Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
259/13.3TTBJA.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
RECONVENÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – A reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação, baseada em meios de prova sem força probatória vinculativa, deve ser levada a efeito com especiais cautelas tendo em conta os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova., competindo à segunda instãncia, verificar, mediante a análise da prova produzida, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir.
II – Face à redação consagrada no artigo 266.º, n.º2, alínea c) do Código de Processo Civil, e à controvérsia anteriormente existente sobre o meio (se por exceção, se por reconvenção), de invocação da compensação, é de concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá de ser suscitada em sede de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.259/13.3TTBJA.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
BB intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a compensação devida pela cessação do contrato de trabalho, no montante de € 9.806,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação e até integral pagamento.
Alegou, em brevíssimo resumo, que trabalhou para o Réu, como Oficial de Eletricista, no período compreendido entre 1/9/1995 e 24/2/2013. Tal relação laboral cessou por iniciativa do Réu, com fundamento em extinção do posto de trabalho, sem que tenha sido cumprido o procedimento processual inerente ao despedimento por extinção do posto de trabalho, nem tenham sido pagos ao Autor os créditos vencidos por efeito da cessação do contrato de trabalho.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, o Réu veio contestar a ação, invocando a exceção da compensação, pretendendo compensar o crédito reclamado pelo Autor com quantias que alegou ter-lhe emprestado ao longo da vigência da relação laboral. Impugnou a antiguidade referida pelo Autor e alegou o pagamento dos subsídios de férias e de natal em duodécimos. Mais referiu que a compensação a que o Autor tinha direito se encontra integralmente satisfeita.
O Autor respondeu, negando a concessão de qualquer empréstimo e reiterando o alegado na petição inicial. Pediu a condenação do Réu como litigante de má fé.
No âmbito do exercício do contraditório, veio o Réu peticionar a condenação do Autor como litigante de má fé.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar e foi fixado à ação, o valor de € 9.806,00.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o dispositivo que se transcreve:
«Por tudo o exposto, ao abrigo do disposto no art. 57º, n.º1 do Código de Processo do Trabalho, julga-se a presente ação declarativa de processo comum parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Condena-se o Réu CC a pagar ao Autor BB a quantia de € 7.298,82 (sete mil duzentos e noventa e oito euros e oitenta e dois cêntimos), a título de despedimento por extinção do posto de trabalho, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efetivo e integral pagamento;
b) Absolve-se o Autor e o Réu do demais peticionado.»

Não se conformando com o decidido, veio o Réu interpor recurso da sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1 – O A. [Réu]/ recorrente não pode conformar-se com a sentença recorrida uma vez que, a mesma foi produzida à revelia da prova gravada, quanto às declarações de parte do recorrente, do depoimento do autor e da Mulher deste, a testemunha …, da testemunha …, como quanto aos docs juntos aos autos, bem como das próprias regras de experiência;
2 - Considera pois o recorrente incorretamente julgados os pontos que dizem respeito a toda a matéria de facto considerada não provada pela sentença, para a qual se remete, bem como quanto aos factos provados, designadamente à parte final do facto 1 e quanto aos facto 6..
Quanto à questão dos subsídio de Férias e de Natal pagos em duodécimos que não deixam de estar ligado ao cerne desta questão.
(…)
Quanto à questão das 2 declarações de 600,00 e da declaração de 6.896,75
(…)
Quanto à alegada exceção de compensação de créditos.
57 - Esta compensação surge a título subsidiário.
58 - Apenas caso não se considerasse (como não se considerou) que o R. nada devia ao A, porque as quantias emprestadas foram imputadas na indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho, cuja quitação foi dada pelo A.
59 - E nesse caso, subsistiria um crédito do R. sobre o A. correspondente às quantias que lhe emprestou ao longo dos anos.
60 - Quantias estas, que o próprio autor reconhece ter pedido ao A., nos momentos por este alegados, apesar de dizer que lhas pagou, através de descontos em salários.
61- Apenas o diz. Nada prova.
62 – O que se prova é sim o contrário, até mesmo pelo que foi dito quer pelo A. quer pela mulher deste a Testemunha Dália, quanto à duplicação dos recebimentos dos subsídios de férias e de natal, na versão destes e em consequência do desconhecimento que dizem ter quanto aos duodécimos. Mas também considera o tribunal a quo que não é admissível a compensação e teria o R. que ter deduzido um pedido reconvencional.
63 - È entendimento unânime na jurisprudência que tal só será assim quando o montante do crédito cuja compensação se requer é superior ao pedido formulado pela A e parece também este o entendimento que resulta da própria sentença recorrida, não obstante decidir em sentido contrário.
64 - Com resulta dos autos, o valor dos créditos alegados pelo R .e cuja compensação se requereu inferior ao valor do pedido formulado pelo A..
65 - Razão pela qual, deveria ter-se considerado admissível a referida exceção e consequentemente procedente pelas razões supra expostas, pelo que também aqui decidiu mal o tribunal a quo.»
Juntamente com o recurso foram apresentados seis recibos de vencimento respeitantes ao recorrido, com as seguintes datas: 31/12/2003, 30/09/2005, 31/12/2009, 30/06/2010, 29/4/2011, 31/3/2012.

Contra-alegou o Autor, pugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação, foi observado o preceituado no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela confirmação da sentença recorrida, em matéria de facto e de direito.
Não foi oferecida resposta a tal parecer.
Por despacho proferido pela relatora, não se admitiu a prova documental apresentada juntamente com o recurso. Tal despacho transitou em julgado.
Manteve-se a admissão do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso que importa dilucidar e resolver são:
1.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2.ª Da visada absolvição do Réu do pedido;
3.ª Exceção da compensação deduzida.
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. O Autor trabalhou sob as ordens e direção do Réu, exercendo as funções de Oficial de Eletricista, no período compreendido entre 02 de Dezembro de 1999 e 26 de Novembro de 2012; [este ponto foi alterado pelos motivos que infra se explicam]
2. Por escrito datado de 26 de Novembro de 2012, o Réu entregou ao autor um escrito com a seguinte informação “Vimos por este meio comunicar a V. Exa., de acordo com o nº1 do art. 369º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro) a necessidade de extinguir o seu posto de trabalho por motivos de mercado, atendendo à diminuição substancial da atividade da empresa motivada pela redução do volume de negócios em obra mesma. Desta forma a empresa extingue o seu posto de trabalho de Oficial de Eletricista pois não tem trabalho suficiente para o manter”;
3. À data da cessação do contrato de trabalho, o Autor auferia o salário mensal de €563,00, acrescido de €6,00 diários de subsídio de alimentação;
4. Os subsídios de férias e de Natal eram, à data da cessação do contrato, pagos em duodécimos;
5. Em 23 de Fevereiro de 2013, o Réu apresentou ao Autor, que o assinou, um recibo de vencimento no montante de €6.896,75 referente a compensação por extinção do posto de trabalho.
6. O Réu não efetuou o pagamento dessa quantia ao Autor;
7. Em 14.12.2012, o Autor assinou o escrito denominado “Declaração” com o seguinte teor “BB contribuinte fiscal nº…declara para os devidos e legais efeitos, que recebeu de CC, contribuinte fiscal nº …, a importância de €600,00 (seiscentos euros) a título de indemnização referente ao ano de 2012”.
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E considerou que não se provaram os seguintes factos:
(…)
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IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Do arrazoado das alegações e conclusões do recurso, retira-se que o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, em relação ao facto provado n.º 1, parte final, ao facto provado n.º 6 e aos factos considerados não provados.
Entendendo-se que foi observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, nada obsta ao conhecimento da impugnação.
(…)
Concluindo, a impugnação mostra-se apenas parcialmente procedente em relação ao ponto factual provado n.º 1.
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V. Direito
Com base na visada alteração da matéria de facto, concluiu o apelante que deve ser considerado que nada devia ao Autor, e, em consequência, pugna pela sua absolvição do pedido.
Ora, estando a questão suscitada totalmente dependente da procedência da impugnação da decisão factual, que não se verificou, claudica liminarmente a questão suscitada.
Tendo ficado demonstrado que o apelante fez cessar o contrato de trabalho que havia celebrado com o recorrido, com fundamento na extinção do posto de trabalho, conforme foi devidamente apreciado pela 1.ª instância, e que o recorrente, na qualidade de empregador, não pagou ao trabalhador, o ora recorrido, a peticionada compensação legal, bem andou o tribunal recorrido ao condenar o Réu no pedido.
Quanto à invocada exceção da compensação, dois óbices existem à consideração da mesma:
- Substancialmente, o recorrente não logrou provar possuir qualquer crédito sobre o Autor.
- Formalmente, a compensação deveria ter sido suscitada em sede de reconvenção, de harmonia com o preceituado no artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral.
Conforme se pode ler no Acórdão da Relação de Coimbra de 30/4/2015, P. 949/13.0TTLRA.C1, acessível em www.dgsi.pt:
«Dispõe a al. c) do nº 2 do artº 266º do Novo CPC:
“2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
(...)
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;”.
A disposição equivalente do anterior CPC era a da al. b) do nº 2 do artº 274º:
“2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
(...)
b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”.
A significativa diferença na redação dos dois preceitos não é inocente, já que o legislador do Novo CPC seguramente não desconhecia a divergência de entendimentos quanto ao meio (se por exceção, se por reconvenção), de invocação da compensação e quis expressamente resolvê-la no sentido de que qualquer pretensão de reconhecimento de créditos por parte do réu, quer sejam superiores ou inferiores aos créditos do autor, implicará necessariamente a dedução de pedido reconvencional.
Assim, no domínio da aplicação do Novo CPC, a compensação deverá ser suscitada e apreciada em sede de reconvenção, não só quando se pretenda obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, mas também quando o réu pretende o reconhecimento do crédito, para obter a compensação- cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 15/5/2014, in www.dgsi.pt.»
Destarte, bem andou o tribunal de 1.ª instância ao não considerar a exceção da compensação invocada.
Em suma, em matéria de direito, o recurso mostra-se absolutamente improcedente.

Concluindo, há que julgar o recurso improcedente.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante.
Notifique.

Évora, 12 de julho de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes