Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
Descritores: | REAPRECIAÇÃO DA PROVA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS RECONVENÇÃO | ||
Data do Acordão: | 07/12/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Sumário: | I – A reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação, baseada em meios de prova sem força probatória vinculativa, deve ser levada a efeito com especiais cautelas tendo em conta os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova., competindo à segunda instãncia, verificar, mediante a análise da prova produzida, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir. II – Face à redação consagrada no artigo 266.º, n.º2, alínea c) do Código de Processo Civil, e à controvérsia anteriormente existente sobre o meio (se por exceção, se por reconvenção), de invocação da compensação, é de concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá de ser suscitada em sede de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis. (Sumário da relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | P.259/13.3TTBJA.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] 1. Relatório BB intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a compensação devida pela cessação do contrato de trabalho, no montante de € 9.806,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação e até integral pagamento. Alegou, em brevíssimo resumo, que trabalhou para o Réu, como Oficial de Eletricista, no período compreendido entre 1/9/1995 e 24/2/2013. Tal relação laboral cessou por iniciativa do Réu, com fundamento em extinção do posto de trabalho, sem que tenha sido cumprido o procedimento processual inerente ao despedimento por extinção do posto de trabalho, nem tenham sido pagos ao Autor os créditos vencidos por efeito da cessação do contrato de trabalho. Frustrada a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, o Réu veio contestar a ação, invocando a exceção da compensação, pretendendo compensar o crédito reclamado pelo Autor com quantias que alegou ter-lhe emprestado ao longo da vigência da relação laboral. Impugnou a antiguidade referida pelo Autor e alegou o pagamento dos subsídios de férias e de natal em duodécimos. Mais referiu que a compensação a que o Autor tinha direito se encontra integralmente satisfeita. O Autor respondeu, negando a concessão de qualquer empréstimo e reiterando o alegado na petição inicial. Pediu a condenação do Réu como litigante de má fé. No âmbito do exercício do contraditório, veio o Réu peticionar a condenação do Autor como litigante de má fé. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar e foi fixado à ação, o valor de € 9.806,00. Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o dispositivo que se transcreve: «Por tudo o exposto, ao abrigo do disposto no art. 57º, n.º1 do Código de Processo do Trabalho, julga-se a presente ação declarativa de processo comum parcialmente procedente, e, em consequência: a) Condena-se o Réu CC a pagar ao Autor BB a quantia de € 7.298,82 (sete mil duzentos e noventa e oito euros e oitenta e dois cêntimos), a título de despedimento por extinção do posto de trabalho, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efetivo e integral pagamento; b) Absolve-se o Autor e o Réu do demais peticionado.» Não se conformando com o decidido, veio o Réu interpor recurso da sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1 – O A. [Réu]/ recorrente não pode conformar-se com a sentença recorrida uma vez que, a mesma foi produzida à revelia da prova gravada, quanto às declarações de parte do recorrente, do depoimento do autor e da Mulher deste, a testemunha …, da testemunha …, como quanto aos docs juntos aos autos, bem como das próprias regras de experiência; 2 - Considera pois o recorrente incorretamente julgados os pontos que dizem respeito a toda a matéria de facto considerada não provada pela sentença, para a qual se remete, bem como quanto aos factos provados, designadamente à parte final do facto 1 e quanto aos facto 6.. Quanto à questão dos subsídio de Férias e de Natal pagos em duodécimos que não deixam de estar ligado ao cerne desta questão. (…) Quanto à questão das 2 declarações de 600,00 e da declaração de 6.896,75 (…) Quanto à alegada exceção de compensação de créditos. 57 - Esta compensação surge a título subsidiário. 58 - Apenas caso não se considerasse (como não se considerou) que o R. nada devia ao A, porque as quantias emprestadas foram imputadas na indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho, cuja quitação foi dada pelo A. 59 - E nesse caso, subsistiria um crédito do R. sobre o A. correspondente às quantias que lhe emprestou ao longo dos anos. 60 - Quantias estas, que o próprio autor reconhece ter pedido ao A., nos momentos por este alegados, apesar de dizer que lhas pagou, através de descontos em salários. 61- Apenas o diz. Nada prova. 62 – O que se prova é sim o contrário, até mesmo pelo que foi dito quer pelo A. quer pela mulher deste a Testemunha Dália, quanto à duplicação dos recebimentos dos subsídios de férias e de natal, na versão destes e em consequência do desconhecimento que dizem ter quanto aos duodécimos. Mas também considera o tribunal a quo que não é admissível a compensação e teria o R. que ter deduzido um pedido reconvencional. 63 - È entendimento unânime na jurisprudência que tal só será assim quando o montante do crédito cuja compensação se requer é superior ao pedido formulado pela A e parece também este o entendimento que resulta da própria sentença recorrida, não obstante decidir em sentido contrário. 64 - Com resulta dos autos, o valor dos créditos alegados pelo R .e cuja compensação se requereu inferior ao valor do pedido formulado pelo A.. 65 - Razão pela qual, deveria ter-se considerado admissível a referida exceção e consequentemente procedente pelas razões supra expostas, pelo que também aqui decidiu mal o tribunal a quo.» Juntamente com o recurso foram apresentados seis recibos de vencimento respeitantes ao recorrido, com as seguintes datas: 31/12/2003, 30/09/2005, 31/12/2009, 30/06/2010, 29/4/2011, 31/3/2012. Contra-alegou o Autor, pugnando pela improcedência do recurso. A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. Tendo o processo subido à Relação, foi observado o preceituado no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela confirmação da sentença recorrida, em matéria de facto e de direito. Não foi oferecida resposta a tal parecer. Por despacho proferido pela relatora, não se admitiu a prova documental apresentada juntamente com o recurso. Tal despacho transitou em julgado. Manteve-se a admissão do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. Objeto do RecursoÉ consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho). Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso que importa dilucidar e resolver são: 1.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; 2.ª Da visada absolvição do Réu do pedido; 3.ª Exceção da compensação deduzida. * III. Matéria de FactoO tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. O Autor trabalhou sob as ordens e direção do Réu, exercendo as funções de Oficial de Eletricista, no período compreendido entre 02 de Dezembro de 1999 e 26 de Novembro de 2012; [este ponto foi alterado pelos motivos que infra se explicam] 2. Por escrito datado de 26 de Novembro de 2012, o Réu entregou ao autor um escrito com a seguinte informação “Vimos por este meio comunicar a V. Exa., de acordo com o nº1 do art. 369º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro) a necessidade de extinguir o seu posto de trabalho por motivos de mercado, atendendo à diminuição substancial da atividade da empresa motivada pela redução do volume de negócios em obra mesma. Desta forma a empresa extingue o seu posto de trabalho de Oficial de Eletricista pois não tem trabalho suficiente para o manter”; 3. À data da cessação do contrato de trabalho, o Autor auferia o salário mensal de €563,00, acrescido de €6,00 diários de subsídio de alimentação; 4. Os subsídios de férias e de Natal eram, à data da cessação do contrato, pagos em duodécimos; 5. Em 23 de Fevereiro de 2013, o Réu apresentou ao Autor, que o assinou, um recibo de vencimento no montante de €6.896,75 referente a compensação por extinção do posto de trabalho. 6. O Réu não efetuou o pagamento dessa quantia ao Autor; 7. Em 14.12.2012, o Autor assinou o escrito denominado “Declaração” com o seguinte teor “BB contribuinte fiscal nº…declara para os devidos e legais efeitos, que recebeu de CC, contribuinte fiscal nº …, a importância de €600,00 (seiscentos euros) a título de indemnização referente ao ano de 2012”. - E considerou que não se provaram os seguintes factos:(…) * IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de factoDo arrazoado das alegações e conclusões do recurso, retira-se que o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, em relação ao facto provado n.º 1, parte final, ao facto provado n.º 6 e aos factos considerados não provados. Entendendo-se que foi observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, nada obsta ao conhecimento da impugnação. (…) Concluindo, a impugnação mostra-se apenas parcialmente procedente em relação ao ponto factual provado n.º 1. * V. DireitoCom base na visada alteração da matéria de facto, concluiu o apelante que deve ser considerado que nada devia ao Autor, e, em consequência, pugna pela sua absolvição do pedido. Ora, estando a questão suscitada totalmente dependente da procedência da impugnação da decisão factual, que não se verificou, claudica liminarmente a questão suscitada. Tendo ficado demonstrado que o apelante fez cessar o contrato de trabalho que havia celebrado com o recorrido, com fundamento na extinção do posto de trabalho, conforme foi devidamente apreciado pela 1.ª instância, e que o recorrente, na qualidade de empregador, não pagou ao trabalhador, o ora recorrido, a peticionada compensação legal, bem andou o tribunal recorrido ao condenar o Réu no pedido. Quanto à invocada exceção da compensação, dois óbices existem à consideração da mesma: - Substancialmente, o recorrente não logrou provar possuir qualquer crédito sobre o Autor. - Formalmente, a compensação deveria ter sido suscitada em sede de reconvenção, de harmonia com o preceituado no artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral. Conforme se pode ler no Acórdão da Relação de Coimbra de 30/4/2015, P. 949/13.0TTLRA.C1, acessível em www.dgsi.pt: «Dispõe a al. c) do nº 2 do artº 266º do Novo CPC: “2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: (...) c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;”. A disposição equivalente do anterior CPC era a da al. b) do nº 2 do artº 274º: “2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: (...) b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”. A significativa diferença na redação dos dois preceitos não é inocente, já que o legislador do Novo CPC seguramente não desconhecia a divergência de entendimentos quanto ao meio (se por exceção, se por reconvenção), de invocação da compensação e quis expressamente resolvê-la no sentido de que qualquer pretensão de reconhecimento de créditos por parte do réu, quer sejam superiores ou inferiores aos créditos do autor, implicará necessariamente a dedução de pedido reconvencional. Assim, no domínio da aplicação do Novo CPC, a compensação deverá ser suscitada e apreciada em sede de reconvenção, não só quando se pretenda obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, mas também quando o réu pretende o reconhecimento do crédito, para obter a compensação- cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 15/5/2014, in www.dgsi.pt.» Destarte, bem andou o tribunal de 1.ª instância ao não considerar a exceção da compensação invocada. Em suma, em matéria de direito, o recurso mostra-se absolutamente improcedente. Concluindo, há que julgar o recurso improcedente. * VI. DecisãoNestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas a cargo do apelante. Notifique. Évora, 12 de julho de 2018 Paula do Paço (relatora) Moisés Pereira da Silva João Luís Nunes __________________________________________________ [1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes |