Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
939/15.9T8OLH-B.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: INSOLVÊNCIA
HERANÇA INDIVISA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
Não incidindo a apreensão dos autos de insolvência sobre os imóveis que integram o quinhão hereditário do insolvente, mas sobre o direito àquele quinhão, não funciona a preferência que para o credor hipotecário resulta da hipoteca que havia constituído sobre aqueles imóveis, já que na liquidação dos autos nunca poderão ser vendidos os imóveis em questão (art.º 174º do CIRE), pelo que o seu crédito terá de ser graduado como crédito comum.
Decisão Texto Integral:





ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No apenso de reclamação de créditos a que se procedeu no âmbito do processo de insolvência de AA, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Olhão – Instância Central – Secção de Comércio – J1), em que é reclamante entre Outros, BB, S.A., foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, cujo dispositivo reza:
Pelo exposto, decide-se:
A) Homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e, consequentemente, julgar verificados os créditos indicados na parte II desta sentença.
B) Graduar os créditos do seguinte modo:
Único - Todos os créditos verificados e acima indicados em A);
C) Os pagamentos desses créditos far-se-ão rateadamente, se necessário, e após o que sair precípuo.
D) Custas pela massa insolvente, atendendo-se ao disposto no art.º 303º do C.I.R.E, fixando-se o valor deste apenso de reclamação de créditos em 4.984.510,39 euros.”
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Inconformado com tal decisão veio o reclamante BB, interpor recurso, tendo apresentado as respetivas alegações e terminado pela formulação das seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
I. Compulsada a douta sentença de verificação e graduação de créditos resulta que o Mm.º Tribunal a quo não se “apercebeu” da existência de créditos com natureza distinta dos créditos comuns. I.e., nem todos os créditos que figuram na lista definitiva de créditos reconhecidos são de natureza comum.
II. Conforme resulta da decisão recorrida “deverá proceder-se à verificação e graduação de créditos, sendo que não resultando a existência de qualquer preferência os créditos verificados deverão ser considerados comuns (como qualificados na lista de créditos) e graduados no mesmo lugar, sendo pagos pelo produto da liquidação, se necessário rateadamente, e depois de subtraído o que sair precípuo”
III. Em confronto com a lista de créditos reconhecidos nos termos do preceituado no art.º 129.º do CIRE, junta aos autos em 18.12.2015, é evidente que o Tribunal recorrido não alcançou que a Senhora Administradora de Insolvência atribuiu a parte do crédito do aqui Recorrente natureza garantida quanto ao valor de 1.307.782,41 €.
IV. Logo, o Tribunal recorrido não faz qualquer menção na sentença à natureza garantida da parte substancial do crédito do BB ali reconhecida. Nem tão pouco manifestou posição contrária à graduação atribuída na referida lista.
V. Com efeito, na lista de créditos reconhecidos nos termos do art.º 129.º do CIRE, junta aos autos em 18.12.2015 os créditos do Recorrente BB foram reconhecidos tal como reclamados, na sua totalidade, quer quanto ao seu montante quer quanto à sua natureza (garantida), sem que tivessem sido objeto de qualquer impugnação.
VI. No entanto o douto tribunal graduou todos os créditos como comuns, contrariamente ao constante da lista de créditos reconhecidos, sendo manifesto que não conheceu que nem todos os créditos foram reconhecidos naquela lista como comuns.
VII. Tal omissão veio a conduzir à prolação da sentença ora em crise sem fundamentar o motivo do não reconhecimento da parte do crédito do Credor como garantido, existindo em consequência erro manifesto na aplicação dos normativos legais.
VIII. Em paralelo, não podendo desconhecer o Tribunal, dos elementos que constam dos autos, desde logo da petição inicial, que o Credor / Requerente / Recorrente é titular de garantia real sobre os bens imóveis identificados naquelas peças processuais, e que posteriormente vieram a ser apreendidos para a massa insolvente.
IX. Portanto, ainda que não fosse pela leitura da lista de créditos reconhecidos nos termos do art.º 129.º, sempre o Tribunal recorrido devia ter conhecido da existência de direitos reais de garantia, no caso hipoteca, sobre os bens que integram a massa insolvente e, assim, forçosamente, e oficiosamente, teria o dever de se pronunciar sobre o direito que tais garantias conferem ao Credor, aqui Recorrente, incorrendo em omissão de pronuncia, e não especificando os fundamentos de facto e de direito para o não reconhecimento do crédito do Credor com a natureza que lhe é conferida pela titularidade de um direito real de garantia.
X. Isto posto, forçoso é concluir que a douta sentença se encontra ferida de nulidade, por não justificar os fundamentos de facto ou de direito que fundamentam a decisão e ter deixado de se pronunciar sobre matérias que devesse conhecer, tudo em conformidade com o disposto no art.º 615.º n.º 1, alínea b) e d) do CPC .
XI. Nulidade que ora se invoca nos termos e com as legais consequências. XII. Por outro lado, vem ainda o presente interposto da douta Sentença de Verificação e Graduação de Créditos na parte em que julgou e graduou o crédito do Credor BB, S.A. de forma diversa do reclamado e reconhecido nos termos do art.º 129.º do CIRE ao Recorrente, assim fazendo o douto Tribunal a quo uma errónea interpretação do disposto nos artigos n.ºs 204.º, 686.º e 691.º, todos do Código Civil e 140.º, 47.º e 98.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante designado por CIRE).
XIII. O Recorrente BB, S.A é Credor do Insolvente no montante global de € 1.308.546,51 €, tendo reclamado, conforme resulta dos presentes autos, os seus créditos garantidos por hipotecas devidamente registadas a favor do Recorrente sobre o prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, atualmente artigo … da União das Freguesias de Faro (sé e São Pedro) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o nº …; e sobre o prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o nº …, ambos apreendidos para a massa insolvente.
XIV. Tais créditos foram reconhecidos na sua totalidade quer quanto ao seu montante quer quanto à sua natureza (garantida), pela Exma. Sr.ª Administradora da insolvência na lista elaborada nos termos do disposto no art.º 129.º do CIRE, não tendo sido objecto de qualquer impugnação.
XV. Todavia, a sentença de verificação de créditos recorrida verificou o crédito do BB, S.A., no valor de 1.308.546,51 euros, mas reconheceu o seu crédito como comum – à semelhança de todos os demais créditos reclamados – para ser pago pelo produto da venda dos bens apreendidos para a massa insolvente rateadamente.
XVI. Ora, salvo devido respeito por opinião diversa, não pode o Recorrente deixar de discordar com a graduação realizada nos presentes autos tendo o Tribunal a quo feita uma interpretação errada do disposto no art.º 204.º, 686.º e 691.º, todos do Código Civil, ou seja, ignorando a garantia real – Hipoteca – de que é beneficiário o ora Recorrente sobre os bens apreendidos a favor da massa,
XVII. Na sentença o Tribunal deve verificar os créditos reclamados e graduá-los para serem pagos pelo produto dos bens apreendidos para a massa insolvente em atenção à ordem de preferência que resulte das garantias e privilégios de que eventualmente beneficiem.
XVIII. Porém, o Tribunal a quo graduou o crédito da ora Recorrente com comum sem atender à garantia hipotecária do crédito reclamado registada sobre os bens apreendidos para a massa insolvente pela AP. 18 de 2008/02/08, na Conservatória de Registo de Predial de Faro.
XIX. A hipoteca enquanto direito real de garantia confere ao credor hipotecário a faculdade de obter a satisfação do seu crédito e acessórios, com prioridade/preferência sobre os demais credores.
XX. E, havendo conexão entre a hipoteca a favor do Recorrente e os bens apreendidos para a massa, não devem os créditos do apelante ser graduados como comuns, a serem pagos rateadamente, com os demais créditos reclamados, como decidido, o que esvazia a hipoteca do seu conteúdo, causando graves prejuízos ao recorrente no caso de ocorrer venda judicial. Tanto mais que a hipoteca abrange quer o imóvel hipotecado e todos os direitos existentes na esfera do mesmo, nos termos do artº 204°, n" 1, al d), do Código Civil.
