Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2501/14.4TBSTB.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: LOCAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I - Decorre do artigo 1045.º do Código Civil que a quantia correspondente à renda tem que continuar a ser satisfeita pelo arrendatário enquanto não efectuar a entrega do imóvel, sendo agora devida a título de compensação ao senhorio em valor que se mostra legalmente estabelecido: em singelo, se não houver mora, em dobro, se entretanto o arrendatário se tiver constituído em mora, como acontece no caso de resolução judicial do contrato de arrendamento.
II - Assim, diferentemente do que se passa quanto à indemnização nos termos gerais de direito, designadamente nos previstos para a responsabilidade extracontratual, no caso em apreço a indemnização é devida em montante legalmente tarifado.
III - A indemnização pelo atraso na restituição da coisa prevista no artigo 1045.º do CC tem natureza contratual, não se lhe aplicando o prazo de prescrição de 3 anos a que alude o artigo 498.º do CC.
Decisão Texto Integral:




Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. AA, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, peticionando a condenação destes a pagar-lhe uma indemnização no montante global de € 15.111,55, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
Em fundamento, alegou, em síntese, que os réus foram condenados por sentença transitada em julgado, proferida no processo n.º 959/1996, que correu termos na 13.ª Vara Cível de Lisboa, a entregar ao autor a fracção autónoma, para habitação, correspondente ao r/c direito, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 192 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 439.
Mais invoca que os réus não procederam à entrega do imóvel, razão pela qual se viu forçado a intentar uma acção executiva para entrega do locado, tendo na data da entrega do mesmo sido constituído fiel depositário dos bens existentes no seu interior àquela data.
Alega ainda que para poder fruir do imóvel teve que guardar os bens noutro local, para o que teve que arrendar um espaço, tendo gasto até à data da propositura da acção o montante de € 7.420,00.
Finalmente, alega que os réus realizaram obras não autorizadas no locado que causaram danos no mesmo, cuja reparação importou em € 291,55.
E concluiu peticionando a condenação dos réus no ressarcimento dos danos causados, sendo € 7.400,00 pela não entrega atempada do imóvel, € 7.420,00 referente aos custos suportado com o depósito dos bens e € 291,55 decorrente das reparações efectuadas no imóvel.

2. Regularmente citados, os réus contestaram a acção, invocando a prescrição do direito que o autor invoca, impugnando os factos alegados, e concluíram requerendo a condenação do autor por litigância de má-fé.

3. O autor respondeu a matéria que entendeu como sendo excepção alegada pelos réus, pugnando ainda pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má fé.

4. Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, procedendo-se à identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, designando-se logo o dia para audiência de julgamento.

5. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi seguidamente proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:
«a) condenar os réus BB e CC no pagamento ao autor AA de uma indemnização com vista ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados pela não entrega atempada da fracção correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio, correspondente ao dobro do valor da renda em vigor em 31 de janeiro de 2003, por cada mês decorrido entre aquela data e 03 de setembro de 2009, até ao limite de € 100,00 mensais, a liquidar ulteriormente, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data da liquidação até integral e efetivo pagamento.
b) absolver os réus dos restantes pedidos contra si deduzidos pelo autor;
c) absolver o autor do pedido de condenação como litigante de má-fé».

6. Inconformados, os Réus recorreram da sentença formulando as seguintes conclusões:
«1- A sentença objeto do presente recurso deve ser revogada na parte em que condenou os réus, ora recorrentes, no pagamento de uma indemnização com vista ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados pela não entrega atempada da fração correspondente ao 1. º Andar esquerdo correspondente ao dobro do valor da renda em vigor em 31 de janeiro de 2003, por cada mês decorrido entre aquela data e 03 de setembro de 2009, até ao limite de €100,00 mensais, a liquidar ulteriormente, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data da liquidação até integral e efetivo pagamento,
2- porquanto apreciou incorretamente o alegado pelos réus na contestação bem como a prova, documental e testemunhal, produzida e aplicou, de forma manifestamente incorreta o Direito aos factos,
3- ao não tomar conhecimento do facto, apresentado na contestação, onde os réus, ora recorrentes, formularam uma exceção perentória de prescrição, impeditiva do efeito jurídico pretendido, pelo autor, ora recorrido (constante do artigo 31.º da contestação), por aplicação do artigo 498.º do Código Civil.
4- Ao fazê-lo incorreu o Tribunal a quo num “vício” que respeita à omissão de pronúncia, pois não se pronunciou quanto a uma questão expressamente enunciada pelos ora recorrentes na sua contestação.
5- Nomeadamente a formulação da exceção perentória de prescrição, impeditiva do efeito jurídico pretendido pela recorrida (constante do artigo 31.º da contestação).
6- O que enferma a sentença de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da primeira parte da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
7- De acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), em conjugação com o imperativo ínsito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, sob pena de nulidade da sentença.
8- Ora, a invocação da exceção perentória de prescrição foi uma pretensão processual expressa pelos recorrentes na contestação que devia ser resolvida pelo Tribunal a quo.
9- Pelo que não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a questão/pretensão alegada na contestação apresentada pelos réus, ora recorrentes, ocorre nulidade processual derivada da omissão de despacho (pronúncia) que, in casu, se reflete na decisão judicial recorrida por omissão de qualquer pronúncia quanto à questão/pretensão suscitada, ferindo-a de nulidade em conformidade com o disposto no artigo 615.º, n.º, alínea d) do CPC .
10- Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida fez errada aplicação do direito aos factos, com o que violou, entre outras, as normas acima referidas.
11- Dando provimento ao presente recurso, através da declaração de nulidade da decisão proferida pelo Tribunal à quo revogar-se-á a sentença recorrida substituindo a mesma por uma considere procedente por provada a exceção perentória invocada pelos réus, ora recorrentes e, em consequência os absolva do pedido.
Com o que se fará JUSTIÇA».

7. O autor apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, e referindo-se também à omissão de pronúncia quanto à invocada excepção de prescrição, ou não, do direito à indemnização.

8. Em face das alegações apresentadas pelos Réus em que foi invocada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a Mmª Juíza procedeu à reforma da sentença considerando improcedente a excepção de prescrição invocada pelos réus.

9. Após a reforma da sentença os Réus apresentaram alegações, invocando o disposto no n.º 3 do artigo 613.º do CPC, alargando o âmbito do recurso, e terminando com as seguintes conclusões:
«1- A matéria de facto, assente, não configura uma situação de responsabilidade civil contratual, pelo que o direito à indemnização decorrente da não entrega atempada do locado, pelos réus ao autor, não se enquadra no âmbito do regime geral da prescrição.
2- Na verdade com o trânsito em julgado que decretou a resolução do contrato, entre o autor e os réus, o vínculo negocial que ligava as partes extinguiu-se e com ele extinguiram-se as obrigações contratuais.
3- Como, aliás, foi expresso e pedido pelo autor na sua petição inicial ao reclamar uma indemnização pelos prejuízos causados, atento o incumprimento, indemnização essa que deveria ser fixada no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.
4- Consequentemente, sendo ocupantes ilegítimos, em caso de não entrega imediata do locado ao senhorio, incorreram os mesmos em responsabilidade civil extracontratual, estando a indemnização por ela devida ao senhorio sujeita ao prazo consagrado no artigo 498.º do Código Civil.
5- Tendo a entrega do imóvel sido efetivada, através da execução da sentença, em 3 de setembro de 2009 e a ação interposta em 4 de junho de 2014, encontrava-se nesta data prescrito o direito à indemnização nos termos do consagrado no artigo 498.º do Código Civil.
6- Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida fez errada aplicação do direito aos factos, com o que violou, entre outras, as normas acima referidas.
7- Dando provimento ao presente recurso, através da declaração de nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo a sentença objecto do presente recurso deve ser revogada na parte em que condenou os réus, ora recorrentes, no pagamento de uma indemnização com vista ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados pela não entrega atempada da fração correspondente ao 1. º Andar esquerdo do prédio, correspondente ao dobro do valor da renda em vigor em 31 de janeiro de 2003, por cada mês decorrido entre aquela data e 03 de Setembro de 2009, até ao limite de €100,00 mensais, a liquidar ulteriormente, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data da liquidação até integral e efetivo pagamento».

10. Observados os vistos, cumpre decidir.

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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, a única questão a apreciar no presente recurso, atenta a sua ordem lógica, consiste em saber se o direito invocado pelo Autor se encontra ou não prescrito, com as inerentes consequências dessa decisão.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) O Autor é o legítimo proprietário e possuidor da fracção autónoma, para habitação, correspondente ao 1.º andar esquerdo, inscrito na matriz predial urbana sobre o n.º 192 e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial sobre o nº 439.
2) O referido imóvel foi dado de arrendamento aos réus para a sua habitação, através de um contrato de arrendamento para habitação.
3) O referido contrato de arrendamento foi resolvido mediante sentença proferida em 15 de Janeiro de 2003, no âmbito do processo n.º 959/1996 que correu termos na 13.ª Vara Cível de Lisboa, transitada em julgado em 31 de Janeiro de 2003, tendo consequentemente os aqui réus sido condenados a entregar a fracção livre de pessoas e bens.
4) Os réus não cumpriram voluntariamente a decisão proferida, tendo o autor interposto acção executiva que correu termos sob o processo n.º 8968/07.YYLSB no 3.º Juízo de execução de Lisboa.
5) O imóvel foi entregue judicialmente ao autor, mediante o arrombamento da porta do locado, o qual ocorreu em 3/09/2009, tendo o autor sido nomeado como fiel depositário dos bens existentes no locado, e que eram pertença dos réus.
6) Os réus intentaram contra o autor a acção executiva n.º 18859/12.7YYLSB, que deu entrada na 1.ª Secção do 1.º Juízo de Execução da Comarca de Lisboa, peticionando a entrega dos bens identificados no autos de apreensão e de uma relação anexa.
7) Após ter sido citado para a acção em 04.01.2013 o autor comunicou ao agente de execução que pretendia proceder à entrega voluntária dos bens, o que veio a suceder em 09.01.2013 relativamente aos bens identificados no auto.
Tendo sido considerado que não ficaram provados quaisquer outros factos além dos supra consignados, não tendo ficado demonstrado designadamente que:
a. Pretendendo desocupar o locado, o autor viu-se obrigado a arrendar uma garagem para aí guardar os bens móveis dos réus, mediante o pagamento mensal de uma renda no valor de € 160,00.
b. Posteriormente o autor arrendou uma sala/marquise mediante o pagamento mensal de uma renda no valor de € 285,00.
c. O autor poderia ter arrendado o imóvel no período que mediou entre o trânsito em julgado da sentença e a entrega do mesmo pelo valor mensal de cerca de € 100,00.
d. Os réus fizeram obras não autorizadas no locado, tendo provocado a queda de parte do tecto no r/c, o que mais uma vez, com o que o autor despendeu com vista à reparação o valor de cerca de € 291,55.
e. O réu foi notificado no âmbito do processo n.º 8968/07.0YYLSB para proceder à entrega aos réus dos bens móveis de que havia sido constituído fiel depositário.
f. Os réus tentaram várias vezes que o autor lhes entregasse os bens, tendo enviado uma carta registada com aviso de recepção datada de 15 de Novembro de 2011, solicitando a entrega dos bens.
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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Da prescrição
Invocaram os Réus nos artigos 28.º e seguintes da respectiva contestação - ainda que não o tivessem feito de forma especificada, conforme a alínea c) do artigo 572.º do CPC impõe -, que o autor não pode vir socorrer-se do instituto da responsabilidade civil extracontratual para lhes vir agora exigir uma indemnização, entendendo que, ainda que se considere ser possível a sua responsabilização nesses termos, o direito do autor encontra-se prescrito nos termos do artigo 498.º do Código Civil[4].
Conforme decorre do relatório supra, na sentença recorrida a Mm.ª Juíza não se pronunciou sobre a invocada prescrição, tendo os Réus invocado nas respectivas alegações de recurso a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Constatando a existência de tal omissão, nos termos do artigo 617.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, a Mm.ª Juíza procedeu ao seu suprimento, pronunciando-se pela inexistência da invocada prescrição do direito do autor, despacho que passa a ser parte integrante da sentença, podendo o recorrente, como fez, de acordo com o previsto no n.º 3 do indicado preceito legal, alargar o âmbito do recurso em conformidade com a alteração sofrida pela sentença.
Assim, cabe apreciar se a situação em apreço configura uma situação de responsabilidade civil contratual ou extracontratual, porquanto dessa qualificação depende encontrar-se ou não prescrito o direito à indemnização pedida pelo autor na parte decorrente da não entrega atempada do locado pelos réus ao autor porquanto apenas essa questão foi objecto de recurso.

Defendem os réus que com o trânsito em julgado da sentença que decretou a resolução do contrato entre o autor e os réus, o vínculo negocial que ligava as partes extinguiu-se e com ele extinguiram-se as obrigações contratuais, como, aliás, foi expresso e pedido pelo autor na sua petição inicial ao reclamar uma indemnização pelos prejuízos causados, atento o incumprimento, indemnização essa que deveria ser fixada no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.
Consequentemente dizem, sendo ocupantes ilegítimos, em caso de não entrega imediata do locado ao senhorio, incorreram os mesmos em responsabilidade civil extracontratual, estando a indemnização por ela devida ao senhorio sujeita ao prazo consagrado no artigo 498.º do Código Civil.
Assim, concluem que tendo a entrega do imóvel sido efectivada, através da execução da sentença, em 3 de Setembro de 2009 e a presente acção sido interposta em 4 de Junho de 2014, encontrava-se nesta data prescrito o direito à indemnização nos termos do consagrado no artigo 498.º do Código Civil.
Como é sabido, apesar de o autor ter afirmado nos artigos 23.º a 25.º da petição inicial que os réus deveriam ressarci-lo pelos prejuízos causados, por terem incorrido em responsabilidade civil extracontratual, invocando o preceituado no artigo 483.º do CC, o juiz não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito, conforme expressamente prevê o número 3 do artigo 5.º do CPC, podendo consequentemente efectuar qualificação jurídica diversa do enquadramento legal que aquelas deram aos factos.
Entendeu assim a Mm.ª Juíza que, tendo ficado assente no âmbito da acção que entre o autor e os réus vigorou um contrato de arrendamento, o qual foi resolvido por decisão judicial, e sendo os pedidos formulados pelo autor emergentes da violação de deveres do locatário, não pode colher a pretensão dos réus de enquadrar a matéria em causa no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, pois é manifesto que a sua responsabilidade emerge da relação contratual que existiu entre as partes, ainda que a obrigação, nomeadamente a de entrega do locado, tenha nascido após o termo do contrato.
Diremos, desde já, que a conclusão expressa pela Mm.ª Juíza de que estamos ainda perante responsabilidade contratual, tendo já sido sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça[5], acolhe a nossa inteira concordância, mas nem sempre tem merecido tal qualificação por aquele Tribunal[6], merecendo, pois, análise mais aprofundada.
Efectivamente, a presente acção foi instaurada pelo autor para que os réus lhe pagassem: o valor devido pelas rendas que deixou de auferir por estar privado do uso do seu imóvel em virtude de estes não terem procedido à entrega do local arrendado, conforme determinado na sentença que os condenou a entregar a fracção livre de pessoas e bens; o valor devido pelo arrendamento de garagens para guardar os bens móveis dos Réus que se encontravam no locado aquando do arrombamento do mesmo; e finalmente, o valor devido pelos estragos que enquanto arrendatários haviam causado no imóvel e o autor reparou.
Verifica-se, portanto, que todo o fundamento da presente acção decorre do incumprimento pelos RR de deveres emergentes da lei por força da celebração de um contrato de arrendamento, mais concretamente da violação do dever de conservação do locado e de efectuar as devidas reparações, previstos nos artigos 1038.º e 1081.º, n.º 1, do CC; e da violação do dever de entrega do mesmo no termo do contrato consagrado nos artigos 1038.º, alínea i), 1045.º, 1081.º, n.º 1, e 1087.º, todos do CC.
Como vimos, a sentença recorrida absolveu os Réus dos pedidos relativos ao pagamento pelo alegado arrendamento de espaços para guardar os bens móveis dos Réus e pelos estragos causados - segmento da decisão relativamente ao qual não foi interposto recurso -, razão pela qual neste momento apenas nos cumpre apreciar a parte referente aos danos decorrentes da não entrega do locado no momento temporal fixado na sentença que decretou a resolução do contrato de arrendamento e transitou em julgado em 31 de Janeiro de 2003.
Por isso, podemos concluir que a causa de pedir da presente acção emerge do disposto no artigo 1081.º, n.º 1, do CC, de acordo com cuja previsão, da cessação do contrato decorrem desde logo para o arrendatário as obrigações de: i) desocupar o locado; ii) efectuar a sua entrega; e iii) efectuar as reparações que lhe incumbam, conjugado com o disposto no artigo 1087.º do citado diploma legal.
Portanto, não restam dúvidas que a presente acção tem como fundamento a violação pelo arrendatário do disposto nestas previsões legais.
Mas, que consequências podemos daí retirar quanto à qualificação do tipo de responsabilidade em causa como contratual ou extracontratual?
Vejamos:
Nos termos do artigo 1022.º do CC, sendo o contrato de arrendamento o acordo mediante o qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, do mesmo emergem para cada uma delas obrigações, de entre as quais avultam as previstas para o senhorio no artigo 1031.º do CC - de entregar a coisa e assegurar o gozo desta para os fins a que se destina; e para o arrendatário no artigo 1038.º do CC, onde - para além das demais que ora não importam ao caso -, consta expressamente na alínea i), a obrigação de restituir a coisa locada findo o contrato.
Acresce que, atento o preceituado nos artigos 1081.º, n.º 1, e 1087.º do CC, a cessação do contrato torna imediatamente exigível (…) a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário, sendo que tal desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível no final do 3.º mês seguinte à resolução, se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes.
Porém, em caso de resolução judicial, «[f]ace à natureza supletiva do art.º 1087.º a menção neste preceito a “outro prazo judicialmente fixado” terá de ser interpretada (…) de molde a abranger a imediata exigibilidade da entrega do locado determinada na acção de despejo», já que, «[f]undando-se a resolução judicial num incumprimento contratual qualificado por parte do arrendatário, seria inadmissível que este pudesse beneficiar de prazo de desocupação dilatado, sem que o senhorio pudesse exigir a imediata desocupação e entrega do locado no âmbito da acção de despejo»[7].
Ora, não procedendo o arrendatário à entrega voluntária do locado, o atraso na restituição do mesmo tem, para além do mais[8], as consequências legalmente previstas no artigo 1045.º do CC.
Diz-nos o n.º 1 deste preceito que, se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado (…).
Trata-se, pois, de «uma presunção de existência de prejuízo do locador, com a consequente obrigação de indemnizar, pela não restituição da coisa depois de findo o arrendamento. Assim, nem o locador tem de alegar e provar que poderia ter obtido rendimento do imóvel no período de tempo em causa, nem o arrendatário pode alegar a inexistência do prejuízo. (…)
O montante da indemnização devida será o valor equivalente a um mês de renda ou o dobro desse valor, em função da ausência ou verificação de mora do locatário quanto à obrigação de restituição»[9].
Trata-se de disposições legais que são de qualificar como respeitantes a um “estatuto legal” e não a um “estatuto contratual”, isto porque as mesmas são dirigidas «à tutela dos interesses duma generalidade de pessoas que se achem ou possam vir a achar ligadas por uma certa relação jurídica, de modo a poder dizer-se que tais disposições atingem essas pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo tipo de vínculo contratual»[10].
No caso estamos perante uma relação jurídica de arrendamento urbano habitacional, pelo que tais disposições legais atingem os destinatários respectivos na qualidade respectivamente de senhorios e inquilinos, que assumiram mercê de vínculo contratual que os ligou até ao termo do contrato.
Porém, as consequências legais resultantes do incumprimento das obrigações assumidas mercê desse vínculo não se dissolvem com a extinção do contrato, antes perduram enquanto as obrigações decorrentes do mesmo não se encontrem cumpridas. Assim acontece com a indemnização prevista no apontado artigo 1045.º, n.º 1, do CC.
De facto, «[n]o quadro do art. 1045.º do CC há três hipóteses a considerar, consoante a causa da não restituição pontual do imóvel, findo o contrato: a) tratando-se de causa imputável ao inquilino, este constitui-se em mora e fica obrigado a pagar o dobro da renda até ao momento da restituição: é a hipótese do n.º 2 daquele preceito; b) tratando-se de causa imputável ao senhorio, há razão para a consignação em depósito do prédio: é a hipótese prevista na parte final do n.º 1 do mesmo artigo; c) por fim, devendo-se a não restituição a qualquer outra causa, aplica-se a solução da 1.ª parte do n.º 1: o locatário é obrigado a continuar a pagar a renda acordada, a título de indemnização, até ao momento da restituição do prédio»[11].
Efectivamente, «[a] razão de ser da norma do art.º 1045.º CC é a de que extinto o contrato continua, apesar de tudo, a renda a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação. E isso com base na ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes, representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada»[12].
Na verdade, «[o] proprietário, sendo o locador, tem direito ao crédito da renda convencionada, eventualmente com a compensação decorrente da mora. Esse crédito, porém, não se transforma em crédito indemnizatório pelo facto de o contrato ter sido objecto de resolução judicialmente decretada, qualquer que tenha sido o fundamento desta. Por definição, a contrapartida de uma locação a satisfazer pelo locatário não assume o carácter de reparação de um prejuízo, nem de uma privação suportada pelo locador. Assim, apenas é possível, aplicando a norma do art.º 1045.º do CC, compensar os senhorios pelo atraso na entrega do imóvel depois de transitada a sentença que decretou o despejo, tomando para o efeito em consideração o valor da renda mensal contratualizada»[13].
Tudo se passa, portanto, como se o contrato se prolongasse até à entrega da coisa arrendada, devendo o arrendatário continuar a pagar a renda convencionada, agora a título da indemnização prevista no artigo 1045.º do CC, uma vez que, caso assim não acontecesse aquele continuaria a usufruir do local arrendado sem satisfazer a contrapartida contratualmente acordada, em clara situação de enriquecimento sem causa que o citado preceito visa prevenir[14].
Pelo exposto, concordamos integralmente com a qualificação desta indemnização como sendo de natureza claramente contratual[15]. Efectivamente, o que decorre cristalinamente deste preceito é que a quantia correspondente à renda tem que continuar a ser satisfeita pelo arrendatário enquanto não efectuar a entrega do imóvel, sendo agora devida a título de compensação ao senhorio cujo valor se mostra legalmente estabelecido: em singelo, se não houver mora, em dobro, se entretanto o arrendatário se tiver constituído em mora, como acontece no caso de resolução judicial do contrato de arrendamento, situação em que a indemnização será elevada ao dobro após o trânsito em julgado da sentença que condenar o arrendatário na desocupação do imóvel. Ou seja, diferentemente do que se passa quanto à indemnização nos termos gerais de direito, designadamente nos previstos para a responsabilidade extracontratual, no caso em apreço a indemnização é devida em montante legalmente tarifado.
Na verdade, «[a] norma do art.º 1045.º do CC afasta a aplicação das regras gerais contidas nos art.ºs 562.º e seguintes respeitantes ao cálculo da indemnização devida e é insusceptível de aplicação analógica à situação de ocupação ilegítima do imóvel por quem não é (nem nunca foi) titular da posição de locatário»[16].
Na verdade, o previsto no indicado preceito legal, só pode ter aplicação quando esteja em causa a falta de restituição da coisa locada ou arrendada, por quem no respectivo contrato, entretanto findo, tinha a posição de locatário ou arrendatário, sendo devida a quem nesse mesmo contrato assumia a posição de locador ou senhorio, e consequentemente não se aplicando aos casos de incumprimento extracontratual, desde logo porque não se registou qualquer prévio acordo de vontades quanto ao valor devido pela utilização do imóvel, na medida em que aquele normativo apenas é aplicável às situações em que está em causa uma indemnização de natureza contratual.
Assim sendo, não faz qualquer sentido vir sustentar o carácter extracontratual da indemnização decorrente de uma situação claramente acolhida na lei como decorrente de incumprimento contratual consubstanciado no facto de os réus não terem cumprido o disposto na alínea i) do artigo 1038.º do CC, que determina ser obrigação daqueles procederem à restituição da coisa findo o contrato.
Ora, é pressuposto da responsabilidade civil contratual, desde logo, o incumprimento do contrato, entendido no sentido da não realização objectiva da prestação acordada ou da não realização exacta ou pontual das obrigações por via da sua celebração assumidas - artigos 762.º e 798.º e segs. do CC.
Assim, pelas razões expostas, consideramos que a indemnização pelo atraso na restituição da coisa prevista no artigo 1045.º do CC tem natureza contratual, não se lhe aplicando o prazo de 3 anos a que alude o artigo 498.º do CC[17], donde se conclui, como na sentença recorrida, que o direito do autor não se encontrava extinto, por prescrição, à data da propositura da presente acção.
Termos em que improcedem todas as conclusões do recurso, cujo objecto se mostra restringido à apreciação da invocada excepção peremptória de prescrição, devendo consequentemente manter-se a sentença recorrida.
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III.3. - Síntese conclusiva
I - Decorre do artigo 1045.º do Código Civil que a quantia correspondente à renda tem que continuar a ser satisfeita pelo arrendatário enquanto não efectuar a entrega do imóvel, sendo agora devida a título de compensação ao senhorio em valor que se mostra legalmente estabelecido: em singelo, se não houver mora, em dobro, se entretanto o arrendatário se tiver constituído em mora, como acontece no caso de resolução judicial do contrato de arrendamento.
II - Assim, diferentemente do que se passa quanto à indemnização nos termos gerais de direito, designadamente nos previstos para a responsabilidade extracontratual, no caso em apreço a indemnização é devida em montante legalmente tarifado.
III - A indemnização pelo atraso na restituição da coisa prevista no artigo 1045.º do CC tem natureza contratual, não se lhe aplicando o prazo de prescrição de 3 anos a que alude o artigo 498.º do CC.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pelos Réus.
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Évora, 16 de Junho de 2016


Albertina Pedroso [18]



Elisabete Valente



Bernardo Domingos





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[1] Distribuído à ora Relatora em 27-04-2016.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Elisabete Valente;
2.º Adjunto: Bernardo Domingos.

[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Doravante abreviadamente designado CC.
[5] Cfr. a título exemplificativo, Ac. STJ, de 13-10-1998, Revista n.º 778/98 – 1.ª, Sum., www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, onde se considerou que «a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada tem natureza contratual e apenas está dependente do condicionalismo previsto no art.º 1045.º, do CC».
[6] Cfr. Ac. STJ, de 04-11-2004, Revista n.º 3371/04 – 2.ª, Sum. Ac., www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, onde, tanto do que resulta do seu sumário, se concluiu que «a indemnização devida pelo atraso na restituição da coisa locada, uma vez findo o contrato, funda-se na responsabilidade civil extracontratual nos termos dos art.ºs 483.º e segs. do CC».
[7] Cfr. Livro de que a ora Relatora é co-autora com Laurinda Gemas e João Caldeira Jorge, “Arrendamento Urbano - Novo Regime Anotado e Legislação Complementar”, 3.ª edição, Quid Juris, 2009, pág. 422.
[8] De onde avulta, no caso de a resolução do contrato de arrendamento ter operado por via judicial, o facto de a sentença que tiver decretado o despejo, dar ao senhorio a possibilidade de instaurar acção executiva para entrega de imóvel arrendado, actualmente cumulável com a execução para pagamento de quantia certa decorrente, por exemplo, da indemnização prevista no artigo 1045.º do CC – cfr. artigos 626.º, 710.º, 859.º a 866.º do novo CPC.
[9] Cfr. Ob. cit., pág. 223.
[10] Cfr. Baptista Machado in “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Coimbra, 1968, pág. 122.
[11] Cfr. Ac. STJ, de 12-06-2012, Revista n.º 14/06.7TBCMG.G1.S1 - 6.ª, www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[12] Cfr. Ac. STJ, de 24-01-2006, Revista n.º 3757/05 – 6.ª, www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[13] Cfr. Ac. STJ, de 05-06-2007, Revista n.º 1186/06 – 6.ª, www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[14] Cfr. neste sentido, Ac. STJ, de 17-04-2007, Revista n.º 4427/06 – 2.ª, www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[15] Cfr. neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora 1986, pág. 406.
[16] Cfr. Ac. STJ, de 13-11-2007, Revista n.º 3060/07 – 6.ª, www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[17] Cfr. neste exacto sentido, Ac. STJ, de 13-10-2011, Revista n.º 4735/05.3TBAMD.L1.S1 - 7.ª Secção, www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[18] Texto elaborado e revisto pela Relatora.