou para assegurar o feriado de 10 de Junho, é também o culminar de um desgaste psicológico perante a pressão e modos autoritários do superior hierárquico BB, o qual não permitiu outra solução para assegurar o Feriado de 10 de Junho quando estas existiam, para impor a sua autoridade; 28. Sublinhe-se que, o 10 de Junho é um Feriado obrigatório, não estando a entidade empregadora obrigada a laboração naquele dia, não estando por isso o Trabalhador/Respondente obrigado a trabalhar nesse feriado; 29. Refira-se ainda que, o Trabalhador/Respondente compareceu no dia 5 de Julho de 2021 na Comissão de Verificação da Incapacidade para o Trabalho, a qual confirmou a situação incapacitante do Trabalhador/Respondente, conforme Documento n°. 2; 30. Ora, os factos, as circunstâncias e os pareceres dos médicos que assistiram o Trabalhador/Respondente, comprovam que o mesmo foi acometido por doença incapacitante do foro psicológico relacionado com a situação laboral; 31. E o seu estado de exaltação deveu-se principalmente à circunstância do superior hierárquico BB ter-lhe levantado a voz Trabalhador/Respondente quando este referiu que estava indisponível para trabalhar no feriado de 10 de Junho. 32. Assim sendo como é patente, o revestimento do sucedido como a violação de deveres profissionais do Trabalhador/Respondente conforme explanado na Nota de Culpa, não tem fundamento e só se compreende num quadro persecutório e de assédio em contexto laboral que tem em vista que o Trabalhador/Respondente abandone a empresa, 33. Porquanto, é patente a inexistência de qualquer justa causa de despedimento, conforme intenção propalada na Notificação ao Trabalhador/Respondente, já que outro Trabalhador/Respondente podia ter assegurado o dia 10 de Junho, a recusa do trabalho a um dia feriado obrigatório é legítima e o Trabalhador/Respondente foi cometido por doença devidamente comprovada nos termos da lei, Porquanto, pugna-se pelo Arquivamento do presente processo disciplinar.”
J) Foram ouvidas as testemunhas indicadas na Nota de Culpa e na respectiva Resposta, BB, CC e DD, com excepção da testemunha indicada pelo trabalhador-arguido, FF, cuja inquirição foi prescindida a pedido do mesmo;
K) Quanto às testemunhas inquiridas foram colhidos os seguintes depoimentos, tendo sido realizado um aditamento ao Auto de Declarações da testemunha BB: BB “Sobre a matéria constante da Nota de Culpa, o depoente confirmou integralmente o teor da mesma, afirmando, ainda, ter conhecimento directo dos factos. Questionado o depoente sobre os factos ocorridos no dia 1 de Junho de 2021, o mesmo esclareceu que, nesse dia, estava a conversar no interior do seu gabinete, sito nas instalações da entidade empregadora, com o colaborador CC, a fim de verificarem qual teria sido o último colaborador a gozar folga num dia de feriado, para assim proceder à elaboração da escala desse mês de Junho e que, como a porta do gabinete estava aberta, o trabalhador-arguido entrou e, participou na conversa. Contudo, o trabalhador-arguido começou a falar de forma exaltada com o depoente, alegando que o colaborador DD não era mais do que ele para ter direito a gozar o dia de feriado, tendo o depoente esclarecido que o DD, tinha, previamente, solicitado a dispensa no feriado de 10 de Junho, por motivos pessoais, designadamente porque ia visitar os pais. O depoente acrescentou, ainda, que nunca disse ao trabalhador-arguido que seria ele a trabalhar no dia 10 de Junho (feriado), tanto mais que, após este sair do seu gabinete confirmou que quem estaria de escala nesse dia era o colaborador CC. Mais disse que o trabalhador-arguido é que começou a falar para si de forma exaltada, e que a conversa levou a que os ânimos se exaltassem entre ambos, mas que, no entanto, não houve falta de educação de ambas as partes. O depoente esclareceu, ainda, que a entidade empregadora trata de igual forma todos os seus colaboradores, pelo que, no âmbito da conversa mantida com o trabalhador-arguido, disse-lhe que ele não era mais do que os restantes colaboradores. O depoente acrescentou que, como superior hierárquico do trabalhador-arguido, segue os valores e directrizes emanadas pela marca “Audi”, no sentido de que deve existir um tratamento igual para todos os colaboradores. Ainda sobre os factos ocorridos no dia 1 de Junho, o depoente acrescentou que finda a conversa, o trabalhador-arguido deveria ter regressado ao seu posto de trabalho, nesse dia afecto ao stand. Sucede que, o de oente, momentos após a conversa mantida entre ambos, deu conta que o trabalhador-arguido se tinha ausentado do seu posto de trabalho. Nesse seguimento, o depoente ligou para o telemóvel do trabalhador-arguido, questionando-o sobre a sua ausência, ao que este respondeu que naquele momento não podia falar. O depoente disse-lhe que, no dia seguinte, quando entrasse ao serviço iria falar consigo e com o Dr. EE, Director-Geral da entidade empregadora. Questionado o depoente sobre os factos ocorridos no dia 2 de Junho de 2021, este esclareceu que, nesse dia, o trabalhador-arguido compareceu no local de trabalho, como habitualmente, tendo atendido clientes e procedido à entrega a um cliente de um veículo automóvel da marca “Audi”. Nesse mesmo dia, o depoente, por volta das 12horas, deslocou-se junto do trabalhador-arguido e comunicou-lhe que a referida reunião ficara agendada para as 15 horas, ao que este anuiu, falando com o depoente de forma calma e normal. O depoente acrescentou que, no início da tarde, o trabalhador-arguido pediu ao colaborador DD para o levar a casa, sem ter comunicado tal facto ao depoente, nem obtido o seu consentimento para se ausentar do local de trabalho. O depoente, ainda, disse que só tomou conhecimento que o trabalhador-arguido estava de baixa depois do sucedido, ou seja, quando no dia 2 de junho, após a saída do trabalhador-arguido, recebeu um e-mail com a baixa médica e uma declaração médica. Questionado o depoente sobre os factos descritos na Resposta à Nota de Culpa e, que ocorreram no dia 3 de Junho, o depoente explicou que recebeu uma mensagem de texto do trabalhador-arguido a informar que a sua esposa iria passar nas instalações da entidade empregadora, a fim de proceder ao levantamento dos seus bens pessoais e do computador portátil da empresa para passar o serviço pendente. O depoente, após contactar a Direcção de Recursos Humanos, informou o trabalhador-arguido de que não poderia levar o computador, pois o mesmo era propriedade da entidade empregadora. Perante esta resposta, o trabalhador-arguido deslocou-se às instalações da entidade empregadora, falou com o depoente de forma pacífica e, passou o trabalho que tinha pendente. Questionado o depoente sobre os comportamentos supra descritos e objecto do presente processo disciplinar, o mesmo esclareceu que o trabalhador-arguido tem bom coração, contudo tem um temperamento difícil, o que leva a que, desde que o conhece, a exaltar-se a elevar o tom de voz sempre que é contrariado, motivo pelo qual, não mantém relação com outros colegas, que são seus pares. O depoente disse, ainda, que o trabalhador-arguido até com os clientes fica instável, pelo que teve, por diversas vezes, que intervir junto dos mesmos. Por fim, o depoente afirmou que o comportamento que o trabalhador-arguido manifestou no dia 1 de Junho já ocorreu em diversas ocasiões no passado. Por outro lado, o depoente esclareceu que na altura da aquisição da anterior empresa, pela entidade empregadora, a administração contactou directamente cada um dos trabalhadores a informar sobre a possibilidade dos mesmos passarem a trabalharem aos domingos e feriados, deixando à consideração de cada colaborador aceitar, tendo o trabalhador-arguido aceite. Questionado o depoente se na entidade empregadora existe abertura para troca de turnos entre os colaboradores, este afirmou que sim. O depoente esclareceu que sempre que o trabalhador-arguido pretendia alterar o seu turno, combinava a respectiva alteração com o colaborador CC e comunicavam ao depoente, o qual aceitava sem colocar quaisquer objecções. Por outro lado, o depoente disse que, na sequência do anterior processo disciplinar instaurado ao trabalhador-arguido, falou com o mesmo, juntamente com o Director-Geral da entidade empregadora, alertando-o de que deveria abster-se de determinadas atitudes. Por fim, questionado sobre o desempenho profissional do trabalhador-arguido e, se o mesmo sofre de pressão profissional, o depoente clarificou que este se recusa a aprender a vender viaturas com recurso às novas tecnologias. Mais afirmou, que o trabalhador-arguido é muito dependente de terceiros, mormente do depoente, por não acompanhar a evolução operada na comercialização de veículos. Acrescentou, ainda, que o trabalhador-arguido não padece de nenhum stress no do exercício da sua actividade profissional, na medida em que quando ele tem alguma dificuldade é o depoente que a resolve de imediato. O depoente considera, por fim, que o trabalhador-arguido parou no tempo. Por outro lado, o depoente esclareceu que cada vendedor faz o seu ordenado, que tal depende unicamente do desempenho de cada um, sendo que a entidade empregadora fornece todas as condições para cada vendedor, incluindo o trabalhador-arguido, de efectuar os negócios que pretender. Por último, o depoente frisou que nunca existiu nenhuma perseguição ao trabalhador-arguido. CC: “Sobre a matéria constante da Nota de Culpa, o depoente confirmou integralmente o teor da mesma, afirmando ter conhecimento directo dos factos. Questionado o depoente sobre os factos ocorridos no dia 1 de Junho de 2021, respondeu que nesse dia reuniu com o BB, seu superior hierárquico, a fim de esclarecer a situação relativa aos feriados do mês de Junho. Mais esclareceu que os últimos colaboradores a trabalharem num dia de feriado tinham sido ele próprio e o .... Questionado o depoente sobre o ocorrido na referida reunião, o mesmo esclareceu que o trabalhador-arguido, que também se encontrava presente, começou a exaltar-se, tendo o BB, como reacção, também se exaltado. Considera ter existido excessos de parte a parte. O depoente, afirmou, ainda, desconhecer que o colaborador DD não poderia assegurar o feriado de 10 de Junho, não se recordando se o BB, no decurso da conversa, o terá referido. Atendendo ao estado de exaltação decorrente da questão da escala do dia 10 de Junho, o depoente decidiu voluntariar-se para trabalhar nesse dia, acrescentando, contudo, que da conversa, não resultou nenhuma decisão sobre quem iria trabalhar no feriado mencionado e que não existiu nenhuma imposição da parte do superior hierárquico nesse sentido. O depoente esclareceu que é regra, na entidade empregadora, a rotatividade de prestação de trabalho em dias de feriado, entre os vendedores, e, que, antes da conversa mantida com o superior hierárquico, o trabalhador-arguido dirigiu-se ao depoente e informou que não tinha disponibilidade para trabalhar no feriado de 10 de Junho. Questionado o depoente acerca do que aconteceu após a conversa descrita, o mesmo esclareceu que se apercebeu que o trabalhador-arguido foi para a sua secretária e começou a arrumar os seus pertences, sem, contudo, o ter visto ir embora, apenas reparando posteriormente que já não se encontrava no seu local de trabalho. O depoente acrescentou, ainda que, o trabalhador-arguido não comentou nada consigo. Relativamente aos factos ocorridos no dia 2 de Junho, o depoente não os presenciou, pois não viu o trabalhador-arguido, pelo que somente teve conhecimento dos mesmos por meio do colaborador DD, que os relatou. Questionado o depoente sobre se o trabalhador-arguido já manifestou este tipo de comportamentos, no passado, respondeu que não ter sido a primeira vez que aconteceu. O depoente esclareceu que, quando começou a trabalhar na entidade empregadora, o trabalhador-arguido teve situações consigo, bem piores do que a relatada. Questionado o depoente sobre se existe alguma tensão entre os vendedores e a entidade empregadora, na pessoa do BB, por causa das vendas, o mesmo respondeu que os colaboradores têm objectivos a cumprir, como aliás é comum em todas as empresas de vendas. O depoente desconhece como se sente o trabalhador-arguido relativamente às suas condições de trabalho, pois o mesmo nunca desabafou consigo sobre esses assuntos. O depoente acrescentou que o trabalhador-arguido nunca falou consigo sobre se o regime de comissionamento que vigora na entidade empregadora influência a relação entre este e o seu superior hierárquico, BB, acrescentando, ainda, que era, no entanto, possível que assim fosse, se comparasse com as condições salariais anteriores à aquisição da empresa onde trabalhava. Por fim, questionado o depoente acerca do regime de comissionamento, o mesmo declarou que as condições salariais poderiam ser melhores, mas que tal não é um problema da chefia (BB), mas de quem está acima.”
DD: “Sobre a matéria constante da Nota de Culpa, o depoente confirmou parte do teor da mesma, afirmando ter conhecimento directo dos factos. Questionado o depoente sobre os factos ocorridos no dia 1 de Junho de 2021, o mesmo respondeu que não presenciou a conversa mantida entre o superior hierárquico, BB, e o trabalhador-arguido, mas que a mesma foi posteriormente comentada no seio da entidade empregadora. O depoente referiu que apenas se apercebeu que o trabalhador-arguido esteve ao serviço nesse dia, mas que, depois saiu durante o horário de expediente e não mais regressou. O depoente acrescentou que, cerca de um mês antes, pediu ao superior hierárquico, BB, para não realizar a escala do feriado de 10 de Junho, pois iria visitar os seus pais, que não via desde o Natal e que o seu pai ia ser operado nessa altura, tendo sublinhado que o seu pedido tinha sido realizado muito tempo antes da elaboração da escala. Questionado sobre o comportamento habitual do superior hierárquico BB e da relação que o mesmo mantém com todos os colaboradores, o depoente esclareceu que, desde que foi admitido na entidade empregadora, em Outubro de 2020, mantém uma excelente relação com o BB. O depoente clarificou que este é muito acessível e atende a todos os pedidos dos colaboradores, seja para alterarem turnos, seja para demais questões, como autorização para se ausentar por motivos pessoais. Questionado o depoente sobre se o regime de comissionamento na entidade empregadora gera mau estar nos vendedores, respondeu que quando ingressou na entidade empregadora aceitou as condições que lhe foram apresentadas. O depoente acrescentou que cada vendedor tem a liberdade de gerir a sua carteira de clientes, mas que não existe pressão sobre os vendedores para venderem “x” número de viaturas. Questionado o depoente acerca dos factos ocorridos no dia 2 de Junho, referiu que tem conhecimento directo dos mesmos e, como tal, confirma na íntegra os factos constantes na Nota de Culpa. Assim, o depoente esclareceu que nesse dia estava ao serviço, tudo correndo dentro da normalidade. Por volta das 14h00m, o trabalhador-arguido solicitou ao depoente que o levasse a um sítio, perto da sua residência, sem mais nada adiantar, tendo-se convencido o depoente de que o trabalhador-arguido iria buscar uma viatura de algum cliente. Durante o trajecto, o depoente e o trabalhador-arguido não conversaram, nem este comentou os factos ocorridos no dia anterior. Quando chegou junto da residência do trabalhador-arguido, este saiu do veículo e disse ao depoente “boa sorte, até uma próxima” e, foi embora. O trabalhador-arguido nada mais disse ao depoente. O depoente referiu que no dia seguinte (3 de Junho de 2021) viu o trabalhador-arguido nas instalações da entidade empregadora a levar o seu computador de trabalho e, uns dias mais tarde voltou a vê-lo, juntamente com a esposa, nas instalações, quando lhe solicitou auxilio para retirar umas fotografias pessoais do computador. Questionado o depoente sobre se alguma vez se apercebeu que o comissionamento gera mau estar entre os colaboradores, respondeu que a forma como é processado o comissionamento é uma política da empresa, sendo que, num mês que corra bem, o sistema de pontos é generoso. Mais afirmou que, durante a pandemia, achou que o sistema de pontos para atribuição das comissões era muito restritivo. Inclusive, o debate sobre o sistema de pontos surgiu em reunião entre o BB e a equipa comercial, tendo toda a equipa expressado a sua preocupação, o que levou a que o sistema de pontuação tenha sido alterado durante esse período. O depoente afirmou, ainda, que desconhece a saída de outros colaboradores. Por fim, questionado o depoente sobre se, no passado, já existiram altercações entre o trabalhador-arguido e os restantes colaboradores, mencionou que teve conhecimento de situações semelhantes à presente, especialmente com o colaborador ..., com o qual o trabalhador-arguido nem mantém relação. O depoente esclareceu que o trabalhador-arguido tem uma relação cordial com CC e, que consigo têm uma boa relação. Acrescentou, ainda, que o trabalhador-arguido é uma pessoa impulsiva, que tem um temperamento próprio, mas o depoente nunca presenciou nenhuma situação semelhante à relatada na Nota de Culpa.”;
L) Foi posteriormente, recolhido novo depoimento à testemunha BB, relativamente a alguns pontos da Resposta à Nota de Culpa com o seguinte teor: “Questionado o depoente sobre o comportamento do trabalhador-arguido durante a manhã do dia 02/06/2021, designadamente, se revelava sinais de stress ou de apatia no exercício das suas funções, o depoente referiu que o seu comportamento era absolutamente normal, sem qualquer sinal de nervosismo, ansiedade ou de apatia. Como se de outro dia qualquer se tratasse. Questionado, ainda, sobre se a sua presença nesse mesmo dia era imprescindível para a conclusão dos negócios aludidos na Resposta à Nota de Culpa, o mesmo disse que qualquer um dos outros colaboradores o poderia substituir para esse efeito, garantindo, desse modo, o cumprimento da agenda. Questionado sobre a saída de outros trabalhadores da entidade empregadora, alegada na Resposta à Nota de Culpa, o depoente diz não compreender o seu alcance, pois os trabalhadores que saíram tinham razões absolutamente alheias às questões aludidas pelo trabalhador-arguido.”;
M) No dia 01 de Junho de 2021, na sequência de uma conversa entre o A. e o trabalhador da R. CC sobre quem fazia os feriados de 03 e 10 de Junho de 2021, decidiram ambos ir falar com BB, gerente do polo de Faro da R.;
N) No dia 01 de Junho de 2021, pelas 15h30m, no decurso de uma conversa mantida entre o colaborador BB, Gerente de Polo e superior hierárquico do A. e o colaborador CC, sobre a organização da escala de serviço para o mês de Junho, em que estavam a averiguar quem tinha sido o último colaborador a gozar folga num dia de feriado, o A. interveio, afirmando que no dia 10 de Junho de 2021 (feriado) não iria trabalhar;
O) Perante tal afirmação, o superior hierárquico do A. respondeu-lhe que o colaborador DD, consultor comercial, já tinha previamente solicitado o gozo de folga nesse dia, pois iria visitar os pais, que já não via há seis meses, em resultado da pandemia;
P) Nessa sequência, o A. insurgiu-se, de forma exaltada, alegando que o colaborador DD tinha sido admitido na entidade empregadora recentemente e tinha privilégios;
Q) O seu superior hierárquico, BB, retorquiu, esclarecendo o A. que na entidade empregadora todos os colaboradores são tratados como iguais, não havendo favorecimentos, pelo que, a sua argumentação não poderia ser considerada;
R) Em face disso, o A., de forma exaltada e em tom de voz elevado, afirmou que, caso a entidade empregadora o colocasse de escala no referido dia 10 de Junho, não compareceria no local de trabalho para exercer as suas funções;
S) Terminada a conversa, o A. regressou ao seu posto de trabalho, nesse dia afecto ao serviço do stand;
T) Volvidos alguns minutos, o A. abandonou o seu posto de trabalho, saindo das instalações da entidade empregadora, sem nada comunicar ou justificar ao seu superior hierárquico, não tendo mais regressado nesse dia;
U) Nesse seguimento, o superior hierárquico, BB, estabeleceu de imediato contacto telefónico com o A. para o questionar sobre o abandono do local de trabalho, ao que este respondeu não se encontrar em condições de falar;
V) O superior hierárquico, BB, informou, ainda, o A. de que, no dia seguinte (02-06-2021), logo que chegasse ao seu local de trabalho, iria reunir com ele e com o Dr. EE, Director-Geral da entidade empregadora;
W) No dia 02 de Junho, pelas 09h00, o A. compareceu no seu local de trabalho, exercendo as suas funções como habitualmente;
X) No decurso dessa manhã, o superior hierárquico do A. dirigiu-se junto deste e comunicou-lhe que a referida reunião ficara agendada para esse dia, às 15h00, tendo o A. anuído, sem manifestar qualquer contrariedade ou impedimento;
Y) Por volta das 14h00, o A. abandonou, uma vez mais, o local de trabalho, sem comunicar ou obter autorização prévia do seu superior hierárquico para o efeito, solicitando, apenas, ao colaborador DD que o levasse a casa;
Z) Quando chegou a casa, entregou as chaves da sua viatura de serviço ao colaborador DD, desejando-lhe sorte, sem nada mais acrescentar;
AA) Pelas 14h51m desse mesmo dia, 02 de Junho, o superior hierárquico do A. recebeu um e-mail, remetido, alegadamente, por uma pessoa que se intitulou como cônjuge do A., no qual constava em anexo um Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, datado de dia 02 de Junho de 2021, com a indicação do período de incapacidade entre os dias de 01 e 12 de Junho de 2021, e, ainda, uma Declaração Médica, datada de dia 01 de Junho de 2021, a atestar que o A. apresentava uma situação aguda que o impedia de trabalhar no próprio dia e no dia seguinte;
BB) Consta do Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho que o A. apenas se encontrava autorizado a ausentar-se do seu domicílio entre o período das 11h00 às 15h00 e das 18h00 às 21h00, desde o dia 01 de Junho de 2021 a 12 de Junho de 2021, e, ainda da Declaração Médica datada de dia 01 de Junho de 2021 consta a justificação de ausência da sua actividade profissional;
CC) O A. compareceu ao serviço no dia 02 de Junho, pelas 9h00 e até cerca das 14.00 horas, tendo desenvolvido as suas tarefas de atendimento de clientes e entrega de uma viatura, bem como um teste drive a um cliente;
DD) Em momento algum, o A. nesse período referiu que se encontrava com um problema de saúde;
EE) Nem no dia 02 de Junho de 2021, quando se apresentou ao trabalho, prestou qualquer justificação para o ocorrido no dia anterior, tendo sido a entidade empregadora surpreendida com a declaração médica e com o Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, apresentados no dia 02 de Junho, pela cônjuge do A.;
FF) Ao abandonar subitamente o local de trabalho como fez, e sem nada justificar, o A. deixou o seu trabalho de atendimento a clientes ao stand por realizar no dia 01 de Junho para o que esta destacado;
GG) Ao A. foi instaurado um processo disciplinar, em 2020, por comportamentos agressivos e de intimidação de um colega de trabalho, e, como consequência, aplicada uma sanção de suspensão de cinco dias de trabalho;
HH) O superior hierárquico do A., quando se lhe é requerida alguma troca entre colaboradores, não coloca qualquer objecção à mesma;
II) A última diligência de instrução realizada ocorreu no dia 17 de Setembro de 2021, com a inquirição da testemunha BB, da qual resultou um aditamento ao depoimento já prestado pela mesma, em 25 de Agosto de 2021;
