Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
643/15.8T8PTM-A.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: INSOLVÊNCIA DA ENTIDADE EMPREGADORA
DESPEDIMENTO COLECTIVO
MASSA INSOLVENTE
LEGITIMIDADE PASSIVA
Data do Acordão: 01/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Os créditos laborais emergentes duma cessação contratual promovida pela entidade empregadora, que antes havia sido declarada insolvente, são, nos termos do art.º 51º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dívidas da massa insolvente, que como tal tem legitimidade passiva para ser demandada na ação que a propósito os trabalhadores interessados venham a instaurar.
2. Aplicando-se a tais casos, por força do art.º 347º, nº 3, do Código do Trabalho, e com as necessárias adaptações, as regras procedimentais do despedimento coletivo, a não disponibilização imediata da compensação devida aos trabalhadores envolvidos não é porém causa da ilicitude da cessação contratual assim promovida, à luz do que se dispõe nos arts.º 383º, al. c), e 363º, nº 5, do referido código.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 643/15.8T8PTM-A

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:

Na 2ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, em Portimão, corre termos ação especial de impugnação de despedimento coletivo, em que são AA. BB, e outros, e é R. a Massa Insolvente de CC, S.A., no âmbito do qual, e nos termos do art.º 160º, nsº 2, 3 e 4, do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), foi proferido despacho saneador que julgou a demandada parte legítima, declarando outrossim ilícito o despedimento coletivo dos AA., por incumprimento das formalidades legais exigidas para o efeito, mas determinando também o prosseguimento da ação, por serem ainda controvertidos factos relativos à antiguidade e salário base de alguns dos demandantes (DD, EE, e FF).
Inconformada com o assim decidido, desse despacho veio então apelar a R., formulando as seguintes conclusões na respetiva alegação de recurso:
1. - A Recorrente solicitou, no dia 18 de Setembro de 2015, a gravação da audiência preliminar (que ocorreu no dia 17 de Setembro de 2015), uma vez que dela supostamente constava a fundamentação do despacho saneador do Tribunal a quo, tendo para o efeito remetido o respectivo cd.
2. Recebida a “gravação”, a Recorrente verificou que a mesma encontra-se totalmente imperceptível sendo impossível a sua transcrição, tendo arguido a respectiva nulidade, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC, conjugado com o art. 616º do CPCP, e ainda nos termos do nº 1 do art. 195º do CPC, uma vez que estamos perante uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa.
3. Não tendo a Recorrente, até ao término do prazo para apresentação do recurso, sido notificada de qualquer despacho, não teve outra alternativa do que apresentar o respectivo recurso no dia 28 de Setembro de 2015.
4. O Tribunal a quo apenas no dia 8 de Outubro de 2015 veio proceder à prolação do despacho saneador por escrito.
5. Apenas desde aquela data a Recorrente está em condições de interpor o recurso na medida em que apenas naquela data teve acesso à fundamentação do Tribunal a quo.
6. O despacho saneador é ainda nulo por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC, por remissão do art. 666º do mesmo diploma legal.
7. O Mmo. Juiz não de pronunciou sobre uma questão essencial que lhe foi submetida pela Recorrente.
8. No despacho saneador, o Mmo. Juiz não se pronunciou sobre a aplicabilidade/não aplicabilidade da alínea c) do art. 383º do CT e do nº 5 do art. 363º do CT.
9. Conforme a Recorrente alegou na sua contestação, não constitui despedimento ilícito, nos termos da alínea c) do art. 383º do CT e do nº 5 do art. 363º do CT, a não disponibilização das compensações uma vez que a Recorrente foi declarada insolvente e a Recorrente procedeu à cessação dos contratos de trabalho nos termos do art. 347º do CT (norma para a qual remete o nº 5 do art. 363º do CT).
10. O Tribunal a quo entendeu que os créditos peticionados pelos Recorridos são uma dívida da massa insolvente e como tal a massa insolvente é parte legítima.
11. Os montantes decorrentes da indemnização/compensação da antiguidade dos Recorridos são dívidas da insolvente e não da massa insolvente.
12. As dívidas da massa insolvente estão consagradas no artigo 51º do CIRE e nelas não se enquadram os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, nomeadamente as relativas à antiguidade.
13. A entender-se que os actos do Administrador de Insolvência relativos aos contratos de trabalho e as consequências da sua cessação são sempre da responsabilidade da massa insolvente, teríamos, por absurdo, que todos os créditos emergentes de contratos de trabalho seriam sempre dívidas da massa insolvente e não da insolvente.
14. Conforme declarou o Tribunal da Relação de Coimbra (In www.dgsi.pt, Acórdão de 14/07/10, Processo nº 562/09.7T2AVR-P.C1) “Os créditos consistentes na compensação/indemnização por cessação de contrato de trabalho, subsequente às vicissitudes/encerramento da empresa insolvente, são créditos da insolvência; não preenchendo alguma das alíneas do art. 51.º do CIRE”.
15. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, no sentido em que entende que todas as compensações dos Trabalhadores, por cessação de contrato de trabalho, subsequente às vicissitudes/encerramento da empresa insolvente, são dívidas da massa insolvente, viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, nº 2 da CRP que impõe a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e o princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 13º da CRP, que impõe que situações idênticas sejam objecto do mesmo tratamento, inconstitucionalidade que se argui.
16. Só constitui dívida da massa insolvente o trabalho prestado pelos Trabalhadores após a declaração da insolvência e não pago, mas apenas se for reconhecida pelo Administrador da Insolvência, sendo a indemnização por despedimento, bem como todo o resto que os Recorridos reclamam dívida da insolvência, conforme dispõe o artigo 47º do CIRE. (Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães in www.dgsi.pt, Acórdão de 09/07/15, Processo nº 72/12.5TBVRL-AH.G1)
17. Mais se acrescenta que, a indemnização por antiguidade, pese embora não tenha a natureza de salário, é calculada com base no salário do trabalhador e no lapso temporal em que desempenhou funções para a entidade patronal, e visa compensar o trabalhador pela cessação do contrato de trabalho e assegurar-lhe um meio de subsistir economicamente durante algum tempo.
18. O Recorrentes desempenharam maioritariamente funções para a insolvente (tendo apenas prestado trabalho para a massa insolvente durante um mês).
19. Nenhum sentido faria que a massa insolvente fosse responsável pela antiguidade dos trabalhadores pelo período anterior à declaração de insolvência.
20. Alega o Tribunal a quo que “Estando em causa, como está, a actuação ílicita do administrador da insolvência, nos termos do citado art. 51º nº 1 alínea d) do CIRE, será a massa insolvente a responsável pelo pagamento das dívidas daí resultantes”.
21. Ora, nos presentes autos não resulta qualquer actuação ilícita pelo que as dívidas não são da massa insolvente.
22. O Tribunal a quo entendeu que não foi cumprida apenas uma formalidade legal: não colocação à disposição dos Trabalhadores da respectiva compensação.
23. No despacho, datado de 13/07/15, o Tribunal a quo não proferiu nenhuma decisão quanto à qualificação do procedimento tendo apenas decidido sobre o alegado erro na forma do processo.
24. Ainda que se qualifique a forma de cessação do contrato de trabalho como despedimento colectivo, o que se equaciona por mera cautela e dever de patrocínio, o certo é que a cessação do contrato de trabalho com fundamento na “desnecessidade dos trabalhadores para o funcionamento da empresa”, tal como consta do despacho datado de 13/07/15, resulta do art. 347º do CT.
25. Ora, não constitui despedimento ilícito, nos termos da alínea c) do art. 383º do CT e do nº 5 do art. 363º do CT, a não disponibilização das compensações uma vez que a Recorrente foi declarada insolvente e a Recorrente procedeu à cessação dos contratos de trabalho nos termos do art. 347º do CT.
26. No entanto, conforme se referiu, os contratos de trabalho celebrados entre a Insolvente e os Recorridos cessaram por caducidade, tendo-se adoptado o procedimento do despedimento colectivo, com as necessárias adaptações, tal como exige o art. 347º do CT.
27. Conforme resulta do despacho do Tribunal a quo datado de 13/07/15 “sabendo-se que a declaração de insolvência não constitui causa directa de cessação do contrato de trabalho (ver artigo 347º nº 1 do Código do Trabalho), distingue a lei dois fundamentos para os fazerem cessar, indirectamente por via daquela declaração: o encerramento definitivo do estabelecimento; a desnecessidade dos trabalhadores para o funcionamento da empresa”.
28. Foi com baste neste segundo fundamento que cessaram os contratos de trabalho.
29. Esta forma de cessação encontra-se prevista no art. 347º do Código de Trabalho na Secção III, sob a eígrafe “Caducidade do Contrato de Trabalho”, do Capítulo VII (Cessação de Contrato de Trabalho), do Código de Trabalho.
30. O não cumprimento das formalidades exigidas para o procedimento colectivo não acarreta a ilicitude do despedimento uma vez que não se trata de nenhum caso de despedimento em sentido próprio (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa(in www.dgsi.pt, Acórdão de 03/12/08, Processo nº 8814/2008-4)
31. Não constitui despedimento ilícito a não disponibilização das compensações uma vez que a Recorrente foi declarada insolvente e a Recorrente procedeu à cessação dos contratos de trabalho nos termos do art. 347º do CT.
32. Conforme declarou o Tribunal da Relação de Coimbra (in www.dgsi.pt, Acórdão de 14/07/10, Processo nº 562/09.7T2AVR-P.C1) “Claramente, a particularidade da situação de insolvência justifica que a não disponibilidade das compensações/créditos devidos não torne a cessação do contrato de trabalho ilícita.”
33. A situação prevista no art. 347.º ou regulada em legislação especial a que se refere a parte final do n.º 5 do art. 363.º do CT é, ou a situação de insolvência, ou recuperação, de empresa judicialmente declarada. (cfr. Acórdão de 23/03/15 do Tribunal da Relação do Porto in www.dgsi.pt, , Processo nº 645/14.1TTVNG-A.P1)
34. A não indicação do montante e forma de pagamento da compensação também não determina a ilicitude do despedimento.
35. A Recorrente indicou qual o montante da compensação referindo que não iria colocar o respectivo valor à disposição uma vez que tal crédito deveria ser reclamado no âmbito do processo de insolvência.
36. Entende o Tribunal a quo que “Na verdade, o direito à compensação por um despedimento colectivo (ou pela desnecessidade motivada pela insolvência da empregadora) decorre inteiramente de actos de administração. E esses actos envolvem custos (como custos envolveriam decidir manter em vigor outros contratos de trabalho – pois não é lícito à empresa insolvente continuar a beneficiar da prestação do trabalho e deixar de pagar o correspondente salário).
E se os actos (cessação dos contratos de trabalho) resultam em benefício da empresa e dos seus credores, não é lícito exonerá-los das consequências negativas que comportam, sob pena de fazer os trabalhadores suportar todos esses custos”.
37. A Recorrente não põe em causa que os Trabalhadores tenham direito à respectiva compensação.
38. Resulta da comunicação enviada aos Trabalhadores que lhes é reconhecido o direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base por cada ano completo de antiguidade e proporcionalmente no caso de fracção de ano, indicando-se relativamente a cada um o respectivo montante, e foi-lhes ainda reconhecido também o direito aos créditos salariais vencidos e exigíveis pela cessação do contrato de trabalho, nomeadamente férias e subsídio de férias vencidos e não gozados ou pagos, proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal.
39. No entanto, nos termos do que dispõe o nº 5 do art. 363º do Código do Trabalho, em virtude da insolvência da empresa, a Solmate não colocou à disposição dos trabalhadores abrangidos o valor da compensação bem como o valor dos créditos vencidos e/ou exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, informando que os mesmos deveriam ser reclamados no âmbito do respectivo processo de insolvência.
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Notificados da interposição do recurso, os AA. vieram contra-alegar, aí concluindo o seguinte:
1º As questões a resolver pelo juiz a quo não se confundem com os argumentos, motivações e razões invocadas pelas partes para fazerem valer as suas pretensões.
2º- São aquelas que, nos termos do disposto no art. 615º nº1 d) e 608 nº2 do NCPC dizem respeito à causa de pedir, ao pedido e às exceções.
3º- Os Autores peticionaram a declaração de ilicitude do despedimento coletivo que os visou e o pagamento da respetiva indemnização e dos restantes créditos laborais e a Ré excecionou alegando a caducidade do direito de ação e do erro na forma de processo e impugnou os pedidos dos Autores nomeadamente a qualificação do procedimento de despedimento coletivo como ilícito.
4º- O juiz a quo decidiu as exceções de erro na forma do processo e da caducidade do direito de ação.
5º- Decidiu também da questão da legitimidade que entendeu que, embora não tratada expressamente, foi levantada pela Ré e decidiu sobre a questão do incumprimento das formalidades legais do despedimento coletivo com a consequente ilegalidade do mesmo pelo que ficou prejudicada a questão da aplicabilidade das normas invocadas pela Ré.
6º- Todas as questões postas ao Tribunal que este se encontrava em condições de decidir, foram decididas não havendo omissão do dever de pronúncia.
7º- A recorrente impugnou ainda a decisão que a considerou parte legítima na presente ação pois entende que os créditos peticionados pelos Autores são dívidas da insolvente e não da massa insolvente.
8º- De acordo com o art. 277º do CIRE os efeitos da declaração de insolvência no que respeita aos contratos de trabalho regem-se pela lei aplicável aos contratos de trabalho pelo que se aplica o art. 347º do CT.
9º- A recorrente manteve a sua atividade após a declaração de insolvência tendo constituído um ato de administração a escolha dos funcionários a despedir.
10º- Todas as contraprestações aos trabalhadores que se vençam após a declaração de insolvência são qualificadas como dívidas da massa insolvente de acordo com o art. 51º nº1 c) do CIRE.
11º- No caso sub judice era de presumir a intenção de continuação da atividade, pois a administração da insolvência ficou a cargo do gerente da insolvente o que determina que a mesma não era para liquidar – art. 223º e 225º do CIRE.
12º- Para prover à conservação e frutificação dos direitos da insolvente e evitar o agravamento da situação económica da empresa o administrador pode fazer cessar os contratos de trabalho nos termos do disposto no art. 55º nº1 b) do CIRE e 51º nº1 do CIRE.
13º- Faculdade que o administrador da massa insolvente da Ré usou sendo esta massa a responsável pelo pagamento dos montantes pela cessação dos contratos que levou a cabo.
14º- Responsável pelo pagamento dos créditos devidos pela cessação, anterior à declaração de insolvência, do vínculo laboral é a insolvência, pelos créditos devidos pela cessação de vínculos laborais após a declaração de insolvência é a massa insolvente.
15º- Apesar de sufragar outro entendimento a recorrente não pôs à disposição dos Autores qualquer montante nem durante o procedimento de despedimento coletivo nem após o despedimento apesar do tempo já decorrido, pretendendo eximir-se a qualquer pagamento.
16º- A insolvência não implica a caducidade dos contratos de trabalho que subsistem até ao encerramento da empresa a não ser que o administrador da massa insolvente lance mão do fundamento de resolução dos contratos, previsto no art. 347º do CT.
17º- O despedimento realizado configurou um despedimento coletivo, cabendo na previsão do art. 1º nº1 da Diretiva 98/59/CE de 20.07.1998.
18º- Tratando-se de despedimento coletivo depende do cumprimento dos requisitos impostos pelo C.T. entre eles a colocação à disposição dos trabalhadores a compensação, o que não aconteceu pelo que o despedimento é ilícito.
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Admitido o recurso, como apelação em separado, e subidos os autos a esta Relação, foi cumprido o disposto no art.º 87º, nº 3, do C.P.T..
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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E decidindo, cumpre antes de mais referenciar que o objeto do recurso, delimitado como se sabe pelas conclusões da alegação da apelante (cfr. arts.º 365º, nsº 3 e 4, e 369º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil – C.P.C.), reconduz-se no essencial a três questões, que são as seguintes:
- a nulidade da decisão recorrida;
- a legitimidade passiva da recorrente;
- a licitude, ou não, da cessação dos contratos de trabalho dos AA..
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Antes porém de nos debruçarmos sobre cada um dos pontos referidos, importa relembrar aqui qual a factualidade a atender, evidenciada no processo e como tal considerada na decisão recorrida.
São os seguintes os pontos de facto relevantes:
- A sociedade “CC, S.A.” foi declarada insolvente em 8/05/2012, tendo a sentença transitado em 19/06/2012;
- Por sentença de 14/05/2013 foi homologado o plano de insolvência, tendo essa sentença transitado em 4/06/2013;
- Os autores intentaram a acção, por apenso ao processo de insolvência, em 11/01/2013;
- Pretendem a declaração de ilicitude do despedimento promovido pelo administrador da massa insolvente em 11/07/2012.
- Em 22/06/2012 os autores receberam uma comunicação do administrador da massa insolvente ré com a intenção de fazer cessar os contratos de trabalho nos termos do artigo 347º do Código de Trabalho;
- Em 11/07/2012 foi comunicada aos autores, pelo administrador da massa insolvente ré, o seu despedimento com efeitos nessa mesma data;
- Não foi paga aos autores qualquer compensação nem indicado o montante e forma de pagamento.
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Como se referiu, a primeira das questões abordadas pela recorrente prende-se com a alegada nulidade da decisão recorrida. Entende a apelante ter havido omissão de pronúncia do tribunal a quo sobre uma questão essencial que lhe havia sido colocada, e que respeita à alegada aplicabilidade ao caso dos autos do disposto nos arts.º 383º, al. c), e 363º, nº 5, do Código do Trabalho.
Ora, estando aqui em causa a suposta nulidade de uma decisão a que a lei de processo atribui, para todos os efeitos, o valor de sentença (cfr. art.º 160º, nº 4, do C.P.T.), é forçoso entender-se, também, que a arguição de nulidades que a possam afetar deve então ser deduzida, nos termos do art.º 77º, nº 1, do mesmo C.P.T., expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
A apelante, no entanto, não observou tal formalismo, limitando-se a invocar a nulidade num segmento da sua própria alegação de recurso, a par e à semelhança do que fez quanto a outros dos fundamentos de impugnação da sentença.
Como é entendimento há muito assente, o incumprimento daquela regra processual reconduz-se à extemporaneidade da própria arguição da nulidade, que por isso não pode ser como tal conhecida e decidida pelo tribunal de recurso.
Sendo essa a hipótese dos autos, não deixaremos todavia de referir que, ainda assim, não parece verificar-se ali qualquer verdadeira omissão de pronúncia.
Com efeito, o que ocorreu foi sim algo de diferente: a solução acolhida pelo tribunal recorrido enveredou por solução diversa daquela que a recorrente propugnara na sua contestação, e nessa lógica desconsiderou a aplicabilidade dos referidos normativos do C.T.. Mas essa é uma questão que se prende com o próprio mérito da decisão, e que não deixaremos de abordar, no momento adequado, a propósito da problemática da ilicitude da cessação contratual promovida pela recorrente.
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Vejamos agora a temática da legitimidade passiva da demandada.
Defende a recorrente que a ação não deveria ter sido instaurada contra a massa insolvente da ‘CC’, já que os créditos laborais peticionados não se integram na previsão do art.º 51º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), sendo sim créditos da insolvência, e como tal devendo ser reclamados.
Avancemos desde já que não parece, neste particular, assistir qualquer razão à recorrente.
Há que notar, desde logo, que os vínculos laborais que os trabalhadores demandantes haviam celebrado com a ‘CC’ subsistiram, de facto e de jure, algum tempo após esta ter sido declarada insolvente, o que implica necessariamente que os créditos decorrentes da cessação dos contratos de trabalho dos AA. não podem nunca caber na previsão do art.º 47º, nº 1, do C.I.R.E.[2]. Pelo contrário: são créditos que só se venceram após aquela declaração, e como tal, integram-se normativamente no art.º 51º, nº 1, al. c), do mesmo código, enquanto ‘dívidas emergentes dos atos de administração … da massa insolvente’.
A ação foi portanto corretamente instaurada contra a recorrente, que é a entidade que tem interesse em contradizer, e a quem por isso assiste a necessária legitimidade passiva.
Nesta parte improcedem pois as conclusões da alegação da apelante.
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E que dizer quanto à decidida ilicitude do despedimento coletivo promovido pela recorrente?
Sublinhemos antes de mais que não vem propriamente suscitada no recurso a questão da qualificação jurídica da desvinculação contratual dos AA., como despedimento coletivo, ou como mero caso de caducidade dos respetivos contratos de trabalho. A apelante não coloca o acento tónico da sua lógica argumentativa nesse enquadramento legal, antes focando a sua tese, sim, na alegada inexistência de qualquer causa de ilicitude daquela cessação contratual.
A decisão do mérito do recurso, no entanto, não permite que contornemos semelhante questão, que se afigura essencial no raciocínio a seguir para obter a justa solução da lide.
Senão vejamos:
É sabido que, neste âmbito, os efeitos da declaração de insolvência relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regem-se exclusivamente pela lei aplicável ao contrato de trabalho (cfr. art.º 277º do C.I.R.E.).
Significa isto, para além do mais, que a declaração de insolvência duma entidade empregadora não acarreta, por si só, uma imediata caducidade dos contratos de trabalho celebrados com os respetivos trabalhadores, salvo se a mesma implicar, nos termos do art.º 343º, al. b), do C.T., uma ‘impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho, ou de o empregador o receber’.
Foi aliás isso que sucedeu no caso dos autos, pois como já se referiu os aqui AA. mantiveram-se ao serviço da ‘CC’, mesmo depois de esta ter sido declarada insolvente.
É por isso também que o C.T. dedica a semelhantes situações uma disposição própria, no caso o seu art.º 347º. Aí se preceitua, designadamente, que ‘a declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho’ (nº 1), que ‘o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa’ (nº 2), e que em tais casos a cessação dos contratos ‘deve ser antecedida de procedimento previsto nos artigos 360º e seguintes, com as necessárias adaptações’ (nº 3).
Ou seja: ainda que sistematicamente inserido na secção do C.T. dedicada à caducidade do contrato de trabalho, a cessação contratual operada após a entidade empregadora ter sido declarada insolvente tem mais afinidade com um caso de despedimento coletivo, na medida em que é a própria lei que determina a aplicação, a tais situações, e com as necessárias adaptações, dos procedimentos que são próprios dos despedimentos coletivos.
Parece-nos portanto que a inobservância das formalidades exigidas por lei deve, também aqui, implicar em princípio a ilicitude da cessação contratual que tiver sido promovida pela parte empregadora, na mesma medida em que em termos idênticos o seja um caso de despedimento coletivo, em sentido próprio.
No caso dos autos, foi precisamente esse o entendimento da decisão recorrida, que considerou ocorrer aqui a causa de ilicitude tipificada no art.º 383º, al. c), do C.T.: não ter o empregador ‘posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 366º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho…’.
Não podemos no entanto, nesta parte, secundar o entendimento acolhido pelo tribunal a quo, exatamente porque o mesmo não terá considerado as ‘necessárias adaptações’ que ao caso importava fazer.
Com efeito, sendo certo que em caso de despedimento coletivo o trabalhador tem direito à compensação prevista no art.º 366º do C.T., o pagamento da mesma, tal como dos créditos vencidos, e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, deve ser feito até ao termo do prazo de aviso prévio (que como se sabe é variável em função da antiguidade do trabalhador) – art.º 363º, nº 5, do C.T..
Sendo essa a regra, cujo incumprimento como se viu implica por si só a ilicitude do despedimento, da mesma o referido nº 5 exceciona porém, expressamente, a situação prevista no citado art.º 347º.
E compreende-se naturalmente que assim o faça.
A desvinculação contratual de uma pluralidade de trabalhadores, promovida por uma entidade empregadora que foi declarada insolvente, e que por isso está obviamente em dificuldades para cumprir a suas dívidas, não seria na generalidade dos casos compatível com a exigência de imediato pagamento da compensação e dos demais créditos laborais que fossem devidos, porventura de montante avultado e por isso dificilmente comportável pela parte devedora.
Daí que, não havendo para o empregador insolvente a obrigatoriedade legal da imediata disponibilização dos valores devidos aos trabalhadores envolvidos, não poderá também a falta desse pagamento, até ao momento da cessação do vínculo laboral, ser causa da ilicitude do despedimento assim promovido.
Nesta parte procede pois a pretensão veiculada no recurso, o que não invalida, todavia, que os aqui AA. mantenham o direito a receberem da R. a compensação prevista no mencionado art.º 366º, e que aliás a própria recorrente reconhece ser-lhes devida.
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Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação parcialmente procedente, e em consequência:
a) Mantêm a decisão recorrida na parte em que julgou a apelante parte legítima;
b) Revogam a decisão recorrida na parte em que julgou ilícito o despedimento coletivo dos AA., sem prejuízo do direito dos mesmos a receberem da recorrente a compensação prevista no art.º 366º do Código do Trabalho.
Custas por AA. e R., na proporção de metade para os primeiros e de metade para a segunda.

Évora, 19/01/2017
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes
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[2] ‘Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio’ (sublinhado nosso)