XXI. Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 47.º do CIRE , considerando toda a prova que resulta dos autos, o seu crédito reveste a natureza de crédito garantido. Na letra da norma citada, quando refere “os bens integrantes da massa insolvente” deve entender-se que não se pretende apenas abranger concretos bens móveis ou imóveis, mas também todos os direitos que sobre eles incidam, caso contrário, tal interpretação estaria a esvaziar de conteúdo as normas civis substantivas sobre a garantia real hipotecária, no que se inclui a sequela.
XXII. Sendo o direito de sequela consequência necessária da hipoteca, traduz-se tal direito no poder do seu titular poder atuar sobre a coisa que lhe foi afeta, sem ter de se deter sobre a identidade do(s) seu(s) titular(es), sejam contitulares ou comproprietários.
XXIII. Acresce que, a hipoteca é por natureza indivisível – cfr. artigo 696º do C. Civil. Ou seja, o facto da hipoteca ter inicialmente por objeto uma única coisa, estabelece-se que, em caso de divisão da mesma, a hipoteca subsiste sobre cada coisa nova saída da divisão. XXIV. Sem prescindir, ainda que se admitisse – por mera cautela de patrocínio – que o crédito pudesse ser graduado como comum – o que se concebe, sem se conceder - (porquanto o direito sobre o imóvel permanece indivisível), sempre deveria ser feita a expressa menção na sentença de que, em caso de divisão do direito, a hipoteca segue as partes divididas, e nessa medida o crédito transforma-se em garantido, ou no caso de – ainda nestes autos – vir e ser o bem dividido, a hipoteca do aqui Recorrente sempre lhe conferirá preferência para ser pago pelo produto da venda dos imóveis.
XXV. I.e., pelo menos, o crédito do Recorrente deveria ter sido reconhecido como garantido sob a condição de ser verificar a divisão do património.
XXVI. E nunca esquecendo de se realçar, em sede verificação e graduação de créditos, que o crédito do apelante tem na sua génese características distintivas dos demais créditos, pelo que merecia, pelo menos, um tratamento diferenciado no douto aresto recorrido.
XXVII. Por tudo, a manter-se a decisão recorrida – o que se repudia – não se concretiza a finalidade última do direito, a da prática da justiça material, em detrimento da mera justiça formal, quedando o ora Recorrente em situação manifestamente desfavorecida.

Apreciando e decidindo

Como é sabido o objeto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, as questões que importa apreciar resumem-se em:
1ª - Saber se a sentença enferma de nulidade;
2ª - Saber se o crédito do ora recorrente deve ter preferência no pagamento, não devendo ser integrado nos créditos comuns.
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Em face dos factos carreados para os autos, designadamente a lista apresentada pelo Administrador de Insolvência foram considerados verificados e reconhecidos os seguintes créditos:
1- BANCO CC, S.A. – Capital: 1.842.292,29 € Juros: 260.674,63 € Total: 2.102.966,92 €. Valor proveniente de contrato de abertura de crédito celebrado a 14 de Novembro de 2005, contrato de abertura de crédito celebrado a 7 de Janeiro de 2010 com garantia de livrança em branco, descoberto de conta à ordem, 12 letras vencidas no ano de 2013 (Crédito mencionado pelo AI como sendo natureza comum).
2- BANCO DD, S.A. Capital: 208.019,85 € Juros: 1.659,78 € Total: 209.679,63 €. Valor proveniente de livrança subscrita pela sociedade “J..., Lda” avalizada pelo insolvente e vencida a 16 de Março de 2015, o banco intentou uma ação executiva que corre no Tribunal de Loulé com o nº 2648/15.0T8LLE – J1. Contrato de locação financeira imobiliária avalizado á sociedade “F…, Lda” celebrado a 25 de Julho de 2003 garantido por uma livrança em branco avalizada pelo insolvente entre outros (Crédito mencionado pelo AI como sendo natureza comum).
3- BANCO EE, S.A. Total: 126.269,13 € Valor proveniente de contrato de empréstimo por aval, conta corrente por aval e garantia bancária por aval (Crédito mencionado pelo AI como sendo natureza comum).
4- BANCO FF, Capital: 174.854,19 € Juros: 26.660,84 € Total: 201.515,03 €. Valor proveniente de contrato de abertura de crédito em conta corrente com a garantia de uma livrança em branco, três contratos de locação financeira mobiliária celebrados pela sociedade “P…, Lda” e avalizada pelo insolvente entre outros com subscrição de uma livrança em branco por cada contrato (Crédito mencionado pelo AI como sendo natureza comum).
5- BB, S.A. Capital: 1.266.756,00 € Juros: 41.790,51 € Total: 1.308.546,51 € Valor proveniente de três livranças, uma emitida a 6 de Março de 2008 e vencida a 5 de Dezembro de 2014 subscrita por “P…, Lda” e avalizada pelo insolvente entre outros com hipoteca voluntária sobre os 3 imóveis inventariados, outra livrança emitida a 9 de Junho de 2014 e vencida a 9 de Agosto de 2014 subscrita por “P…, Lda" avalizada pelo insolvente entre outros, a última livrança emitida a 10 de Maio de 2014 e vencida a 10 de Julho de 2014 subscrita por “P…, Lda” avalizada pelo insolvente entre outros (Crédito mencionado pelo AI como sendo de natureza garantida no que respeita ao valor de 1.307.782,41, sendo o restante de natureza comum).
6- GG, S.A. Capital: 331.039,51 € Juros: 22.583,95 € Total: 353.623,46 €. Valor proveniente de contrato de abertura de crédito em conta-corrente de utilização simples subscrito a 21 de Novembro de 2006, com duração de 114 meses, pela sociedade “P…, Lda” e avalizada pelo insolvente entre outros, contrato de mútuo com hipoteca, mandato e pacto de preenchimento de livrança celebrado a 16 de Maio de 2007, com duração de 84 meses, pela sociedade “P…, Lda” e avalizada pelo insolvente entre outros (Crédito mencionado pelo AI como sendo natureza comum).
7- HH, S.A. Capital: 666.882,63 € Juros: 15.027,08 € Total: 681.909,71 €. Valor proveniente de livrança subscrita a 30 de Agosto de 2004 pela sociedade “P…, Lda” avalizada pelo insolvente e vencida a 1 de Maio de 2015 banco intentou uma ação executiva que corre no Tribunal de Loulé com o nº 1824/15.0T8LLE – J1 (Crédito mencionado pelo AI como sendo natureza comum).
- Os créditos reclamados, pelo BB encontram-se garantidos por hipotecas registadas a seu favor sobre os seguintes bens: - Prédio Urbano sito na Rua …, números …, … e … - A, freguesia de São Pedro, concelho de Faro, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, atualmente inscrito na matriz sob o artigo … da União das Freguesias de Faro (sé e São Pedro) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º ….
- Prédio Urbano sito na Rua …, freguesia de São Pedro, concelho de Faro, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º ….
Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens:
- Quinhão Hereditário em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio urbano situado em Faro na Rua …, nºs …, … e …-A, com a área de 247,25 m2, composto por r/c (armazém com quatro compartimentos e 1º e 2º andares com 6 divisões cada), inscrito na matriz com o nº … da freguesia de Faro (S. Pedro) atualmente nº … da União de freguesias da Sé e São Pedro e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o nº … da referida freguesia, com o valor patrimonial de 318.480,00 €;
- Quinhão Hereditário em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio urbano situado em Faro na Rua …, com a área coberta 170 m2, composto por quatro pavimentos tendo o r/c armazém, escritório, arrecadação e casa de banho, o 1º andar com dois hall, sala comum, despensa, dois quartos, casa de banho, sala de costura, cozinha, terraço posterior e sacada anterior, 2º andar com dois hall, sala comum, despensa, dois quartos, casa de banho, sala de costura, cozinha, com sacadas anterior e posterior e o 3º andar recuado com hall, despensa, dois quartos, casa de banho, sala de jantar, cozinha, terraço anterior e sacada posterior, inscrito na matriz com o nº … da freguesia de Faro (S. Pedro) atualmente nº … da União de freguesias da Sé e São Pedro e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o nº … da referida freguesia, com o valor patrimonial de € 385.090,00
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Conhecendo da 1ª questão
Defende o recorrente a sentença é nula, por um lado, por não apresentar os fundamentos que justificam a decisão e, por outro, por omitir pronúncia sobre a natureza do seu crédito o que inquinou a graduação que se veio a fixar.
A nulidade prevista na aludida al. b) do n.º 1 do artº 615º do CPC, ocorre quando se verifique uma falta absoluta de fundamentação e não no caso de insuficiente ou deficiente fundamentação.[1] Nestas últimas situações embora possa estar afetado o valor doutrinal da sentença e de correr o risco de ser revogada ou alterada em via de recurso (se tal constituir objeto do mesmo),[2] não se encontra consubstanciada a nulidade aludida no normativo.
No caso em apreço, entendemos não conter a decisão impugnada uma falta absoluta de fundamentação no que concerne à descrição dos factos relevantes, bem como à aplicação do direito aos mesmos, embora reconheçamos que o acervo factual que se fez constar nela se deve ter por insuficiente, insuficiência essa que se tem por colmatada, atendendo à matéria de facto que fizemos consignar para apreciar e decidir a questão pertinente em termos de direito no âmbito da 2ª questão em apreciação.
Seja como for, não havendo omissão absoluta dos factos, não existe, também, nulidade da sentença.
O artº 615º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil, fulmina de nulidade a sentença em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não devia tomar conhecimento, sendo que a mesma está diretamente relacionada com o consignado no n.º 2 do artº 608º do CPC, servindo de cominação ao seu desrespeito.
Tais questões, no entanto, não devem confundir-se com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes, já que a estes não tem o tribunal de dar resposta especificada ou individualizada limitando-se, se for caso disso, a abordá-los caso contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido.
Apreciada a arguição, constatamos que apesar de se reconhecer, como, aliás, o admite o próprio Julgador a quo, que estamos perante uma fundamentação sucinta, não se verifica a alegada nulidade, já que não se deixou de dizer que não havia que atender a qualquer preferência, porque no processo apenas havia sido aprendido o direito a uma herança, não ocorrendo a apreensão de bens determinados onerados por hipoteca.
Bem ou mal, o certo é que a questão da preferência na graduação dos créditos que o recorrente alega, foi sinteticamente abordada e decidida. A justeza da decisão irá ser apreciada de seguida.
Não se verifica a arguida nulidade da sentença, improcedendo, neste segmento o recurso.

Conhecendo da 2ª questão
Entende o recorrente que estando os seus créditos garantidos por hipoteca, não deviam ser graduados como créditos comuns e serem pagos rateadamentente nos mesmos moldes de tais créditos.
O Julgador a quo entendeu que embora o ora recorrente seja credor hipotecário sobre um bem concreto que integra a herança, não beneficia da preferência decorrente da hipoteca pelo produto da liquidação de um direito dessa herança.
A questão colocada já foi abordada neste Tribunal da Relação no acórdão de 07/01/2016, proc.º 1469/13.9TBMAI-C.P1, disponível em www.dgsi.pt, cuja fundamentação iremos seguir de perto, embora com as alterações necessárias, por comungarmos do entendimento aí expresso.
A garantia hipotecária que o recorrente se arroga não incide, nem poderia incidir (cfr. artº 688º, do C.C.), sobre o quinhão hereditário cujo produto da venda defende dever preferencialmente satisfazer o seu crédito; incide sobre um imóvel que integra a universalidade jurídica de bens que o quinhão hereditário representa.
Dito de modo porventura mais claro, o direito de propriedade dos prédios sobre os quais a alegada hipoteca incide, não se inclui no património do devedor, nem faz parte da massa insolvente, o que integra a massa insolvente, conforme se alega e resulta da sentença recorrida, é o quinhão hereditário do insolvente em comum e sem determinação de parte ou direito nos aludidos prédios que fazem parte duma herança, em cuja universalidade se inserem os ditos prédios urbanos supra aludidos; ora, para efeitos do CIRE são “garantidos’ os créditos que beneficiem de garantias reais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objeto das garantias [artº 47º, nº4, al. a)] assim e porque o crédito da recorrente não beneficia de garantia real sobre os bens integrantes da massa insolvente não é, para efeitos do dito diploma, um crédito garantido.
E isto porque, como se ajuizou no Ac. do TRG de 05/06/2014 no processo 253/13.4TBEPS-C.E1, disponível em www.dgsi.pt, a “herança é uma universalidade jurídica de bens, pelo que cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado”.
Só com a partilha o direito dos herdeiros se concretiza em elementos determinados, ou seja, só após o preenchimento dos quinhões dos herdeiros, decorrente da partilha da herança, se determinará a concreta titularidade dos bens que esta integra, até lá os bens integram a herança e os herdeiros têm direito à totalidade ou a uma quota dos bens do falecido (artº 2030º, nº 2, do Código Civil), a um quinhão e não a bens concretamente determinados.
Por isto que, o objeto de liquidação na insolvência não são os aludidos prédios urbanos mas sim o quinhão hereditário do insolvente em comum e sem determinação de parte ou de direito, do qual os referido imóveis fazem parte, sobre o qual, desnecessário seria repeti-lo, não incide a garantia que a recorrente pretende fazer e daqui que não se veja como lhe dar razão.
A solução que não interfere com a garantia hipotecária que detém sobre os bens imóveis que integram o referido quinhão hereditário, pois que, independentemente da sua futura titularidade, a hipoteca mantêm-se e mesmo que haja de ser expurgada (artº 721º, do Cód. Civil), a sentença que declarar o bem livre de hipoteca, em consequência da expurgação, não será proferida sem se mostrar que foram citados todos os credores hipotecários, não perdendo estes, em qualquer caso, os direitos de credores hipotecários (artº 723º, nºs 1 e 2 do Código Civil). A hipoteca que garante o crédito do recorrente manter-se-á, pois, com a venda do quinhão hereditário apreendido nos autos.
Dir-se-á, também não relevar a indicação, não impugnada, por parte do administrador da insolvência, que o crédito da recorrente é um crédito garantido, e isto porque, a homologação da lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, na ausência de impugnações, não dispensa a sua sindicância pelo juiz, que a não homologará em caso de erro manifesto (nº3, do artº 130º, do CIRE).
Nestes termos, irrelevam as conclusões do recorrente, sendo de julgar improcedente o recurso e de confirmar a sentença impugnada.
Para efeitos do disposto no artº 663º n.º 7 do CPC, consigna-se:
- Não incidindo a apreensão dos autos de insolvência sobre os imóveis que integram o quinhão hereditário do insolvente, mas sobre o direito àquele quinhão, não funciona a preferência que para o credor hipotecário resulta da hipoteca que havia constituído sobre aqueles imóveis, já que na liquidação dos autos nunca poderão ser vendidos os imóveis em questão (art.º 174º do CIRE), pelo que o seu crédito terá de ser graduado como crédito comum.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Évora, 12 de Julho de 2016
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura

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[1] - Ac. STJ de 01/03/1990 in BMJ, 395º, 479º; Ac. STJ de 13/01/2000 in Sumários, 37º, 34. Ac. STJ de 22/01/2004 in www.dgsi.pt no processo 03B4278.
[2] - V. Alberto dos Reis in Código Processo Civil Anotado , vol. V, 139.