JJ) Desde a aquisição pelo grupo JAP Blue da Ré em 2016, institucionalizou-se o trabalho aos fins-de-semana e feriados, assegurado pelos colaboradores numa escala rotativa, o que causou insatisfação dos colaboradores da Ré e tensão entre estes e a chefia da empresa;
KK) O trabalho aos fins-de-semana e feriados não se traduz em aumento de vendas, a ponto até de em vez de gozarem os dias de folga que resultam do trabalho aos fins-de-semana e feriados, os vendedores optarem por comparecer no trabalho nesses dias de semana, por considerarem contraproducente para as suas vendas estarem ausentes nos dias de semana;
LL) Foi diagnosticado ao Autor um quadro de ansiedade e deprissividade, por vezes com características de tipo pânico;
MM) Foi implementado um sistema de comissões pelas vendas de viaturas por pontos, que implica que os vendedores como o Autor, para receberem comissões da venda de viaturas tenham que vender viaturas que perfaçam o número mínimo de pontos, podendo implicar o não recebimento da comissão por venda de uma viatura que não atinja o número mínimo de pontos;
NN) Os vendedores que entraram em data anterior a 2016 têm direito à utilização de viatura de serviço;
OO) A R. apresentou uma proposta de acordo que visava limitar este uso;
PP) No dia 01 de Junho, o Autor compareceu a uma consulta médica, onde foi constatado pelo clínico a vivência de um ataque de pânico após conflito laboral, tendo sido recomendada a suspensão da atividade laboral;
QQ) O Autor foi reobservado no dia 2 de Junho, tendo sido medicado com ansiolíticos e calmantes, confirmando-se o quadro de stress pós-traumático, que ainda persiste atualmente;
RR) No dia 3 de Junho (Feriado), e apesar de estar de baixa médica, o Autor compareceu nas instalações da empresa, tendo reunido com o BB, a quem fez a entrega do computador de serviço e facultado ao superior hierárquico um apontamento de todos os processos de venda em curso, passando assim o serviço;

B) APRECIAÇÃO


B1) A nulidade da sentença

O apelante conclui que: “A) Verifica-se uma falta de pronúncia da Sentença “a quo” relativamente à circunstância do dia 10 de junho ser um feriado obrigatório e por isso ser legítima a recusa do recorrente em trabalhar naquele dia”.
Salvo o devido respeito, o tribunal não tinha que se pronunciar sobre esta matéria, porquanto não está provado que não trabalhou nesse dia, nem este facto integra a nota de culpa ou a decisão que conduziu ao despedimento.
A sentença pronuncia-se sobre os factos ocorridos em 1 e 2 de junho, pois são os que são imputados ao trabalhador como justificativos para o seu despedimento.
Assim, indefere-se a nulidade invocada.

B2) A justa causa para o despedimento e as suas consequências.

O art.º 351.º do CT prescreve que constitui justa causa de despedimento, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (n.º 1).
O n.º 2 deste mesmo artigo enumera exemplificativamente comportamentos do trabalhador, suscetíveis de constituir justa causa de despedimento.
Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os eus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Os factos provados mostram que o autor no dia 1 e 2 de junho falou com voz elevada ao seu superior hierárquico, dizendo que não iria trabalhar no feriado de 10 de junho. O trabalhador manifestou a intenção de não trabalhar nesse dia. A imputação diz respeito apenas ao modo como se dirigiu ao superior hierárquico, com voz exaltada, mas não são descritos factos concretos que consubstanciem alguma falta de respeito para além do tom de voz elevado.
Quanto ao abandono do trabalho sem autorização, está provado que o trabalhador estava dispensado de comparecer ao serviço. Não se sabe a razão pela qual compareceu, mas a verdade é que não estava obrigado a comparecer, pelo que não cometeu qualquer ilícito ao sair do local de trabalho, em face do certificado de incapacidade.
Saliente-se o quadro psicológico do trabalhador, atestado por médico, o qual poderá justificar o tom de voz.
O único comportamento censurável do trabalhador consiste no tom de voz.
Todavia, apenas o tom de voz elevado, sem descrição de mais circunstâncias concretas, não permite concluir que este facto justifica o despedimento. Os locais de trabalho são lugares onde trabalham pessoas que pelas mais variadas razões podem em determinados momentos perder um pouco a compostura de falar mais alto. Mas isto não justifica sem mais o despedimento.
Nestes termos, a conduta do trabalhador, embora censurável quanto ao volume de voz, não é só por si suscetível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Nestes termos, julgamos a apelação procedente e revoga-se a sentença recorrida e se declara ilícito o despedimento promovido pela empregadora aqui ré.
Em face do decidido, há que conhecer dos pedidos formulados pelo autor.
O autor pede que:
Seja declarada a ilicitude do despedimento com todas as consequências legais.
O pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração a fixar entre 15 e 45 dias, bem como todas as remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado da sentença e o montante de € 2 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.
O art.º 389.º n.º 1 do CT prescreve:
1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º
Nesta sequência, o art.º 390.º do CT prescreve:
1 - Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2 - Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
Não consta dos factos provados qual é a retribuição do trabalhador.
Contudo, esta matéria está alegada no artigo 90 do articulado oferecido pelo trabalhador e não foi impugnada, nem o documento (recibo de vencimento) oferecido como prova.
Daí que se dá como provado que “o salário do A. de vencimento base é de € 665, acrescido de € 6,41 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efetivamente prestado, acrescido de comissões variáveis pelas várias vendas efetuadas”.
Tendo em conta as circunstâncias concretas do caso e o baixo salário base, entendemos adequada e proporcional fixar em 30 dias a base de cálculo da indemnização de antiguidade (art.º 391.º do CT), desde a data da admissão na ré até à data do trânsito em julgado da decisão final.
Igualmente o autor tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, em 30.09.2021, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, deduzindo-se as importâncias que o trabalhador tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e o subsídio de desemprego se tiver sido atribuído ao trabalhador no período referido, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
O A. pede ainda a compensação por danos não patrimoniais no montante de € 2 000.
O art.º 389.º n.º 1, alínea a), do CT prescreve que sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais.
Estes danos são apurados em cada processo e é relativamente a cada caso concreto que é avaliada a sua repercussão na vida e na saúde dos lesados.
A compensação pelos danos não patrimoniais tem vindo a ganhar relevo e importância ao longo das últimas décadas, na medida em que se tem vindo a entender que a saúde não é apenas a que diz respeito ao corpo físico, mas também ao bem-estar emocional, psicológico, social, espiritual, financeiro, em resumo, diz respeito à qualidade de vida perdida em consequência do dano sofrido.
Não constam dos factos provados quaisquer factos relativos a danos não patrimoniais sofridos pelo A. em consequência do despedimento.
Assim, este pedido improcede.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente parcialmente, revogar parcialmente a sentença recorrida e declarar ilícito o despedimento promovido pela ré.
1. Condenar a ré a pagar ao autor a indemnização de antiguidade correspondente a 30 dias de retribuição base (€ 665), desde a data da admissão na ré até à data do trânsito em julgado da decisão final.
2. Condenar a ré a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde data do despedimento (30.09.2021), até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, deduzindo-se as importâncias que o trabalhador tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e o subsídio de desemprego se tiver sido atribuído ao trabalhador no período referido, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social, acrescidas dos juros de mora à taxa legal, desde a data da citação, como é pedido, até pagamento.
Custas pela apelante e apelado, na proporção do decaimento.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 27 de outubro de 2022.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço