Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1011/11.6TBSTR-A.E1
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACTAS
FORÇA EXECUTIVA
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. O reconhecimento da exequibilidade de uma acta de assembleia de condóminos não depende do facto de a mesma se mostrar assinada por todos os condóminos que hajam participado na assembleia de condomínio que nela se documenta.

II. A lei não comina com qualquer sanção (nulidade, anulabilidade, inexistência) a falta de assinatura dos condóminos presentes;

III. A falta de assinatura constitui uma mera irregularidade que terá que ser oportunamente reclamada, e, não o tendo sido, mostra-se sanada, não afectando a deliberação tomada nem a exequibilidade do título.

IV. Tenha-se em conta que a acta é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
AA, em 25.02.2015, deduziu oposição mediante embargos de executado à execução para pagamento de quantia certa que contra si é movida por Condomínio do Edifício denominado BB, pedindo que sejam julgados procedentes os embargos por si deduzidos, absolvendo-se a embargante da instância executiva.

Recebidos liminarmente os embargos de executado e regularmente notificado para contestar, o Exequente impugnou os factos alegados pelo embargante, concluindo no sentido de a oposição à execução ser julgada improcedente, seguindo a execução os seus termos até final, com pagamento integral da quantia exequenda.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do processo e elencados os temas da prova.

Realizada audiência final foi proferida sentença que julgou “(…)integralmente improcedente(s), de mérito, a(s) presente(s) oposições à execução/embargos de executado n. 1.011/11.6TBSTR-A proposto(s) pelo(s) executado(s)/oponente(s)/embargante(s) AA, absolvendo a exequente Condomínio BB, dos respetivos pedidos (…)”

A embargante não se conformando com a sentença prolatada dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“A - A exequente dá á execução como títulos executivos as actas das assembleias gerais ordinárias de 11/10/2010 e 21/1/2011. Junta ainda documento a acta de 23/ Janei/2015.

B – Nenhuma das referidas actas foi assinada pela totalidade dos condóminos ou representantes destes, de acordo com a percentagem de presenças às mesmas.

C – Aliás a soma da percentagem das assinaturas das actas é significativamente inferior às percentagens de presenças referidas no início das respectivas actas.

D – A nossa lei processual civil diz-nos que podem servir de base à execução os documentos a que por disposição especial, seja atribuída força executiva.

E – O D.L 268/94 de 25 de Outubro no seu artº 6º prescreve que a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio, ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento “ de serviços” de interesse comum, que mnão devam ser suportadas pelo condomínio, constituem título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido - a sua quota parte .

F – Por seu turno o artº 1º do Dec. Lei 268/94 de 25 de Outubro prescreve que são obrigatóriamente lavradas actas das assembleias de condóminos redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente, e subscrita por todos os condóminos que nela hajam participado.

G – Ora face à disposição legal contida no preceito referido, e sendo manifesto que as actas dadas à execução não foram assinadas por todos os condóminos que alegadamente a elas compareceram.

H- Bem como que este facto alegado pela embargante, não foi contraditado pelo embargado, é óbvio que não constituem ou possam constituir título executivo.

I- Não lhes basta que possuam conteúdo, se não estão revestidas do aspecto formal prescrito na lei.

J- Donde que outra decisão deveria ter sido tomada nos presentes autos,

L- Decisão essa que espera seja a tomada por V. Exªs. que revogando a douta decisão proferida, e em seu lugar deverão proferir decisão que julgue procedentes por provados os presentes embargos,

Assim farão

JUSTIÇA”

O apelado respondeu às alegações, pugnando pela confirmação da sentença sob censura.
Dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir
II. Objecto do Recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC),
Na presente apelação, colocam-se duas questões, a saber:
- a modificação da matéria de facto e
- o cumprimento das exigências formais de que a lei faz depender a exequibilidade das actas que documentam as deliberações condominiais que fixam as contribuições devidas ao condomínio.
III. Fundamentação
1.De Facto
1.1. A sentença apelada teve como demonstrado o seguinte facto:
“1) Atas dadas em execução.”

2. O Direito
1.ª Questão solvenda
Entende a apelante que a sentença apelada deveria ter dado como provado que nenhuma das actas dada à execução foi assinada pela totalidade dos condóminos (ou seus representantes) que intervieram nas assembleias de condóminos nelas documentadas porquanto tal facto não foi impugnado pelo embargado.
Não é assim.
Desde já se diga que, na petição inicial dos embargos (cfr. arts. 3.º, 4.º e 5.º), a recorrente somente alegou que a acta da assembleia de condóminos de 21.01.2011 “apenas foi subscrita pelo administrador e pelos titulares das fracções BF, Banco CC, AR, AA, AR e BN.” nada tendo alegado relativamente às demais actas dadas à execução.
Daí que, em homenagem ao princípio do dispositivo que enforma o processo civil, jamais se pudesse ter por demonstrado a falta de subscrição das restantes actas por parte dos condóminos presentes nas assembleias que estas documentam.
Por outro lado, importa notar que o apelado impugnou directamente esse facto – cfr. arts. 1.º e 2.º da respectiva contestação –, pelo que o mesmo não se poderia ter como admitido por acordo.
As actas têm a força probatória de documentos particulares (art.º 376.º do Cod. Civil).
Assim e como se notou na sentença apelada, impendia sobre a apelante o ónus da prova desse facto.
Dado que a apelante não carreou para os autos os meios de prova cuja valoração permitiria a demonstração desse facto, apenas poderia ser dado como provado o teor das actas (e não a veracidade do que delas consta), o que foi feito, embora de forma menos própria.
Cabe, assim, concluir pela subsistência do acervo factual fixado em 1.ª Instância, mau grado a sua manifesta exiguidade.
2.ª Questão Solvenda
A apreciação da segunda questão apenas teria interesse se se houvesse demonstrado que as actas dadas à execução não haviam sido assinadas pela totalidade dos condóminos (ou seus representantes) que intervieram nas assembleias de condóminos nelas documentadas.
Como viemos de expor, não foi isso que sucedeu, o que importa que se tenha por prejudicada essa tarefa.
Contudo, sempre se dirá que, nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 5 do CPC (art.º 45.º, n.º 1 do CPC na anterior redacção) “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
O título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coactiva da correspondente pretensão através de uma acção executiva; esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação (art.ºs. 817.º e 818.º do Cod. Civil).
Com efeito, a acção executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo (nulla executio sine titulo).

A al. d) do n.º 1 do art.º 703.º do CPC reproduz a al. d) do n.º 1 do art.º 46.º do anterior CPC e estabelece que a execução pode basear-se em documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
É o caso da acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum (art.º 6.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro). /
Com efeito dispõe o art.º 6.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Está, pois, em causa um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, nos termos previstos na al. d) do nº1 do elenco taxativo de títulos executivos constante do art.º 703.º do CPC.
“Como se refere no Preâmbulo do citado DL, visou-se, por um lado, tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, e, por outro, facilitar o decorrer das relações com terceiros por interesses relativos ao condomínio. É que sabendo-se das relações complexas que envolve a propriedade horizontal e das dificuldades (frequentes) criadas ao seu funcionamento, nomeadamente pela actuação relapsa e frequente de alguns condóminos, avessos a contribuir para as despesas comuns, sem que, não obstante, prescindam ou deixem de aproveitar dos benefícios da contribuição dos outros (revelador de, pelo menos, algum deficit de civismo), é criado um instrumento que facilite a cobrança dos valores devidos ao condomínio, legalmente previstos e regularmente aprovados”[1].
Daí que, e em conformidade, tenha sido atribuída, nos sobreditos termos, força executiva às actas das reuniões das assembleias de condóminos.
Defende a executada/apelante a inexistência de título executivo, visto que as actas que servem de título executivo não foram assinadas por todos os condóminos presentes, ou seja, a questão suscitada pela apelante prende-se com a validade formal (extrínseca do título).

Dispõe o art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro “Deliberações da assembleia de condóminos”:
“1. São obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado
2. As deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções”.
Ora, não tendo todos os condóminos, participantes na assembleia, assinado a respectiva acta, coloca-se a questão de saber se tal acta vale ou não como título executivo, para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º do Dec.-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro.
Ora, a lei não comina com qualquer sanção (nulidade, anulabilidade, inexistência) a falta de assinatura, sendo certo que uma vez aprovadas e exaradas em acta, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que não tenham participado na reunião, desde que as deliberações tenham sido devidamente comunicadas aos ausentes (n.º 6 do art.º 1432.º do Cod. Civil).
A falta de assinatura constitui uma mera irregularidade que terá que ser oportunamente reclamada, e, não o tendo sido, mostra-se sanada, não afectando, assim, a deliberação tomada nem a exequibilidade do título.
“Se tiver sido lavrada acta, mas faltarem as assinaturas de alguns dos intervenientes na assembleia de condóminos, ocorrerá uma irregularidade que o tribunal apreciará casuisticamente, com base na análise do documento e nos demais elementos pertinentes obtidos, nomeadamente outros elementos de prova, para dar ou não como demonstrada a situação factual que o documento se destina a comprovar”[2].
Tenha-se, em conta que a acta é uma formalidade ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular[3].
“I. A força executiva da acta da assembleia de condóminos não depende nem da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes), nem de, nela, se expressar o valor determinado e exacto da dívida de cada condómino (…)”[4]

“A força executiva da acta da assembleia de condóminos não depende da assinatura da mesma por todos os condóminos”[5]
É, pois, abundante a jurisprudência que entende que as actas ainda que não assinadas pelos condóminos presentes não deixam de ser actas nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 6.º do Dec.-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro.
Destarte, por todo o exposto, o reconhecimento da exequibilidade de uma acta de condomínio não depende do facto de as mesmas se mostrarem assinadas por todos os condóminos que hajam participado na assembleia de condomínio que nela se documenta[6].
Improcede, pois, a apelação.
As custas serão suportadas, porque vencida, pela embargante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Sumário

I. O reconhecimento da exequibilidade de uma acta de assembleia de condóminos não depende do facto de a mesma se mostrar assinada por todos os condóminos que hajam participado na assembleia de condomínio que nela se documenta.

II. A lei não comina com qualquer sanção (nulidade, anulabilidade, inexistência) a falta de assinatura dos condóminos presentes;

III. A falta de assinatura constitui uma mera irregularidade que terá que ser oportunamente reclamada, e, não o tendo sido, mostra-se sanada, não afectando a deliberação tomada nem a exequibilidade do título.

IV. Tenha-se em conta que a acta é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular.

V. Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Évora em negar provimento à apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

Registe.

Notifique.

Évora, 25 de Janeiro de 2017

Florbela Moreira Lança (Relatora)

Elisabete Valente (1.ª Adjunta)

Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)


__________________________________________________
[1] Ac. da RP de 04.06.09, proferido no processo n.º 1139/06.4TBGDM-A.P1, acessível em www.dgsi.pt
[2] Ac. da RL de 08.11.2007, proferido no proc. n.º 9687/2006-6, acessível em www.dgsi.pt
[3] Assim, Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Alemedina, 2.ª ed., pp. 172-175.
[4] Ac. da RP de 04.06.2009, referido na nota 1.
[5] Ac. da RG de 17.12.2014, proferido no proc. n.º 825/13.7TBBCL-A-G1, acessível em www.dgsi
[6] Assim, vide o Ac. do STJ de 14/10/2014, proferido no proc. n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt).
[7] Assim, Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Alemedina, 2.ª ed., pp. 172-175.