Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | JOÃO NUNES | ||
| Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA RETRIBUIÇÃO RETRIBUIÇÃO ILÍQUIDA RETRIBUIÇÃO LÍQUIDA NULIDADE DE ACORDO DIREITOS DISPONÍVEIS LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
| Data do Acordão: | 12/20/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE ABRANTES | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Sumário: | I – Não se verifica nulidade da sentença, seja com a invocação de que o juiz conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, seja com a invocação de que condenou em objecto diverso do pedido, se tendo o trabalhador alegado na petição inicial que ao serviço da empregadora auferia determinada retribuição ilíquida e que parte da mesma não lhe foi paga, o que peticiona, na contestação a empregadora vem alegar e provar que o que as partes acordaram foi o pagamento de uma determinada retribuição líquida, pelo que a existirem diferenças salariais só podem ser calculadas com base nessa retribuição líquida, vindo, a final, o tribunal a condenar (a empregadora) no pagamento de diferenças salariais com base na retribuição ilíquida alegada pelo trabalhador, que correspondia à retribuição líquida que se provou ter sido acordada entre as partes. II – Face ao disposto nos artigos 25.º, n.º 1 e 26.º n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 375/74, de 20 de Agosto, em conjugação com o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 824/76, de 13 de Novembro, é nulo o acordo das partes no sentido da estipulação de uma determinada retribuição mensal líquida a auferir pelo trabalhador. III – Fazendo a empregadora corresponder nos recibos de vencimento essa retribuição líquida acordada a uma determinada retribuição ilíquida (tendo em conta os descontos legais), deve ser esta a retribuição a atender, designadamente para o cálculo das diferenças salariais. IV – Na vigência do contrato de trabalho consagra-se a irrenunciabilidade dos direitos de crédito do trabalhador. V – Porém, cessado o contrato de trabalho, pode o trabalhador livremente dispor de créditos salariais. VI – Em conformidade com a proposição anterior, em acção intentada pelo trabalhador após a cessação do contrato de trabalho não pode o tribunal condenar a empregadora a pagar àquele, a título de diferenças salariais, uma quantia superior à peticionada, devendo, em tal caso, a condenação restringir-se ao valor do pedido. VII – Inexiste fundamento legal para condenar o trabalhador por litigância de má fé se este alegou na petição inicial que auferia determinada retribuição ilíquida mensal e em resposta à contestação vem aceitar (o afirmado pela empregadora) que o valor acordado era líquido, mas sustentando que ao mesmo correspondia o valor ilíquido peticionado, e o tribunal vem a condenar a empregadora em diferenças salariais tendo em conta o valor ilíquido da retribuição alegado pelo trabalhador. Sumário do relator | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório F… intentou, no Tribunal do Trabalho de Abrantes, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Dra. E…, pedindo: 1. que se declare a ilicitude do seu despedimento, promovido pela Ré, e a ilegalidade da redução da retribuição; 2. que se condene a Ré a pagar-lhe a quantia global de € 64.580,11, acrescida das prestações pecuniárias vincendas até ao trânsito em julgado da decisão, e ainda juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento. Alegou para o efeito, muito em síntese: - trabalhou como funcionário público desde 1976, exercendo em Dezembro de 2006 as funções de primeiro ajudante no Cartório Notarial de Alcanena; - em 8 de Janeiro de 2007 foi-lhe comunicado pela Direcção-Geral dos Registos e Notariado autorização de licença sem vencimento, com início no dia imediato à tomada de posse em notário privado; - em Fevereiro de 2007 foi admitido ao serviço da Ré, notária, mediante a retribuição mensal de € 3.760,00, que em Janeiro de 2008 passou a ser de € 3.802,34; - em Janeiro de 2010 a Ré só pagou ao Autor a retribuição mensal de € 3.429,50 e em Fevereiro de 2010 a Ré baixou-lhe a retribuição mensal para € 2.092,19; - a partir de Junho de 2010 a Ré passou a pagar ao Autor a retribuição mensal de € 2.122,56, que se manteve até à cessação do contrato, em 30 de Novembro de 2011; - uma vez que a Ré lhe diminuiu a retribuição, em violação do disposto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho, tem direito a receber as diferenças remuneratórias, incluindo nos subsídios de férias e de Natal, peticionando, a tal título, € 6.840,60 referente a diferenças salariais dos meses de Fevereiro a Maio de 2010, € 28.556,26 dos meses de Junho de 2010 a Novembro de 2011, € 6.719,12 referente a diferenças dos subsídios de férias e de Natal de 2010 e de 2011 e € 3.079,59 de diferenças na parte proporcional de férias e subsídio de Natal do ano de cessação do contrato; - em 29 de Junho de 2010, o Instituto de Registos e do Notariado comunicou ao Autor a aposentação antecipada, tendo vindo a ser desligado do serviço com tal fundamento com efeitos a 1 de Dezembro de 2009; - com data de 26 de Setembro de 2011 a Ré comunicou ao Autor a cessação do contrato de trabalho, por caducidade, com efeitos a 30 de Novembro de 2011; - contudo, não se verificam os fundamentos para a caducidade do contrato de trabalho, pelo que a cessação deste operada pela Ré equivale a um despedimento ilícito, em razão do qual tem direito a uma indemnização no valor de € 19.011,70, a que acrescem as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos. Frustrada a conciliação na audiência de partes, contestou a Ré alegando, em resumo, que aquando da contratação do Autor ficou acordado que este auferiria, como efectivamente veio a auferir, a quantia mensal de € 2.500,00 líquidos – sendo que a retribuição que constava nos recibos era encontrada pelos serviços de contabilidade da Ré para, no final, depois de levados em conta os descontos, ser obtido aquele valor líquido –, que em Dezembro de 2009 face à quebra acentuada de volume de trabalho e considerando que o Autor passou a receber a pensão por aposentação, acordou com este que passaria a trabalhar a tempo parcial auferindo a retribuição mensal de € 1.700,00 líquidos, o que se veio a verificar a partir de Fevereiro de 2010. Assim, desde Fevereiro de 2010 até à data da cessação do contrato o Autor recebeu a quantia acordada no valor de € 1.700,00 líquidos. Acrescenta que tendo sido notificada por ofício de 29-06-2010 da decisão de deferimento da aposentação do Autor, o contrato de trabalho que vigorava entre as partes converteu-se em contrato de trabalho a termo, em razão do que é válida a comunicação que efectuou em 26-09-2011 no sentido do contrato de trabalho cessar em 30-11-2011 e, por consequência, lícita a cessação. Pugna, por consequência, pela improcedência da acção, requerendo ainda a condenação do Autor por litigância de má fé. Respondeu o Autor, a aceitar que acordou com a Ré uma retribuição mensal ilíquida correspondente a um valor líquido de € 2.500,00, que este sempre se manteve e foi pago até Janeiro de 2010, inclusive, sendo, todavia, devidas diferenças salariais a partir de Fevereiro de 2010 – período a partir do qual a Ré lhe diminuiu a retribuição – e que têm que ser calculadas pelos valores ilíquidos. Foi dispensada a audiência preliminar, elaborado despacho saneador stricto sensu, fixado valor à causa (€ 64.580,11) e consignados os factos assentes e a base instrutória. Seguidamente procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto, sem reclamação das partes, após o que foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Nos termos de facto e de direito expostos julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada reconhecendo a ilegalidade da redução da remuneração do autor e consequentemente condeno a Ré E… a pagar ao autor F… quantia global de € 48.711,42, devida a título de diferenças salariais ilíquidas, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até integral pagamento. Julgo improcedente por não provado o pedido de litigância de má fé formulado contra o Autor». Inconformada com a decisão, a Ré dela interpôs recurso para este tribunal, tendo desde logo arguido, expressa e separadamente, a nulidade da sentença, com fundamento no disposto nas alíneas d) e e), do n.º 1 do artigo 668.º, do Código de Processo Civil, ou seja, por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento e por ter condenado em objecto diferente do pedido. Para tanto formulou as seguintes conclusões: «1ª Nos termos do disposto na al. d) e e) do nº 1 do artº 668º do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. 2ª Na presente acção, o A. vem peticionar, entre outros, a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de 64.580,11€ (sessenta e quatro mil, quinhentos e oitenta euros e onze cêntimos) referente a diferenças salariais, juntando os respectivos recibos de remuneração. 3ª Na sua petição inicial alegou, para fundamentar este pedido, que: “(…) Em Janeiro de 2008 a remuneração mensal do A. passou a ser de 3.802,34€; Em Fevereiro de 2010 a Ré baixou a remuneração mensal do A. para 2.092,19€; A partir de Junho de 2010 a Ré passou a pagar ao A.2.122,56€ mensais; Que manteve até à data da cessação do contrato de trabalho.” 4ª Na contestação apresentada, a Ré vem alegar, relativamente a esta matéria que: “(…) ficou acordado com o A. o pagamento da quantia mensal de 2.500,00€ líquidos; A remuneração/vencimento que constava nos recibos era encontrada, pelos serviços de contabilidade da R. para, no final e depois de levadas em conta as remunerações e os descontos, o A. ter sempre a receber a mesma quantia líquida de 2.500,00€.” 5ª Realizou-se audiência de julgamento, tendo resultado provados os seguintes factos, com interesse para a questão em causa: “(…) 15 – Aquando da contratação do Autor ficou acordado com a Ré que iria auferir um vencimento ilíquido correspondente a um valor líquido de €2.500,00 (alínea Q) dos factos assentes);(…) 23 – A remuneração/vencimento que constava nos recibos era encontrada, pelos serviços de contabilidade da R. para, no final e depois de levadas em conta as remunerações e os descontos, o A. ter sempre a receber a mesma quantia líquida de € 2.500,00 (resposta positiva ao artigo 7º da base instrutória).(…) 30 – A partir de Fevereiro de 2010, o autor passou a auferir a remuneração de € 1.700,00 líquidos (resposta positiva ao artigo 15º da base instrutória);(…) 32 – Desde Fevereiro de 2010 e até à data da cessação do contrato de trabalho, o autor recebeu da Ré a quantia de € 1.700,00 líquidos (resposta positiva ao artigo 20º da base instrutória);(…)”. 6ª Na douta sentença proferida, aquando da análise da questão das diferenças salariais devidas ao Autor, foi decidido que: (…) Apesar de forma inequívoca ter-se apurado que o convencionado entre Autor e Ré no que respeita à retribuição foi o pagamento de €2.500,00 mensais, o certo é que dos autos, nomeadamente do teor dos recibos de vencimento, bem como do teor dos factos assentes sob as alíneas g) e h) estão apurados os montante ilíquidos que a Ré foi liquidando ao autor ao longo da relação laboral, pelo que tendo em atenção que é sobre tais valores que terão de incidir os encargos quer fiscais, quer para a segurança social iremos proceder aos cálculos das diferenças salariais devidas ao trabalhador tendo por base os valores ilíquidos a fim do empregador proceder em momento oportuno ao pagamento de todos os encargos devidos. Tendo em atenção o facto do autor nos anos de 2008 e 2009 ter auferido sempre a retribuição ilíquida de €3.802,34 de forma a levar para casa mensalmente a retribuição liquida de €2.500,00 é com base neste valor que iremos proceder aos cálculos a fim de apurar qual a importância global devida ao autor.(…)” (Sublinhado e realce nosso). 7ª Com base nesta fundamentação, o Douto Tribunal efectuou os cálculos para quantificar os valores a receber pelo Trabalhador a título de diferenças salariais, com base nas remunerações ilíquidas, tendo decidido condenar a Ré a pagar ao A. a importância global ilíquida de €48.711,42 – o que se impugnará através do recurso a apresentar. 8ª Salvo o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal não pode, nem deve substituir-se à Administração Fiscal e Segurança Social, condenando a Ré no pagamento de quantias ilíquidas e, não o poderia fazer mesmo que tal tivesse sido expressamente peticionado pelo Autor, o que não aconteceu. 9ª É jurisprudência uniforme e reiterada que a competência para conhecer do pedido de pagamentos à Segurança Social e à Administração Fiscal devidas pelo Empregador é do Tribunal Administrativo e Tributário e não do Tribunal do Trabalho. 10ª Em nenhuma das alíneas do artº 116º da LOTJ está consagrada a competência dos Tribunais do Trabalho para conhecer da regularização de descontos á Segurança Social e à Administração Fiscal. 11ª A al. o) do artº 116º da LOTJ consigna que os Tribunais do trabalho são competentes para conhecer, em matéria cível, “das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente.” 12ª Tendo a Segurança Social e a Administração Fiscal competência exclusiva para providenciar pelo cumprimento das obrigações das Empregadoras quanto ao procedimento de liquidação e cobrança das contribuições, a obrigação de liquidar e pagar não decorre directamente de uma obrigação do contrato de trabalho mas sim de um dever de contributo/tributário. 13ª Não existe assim conexão directa, complementaridade e/ou dependência entre o pedido formulado pelo Autor - pagamento de diferenças salariais – e o respectivo cumprimento pela Empregadora das obrigações contributivas decorrentes desse pagamento. 14ª Nos termos do disposto no artº 74º do CPT, o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artº 514º do C.P.C., de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. 15ª Sempre que esteja em causa a aplicação à matéria de facto assente no processo ou à cognoscível oficiosamente, de normas injuntivas ou imperativas, sejam elas perceptivas ou proibitivas, o tribunal deve aplicá-las, mesmo que da sua aplicação resulte uma condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele – o que não é o presente caso. 16ª Esta possibilidade legal diz respeito á irrenunciabilidade de certos direitos dos trabalhadores, mas encontra-se naturalmente limitado pelos factos em que as partes fundamentaram as suas pretensões. 17ª O Douto Tribunal ao ter procedido ao cálculo das diferenças salariais com base na remuneração ilíquida que constava dos recibos de ordenado, para permitir o cumprimento das obrigações fiscais e contributivas, extrapolou os seus poderes, tendo condenado em objecto diferente do pedido e pronunciou-se sobre questões sobre as não podia tomar conhecimento. 18ª O apuramento da quantia a pagar pela Empregadora é de conteúdo de natureza tributária que só pode ser obtido perante a Administração Fiscal e Segurança Social, não devendo o Tribunal do Trabalho exceder (o pedido e) a sua competência substituindo-se a estas entidades. 19ª O cumprimento pela Empregadora, ora R., das obrigações fiscais e contributivas que venham a resultar do pagamento das diferenças salariais ao A., será fiscalizado pelas entidades competentes, devendo o Tribunal do Trabalho apurar, no âmbito da presente acção, se o A. tem direito a diferenças salariais tendo como base os valores de remuneração que resultaram provado que o A. auferia – 2.500,00€ e 1.700,00€ líquidos – e não quaisquer outros, por não corresponderem à remuneração acordada entre A. e R.. 20ª Ao decidir como decidiu, o Douto Tribunal violou o disposto nos artigos 74º do CPT, artº 116º da LOTJ, artºs 59º e 60º da Lei de Bases da Segurança Social (L. 4/2007, de 16/01) e artºs 99º e 108º do CIRS. 21ª Não se verificando os condicionalismos previstos no artº 74º do CPT, a sentença terá de ser declarada nula relativamente a esta parte da decisão, sendo substituída por outra que condene a R. no pagamento ao A. das diferenças salariais que resultem dos cálculos efectuados entre a retribuição liquida efectivamente auferida pelo A..» E rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: «1ª Resultou provado que a redução da remuneração da retribuição auferida pelo A. teve como pressuposto o facto de ter adquirido o direito à aposentação e á perda de clientes e redução do volume de trabalho sentido pela A.. 2ª Face a estas vicissitudes a R. propôs ao A. a redução do seu horário de trabalho, com a consequente redução da remuneração. 3ª Apesar de não ter resultado provado qual a efectiva redução do horário de trabalho do A., resultou expressamente provado que (…) durante o período de funcionamento do cartório podiam ausentar-se para tratar dos seus assuntos ou mesmo não irem trabalhar algum dia, desde que informassem a Ré, sem que lhe fosse descontado nem na remuneração, nem em férias.” 4ª O Douto Tribunal recorrido não valorou estes factos, tendo entendido que a redução operada na retribuição auferida pelo A. foi ilegal. 5ª Na apreciação das questões de direito a decidir, consta na Douta sentença recorrida que: (…) Se por um lado é certo que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, ou se de comum acordo houver uma modificação do contrato de trabalho, nomeadamente no que respeita à sua carga horária, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição.” 6ª Apesar deste entendimento, o Douto Tribunal recorrido não analisou devidamente a prova documental junta aos autos e, nomeadamente, os recibos de remuneração do A., não tendo valorado o facto do A. ter ficado aposentado em 1/12/2009 e as consequências que essa situação teve na remuneração auferida pelo A. fixada entre as partes. 7ª Pela análise dos recibos de remuneração juntos aos autos e nos quais o próprio Tribunal baseou a sua convicção, verificamos que até à data da aposentação do A. do serviço público, com efeitos reportados a 1 de Dezembro de 2009, a A. suportou o pagamento mensal das quantias devidas pelo A. com as quotas mensais para o sindicato e aos serviços sociais do Ministério da Justiça e ADSE, que ascendiam, naquela data, respectivamente aos montantes de 6,30€ e 58,69€. 8ª Atendendo á situação de aposentação do A., desde Janeiro de 2010 e até à data da cessação do contrato, a R. deixou de efectuar o pagamento mensal daquelas prestações. 9ª Com a aposentação do A., cessou a obrigatoriedade da R. suportar o pagamento daqueles complementos salariais, sendo licita e legitima a redução da remuneração do A. no valor global das quantias anteriormente pagas, que ascendiam ao montante mensal de 64,99€. 10ª Tendo a R. acordado com o A. o pagamento de uma quantia liquida a título de remuneração, é entendimento unanime que assumiu a obrigação de pagar os impostos e contribuições inerente àquela importância, mas esta obrigação não se estende às prestações complementares acessórias, como são a quotização do sindicato e dos serviços sociais do Ministério da Justiça. 11ª A diminuição da retribuição relativamente a estas quantias, por ter cessado a obrigatoriedade de pagamento daquelas prestações complementares acessórias, consubstancia um dos casos em que não há violação do princípio da irreversibilidade da retribuição. 12ª O douto Tribunal recorrido, apesar de ter fundado a sua convicção, relativamente à remuneração auferida pelo A., nos recibos de remuneração, não valorou devidamente o seu conteúdo, uma vez que não atendeu a esta situação. 13ª O Recorrente não concorda com o entendimento do Tribunal recorrido e, salvo o devido respeito, a douta sentença não cumpriu com a Lei ao não “fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer” (nº 3 do artº 659º do CPC). 14ª Atendendo à matéria dada como provada nos nºs. 1 a 4, 9 e 10, 15 e 16, 28, 29, 30 e 32, deveria o Douto Tribunal recorrido ter decidido que, pelo menos, era licita a redução da remuneração do A., a partir de 1/12/2009, na quantia mensal de 64,99€, referente aos complementos que cessaram com a sua aposentação. 15ª Nos termos do disposto no artº 272º do CT, compete ao tribunal determinar o valor da retribuição, quando as partes o não fizerem. 16ª No caso em apreço, apesar de na sua petição inicial o A. ter omitido este facto, veio a reconhecer posteriormente, na resposta à contestação, que a remuneração efectivamente acordada com a R. e que auferiu até Janeiro de 2010, ascendia ao montante de 2.500,00€ mensais líquidos (nºs 15 e 16 dos factos provados). 17ª Este valor é muito diferente daqueles que constam nos recibos de remuneração como remuneração base tendo resultado provado que apenas eram encontrados pelos serviços de contabilidade da R. para que o A. auferisse mensalmente a quantia de 2.500,00€ líquidos (nº 23 dos factos provados). 18ª Resultou também provado que, a partir de Fevereiro de 2010 e até à data da cessação do contrato de trabalho, o A. passou a auferir a remuneração no valor de 1.700,00€ líquidos (nºs 30 e 32 dos factos provados). 19ª A razão para tal redução de remuneração foi o facto do A. ter adquirido o direito à pensão por aposentação e a escassez de trabalho para o número de trabalhadores, o que levou a Ré a ter uma conversa com o Autor e com a Trabalhadora M…, propondo a alteração do seu contrato de trabalho para tempo parcial (meio tempo) com a correspondente diminuição de retribuição para metade (nºs 28 e 29 dos factos provados). 20ª Encontrando-se determinado pelas partes o valor da retribuição, já não competia ao Tribunal fazê-lo. 21ª O Tribunal devia analisar todas as questões controvertidas, tendo como base o valor da retribuição determinado pelas partes e não qualquer outro, mesmo o que consta no recibo de remuneração, uma vez que resultou expressamente provado que o valor constante nos recibos de remuneração não correspondia á retribuição efectivamente auferida pelo Trabalhador. 22ª O Douto Tribunal recorrido, ao ter efectuado os cálculos com base no valor das remunerações constantes nos recibos, valorou a prova produzida de forma errónea e não procedeu a uma correcta aplicação do Direito aos factos. 23ª O Douto Tribunal ao ter procedido ao cálculo das diferenças salariais com base na remuneração que constava dos recibos de ordenado – remunerações ilíquidas - apesar de ter sido provado que não era esta a retribuição acordada entre o A. e R., para permitir o cumprimento das obrigações fiscais e contributivas, extrapolou os seus poderes, tendo condenado em objecto diferente do pedido e pronunciou-se sobre questões sobre as não podia tomar conhecimento. 24ª O apuramento da quantia a pagar pela Empregadora é de conteúdo de natureza tributária que só pode ser obtido perante a Administração Fiscal e Segurança Social, não devendo o Tribunal do Trabalho exceder (o pedido e) a sua competência substituindo-se a estas entidades. 25ª O cumprimento pela Empregadora, ora R., das obrigações fiscais e contributivas que venham a resultar do pagamento das diferenças salariais ao A., será fiscalizado pelas entidades competentes, devendo o Tribunal do Trabalho apurar, no âmbito da presente acção, se o A. tem direito a diferenças salariais tendo como base os valores de remuneração que resultaram provado que o A. auferia – 2.500,00€ e 1.700,00€ líquidos – e não quaisquer outros, por não corresponderem à remuneração acordada entre A. e R.. 26ª Não pode a Recorrente concordar com a convicção formada pelo Tribunal relativamente a esta matéria, por entender que tal não resulta, se for efectuada uma análise da prova, cuidada e desprovida de ideias predefinidas. 27ª Se o Tribunal tivesse aplicado correctamente o Direito aos factos teria, em primeiro lugar, de ter considerado que tinha ocorrido a redução da prestação do trabalho pelo A., uma vez que houve uma alteração das condições do trabalho do A.. 28ª A não entender desta forma, deveria ter considerado como válida e legal a redução da remuneração do A., quanto prestações remunerações complementares que cessaram com a sua aposentação, no valor mensal de 64,99€. 29ª Em última análise e mantendo o entendimento da irredutibilidade do valor remanescente da remuneração auferida pelo A., devia o Douto Tribunal recorrido ter procedido aos cálculos das diferenças salariais com base nas remunerações liquidas auferidas pelo A.. 30ª Em consequência, os cálculos para apurar as diferenças salariais a que o A. teria direito serão os seguintes: - De Fevereiro a Maio de 2010 - 2.435,01€-1.700,00€=735,01€X4=2.940,04€ - De Junho de 2010 a Novembro de 2011 - 2.435,01€- 1.700,00€=735,01€X18=13.230,18€ - Subsídio de férias e de Natal de 2010 – 2.435,01€-1.700,00€=735,01€x2=1.470,02€ - Subsídio de férias e de Natal de 2011 – 2.435,01€-1.700,00€=735,01€=1.470,02€ - Proporcionais de férias e subsídio de férias do ano da cessação – 2.435,01€x11:12=2.232.09€x2=4.464,18€-1.945,48€=2.518,70€. 31ª Mantendo o entendimento da irredutibilidade da retribuição, o A. apenas teria direito a receber a quantia global líquida de 21.628,96€ a título de créditos salariais. 32ª A R. peticionou a condenação do Autor como litigante de má fé alegando que alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão da causa, para alcançar um objectivo que sabia não ter direito, pois o Autor tinha perfeito conhecimento das condições negociadas com a Ré relativas à sua remuneração e aceitou o acordo de redução do tempo de prestação de trabalho e consequente remuneração. 33ª Se alguma dúvida poderá ter resultado, em termos de prova, quanto ao acordo de redução do tempo de prestação de trabalho e consequente remuneração, o mesmo não se pode dizer quanto às condições negociadas entre A. e R. aquando da contratação. 34ª Os factos alegados pelo Réu, ora Recorrente, para fundamentar o pedido de condenação da A. como litigante de má-fé resultaram amplamente demonstrados - o próprio A. confessou, na resposta à contestação que, apesar de ter invocado na petição inicial que auferia como remuneração os valores constantes dos recibos, tal não correspondia à verdade. 35ª Na resposta à contestação, o A. reconheceu e confessou que efectivamente o que tinha sido acordado com a R. era o pagamento da quantia de 2.500,00€ líquidos! 36ª Ao não ter alegado logo este facto na petição inicial, o A. alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão da causa. 37ª Apesar dos factos provados e da própria confissão do A., o Douto Tribunal recorrido entendeu que “No caso dos autos afigura-se-nos dizer que autor não litigou de má fé, pois não resultou apurado qualquer facto que nos pudesse levar a concluir que o autor violou ou omitiu os aludidos deveres, nem se fez prova de que o autor tivesse carreado para os autos factos que sabia serem falsos com objetivo de alcançar um beneficio ilegítimo, ou obter uma compensação em dinheiro que sabia não lhe ser devida.” 38ª Não consegue, o Recorrente, compreender esta decisão do Tribunal recorrido, uma vez que é notória e patente a contradição entre os factos alegados pelo A. para fundamentar a presente acção e os factos confessados na resposta à contestação 39ª O douto Tribunal recorrido não valorou devidamente a alteração de posição do A. da petição inicial para a resposta à contestação, não retirando dela as devidas conclusões. 40ª Se o douto Tribunal recorrido tivesse analisado devidamente os factos e feito a correcta subsunção do Direito aos factos, teria de decidir pela condenação do A., como litigante de má-fé. 41ª Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 74º do CPT, artº 116º da LOTJ, artºs 59º e 60º da Lei de Bases da Segurança Social (L. 4/2007, de 16/01) e artºs 99º e 108º do CIRS, artºs 258º, 270º e 272º do CT, artºs 659º, 660º, 664º, 668º do Código de Processo Civil. 42ª Deve, pois, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a R. do pedido ou, em alternativa, reduza a quantia a pagar pela R. ao A., a título de créditos salariais, para a quantia global líquida de 21.628,96€, julgando procedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé, nos termos peticionados na contestação (…)». O Autor respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência. Para o efeito, nas contra-alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões: «1.ª Não se verifica a nulidade da sentença pelo facto do Tribunal ter condenado a Ré no pagamento de um valor ilíquido, quando foi esse o pedido formulado pelo A. e inexiste qualquer outro pedido formulado nos autos em sentido diverso. 2.ª A condenação em valor superior ao pedido tem cobertura legal no art. 72.º do Cód. do Trabalho, quando respeita ao pagamento de retribuições devidas. 3.ª A condenação no pagamento de retribuições em dívida deve ser feita atendendo aos valores ilíquidos, porquanto resulta da lei a obrigatoriedade de incidir sobre as mesmas as contribuições e os impostos devidos. 4.ª É ilegal baixar a remuneração do trabalhador relativamente ao qual não se provou que tenha dado o seu acordo para o efeito; 5.ª sem que tenha acedido à redução do horário de trabalho, e 6.ª Relativamente ao qual não há acordo escrito. 7.ª Deve, por isso, ser mantida a douta decisão recorrida». Na 1.ª instância a Exma. Juíza pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença, para negar a mesma, após o que admitiu o recurso, como de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito meramente devolutivo. Neste tribunal, A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, ao abrigo do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, e que não foi objecto de resposta, no qual se pronuncia pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Objecto do recurso Tendo em conta que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho) são as seguintes as questões essenciais trazidas à apreciação deste tribunal: 1. saber se a sentença é nula, seja por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, seja por condenar em objecto diverso do pedido; 2. saber se o Autor tem direito às diferenças salariais que lhe foram atribuídas; 3. saber se o Autor deve ser condenado como litigante de má fé. III. Factos A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: 1. O Autor trabalhou como funcionário público desde 1976 (alínea A) dos factos assentes). 2. Em dezembro de 2006 o Autor exercia funções de primeiro ajudante no Cartório Notarial de Alcanena (alínea B) dos factos assentes). 3. Com data de 8 de janeiro de 2007 foi comunicado ao Autor pela Direcção Geral dos Registos e do Notariado que foi autorizada a sua licença sem vencimento, com início no dia imediato à da tomada de posse do notário privado (alínea C) dos factos assentes). 4. Esse notário era a Ré (alínea D) dos factos assentes). 5. A Ré indicou o local de trabalho ao autor, os instrumentos de trabalho eram da Ré, que dirigia e fiscalizava o trabalho do autor, tendo este ficado sujeito a um horário de trabalho que era das 9.00 às 18.00 horas (alínea E) dos factos assentes). 6. O Autor continuou a efectuar descontos para a Caixa Geral de Aposentações (alínea F) dos factos assentes). 7. Em fevereiro de 2010 a Ré liquidou ao Autor a remuneração base ilíquida de €2.092,19 (alínea G) dos factos assentes). 8. A partir de junho de 2010 a Ré passou a liquidar ao Autor a remuneração base ilíquida de €2.122,56 (alínea H) dos factos assentes). 9. Em novembro de 2009, o Autor tinha 53 anos de idade e 33 anos de serviço como funcionário público e nesse mês requereu a aposentação antecipada (alínea I) dos factos assentes). 10. O Autor veio a ser desligado do serviço público para aposentação, com efeitos reportados a 1 de dezembro de 2009 (alínea J) dos factos assentes). 11. Com data de 29 de junho de 2010 o Instituto de Registos e do Notariado comunicou essa decisão da Caixa Geral de Aposentações ao Autor (alínea L) dos factos assentes). 12. Com data de 26 de setembro de 2011 a Ré comunicou ao Autor a cessação do contrato de trabalho deste, com efeito a partir de 30/11/2011, declarando que o contrato caducara e invocando o art. 348º do Cód. do Trabalho (alínea M) dos factos assentes). 13. O Autor passou a descontar para a segurança social depois de ter sido desligado do serviço para aposentação (alínea N) dos factos assentes). 14. No ano da cessação do contrato a Ré liquidou ao Autor a quantia global de € 3.891,36 a título de proporcional de férias e subsídio de natal (alínea O) dos factos assentes). 15. Aquando da contratação do Autor ficou acordado com a Ré que iria auferir um vencimento ilíquido correspondente a um valor líquido de € 2.500,00 (alínea P) dos factos assentes). 16. Até janeiro de 2010 inclusive a Ré liquidou mensalmente ao autor a retribuição líquida de € 2.500,00 (alínea Q) dos factos assentes). 17. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 31 de janeiro de 2007 (resposta positiva ao artigo 1º da base instrutória). 18. Quando a R. decidiu iniciar a sua actividade de notária, entrou em contacto com o A. e com a Trabalhadora M…, que também exercia as suas funções em cartório público, propondo-lhes que fossem trabalhar com ela (resposta positiva ao artigo 2º da base instrutória). 19. Após várias negociações, ambos, o Autor e a trabalhadora M…, aceitaram ir trabalhar com a R., utilizando a licença sem vencimento (resposta positiva ao artigo 3º da base instrutória). 20. Ficou acordado entre as partes que o horário de funcionamento do cartório notarial da Ré seria das 9 às 18 horas de Segunda a Sexta-feira, com uma hora para intervalo de almoço, horário que os Trabalhadores cumpririam (resposta positiva ao artigo 4º da base instrutória). 21. Caso houvesse trabalho a ser realizado para além daquele período, os Trabalhadores comprometiam-se a fazê-lo, tendo ficado combinado entre as partes que esse trabalho suplementar seria pago, posteriormente, através de prémio ou gratificação (resposta positiva ao artigo 5º da base instrutória). 22. Ficou acordado com o Autor o pagamento da quantia mensal referida na alínea P) dos factos assentes e com a Trabalhadora M… o pagamento da quantia mensal de 1.400,00€, também líquidos (resposta positiva ao artigo 6º da base instrutória). 23. A remuneração/vencimento que constava nos recibos era encontrada, pelos serviços de contabilidade da R. para, no final e depois de levadas em conta as remunerações e os descontos, o A. ter sempre a receber a mesma quantia líquida de 2.500,00€ (resposta positiva ao artigo 7º da base instrutória). 24. O mesmo se passava com a Trabalhadora M… que recebia sempre, apesar das remunerações e descontos levados ao recibo, a quantia de 1.400,00€ (resposta positiva ao artigo 8º da base instrutória). 25. Durante o ano de 2009 a actividade da Ré diminuiu consideravelmente, motivada pela perda de clientes, abertura de outros serviços similares e concorrentes e pela crise económica (resposta positiva ao artigo 9º da base instrutória). 26. Durante o ano de 2009, o volume de trabalho reduziu bastante, havendo dias em que havia muito pouco trabalho para ser realizado (resposta positiva ao artigo 10º da base instrutória). 27. Tornou-se notório que a R. tinha trabalhadores a mais para o volume de trabalho, sendo necessário efectuar algum ajustamento para evitar males piores, como o despedimento de algum trabalhador (resposta positiva ao artigo 11º da base instrutória). 28. O Autor e a trabalhadora M… em finais de 2009 adquiriram o direito à pensão por aposentação (resposta positiva ao artigo 12º da base instrutória). 29. Este facto e a escassez de trabalho para o número de trabalhadores, levou a Ré a ter uma conversa com o Autor e com a Trabalhadora M…, propondo a alteração do seu contrato de trabalho para tempo parcial (meio tempo) com a correspondente diminuição da retribuição para metade (resposta positiva ao artigo 13º da base instrutória). 30. A partir de fevereiro de 2010, o autor passou a auferir a remuneração de €1.700,00 líquidos (resposta positiva ao artigo 15º da base instrutória). 31. Em face da diminuição de trabalho, quer o Autor, quer a trabalhadora M.., durante o período de funcionamento do cartório podiam ausentar-se para tratar dos seus assuntos ou mesmo não irem trabalhar algum dia, desde que informassem a Ré, sem que lhe fosse descontado nem na remuneração, nem em férias (resposta positiva ao artigo 19º da base instrutória). 32. Desde fevereiro de 2010 e até à data da cessação do contrato de trabalho, o autor recebeu da Ré a quantia de € 1.700,00 líquidos (resposta positiva ao artigo 20º da base instrutória). 33. Em junho de 2010, foi necessário proceder ao aumento do valor da remuneração declarada no recibo, para € 2.122,56, devido a alterações dos encargos fiscais ou da segurança social e de modo a que o Autor continuasse a receber a remuneração acordada de € 1.700,00 (resposta positiva ao artigo 21º da base instrutória). 34 - O Autor cumpriu o horário das 9.00 às 18.00 horas, de segunda a sexta-feira, desde a admissão até à cessação do contrato (resposta positiva ao artigo 22º da base instrutória). 35. O autor só faltou para ir ao médico, ele próprio ou com o pai e tais faltas ocorreram esporadicamente (resposta positiva ao artigo 23º da base instrutória). 36. Quer o autor, quer as colegas Inês e M… sempre cumpriram o horário das 9.00 às 18.00 horas (resposta positiva ao art. 24º da base instrutória). Estes os factos provados. Sob o n.º 15 consta que aquando da contratação do Autor ficou acordado com a Ré que iria auferir um vencimento ilíquido correspondente a um valor líquido de € 2.500,00; Consta igualmente da matéria de facto, agora sob o n.º 23, que a remuneração/vencimento mencionada nos recibos era encontrada, pelos serviços de contabilidade da R. para, no final, e depois de levadas em conta as remunerações e os descontos, o A. ter sempre a receber a mesma quantia líquida de 2.500,00€. Dos documentos juntos pelo Autor com a petição inicial, sob os n.ºs 4 a 7 – cópias de recibos de vencimento referentes aos meses de Janeiro de 2008, Maio e Junho de 2009 – consta o valor de “Vencimento” de € 3.802,34 e o “Total Líquido” de € 2.500,00. Este facto – valor do vencimento que constava dos recibos – é admitido pela Ré: o que ela entende é que esse valor não pode ser tido em conta pois era apenas encontrado para obter o valor líquido a receber pelo Autor de € 2.500,00; porém, esta é uma questão que se prende com o mérito da causa e será analisada infra. Em relação ao referido facto, e uma vez que pode assumir relevância para a decisão a proferir, impõe-se acrescentá-lo à matéria de facto; aliás, a sentença recorrida, na respectiva fundamentação jurídica, acaba por atender ao mesmo, mas sem que o tenha consignado, ao menos expressamente, na matéria de facto. Assim, tendo presente o disposto no artigo 490.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, adita-se à matéria de facto, um facto, sob o n.º 37, com o seguinte teor: «Nos recibos de vencimento emitidos pela Ré, referentes aos meses de Janeiro de 2008, Maio e Junho de 2009 consta como “Vencimento” do Autor o valor de € 3.802,34 e o “Total Líquido” de € 2.500,00». IV. Enquadramento Jurídico Delimitadas supra (sob o n.º II) as questões a decidir é, então, o momento de enfrentar as mesmas. 1. Da arguida nulidade da sentença Como se deixou supra referido, a Ré argui a nulidade da sentença, quer por ter condenado em objecto diverso do pedido, quer por se ter pronunciado sobre questões de que não podia tomar conhecimento. Ancora-se, para tanto, muito em síntese, que o tribunal procedeu ao cálculo das diferenças salariais com base na retribuição ilíquida que constava dos recibos de vencimento para permitir o cumprimento das obrigações fiscais e contributivas, o que lhe estava vedado por lei, sendo certo, ainda, que o tribunal do trabalho não tem competência para conhecer de questão referente a obrigações perante a administração fiscal e a segurança social. O tribunal recorrido indeferiu a arguição de nulidade com a seguinte fundamentação: «(…) os montantes auferidos pelo autor são os montantes ilíquidos e não os líquidos, quer tenha ou não existido acordo quanto à sua fixação, pois os recibos de vencimento são bem explícitos no que diz respeito ao valor da retribuição efetivamente auferida pelo autor. Foi com base no valor da retribuição efetivamente liquidada ao trabalhador que o tribunal procedeu aos cálculos, pelo que não se vislumbra ter sido cometida qualquer nulidade (…)». Com vista à resolução da problemática em causa, impõe-se, antes de mais, ter presente o disposto no artigo 668.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil [aqui aplicável por força do estatuído no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13-10]: «1. É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. (…)». Coloca-se, então, a seguinte pergunta: o tribunal ao condenar a Ré numa retribuição ilíquida, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento ou condenou em objecto diverso do pedido? A resposta, adiante-se já, é negativa. Vejamos porquê. Na petição inicial, o Autor alegou, entre o mais, o seguinte: - em Janeiro de 2008 a sua remuneração mensal era de € 3.802,34 (artigo 12.º); - em Fevereiro de 2010 a Ré baixou-lhe a remuneração mensal para € 2.092,19 (artigo 13.º); - a partir de Junho de 2010 a Ré passou a pagar ao Autor € 2.122,56 mensais, que manteve até à cessação do contrato (artigos 15.º e 16.º). E mais adiante, também no que ora releva, formula os seguintes pedidos: - € 6.840,60 a título de diferenças de remuneração dos meses de Fevereiro a Maio de 2010 (artigo 36.º); - € 28.556,26 a título de diferenças de remuneração dos meses de Junho de 2010 a Novembro de 2011 (artigo 37.º); - € 6.719,12 a título de diferenças dos subsídios de férias e Natal de 2010 e 2011 (artigo 38.º); - € 3.079,59 a título de diferença da parte proporcional de férias e subsídio de Natal do ano de cessação do contrato (artigo 39.º). Na contestação, a Ré alegou, entre o mais, que acordou com o Autor o pagamento da retribuição mensal líquida de € 2.500,00, sendo que nos recibos de vencimento constava um valor ilíquido de forma a que, no final, levadas em conta as remunerações e os descontos, o Autor recebesse sempre aquela quantia líquida (cfr. artigo 12.º e 13.º da contestação). Na resposta (cfr. artigo 10.º), o Autor reconhece que foi acordado com a Ré uma retribuição ilíquida correspondente a um valor líquido de € 2.500,00. Da matéria de facto que assente ficou (n.º 23) resulta que a remuneração/vencimento que constava nos recibos era encontrada pelos serviços de contabilidade da Ré para, no final e depois de levadas em conta as remunerações e os descontos o Autor ter sempre a receber a quantia líquida de € 2.500,00. A este propósito escreveu-se na sentença recorrida: «Apesar de forma inequívoca ter-se apurado que o convencionado entre Autor e Ré no que respeita à retribuição foi o pagamento de €2.500,00 mensais, o certo é que dos autos, nomeadamente do teor dos recibos de vencimento, bem como do teor dos factos assentes sob as alíneas g) e h) estão apurados os montante ilíquidos que a Ré foi liquidando ao autor ao longo da relação laboral, pelo que tendo em atenção que é sobre tais valores que terão de incidir os encargos quer fiscais, quer para a segurança social iremos proceder aos cálculos das diferenças salariais devidas ao trabalhador tendo por base os valores ilíquidos a fim do empregador proceder em momento oportuno ao pagamento de todos os encargos devidos em consequência das diferenças salariais agora apuradas: Tendo em atenção o facto do autor nos anos de 2008 e 2009 ter auferido sempre a retribuição ilíquida de €3.802,34 de forma a levar para casa mensalmente a retribuição liquida de €2.500,00 é com base neste valor que iremos proceder aos cálculos a fim de apurar qual a importância global devida ao autor». Ou seja, do que se deixa descrito resulta, cremos que de forma objectiva, que o Autor pediu a condenação da Ré em diferenças salariais, tendo em conta a retribuição ilíquida; e a sentença recorrida condena a Ré em diferenças salariais tendo em conta a referida retribuição ilíquida. Ora, assim sendo, como se entende, não se vislumbra a existência de qualquer condenação em objecto diferente do pedido ou que o tribunal se tenha pronunciado sobre questões sobre as quais não podia tomar conhecimento. A tal conclusão não obsta o facto de se ter dado como provado que o acordado pelas partes foi um determinado valor líquido (€ 2.500,00 mensais) e que para tal os serviços de contabilidade da Ré procediam, ao fim e ao resto, a um valor ilíquido, de forma a que, efectuados os devidos descontos, se obtivesse aquele valor líquido. Esta questão – de saber se o tribunal devia condenar num valor líquido ou ilíquido –, que se analisará infra, prende-se com um eventual erro de interpretação e aplicação da lei (erro de julgamento) e não propriamente com nulidade da sentença: esta, reafirma-se, condenou (não importa agora se devida ou indevidamente) tendo em conta o pedido e a causa de pedir; saber se podia condenar ou não em quantias ilíquidas é questão que se prende com o mérito da causa e não com nulidade da sentença. Do exposto também não decorre que o tribunal recorrido tenha conhecido das eventuais obrigações perante a administração fiscal e segurança social: o que sucede é que o tribunal considerou que a retribuição a atender para os fins em vista era ilíquida e foi com base na mesma que calculou as diferenças salariais. Nesta sequência, só nos resta concluir, nesta parte, pela improcedência da arguida nulidade da sentença. 2. Das diferenças salariais A este propósito, recorde-se, a sentença recorrida condenou a Ré na quantia global ilíquida de € 48.711,42, tendo para o efeito desenvolvido a seguinte argumentação e cálculo daquele valor: «De fevereiro a maio de 2010 a Ré liquidou ao autor a retribuição ilíquida de €2.092,19, sendo-lhe devida a retribuição ilíquida de €3.802,34, por este período de tempo é devida ao autor a importância global de €6.840,60 assim calculada: €3.802,34 - €2.092,19 = €1.710,15 x 4 (fevereiro a maio de 2010). De junho de 2010 e até à data da cessação do contrato, o que ocorreu no final de novembro de 2011 a Ré liquidou ao autor a retribuição ilíquida de €2.122,56, sendo-lhe devida a retribuição ilíquida de €3.802,34, por este período de tempo é devida ao autor a importância global de €30.236,04 assim calculada: €3.802,34 - €2.122,56 = €1.679,78 x 18 (7 meses do ano de 2010 (junho a dezembro) e 11 meses do ano de 2011 (janeiro a novembro)). No que respeita aos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2010 e 2011 a Ré liquidou a importância ilíquida para cada um destes subsídios de €2.122,56, com exceção do subsídio de férias de 2010, que liquidou a importância ilíquida de €2.092,19 e do subsídio de Natal de 2011 que liquidou a importância ilíquida de €1.945,68 sendo-lhe no entanto devida por cada um destes subsídios a importância ilíquida de €3.802,34, com exceção do subsídio de natal que apenas lhe seria devida a importância ilíquida de €3.485,48 pelo que procedendo aos cálculos é devida ao autor a título de diferenças de subsídios a importância global de €6.609,51 assim calculada €1.679,78 x 2 + €1.710,15 + €1.539,80 (subsídio Natal de 2011). Por fim, importa apurar as diferenças dos proporcionais de férias e subsídio de férias referentes ao ano da cessação do contrato, uma vez que a Ré apenas liquidou a importância de €1.945,68 a título de proporcional de subsídio de férias. Assim procedendo ao cálculos é devida ao autor a título de diferenças de férias não gozadas e subsídio de férias referentes ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato a importância global de €5.025,27 assim calculada €3.802,34:12 x11 = €3.485,48 x 2 = €6.970,96 - €1.945,48. Em resumo, a título de diferenças salariais será a Ré condenada a pagar ao Autor a importância global ilíquida de €48.711,42, em conformidade com os cálculos acima efetuados.». A Ré/recorrente rebela-se contra este entendimento, argumentando, desde logo, que o tribunal recorrido não valorou devidamente a prova documental junta aos autos, nomeadamente os recibos de remuneração, não tendo atendido ao facto do Autor ter ficado aposentado em 01-12-2009 e as consequências que essa situação teve na remuneração auferida pelo Autor e fixada pelas partes. Se bem interpretamos a argumentação da recorrente, com a mesma ela não pretende impugnar a matéria de facto, ao menos nos termos fixados na lei, maxime no artigo 685.º-B, do Código de Processo Civil, tanto assim que não indica os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, limitando-se a afirmar que a prova documental junta aos autos não foi devidamente analisada: afigura-se que com tal alegação o que a recorrente pretende é sustentar não só a legalidade da diminuição da retribuição, como ainda, caso se considerasse a existência de diferenças salariais, que se deveria atender à remuneração líquida, questões que se enquadram na subsunção jurídica dos factos. Seja como seja, isto é, ainda que com tal argumentação e invocação (genérica) dos documentos juntos aos autos a recorrente pretendesse impugnar a matéria de facto, sempre se dirá que não existe fundamento legal para este tribunal alterar a matéria de facto fixada: por um lado, porque a impugnação não se mostra conforme às regras prescritas no artigo 685.º-B, do Código de Processo Civil; por outro, porque os recibos de vencimento constituem documento particulares que apenas fazem prova plena dos factos neles compreendidos que forem contrários ao interesse do declarante, mas não da veracidade do seu conteúdo, sendo possível demonstrar a inexactidão das afirmações nele constantes por qualquer meio de prova (cfr. artigo 376.º do Código Civil); tal porém não impede que tendo por base o acordo das partes se aditasse o facto n.º 37 referente ao “vencimento” que consta de determinados recibos. Ora, como resulta da fundamentação da matéria de facto, os factos foram dados como provados não só com base em prova documental, mas também em prova testemunhal, sendo que a Ré não invoca esta, pelo que, mais uma vez, face ao disposto no aludido artigo 685.º-B, não poderia este tribunal proceder à alteração da matéria de facto. Avançando na análise da questão essencial – de saber se o Autor tem jus às diferenças salariais –, impõe-se agora abordar a problemática de saber se na resolução do litigio se deve atender à retribuição líquida ou ilíquida. Dispõe o artigo 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 375/74, de 20-08: «A partir de 1 de Janeiro de 1975 não poderão as pessoas singulares ou colectivas que atribuam ou paguem remunerações pela prestação de trabalho tomar sobre si os impostos ou outros encargos legais devidos pelas pessoas que lhes prestaram os serviços». E o art. 26.º do mesmo diploma legal, estabelece que «As importâncias correspondentes aos impostos e outros encargos legais a que se refere o artigo anterior e que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, vinham sendo suportadas pelas empresas deverão ser acrescidos às respectivas remunerações». Finalmente, o Decreto-Lei n.º 824/76, de 13-11, que veio interpretar autenticamente aqueles normativos legais, veio cominar com nulidade «…as cláusulas contratuais, escritas ou verbais, que transfiram o pagamento dos impostos ou de quaisquer outros encargos dos contribuintes para as entidades a quem prestem a sua actividade, desde que aqueles impostos ou encargos derivem dessa prestação de trabalho» (artigo 1.º, nº 1). Como se dá conta no preâmbulo deste último diploma legal, trata-se de uma medida de justiça tributária social, considerando o regime de progressividade em vigor, «…porquanto um trabalhador que tivesse remuneração elevada usufruiria de um benefício muito maior do que aquele que recebesse um vencimento modesto, dado que o montante dos impostos a pagar, em valor absoluto e relativo, era muito diverso”, pelo que os contratos ou negócios jurídicos celebrados em contrário a tais disposições são nulos, nos termos do artigo 294.º do Código Civil. Assim, face ao disposto nos artigos 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 375/74, de 20 de Agosto, e artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 824/76, de 13 de Novembro, há-de ter-se por nula a cláusula acordada pelas partes de pagamento de uma retribuição líquida mensal de € 2.500,00, uma vez que da mesma resulta, ainda que indirectamente, que os impostos e encargos derivados da prestação do trabalho seriam suportados pela Ré/empregadora; não pode, pois, o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º, do Código Civil – traduzido no caso concreto no sentido de que releva e apenas se deve atender à retribuição líquida acordada – ofender normas imperativas. Neste sentido se insere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-11-2010 (Recurso n.º 130/05.2TTCSC.S1-4.ª Secção, cujo sumário se encontra disponível em sumários de acórdãos do STJ, www.stj.pt) que decidiu que é nula a cláusula acordada entre as partes no sentido de estipular uma determinada retribuição líquida, por significar que, ao menos indirectamente, os impostos e encargos derivados da prestação de trabalho haveriam de ser suportados pela entidade empregadora. Prosseguindo na análise da questão, e concluindo-se pela nulidade da estipulação de uma retribuição líquida, impõe-se agora determinar qual a retribuição que o Autor efectivamente auferia ou devia auferir: ora, a quantia que o Autor auferia como rendimento do trabalho só pode ser a quantia ilíquida e sobre a qual incidiam descontos legais, isto é, o valor mensal de € 3.802,34 que constava dos respectivos recibos de vencimento nos anos de 2008 e 2009. Com efeito, a lei ao estatuir que o trabalhador se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade (artigo 10.º do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08, e artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02), embora não refira se se trata de retribuição líquida ou ilíquida, resulta da interpretação de tais normas, em conjugação com outras, designadamente as referidas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 99.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30-11, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio – estabelecendo, em suma, que se consideram rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes do trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado, e que as entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares – que só pode tratar-se de retribuição ilíquida; e, considerando que as partes acordaram numa retribuição líquida de € 2.500,00 e que à mesma correspondia, face aos recibos de rendimento, a retribuição ilíquida de € 3.802,34, imperioso é concluir que era esta a retribuição efectivamente auferida pelo Autor. Isto é, e noutra perspectiva: tendo em conta que as partes acordaram numa retribuição líquida de € 2.500,00 mensais, que tal acordo é nulo e que compete ao tribunal determinar o valor da retribuição quando as partes o não fizerem (artigo 272.º, do Código do Trabalho), tendo em conta que o que releva para efeitos legais é a retribuição ilíquida e que àquela retribuição líquida correspondia a ilíquida de € 3.802,34, a conclusão que se extrai é que a retribuição deve ser determinada neste valor. Face a tal conclusão, e considerando que a partir de Fevereiro de 2010 a Ré passou a pagar ao Autor retribuição ilíquida inferior (cfr. factos n.º 7 e 8), a questão que ora se coloca consiste em saber se era lícito à Ré diminuir, como diminuiu, a retribuição do Autor. No domínio do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), consagra-se no artigo 21.º, n.º 1, alínea c), o princípio da irredutibilidade da retribuição. Idêntico é o regime que decorre do artigo 122.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2003 e do artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho de 2009, que proíbe ao empregador diminuir a retribuição do trabalhador, salvo nos casos previstos na lei e nos instrumentos de regulamentação colectiva aplicável; entre as situações previstas na lei encontram-se a passagem do trabalhador do regime de trabalho a tempo integral para o regime de trabalho a tempo parcial, caso em que se verifica uma redução proporcional da retribuição (cfr. artigos 155.º, n.º 1 e 154.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2009). No caso em apreço, a Ré alegou que propôs ao Autor a alteração do seu contrato de trabalho para tempo parcial, com a consequente diminuição da retribuição, e que o Autor aceitou tal alteração (cfr. artigos 31.º e 33.º, da contestação). A referida matéria foi levada à base instrutória e consta dos artigos 13.º a 15.º Na verdade, estes artigos são do seguinte teor: «13º Este factor e a escassez de trabalho para o número de trabalhadores, levou a R. a ter uma conversa com o autor e com a trabalhadora M…, propondo-lhes a alteração do seu contrato de trabalho para tempo parcial, com a correspondente diminuição da retribuição das quantias mensais de 2.500€ para 1.700€ e de 1.400€ para 1.000€ (líquidos)? 14º Atendendo ao conhecimento que os Trabalhadores tinham da quebra de trabalho e das dificuldades sentidas pela Ré, ambos aceitaram esta alteração das condições de trabalho? 15º A partir de Fevereiro de 2010, o A. passou a auferir a remuneração de 1.700,00€ líquidos, em contrapartida da diminuição na prestação do seu trabalho?». Após a audiência de julgamento, os mesmos artigos obtiveram a seguinte resposta: «Artigo 13º Provado este facto e a escassez de trabalho para o número de trabalhadores, levou a Ré a ter uma conversa com o Autor e com a trabalhadora M…, propondo a alteração do seu contrato de trabalho para tempo parcial (meio tempo) com a correspondente diminuição da retribuição para metade. Artigo 14º Não Provado. Artigo 15º Provado apenas que a partir de Fevereiro de 2010, o autor passou a auferir a remuneração de € 1.700,00 líquidos». Ou seja, embora a Ré tenha alegado que propôs ao Autor a alteração do contrato de trabalho para tempo parcial e a correspondente redução da retribuição, e que este aceitou, apenas provou que efectivamente propôs tal alteração e que procedeu à redução da retribuição, mas não provou que o Autor tenha aceite tal alteração, ou sequer que tenha havido alteração do regime de horário de trabalho. Como tal, e face ao referido princípio da irredutibilidade da retribuição, não podia a Ré proceder à diminuição desta ao Autor. Refira-se que, ao contrário do sustentado pela recorrente (cfr. conclusões 3.ª e 4.ª), não se vislumbra que a circunstância de durante o período de funcionamento do cartório o Autor se poder ausentar para tratar dos seus assuntos, ou mesmo não ir trabalhar alguns dias, configure qualquer aceitação por parte do trabalhador da redução do horário de trabalho e consequente redução da retribuição. Ainda em relação à retribuição que era devida ao Autor, tendo em conta a conclusão a que se chegou supra – de que é nulo o acordo quanto ao pagamento de uma retribuição líquida e o que releva é o valor ilíquido, no montante de € 3.802,34 –, mostra-se prejudicada qualquer invocação referente a quotizações mensais ou outros descontos (cfr. conclusão 6.ª e seguintes) que deixaram de ser pagos a terceiros a partir da aposentação do Autor: o que importa, volta-se a repetir, é que o Autor auferia a retribuição ilíquida de € 3.802,34 e é com base na mesma que têm que se apurar as diferenças salariais devidas em função da sua diminuição. A recorrente sustenta também que não compete ao tribunal do trabalho apurar do cumprimento das obrigações fiscais e contributivas que venham a resultar da existência de diferenças salariais. É certo que em anteriores acórdãos relatados pelo ora relator (vide, entre outros, os acórdãos de 29-03-2011 e de 20-12-2011, aquele proferido no Proc. n.º 756/09.5TTSTB.E1, disponível em WWW.dgsi.pt, e este no Proc. n.º 228/10.5TTBJA.E1) se tem decidido que os tribunais do trabalho não têm competência para conhecer da relação contributiva que é estabelecida entre o empregador e a segurança social, pelo que não pode o tribunal do trabalho condenar o empregador a pagar à segurança social as contribuições devidas em virtude da relação de trabalho que manteve com o trabalhador. Porém, salvo o devido respeito, não é essa a questão que se coloca nos autos: nestes, repete-se mais uma vez, está em causa apurar a retribuição do Autor e, com base na mesma, se houve incumprimento contratual por banda da Ré, designadamente por ter diminuído a retribuição. Ao analisar e decidir tal questão, o tribunal não está a conhecer qualquer questão concreta de natureza fiscal ou contributiva inerente às partes. Avancemos, então, mais uma vez, na questão das diferenças salariais devidas ao Autor. A sentença recorrida calculou essa diferença, como se transcreveu supra, em € 48.711,42. O referido cálculo mostra-se conforme, tendo em conta o valor da retribuição que foi paga e aquela que é devida. Porém, constata-se que com base no mesmo, a 1.ª instância apurou o valor de € 48.711,42, enquanto o Autor apenas tinha pedido, a tal título e referente ao período em causa, o valor de € 45.195,57 (€ 6.840,60 + € 28.556,26 + € 6.719,12 + € 3.079,59). Ora, como é sabido, em relação à retribuição, lato sensu, consagra a lei a irrenunciabilidade da mesma na vigência da relação de trabalho e, nesse âmbito, o artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho, determina a condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele, desde que tal resulte de preceitos inderrogáveis de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Visa-se com tais normas o interesse individual do trabalhador na satisfação do seu direito e o interesse mais vasto, de natureza social, em que os direitos dos trabalhadores obtenham uma realização integral (cfr. Alberto Ferreira, Código de Processo do Trabalho, Anotado, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 352). Estão em causa normas indisponíveis, que visam proteger a parte mais desfavorecida no âmbito de uma relação de subordinação relativamente à entidade empregadora; e, precisamente, tendo em conta a finalidade do instituto, a indisponibilidade dos direitos só opera na vigência do contrato, mas já não após a cessação do mesmo ou tendo em vista essa cessação. Tal significa que, no caso, tendo sido peticionadas diferenças salariais após a cessação do contrato de trabalho, a parte pode livremente prescindir de direitos, o que significa que o Autor podia limitar o pedido, como limitou, ao valor de € 45.195,57, não podendo o tribunal condenar em valor superior ao pedido (cfr. o referido artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho). Sublinhe-se que para se alcançar tal conclusão se partiu do entendimento que esta questão se mostra suscitada pela apelante na medida em que vem posto em causa o valor devido a título de diferenças salariais, ainda que não tenha invocado, expressamente, este argumento. Nesta sequência, procedem, mas apenas parcialmente, as conclusões das alegações de recurso, pelo que deve substituir-se a sentença recorrida na parte em que condenou a recorrente a pagar ao recorrido, a título de diferenças salariais, a quantia global de € 48.711,42, que deverá ser substituída pela quantia de € 45.195,57, devida pelo mesmo título. 3. Quanto a saber se o recorrido deve ser condenado por litigância de má fé Quanto a esta questão, alega a recorrente que o recorrido, na resposta à contestação reconheceu e confessou que efectivamente tinha acordado com aquela no pagamento da quantia de € 2.500,00 líquidos e que tal confissão é contraditória com os factos que alegou para fundamentar a acção. O recorrido, por sua vez, sustenta que não litigou de má fé, uma vez que na petição não negou nem ocultou qualquer acordo remuneratório. Decorre do estatuído no n.º 1 do artigo 456.º, do Código de Processo Civil, que tendo litigado de má fé a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. O n.º 2 do mesmo preceito caracteriza a má fé numa dupla vertente: (i) a má fé material ou substancial, que se reporta aos casos de dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece, à alteração consciente da verdade dos factos ou à omissão de factos cruciais; (ii) a má fé instrumental que respeita ao uso reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da Justiça ou para impedir a descoberta da verdade. Quanto àquela vertente, estipula a alínea b) do n.º 2 do artigo que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa. . Resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que introduziu a redacção do n.º 2 do artigo, que «[c]omo reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (…)». Extrai-se, pois, da lei, que são punidas como litigantes de má fé não só as condutas dolosas como também as gravemente negligentes. No caso, o Autor alegou na petição inicial, entre o mais, a retribuição mensal acordada, maxime que em Janeiro de 2008 passou a ser de € 3.802,34. Na contestação, a Ré alegou que a retribuição mensal acordada era líquida (€ 2.500,00) e que a que constava nos recibos de vencimento era encontrada pelos serviços de contabilidade da Ré para, no final, e depois de levadas em conta as retribuições e os descontos, se obter o valor líquido de € 2.500,00. Ou seja, e noutra perspectiva, a retribuição ilíquida que constava dos recibos de vencimento correspondia à retribuição líquida, acordada, de € 2.500,00. Em resposta à contestação, o Autor aceitou, na essência, esta factualidade (reconheceu também que, por lapso, peticionou diferenças salariais referentes a Janeiro de 2010), embora afirmando que o que releva é a retribuição ilíquida (os referidos € 3.802,34). Assim, não se detecta qualquer contradição entre o que o Autor alegou na petição inicial (de que auferia a retribuição mensal, entenda-se ilíquida, de € 3.802,34) e o que aceitou na resposta à contestação (que a retribuição acordada foi de € 2.500,00, líquida, ao que correspondia aquele valor ilíquido). O que se verifica é, essencialmente, uma diferente interpretação jurídica quanto ao montante da retribuição a atender: enquanto o trabalhador sustenta que é o montante ilíquido – solução que veio a ser acolhida na sentença recorrida e na presente decisão –, já a empregadora sustenta que é o montante líquido; estamos, pois, no âmbito de diferente interpretação jurídica sobre uma factualidade que, na sua essência, é aceite por ambas as partes. Daí que não se sufrague o entendimento (da recorrente) que o Autor litigou de má fé. Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. Vencidos parcialmente no recurso, deverão recorrente e recorrido suportar as custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). V. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por Dra. E…, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que a condenou a pagar a F…, a título de diferenças salariais ilíquidas, a quantia global de € 48.711,42, que se substitui pela condenação da mesma a pagar a este, pelas diferenças salariais, a quantia de € 45.195,57. No mais mantém-se a sentença recorrida. Custas em ambas as instâncias pela recorrente e recorrido, na proporção do decaimento. Évora, 20 de Dezembro de 2012 (João Luís Nunes) (Paula Maria Videira do Paço) (Acácio André Proença) |