Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1205/16.8T8PTG-B.E1
Relator: MARIA DA GRAÇA ARAÚJO
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
ACTA
FALSIDADE
TAXA SANCIONATÓRIA EXCECIONAL
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
I - Merece ser tributado com taxa sancionatória excepcional, por manifestamente improcedente e revelador de falta de diligência e prudência, o requerimento em que (i) se invoca a nulidade da acta de audiência prévia com fundamento na sua desconformidade com o que efectivamente se passou, sem que seja apresentada qualquer prova e sem que a versão apresentada se mostre verosímil em face das concretas intervenções do requerente no âmbito dessa audiência, (ii) se requer que a parte junte o original de um documento que a mesma já havia junto e (iii) se requer que a parte contrária preste uma informação que o requerente não pode deixar de conhecer.
II – A aplicação de taxa sancionatória excepcional exclui a aplicação da taxa de justiça normal.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:


Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
I
1. AA - Sociedade de Garantia Mútua, S.A instaurou execução para pagamento de quantia certa contra BB e CC.
2. Deduziram estes embargos de executado.
3. A exequente apresentou contestação.
4. A audiência prévia foi designada tendo em vista “designadamente os fins a que aludem as alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 591º do novo Código de Processo Civil”.
5. Em 6.3.17, teve lugar a audiência prévia, que não foi gravada por inexistirem os necessários meios técnicos no gabinete.
6. Consta da respectiva acta o seguinte:
(…)
Tentada a conciliação, entre as partes nos termos do artigo 591.º, alínea a), do NCPC, a mesma não se verificou possível, pelo que as mesmas solicitaram um prazo de 15 dias para tentar a uma composição amigável de litígio, sem prejuízo de ser realizada neste momento a audiência prévia.-
De seguida foi facultada às partes a discussão de facto e de direito nos termos do artigo 591.°, n.° 1 alínea b) do NCPC, dado que o tribunal pretende conhecer, em sede de saneador, do mérito da causa, no seu todo, tendo o ilustre mandatário dos embargantes manifestado interesse na concessão de prazo para o efeito.
De imediato foi dado que pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte: -
*
DESPACHO
*
Tendo em conta a posição ora manifestada pelas partes concede-se a prazo de 15 (quinze) dias para alcançarem a composição amigável do litígio.
Em igual período, concede-se ainda às partes a possibilidade de se pronunciarem por escrito nos termos do artigo o 591.º n.º 1, alínea b) do NCPC, dado que o tribunal pretende conhecer, em sede de saneador, do mérito da causa, no seu todo.
Ainda, ao abrigo do disposto no artigo 3.º n.º 3 do NCPC determino a notificação dos embargantes para, querendo, se pronunciarem no prazo de 15 dias quanto à sua eventual condenação como litigantes de má fé nos termos do artigo 542.°, n.º 1 e 2, alíneas a), b) , c) e d) do NCPC, considerando o teor do contrato, por si assinado, junto aos autos em sede de contestação, o qual, para além de conter o pacto de preenchimento da livrança, prevê expressamente que os embargantes assumiram ainda a qualidade de avalistas na mesma livrança.
(…)”.
7. Em 9.3.17, e “atenta a posição do tribunal, nomeadamente por oficiosamente pretender vir a condená-los como litigantes de má-fé”, os embargantes:
a) Requereram, nos termos do artigo 144º nº 5 do Cód. Proc. Civ., que a embargada juntasse aos autos o original da livrança que constitui o título executivo;
b) Requereram, ao abrigo do disposto no artigo 417º do Cód. Proc. Civ., que a embargada informasse se foi feita e assinada alguma versão em espanhol do contrato subjacente à livrança;
c) Arguiram a nulidade da acta da audiência prévia, nos termos dos artigos 155º nº 6, 195º e 591º nº 4 do Cód. Proc. Civ., porque a vontade das partes foi a de suspender o processo logo no início da audiência prévia, o que foi deferido, e, consequentemente, todos os demais actos a ter lugar nessa diligência ficaram prejudicados.
8. Em 16.3.17, foi proferida a seguinte decisão:
O original da livrança foi junto aos autos principais a 12/10/2016 conforme dispõe o artigo 724.º, n.º 5 do NCPC, pelo que carece de todo e qualquer fundamento o ora requerido pelos embargantes nessa parte que assim se indefere.
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No que concerne à versão em espanhol do contrato, o hipotético desconhecimento da língua portuguesa ou dos termos do contrato assinado pelos embargantes não foi invocado pelos mesmos no requerimento inicial, assim como não foi a circunstância ora invocada de não exercerem a gerência de facto, situação que aliás é, de todo, incompatível com a contracção de um empréstimo bancário em nome da empresa.
Nesses termos e não existindo qualquer interesse para a decisão da causa a prova de factos essenciais não alegados no respectivo articulado, nem tendo sido invocada uma situação de erro na declaração por parte dos embargantes (cfr. artigo 247.º do Código Civil), cujo ónus lhes pertence nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do NCPC, indefere-se o requerido por manifestamente improcedente.
*
Relativamente à nulidade invocada, vêm agora os embargantes referir que as partes quiseram a suspensão da instância por 15 dias, o que foi deferido pelo tribunal, e que tal não ficou reflectido na acta, mais referindo que não podia o tribunal ter posteriormente realizado a audiência prévia a seguir ao deferimento da suspensão da instância.
Compulsado o teor da acta verifica-se, no que respeita ao prazo requerido pelas partes, que foi transcrito o seguinte:
«Tentada a conciliação, entre as partes nos termos do artigo 591.º, n.º 1, alínea a), do NCPC, a mesma não se verificou possível, pelo que as mesmas solicitaram um prazo de 15 dias para tentar a uma composição amigável de litígio, sem prejuízo de ser realizada neste momento a audiência prévia.»
Tendo o despacho prolatado sido o seguinte no que a tal concerne:
«Tendo em conta a posição ora manifestada pelas partes, concede-se o prazo de 15 (quinze) dias para alcançarem a composição amigável do litígio)».
Verifica-se assim que a concessão do prazo requerido pelas partes foi transcrito na acta embora não tenha sido feita nenhuma menção à suspensão da instância. E não foi, na medida em que o ilustre Mandatário da exequente expressamente referiu que só requeria a concessão do prazo se não tivesse que regressar ao tribunal para ser realizada a audiência prévia, o que não foi objecto de oposição pelos embargantes.
Considerou-se, assim, que o que estava a ser requerido ao tribunal era somente um prazo para se tentar um acordo e não a suspensão da instância.
Nesses termos, e aliás como é habitual neste tribunal, sem prejuízo da concessão do aludido prazo, a audiência prévia foi de facto realizada, tendo sido facultada às partes a discussão de facto e de direito nos termos do artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do NCPC, dado que o tribunal pretende conhecer, em sede de saneador, do mérito da causa, no seu todo, e proferido despacho a permitir às partes que se pronunciem por escrito nessa matéria, e ainda ordenada a notificação dos embargantes para, querendo, se pronunciarem no prazo de 15 dias quanto à sua eventual condenação como litigantes de má fé, nos termos do artigo 542.º, n.º 1 e 2, alíneas a), b), c) e d) do NCPC, considerando o teor do contrato, por si assinado, junto aos autos em sede de contestação, o qual, para além de conter o pacto de preenchimento da livrança, prevê expressamente que os embargantes assumiriam ainda a qualidade de avalistas na mesma livrança, tal como correctamente vertido na acta, pelo que não se verifica nenhuma desconformidade nessa sede.
Conclui-se assim que a nulidade invocada pelos embargantes não se prende na realidade com nenhuma desconformidade na transcrição da acta, mas com a realização da audiência prévia nas condições em que a mesma ocorreu e que estão vertidas correctamente na acta, uma vez que se aperceberam agora que, em tempo, não impugnaram o contrato junto em sede de contestação, o qual está no cerne da referida notificação para pronúncia da sua eventual condenação como litigantes de má fé, e pretendem ainda fazê-lo como expressamente declaram no ponto 7 do seu requerimento.
Sucede que o prazo para a arguição de nulidade de um acto ao qual a parte assista, por si ou pelo seu mandatário, como foi o caso, só pode ser efectuada enquanto o acto não terminar como claramente prevê o disposto no artigo 199.º, n.º 1, 1ª parte do NCPC, o que não sucedeu.
Se os embargantes não queriam que a audiência prévia se tivesse realizado deveriam ter manifestado tal posição na devida altura ao invés de nada referirem e terem inclusive participado na mesma através da discussão de facto e de direito da causa e da sua eventual litigância de má fé.
Termos em que, nos termos e com os fundamentos expostos, dispenso a audição da parte contrária por inútil nos termos dos artigos 3.º, n.º 3, 130.º e 201.º do NCPC, e indefiro a arguida nulidade por desconformidade da transcrição da acta por inexistente, sustentando-se a redacção inicial da acta ao abrigo do disposto no artigo 155.º, n.º 9 do NCPC.
Custas do presente incidente pelos embargantes cuja taxa de justiça se fixa em 3 (três) UC, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do NCPC e artigo 7.º, n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
Atendendo ao carácter manifestamente improcedente do requerimento em apreço como decorre do supra exposto, que resulta exclusivamente da falta de prudência e diligência dos embargantes, condenam-se os embargantes em taxa sancionatória excepcional no montante de 5 (cinco) UC, ao abrigo do disposto no artigo 531.º do novo Código de Processo Civil e artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais, condenação essa que não se encontra coberta pelo apoio judiciário de que os embargantes eventualmente beneficiem face à sua natureza sancionatória (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 20/11/2013 (Proc. 79/05.9GBVNG-A.P1), in dgsi.pt).
Notifique.
Faça-se consignar em acta que os embargantes consideram que, em sede de tentativa de conciliação, foi requerida por ambas as partes, e concedida pelo tribunal, a suspensão da instância por 15 dias, requerendo a rectificação da acta em conformidade, o que foi indeferido nos termos do presente despacho, sustentando-se a redacção inicial.”.
II
Os embargantes interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1.ª Os embargantes recorrem do despacho proferido pelo tribunal a quo em 2017.03.16, transcrito em 5 destas alegações, e que reproduzem, sob pena de repetição;
2.ª Entendem os embargantes que o incidente da eventual aplicação de litigância de má-fé foi oficiosamente aberto pelo tribunal recorrido, que concedeu um prazo de 15 dias para sobre ele se pronunciarem;
3.ª Esse incidente corre nos próprios embargos e os embargantes, para se pronunciarem, não têm que pagar custas;
4.ª Os embargantes para se pronunciarem de forma esclarecida, requereram, fundamentadamente de facto e de direito, ao tribunal a quo que notificasse a embargada, para juntar o original da livrança; e informar se foi feito e subscrito algum contrato/aval em espanhol língua dos embargantes; alegando ainda a nulidade da ata da audiência prévia, por desconforme com o ocorrido;
5.ª Esses pedidos não constituem qualquer incidente, mereciam antes um mero deferimento ou indeferimento por parte do tribunal;
6.ª Pelo que, não se tratando de um incidente, a condenação dos embargantes em custas pelo incidente, mais não é que uma multa, em 3 UC;
7.ª Quanto ao original da livrança, os embargantes desconheciam que a mesma se encontrava já junta aos autos, não só porque o processo físico se encontra em regra com o agente de execução, como também o que virtualmente se encontra no tribunal, não está acessível aos executados/embargantes, o que torna desculpável o requerido;
8.ª No que respeita à versão em espanhol do contrato, onde se inclui o acordo de preenchimento da livrança entregue em branco, parece justificar-se a sua junção aos autos, para depois de conhecida a sua existência ou não, ser utilizado no exercício do direito de pronúncia antes da eventual condenação por má fé;
9.ª Quanto à invocada nulidade da ata, ela justifica-se por se tratar de um processo civil, no âmbito de direitos totalmente disponíveis das partes, e se estas, logo no início da audiência prévia, pediram conjuntamente o prazo de 15 dias que lhe foi concedido para transigirem, nada mais justificava a alegada discussão de facto e de direito e os demais atos, incluindo a gravação da audiência, ainda que ao contrário do referido na ata, o Tribunal da Comarca de Portalegre disponha de todos os meios necessários e adequados;
10ª. Daí que nessas circunstâncias se mostre totalmente despicienda a continuação da audiência prévia, para discussão da matéria de facto e de direito, tal como é referido pelo tribunal a quo, tão pouco para discussão com vista ao tribunal conhecer, em sede de saneador, do mérito da causa no seu todo;
11.ª Uma vez que, iniciada a audiência prévia pela tentativa de conciliação e as partes, de comum acordo, solicitaram um prazo de 15 dias, com vista a obtê-lo, o tribunal concedendo-o, independentemente de qualificar esse prazo de 15, como suspensão ou não, ficou impedido ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art. 591.ºdo CPC, de conhecer imediatamente no todo ou em parte do mérito da causa;
12.ª Dito de outro modo, em processo civil, a vontade das partes em certos casos, sobrepõe-se à vontade do tribunal, e neste concretamente obstou e sobrepôs-se à vontade da meritíssima juíza a quo, impedindo a prolação imediata do desejado saneador sentença, muito menos do despacho saneador (cf. art. 591.º n.º 1 alínea b), e alínea d) e art. 595.º CPC);
13.ª Concedidos os 15 dias às partes, esgotou-se no entender dos apelantes o poder do tribunal a quo, para prosseguir com os demais atos previstos no art. 591.º CPC;
14.ª Sendo mesmo discutível se, nessas circunstâncias, chegando as partes a acordo, poderá a meritíssima juíza a quo vir a condenar oficiosamente os embargantes como litigantes de má se essa questão não lhe foi sequer colocada e as partes querem pôr termo ao diferendo;
15.ª Consequentemente, a ata é nula e foi essa nulidade que os embargantes invocaram no tribunal a quo, e não a sua retificação, pelo que o tribunal, no despacho recorrido, pronunciou-se indeferindo ulteriormente questão que nunca lhe foi colocada, em violação do art. 615.º n.º 1 alínea d) ex vi art.613.º n.º3 do CPC;
16ª. Os apelantes entendem que, tendo sido convocada audiência prévia para os fins das alíneas a) a d) do n.º1 do art.591.º do CPC, um vez esta aberta e iniciada pela alínea a), isto é pela tentativa de conciliação, requerendo ambas as partes por acordo o prazo 15 dias para alcançarem a composição amigável do litígio, e o tribunal concedendo-lhes esse direito, impede o prosseguimento dos demais atos, previstos nas alíneas b), c) e d), para a qual foram convocados, (cf. art. 591.º CPC);
17.ª Nessas circunstâncias, o tribunal não só fica impedido por vontade das partes de realizar os demais atos, como fica impedido de abrir novos incidentes como, in casu, propor oficiosamente a condenação por litigância de má fé de uma das partes, se até ao deferimento e “suspensão da instância”, não o tiver já feito, ou a outra parte não lho solicitar, o que constitui um contrassenso, por claro e óbvio obstáculo à pretensão das partes em alcançar o acordo;
18.ª O tribunal a quo violou o art. 591.º do CPC, e praticou atos supervenientes e inúteis e sem que tenha procedido à sua gravação;
19.ª Mas, ainda que validamente aberto oficiosamente o incidente de litigância de má-fé, concedidos que foram 15 dias para os embargantes se pronunciarem, ao requererem informações e elementos não justificava a sua condenação em 3 UC, a título de custas, por não haver lugar a custas;
20.ª Os apelantes entendem que essa condenação respeita a multa e não a custas, não podendo ser aplicada a um mero exercício de direito legal, previsto no art. 342.º e em sua violação (cf. art.342.º CC);
21.ª Multa de 3UC que nem é legalmente permitida em acumulação da taxa sancionatória excecional de 5 UC, por violar o n.º 5 do art. 27.º do RCJ, sendo que, in casu, nem uma nem outra encontra na lei especial censurabilidade, (cf. art. 27.º n.º5 RCJ);
22.ª Pelo exposto, deverá o presente recurso de apelação proceder: (i) revogando-se o despacho do tribunal a quo de 2017.03.16; (ii) decretando parcialmente nula a ata da audiência prévia e os actos subsequentes ao deferimento do prazo para a obtenção da composição amigável do litígio; (iii) impedindo o prosseguimento dos autos para condenação por litigância de má fé; ou, assim não se entendendo, (iv) absolvendo os embargantes/apelantes da condenação em 3UC em custas pelo incidente e em 5UC por taxa sancionatória excepcional, no demais por ilegal, nos termos do n.º 5 do artigo 27.º do CCP.

Não foram apresentadas contra-alegações.
III
Os factos a ter em conta para a economia do presente recurso são os que se deixaram vertidos no relatório.
IV
A primeira questão a tratar é, por imperativo lógico-processual, a de saber se a decisão proferida é nula por excesso de pronúncia.

A) Sabido é que a sentença enferma de nulidade quando o juiz se pronuncia sobre questões não submetidas pelas partes à sua apreciação nem passíveis de conhecimento oficioso (artigos 615º nº 1-d) e 608º do Cód. Proc. Civ.).
Por “questões” devem entender-se os pedidos [que “não são apenas os pontos sobre os quais o autor pretende o veredicto do magistrado, a fim de obter a declaração positiva da relação (reconhecimento do direito que se arroga); são também os pontos sobre os quais o réu se propõe obter pronúncia negativa” - Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra, 1984:53], analisados em articulação com as respectivas causas de pedir (os fundamentos em que aqueles assentam) que cada uma das partes apresente na acção (autor e obra citada: 49 ss).

B) Os apelantes entendem que o excesso de pronúncia ocorreu relativamente ao último parágrafo da decisão proferida em 16.3.17, uma vez que nunca requereram a rectificação da acta, antes arguindo a sua nulidade.
Mas sem razão.

Não é no parágrafo em causa que se acha a decisão proferida sobre a arguida nulidade – claramente indeferida no parágrafo anterior à condenação em custas.
Naquele parágrafo, apenas se contém um comando dirigido à secretaria no sentido de ser consignado em acta determinado circunstancialismo, a revelar a natureza de despacho de expediente (artigo 152º nº 4 do Cód. Proc. Civ.).
Acresce que a nulidade da acta requerida pelos embargantes assentou na sua desconformidade entre o que ocorreu na audiência prévia e o que dela foi feito constar, tendo em conta que não havia gravação a que fosse possível recorrer. E invocaram os embargantes, designadamente, o nº 6 do artigo 155º do Cód. Proc. Civ., que se refere precisamente à desconformidade entre o que se passou na diligência e o que foi transcrito em acta.
Ou seja, o circunstancialismo que os embargantes colocaram à apreciação do tribunal impunha que este apreciasse a alegada irregularidade – que, contudo, não considerou verificar-se – mas consentia que o juiz entendesse que a irregularidade conduzia à nulidade do acto (nos termos do artigo 195º do Cód. Proc. Civ.) ou demandava, simplesmente, a rectificação da transcrição [atente-se no segmento final do parágrafo anterior à condenação em custas], uma vez que não estava sujeito ao enquadramento jurídico invocado (artigo 5º nº 3 do Cód. Proc. Civ.).

C) Não se verifica, consequentemente, o vício suscitado pelos apelantes.
V
A segunda questão a resolver prende-se com a nulidade da acta da audiência prévia.

A) No requerimento que antecedeu a decisão recorrida, os embargantes invocavam a desconformidade entre o que efectivamente se passara na audiência e o que a acta retratava. Mais concretamente, os embargantes alegavam que, logo no início da audiência, as partes haviam requerido a suspensão da instância por 15 dias (pretendendo que esta suspensão operasse nesse preciso momento), o que tinha sido deferido, mas, todavia a acta não espelhava.

B) Tal aspecto foi decidido pelo tribunal a quo em termos que se revelam insindicáveis por esta Relação.
Em primeiro lugar, porque a audiência não foi gravada, sendo certo que só agora, nas alegações, vêm os apelantes referir que o tribunal a quo dispõe do equipamento para tal adequado.
Diga-se, aliás, que o despacho que justificou que se não procedesse à gravação mencionou a inexistência de meios técnicos no gabinete – e não no Tribunal – não tendo os embargantes, nessa altura ou em momento posterior, reagido ao despacho.
Em segundo lugar, porque os embargantes não apresentavam qualquer prova do que diziam ter sido a vontade verbalizada pelas partes, razão pela qual a mesma não foi produzida.
Em terceiro lugar, porque a tese dos embargantes nem sequer se mostra verosímil. É que, a ter ocorrido o que os embargantes defendem, não se compreende que, ao ser-lhes facultada a discussão de facto e de direito, nada tenham dito a respeito da continuação da audiência, antes requerendo prazo para se pronunciarem por escrito.

C) Ora, a pretensão dos embargantes assentava necessariamente na demonstração do que se passara na audiência prévia, só a partir daí sendo possível aferir da (des)conformidade da respectiva acta. Competindo-lhes tal prova (artigo 342º nº 1 do Cód. Civ.), o pedido formulado terá necessariamente de soçobrar.
VI
A terceira questão a abordar respeita à possibilidade de o tribunal dar continuidade à audiência prévia a partir do momento em que as partes requereram, com sucesso, o prazo de 15 dias para tentarem um acordo.

A) Invocam os apelantes que, suspensa a instância a requerimento das partes e ao abrigo do nº 4 do artigo 272º do Cód. Proc. Civ., nenhum outro acto poderia ter tido lugar.

B) Ora, ainda que tal ilação seja mitigada pelo que dispõe o nº 4 do artigo 275º do Cód. Proc. Civ., o que se verifica é que os apelantes retiravam essa conclusão da anteriormente invocada desconformidade da acta (no sentido de que as partes tinham requerido a suspensão imediata da instância, ou seja, logo após a tentativa de conciliação), o que, como vimos, se não demonstrou.
Assim, o que resulta da acta é que, não obstante as partes terem requerido a concessão do prazo de 15 dias para comporem amigavelmente o litígio, as mesmas aceitaram que a audiência prévia continuasse nesse momento. O que, como já dissemos, é confirmado pelo facto de, facultada às partes a discussão de facto e de direito (nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 591º do Cód. Proc. Civ.), os embargantes terem requerido a concessão de prazo para o efeito.
Acresce que a audição dos embargantes ao abrigo do nº 3 do artigo 3º do Cód. Proc. Civ. e para efeitos de eventual condenação como litigantes de má-fé cabe, sem esforço, na alínea b) do nº 1 do artigo 591º do mesmo diploma, enquanto acto prévio ao conhecimento do mérito da causa, ou seja, à prolação de sentença, na qual tem lugar a apreciação da conduta processual das partes.

C) No descrito contexto, não estava, pois, o tribunal impedido de prosseguir a audiência prévia.
VII
A quarta questão a aquilatar reporta-se à responsabilidade tributária dos embargantes.

A) “O termo custas tem a ver com o conceito de custo ou custeio, com o significado de preço ou valor de uma coisa ou de despesa necessária à manutenção de um serviço” (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 2009:121).
As custas inerentes a qualquer processo compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 1º, 2º e 3º nº 1 do RCP e artigo 529º nº 1 do Cód. Proc. Civ.).
“A taxa de justiça consubstancia-se, grosso modo, na prestação pecuniária que o Estado exige, em regra, aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou de que beneficiem” (autor e obra citados:132), sendo devida pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 6º nº 1 do RCP e 529º nº 2 do Cód. Custas Processuais).
Não obstante a taxa de justiça seja, em regra, liquidada pela parte interveniente no momento da sua intervenção, cada processo autónomo (cfr. nº 2 do artigo 2º do RCP) implica, a final e em princípio, uma condenação em custas, que acompanha, também em geral, o decaimento nesse processo (artigo 527º nº 1 e 2 do Cód. Proc. Civ.).
A taxa de justiça é fixada em função do tipo de processo e do respectivo valor, podendo corresponder a uma quantia fixa ou a definir pelo tribunal entre um máximo e um mínimo (artigos 6º a 13º do RCP e respectivas Tabelas anexas). O tribunal pode, ainda, em certos casos, dispensar o pagamento de parte da taxa de justiça (artigo 6º nº 7 do RCP) ou agravar o seu montante (artigos 6º nº 5 e 7º nº 7 do RCP), em função, fundamentalmente, da complexidade do processo.

B) Uma particular situação de agravamento da taxa de justiça é a denominada taxa sancionatória excepcional.
Foi esta criada pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro, como “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”, “que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa” (cfr. respectivo preâmbulo).
Efectivamente, trata-se, ainda, de uma taxa de justiça, como decorre da inserção sistemática do artigo 531º do Cód. Proc. Civ. (e, já antes, do artigo 447º-B) e do artigo 10º do RCP – no sentido de que a taxa sancionatória excepcional substitui a taxa de justiça normal, vd. autor e obra citados:61.
Ao sancionar o interveniente que deduz pretensão manifestamente improcedente por razões de imprudência ou falta de diligência, o legislador teve presente que os recursos jurisdicionais são escassos, não devendo, por isso, ser utilizados senão em casos justificados; e, assim não ocorrendo, a lei entendeu que tal interveniente devia ser responsabilizado através do pagamento de um montante a fixar entre 2 a 15 UC (artigo 10º do RCP), ao mesmo tempo que visou dissuadir as condutas em causa.

Vivendo de conceitos indeterminados, é a aplicação pelo julgador que permitirá densificar as situações a subsumir ao disposto no artigo 531º do Cód. Proc. Civ..
Todavia, a excepcionalidade da aplicação da taxa sancionatória e a manifesta improcedência da pretensão deduzida são vectores que claramente apontam no sentido da parcimónia da aplicação e da inequivocidade do desacerto da pretensão, sob pena de, assim, não sendo, se acabar por ferir o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente garantido.
Assim, como se refere no Ac. RP de 6.2.12, in http://www.dgsi.pt Proc. nº 425885/09.6YIPRT-B.P1, “cabe ao julgador a preocupação de limitar a sua utilização discricionária de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual e, apenas sancionar o que está para lá dessa defesa.
Assim, as questões processuais têm de ser manifestamente improcedentes ou dilatórias, ou seja, despidas de qualquer interesse atendível na prática do acto.
E, as questões de mérito hão-de ser manifestamente improcedentes, não apenas por inexistir qualquer jurisprudência que as suporte, pois que, quantas vezes, novas posições se tomam nos tribunais com base na sua defesa pelas partes, apoiadas em outra sustentação que não apenas a jurisprudência, mas porque não há leitura possível para as mesmas, e quando ainda, resultarem exclusivamente da falta de prudência e diligência da parte.”.
Ou, no dizer do Ac. RL de 12.11.13, in http://www.dgsi.pt Proc. nº 41/12.5YUSTR.L1-5, “com a taxa sancionatória excepcional, pretende-se sancionar comportamentos abusivos manifestamente improcedentes - censuráveis enquanto decorrentes de exclusiva falta de prudência ou diligência da parte que os utiliza, com isto se induzindo as partes a evitar comportamentos que excedam os limites do razoável ou se situam abaixo do patamar da diligência mínima”.

C) Vejamos, então, se o requerimento apresentado pelos embargantes em 9.3.17 deve ser considerado manifestamente improcedente e se pode ser assacada aos embargantes a falta da prudência e/ou diligência devidas.

Parece óbvio que o pedido de notificação da embargada para juntar aos autos o original da livrança, quando este original havia sido junto através de requerimento apresentado em 12.10.16 (dia seguinte à apresentação do requerimento executivo), é manifestamente improcedente.
Sucede que o requerimento executivo era acompanhado pela “livrança”, sem que se especificasse tratar-se do original ou de uma cópia. E foi este – só este - requerimento e os documentos que o acompanhavam que foram remetidos aos embargantes aquando da sua citação.
É certo, porém, que o nº 5 do artigo 724º do Cód. Proc. Civ. prevê a obrigatoriedade da junção aos autos do original do título de crédito. E é certo que o ilustre mandatário dos embargantes devia ter consultado o processo electrónico e/ou o processo físico pendente no tribunal antes de requerer a junção.

Também o pedido de que a embargada informasse se foi feita e assinada alguma versão em espanhol do contrato nos parece manifestamente improcedente. É que, para além do acerto da fundamentação aduzida no despacho recorrido, dificilmente se concebe que a existência ou inexistência de uma versão espanhola do contrato assinada pelos embargantes não fosse do seu próprio conhecimento.
Aspecto que igualmente revela a sua falta de prudência do requerimento.

Entendemos, ainda, manifestamente improcedente o pedido de declaração de nulidade da acta, também aqui se remetendo para a fundamentação do despacho recorrido.
Acresce que os embargantes nem sequer apresentavam prova do que diziam ter-se passado na audiência prévia, bem sabendo que a mesma seria indispensável pelo facto de aquela não ter sido gravada.
Mais: como acima dissemos, a tese dos embargantes nem sequer se mostrava verosímil, uma vez que, a ter ocorrido o que os embargantes defendiam, não se compreendia que, ao ser-lhes facultada a discussão de facto e de direito, nada tivessem dito a respeito da continuação da audiência, antes requerendo prazo para se pronunciarem por escrito.
Tudo a traduzir uma inequívoca imprudência na arguição da nulidade.

Sucede que o requerimento dos embargantes, não obstante ter demandado, injustificadamente, a intervenção do tribunal, não se traduziu numa maior demora da tramitação processual.
Com efeito, o requerimento foi apresentado três dias após a data em que foi realizada a audiência prévia, quando se encontrava a correr o prazo de 15 dias concedido aos embargantes para se pronunciarem sobre a causa e sobre a sua eventual litigância de má-fé, sendo certo que também a decisão recorrida foi proferida dentro do mesmo prazo.

No contexto descrito, entendemos que, embora merecendo a aplicação de taxa sancionatória excepcional, deve a mesma ser fixada, ponderando, em especial, o grau de imprudência e as suas consequências e os limites estabelecidos na lei, em 3,5 UC.

D) Como acima dissemos, a aplicação de taxa sancionatória excepcional exclui a taxa de justiça normal.
*

Por todo o exposto, acordamos em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Revogamos a decisão recorrida na parte em que condena os embargantes nas custas do incidente com taxa de justiça fixada em 3 UC;
B) Revogamos a decisão recorrida na parte em que fixa a taxa sancionatória excepcional em 5 UC, que ora fixamos em 3,5 (três e meia) UC;
C) Mantemos, no mais, a decisão recorrida.
Custas por embargantes e embargada, na proporção de 90% para os primeiros e 10% para a segunda.

Évora, 25 de Janeiro de 2018
Maria da Graça Araújo

Manuel Bargado

Albertina Pedroso