Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2411/05-2
Relator: ASSUNÇÃO RAIMUNDO
Descritores: ACESSÃO IMOBILIÁRIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 04/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I – «O momento da aquisição da propriedade por meio de acessão é o da verificação dos factos respectivos. Por isso,
II – Se a incorporação em terreno alheio de uma casa de habitação e de algumas árvores ocorreu antes da publicação do actual Código Civil, estão logo verificadas as condições para a aquisição da respectiva propriedade por meio de acessão segundo o regime previsto no Código Civil de 1867 (…)
III – Para haver acessão nos termos do artigo 2306.º do Código Civil de 1867, é necessário que o autor das obras possua o prédio em nome próprio, de boa fé e com justo título.
VI – O artigo 1340.º do actual Código Civil é inovador e por isso insusceptível de aplicação retroactiva.».
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
PACHECO ............., LDª, Sociedade Comercial por Quotas, com sede na aldeia e freguesia de Sabóia, comarca de Odemira moveu a presente acção contra ANTÓNIO........................ e mulher, MARIA HELENA......................, pedindo que fosse declarado que o valor que as construções efectuadas pela autora trouxeram para o prédio dos réus é superior ao valor que aquele tinha antes, e que a autora tem o direito de adquirir a propriedade do prédio dos réus mediante o pagamento da quantia que vier a ser fixada.
Alega, em síntese, que há mais de 60 anos é rendeira do prédio misto denominado “Saboia”, situado na freguesia de Sabóia.
Aquando da aquisição do prédio por parte dos R.R., já este se encontrava arrendado à A., há várias dezenas de anos.
À data do início do arrendamento, em 1935, existia apenas um prédio rústico.
Posteriormente, como o objecto do arrendamento era para a A. exercer a indústria de moagem e comércio de farinhas, bem como para exercer actividades agrícolas, os proprietários que à data (1935) eram o Sr. Jaime José Ribeiro e mulher Cândida Pereira Ribeiro cederam à A. o terreno, onde hoje está implantada a Fábrica de Moagem, os armazéns e as casas de habitação, dos trabalhadores que trabalham na fábrica, oficinas e todos os restantes edificios da Firma.
Tal cedência, foi efectuada para que a A. ali edificasse as construções.
Todas as construções que hoje pertencem à sociedade Autora, foram construídas de raiz pela própria, a partir de 1935, até 1940.
As construções edificadas pela A., têm hoje um valor de 90.000.000$00 (noventa milhões de escudos).
Antes da implantação daquelas construções, o valor do prédio não era superior a 200.000$00 (duzentos mil escudos).
As obras feitas pela A. trouxeram à totalidade do prédio um valor muito superior ao valor que este tinha antes das aludidas construções
Termina pelo pedido.
Contestaram os réus e, por excepção, invocaram a prescrição do direito que a autora pretende fazer valer através da presente acção; e que a qualidade da autora, como arrendatária do terreno, a impede de invocar a aquisição da propriedade por acessão industrial imobiliária.
Por impugnação, disseram que os gerentes da sociedade autora bem sabem que as construções ali edificadas foram-no no terreno dos senhorios e para estes, pois, como os referidos gerentes também sabem, do activo da sociedade não fazem parte quaisquer bens de natureza imobiliária. Por outro lado, desconhecem os réus qual o valor das construções, as quais têm diversos tamanhos e utilidades; porém, o terreno tem com certeza um valor superior, visto que tem uma área de 7.500 m2 aproveitável para construção nova, após prévia demolição de tudo quanto ali se encontra edificado.
Terminam pedindo que a autora seja condenada em multa bem como em indemnização aos réus, no montante de € 2.493,98, como litigante de má fé.
Na réplica a autora alterou o pedido, peticionando a título subsidiário – para o caso de falência da sua pretensão inicial – que seja declarado o direito da autora a haver dos réus o valor das benfeitorias que edificou no prédio que é hoje propriedade destes, já que ali foram implantadas na pendência do contrato de arrendamento e com autorização dos então proprietários.
Os réus treplicaram e vieram defender que o direito de reclamar benfeitorias só pode ser atendível quando formulado na acção de despejo e é a reconvenção o meio processual legal para o arrendatário pedir o direito a indemnização por benfeitorias implantadas, mas a autora não formulou tal pedido na acção de despejo que contra ela corre ainda neste Tribunal com o n.º 143/98.
Conclui pela improcedência da acção e termina pedindo o desentranhamento da réplica.
Findos os articulados o Exmº Juiz, ao abrigo do disposto no art. 317 do Código de Processo Civil, tomou posição nos autos sobre o valor da causa e desencadeou o arbitramento do valor das construções identificadas na petição inicial.
As partes foram notificadas para o efeito do disposto no nº2 do art. 568 nº2 do Código de Processo Civil, mas apenas a autora indicou um perito.
Notificados os autores, nada disseram.
No acto de prestação de compromisso o perito indicado pela autora pediu escusa e o tribunal nomeou um perito para proceder à diligência.
Junto o relatório da avaliação pericial, os réus vieram impugnar os seus termos, concluindo pela necessidade de proceder-se a uma segunda perícia e indicando logo o seu perito.
Por despacho de fls. 127, foram desatendidas as impugnações arguidas pelos réus e foi indeferido o pedido de uma segunda perícia.
Inconformados com tal despacho, os réus recorreram do mesmo, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos:
1ª. o relatório pericial não fornece elementos concretos de facto que expliquem e justifiquem os valores a que chegou.
2ª. Nomeadamente não referiu nem se aproveitou dos factos ou esclarecimentos que são indispensáveis à valoração das construções, tais como ficaram discriminados no art. 5.° destas alegações e aqui se dão por reproduzidos integralmente, para não tomar fastidioso o texto desta segunda conclusão.
3ª. o relatório em virtude de não conter os indispensáveis esclarecimentos que só um técnico poderá fornecer ao julgador, não satisfaz a exigência do art. 318° do C.P.C., isto é, não é perícia nem arbitramento.
4ª. Em face da inexistência real de arbitramento impõe-se, que o tribunal, não dispensando o arbitramento que naturalmente pediu, ordene o arbitramento pretendido.
5ª. Não foi indicada a data para a realização das diligências, pelo que ficaram os recorrentes impossibilitados de apresentar ao perito as suas observações, pedir ou prestar esclarecimentos ou solicitar diligências, direito seu que foi violado conforme art. 582.°, 11.0 3 e n°4 do C.P.C..
6ª. Constata-se pois que nem existe arbitramento como o art. 318º exige, nem o apresentado foi feito respeitando as exigências legais conforme se vem referindo.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente agravo, revogado o douto despacho recorrido e ordenado o arbitramento requerido.
Admitido o referido recurso como agravo, foi a sua subida diferida para ser conhecido nesta fase.
A autora, na resposta concluiu pela manutenção da decisão recorrida.
No despacho saneador foi afirmada a validade da instância e a regularidade da lide e foi admitido o pedido subsidiário feito pela autora na réplica.
Entendendo que o processo estava em condições de ser proferida a decisão de mérito sem necessidade de mais provas, o Exmº Juiz apreciou os factos e proferiu a seguinte decisão:
a) - Procedente a excepção peremptória da prescrição do direito da autora, “Pacheco..............Lda..”, invocar a aquisição da propriedade do prédio melhor identificado nos autos por acessão industrial imobiliária, e, consequentemente, absolvo os réus António........................, e mulher, Maria Helena......................, do pedido principal;
b) - Improcedente o pedido subsidiário deduzido pela autora de haver dos réus o valor das benfeitorias que edificou no prédio que é hoje propriedade destes, e, por conseguinte, absolvo os réus também deste pedido.
c) - Condeno a autora como litigante de má fé na multa de 15 (quinze) UC.
d) - Condeno a autora a pagar aos réus, pela litigância de má fé, uma indemnização, cujo montante será fixado nos termos do n.º 2 do art.º 457.º do Cód. Proc. Civil.
Inconformada com a decisão proferida, recorreu a autora rematando o respectivo recurso com as seguintes conclusões:
A) O Mmo. Juiz “a quo”, não deveria ter conhecido no saneador o mérito da causa, pois podia e deveria ter fixado a base instrutória tendo em vista a selecção da matéria de facto e sobretudo, apurar outros factos em julgamento, que seriam relevantes para a boa decisão da causa, já que os autos neste momento não permitem concluir de forma segura a pretensão das partes.
B) Relativamente à excepção peremptória da prescrição, não deve esta proceder, porquanto ao caso concreto foram aplicadas as normas do Código Civil de Seabra (arts. 2036°, 506° e 535°) quando deveriam ter sido aplicadas as normas do Código Civil de 1966 (art.° 1340°), relativamente à matéria da acessão imobiliária.
C) A apelante efectuou obras nas construções posteriormente ao Código Civil de Seabra, designadamente em 1970, 1980, 1982 e 1990.
D) No caso sub júdice é de aplicar o estatuído no art.° 1340º do C. Civil.
E) O supra citado artigo determina que a aquisição por acessão é automática, como ensinam os insignes Professores Pires de Lima é Antunes Varela, no seu Código Civil Anotado, e não como defendeu o Mmo. Juiz “a quo”, que o autor da incorporação adquire um direito potestativo de aquisição.
F) Nesta linha de pensamento, a excepção da prescrição invocada pelos réus também nunca poderia proceder, pois a apelante já havia adquirido automaticamente todas as construções edificadas.
G) Quanto ao pedido subsidiário que a apelante deduziu, o Mmo. Juiz “ a quo” apreciou aquele pedido à luz da lei antiga do Código Civil de Seabra, quando o deveria ter apreciado e decidido à luz do actual Código Civil, pelas mesmas razões já referidas anteriormente.
H) A apelante não litigou de má fé, mas na defesa dos seus direitos e legítimos interesses, pelo que não deverá ser condenada como tal.
I) A decisão ora recorrida violou o art.° 510°, n.° 1, alínea b) do C.P.Civil, porquanto conheceu do mérito da causa no despacho saneador, quando no entender da apelante não estavam reunidos todos os elementos necessários para o boa decisão da mesma.
J) O Mmo. Juiz” a quo” aplicou erradamente os arts.° 2036°, 506° e 535°, do Código Civil de Seabra, em detrimento do art.° 1340° do actual Código Civil.
L) Violou ainda o art.° 456° do C.P.Civil, pois a apelante não agiu de má fé em todo o processo.
Deverá assim ser revogada a decisão ora recorrida e ser substituída por outra que determine a elaboração da base instrutória, tendo em vista a realização da discussão e julgamento da causa.
Os réus contra-alegaram e concluíram pela manutenção do decidido.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
a) - Em 09/09/1935, foi constituída a Sociedade Comercial por Quotas Pacheco Nobre & Matos, Ldª.
b) - Esta sociedade tem a sua sede na aldeia e freguesia de Sabóia.
c) - A A. há mais de 60 anos é arrendatária do prédio misto denominado “Sabóia”, situado na freguesia de Sabóia, deste concelho, inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo 34 da secção GG, e na matriz predial urbana sob o artigo 126, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o nº 16071, a fls 170 do B-45.
d) - Actualmente inscrito a favor dos R.R.
e) - Aquando da aquisição do prédio por parte dos R.R., já este se encontrava arrendado à A., há várias dezenas de anos.
f) - A A. arrendou o imóvel em causa para aí exercer a indústria de moagem e comércio de farinhas;
g) - À data do início do arrendamento, em 1935, existia apenas um prédio rústico.
h) - Os edifícios que hoje se encontram no referido prédio foram construídos pela autora entre 1935 e 1940.
i) - Posteriormente, a autora deu à matriz todas as construções ali edificadas, declarando-as da seguinte forma:
1 - Prédio urbano composto por casas térreas com quatro compartimentos para habitação, com a área de 65.27 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Nascente e Sul com a Cerca da Fábrica, Norte com casas da firma proprietária e do Poente com Cerca de José Pacheco Nobre, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 846.
2 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimento para oficina, com a área de 160 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte e Sul com casas da proprietária, do Nascente com Via Pública e do Poente com Cerca da Fábrica, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1430.
3 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimentos para recolha de adubo, com a área de 66 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte e Sul com casas da proprietária, do Nascente com via púbica e do Poente com Cerca da Fábrica, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1431.
4 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimentos para celeiro, com a área de 100 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte e Sul com casas da proprietária, do Nascente com Via Pública e do Poente com Cerca da Fábrica, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1432.
5 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimentos para o triturador, com a área de 85 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte e Sul com casas da proprietária, do Nascente com Via Pública e do Poente com Cerca da Fábrica, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1433.
6 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimento para recolha de máquinas, com a área de 143 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte e Sul com casas da proprietária, do Nascente com via púbica e do Poente com Cerca da Fábrica, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1434.
7 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimentos para recolha de máquinas, com a área de 181 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte, Sul e Poente com Cerca da Fábrica e do Nascente com Cerca de José Pacheco Nobre, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1435.
8 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com dois compartimentos para armazém de adubo, com a área de 100 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta redondamente com terreno da Cerca da Fábrica, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1436.
9 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimento para escritório, 1 compartimento para armazém e um compartimento para celeiro, com a área de 205 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta redondamente com terreno da Cerca da Fábrica, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1437.
10 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com dois compartimentos para armazém, com a área de 225 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte, Sul e Poente com Cerca da Fábrica e do Nascente com Via Pública, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1438.
11 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com quatro compartimentos para habitação, com a área de 100 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte, Sul e Poente com Cerca da Fábrica e do Nascente com Via Pública, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1439.
12 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com quatro compartimentos para habitação, 1 cozinha, 2 arrecadação e 1 forno, com a área de 96 m2, sito em Quintal da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte com casas da proprietária, do Sul e Nascente com Cerca da Fábrica e do Poente com cerca de José Pacheco Nobre, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1440.
13 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão e 1º andar com um compartimento para fábrica de moagem e um compartimento para o motor, no rés do chão e 1 compartimento para os diversos aparelhos de limpeza da fábrica, no primeiro andar, com a área de 100 m2, sito na Rua Gago Coutinho, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte, e Poente com terreno de Jaime José Ribeiro e do Sul e Nascente com Ruas Públicas, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1441.
14 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimento para Carvão e 1 forno, com a área de 50 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte e Poente com Cerca da Fábrica, do Sul com Herdeiros de Casimiro Augusto de Matos e do Nascente com casas da proprietária, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1442.
15 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimento para palheiro, com a área de 57 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte com Cerca da Fábrica, do Sul com Herdeiros de Casimiro Augusto de Matos e do Nascente e Poente com casas da proprietária, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1443.
16 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimento para, com a área de 82 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte com Cerca da Fábrica, do Sul com Herdeiros de Casimiro Augusto de Matos e Nascente e Poente com casas da, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1444.
17 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimento para armazém, 2 arrecadações e 1 galinheiro, com a área de 155 m2, sito em Cerca da Fábrica, na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte com casas da proprietária, do Sul com Herdeiros de Francisco Ferreira, do Nascente com Rua Pública e do Poente com Cerca da Fábrica, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1445.
18 - Prédio urbano composto por casas de rés-do-chão com um compartimento para celeiro, com a área de 75 m2, sito na aldeia e freguesia de Saboia, concelho de Odemira, confronta do Norte e Poente com Cerca de Saboia, do Sul com Herdeiros de Casimiro Augusto Matos e do Nascente com Quintal de António Vicente Ruivo Morgado, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1898.
j) - Em 6 de Abril de 1998, os aqui réus intentaram contra a aqui autora a acção que correu termos neste Tribunal sob o n.º 95/98, na qual pediram a anulação da escritura de justificação notarial outorgada pela ré, num Cartório Notarial de Almodôvar relativamente a alguns dos prédios urbanos em causa na presente acção e atrás descritos;
k) - No referido Proc. n.º 95/98 foi proferida a seguinte decisão: «...julgo totalmente procedente, por provada, a presente acção, e, em consequência, decido não reconhecer à ré Pacheco, Nobre & Matos, Lda. o direito de propriedade adquirido por usucapião que declarou na escritura de justificação notarial lavrada em 17 de Novembro de 1997 no Cartório Notarial de Almodôvar, exarada de fls. 33 a 36 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 132-A e, consequentemente, julgar a referida escritura ineficaz para aquisição de qualquer direito real ou fundamento para qualquer registo predial.»
l) - Os aqui réus instauraram acção de despejo contra a aqui autora, dando origem ao Proc. n.º 143/1998, que corre termos neste tribunal;
m) - Nessa acção pedem a resolução do contrato de arrendamento existente entre as partes e relativo ao prédio aqui em questão, para além da condenação da arrendatária a despejar o locado e a pagar-lhes as rendas vencidas e vincendas até à completa desocupação; ao passo que a ré (aqui autora) não deduziu qualquer pedido reconvencional.
n) - A audiência de julgamento, no Proc. n.º 143/1998, encontrava-se designada para o dia 28 de Março de 2000. Nesse mesmo dia, a “Pacheco..............Lda..” intentou a presente acção e simultaneamente apresentou um requerimento no referido processo pedindo a suspensão da instância uma vez que estava pendente uma causa prejudicial;
o) - Não se realizou a audiência de julgamento e veio a ser proferido despacho sobre aquele requerimento, determinando a suspensão da instância até ser proferida decisão, transitada em julgado, na presente acção (Proc. 120/2000).
p) - No Proc. n.º 143/1998 a instância mantém-se suspensa.
xx
Colhidos os respectivos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 690º, nº 1 e 684 nº3 do Cód. Proc. Civil – cfr. Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, nº 04B3876 e de 11/10/2005, nº 05B179, ambos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, fica o tribunal de recurso impedido de tomar conhecimento de qualquer questão que nelas se não aflore, ainda que versada no corpo alegatório (artigo 713, nº2, referido ao artigo 660, nº2, ambos do mesmo Código) - cfr. ac. do STJ, de 21/10/1993, CJSTJ, ano I, tomo III, página86.
Nesta conformidade, cumpre apreciar as seguintes questões:
Em relação ao Agravo:
- Se na situação em apreço, deveria o tribunal admitir uma segunda perícia.
Em relação à Apelação:
- Se na decisão sobre a excepção (prescrição) e sobre os pedidos da autora o Exmº Juiz deveria ter-se apoiado no actual Código Civil e não, como o fez, no Código Civil de Seabra.
- Se a autora litigou com má-fé.
Antes da apreciação dos recursos dos autos cabe analisar o disposto no art. 710 do Código de Processo Civil.
Dispõe a referida norma no seu nº1 que “A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada.”
No caso dos autos, o agravo supra referido foi interposto pelo apelado e a decisão que sobre o mesmo viesse a recair nunca influiria na decisão da causa.
Com efeito o arbitramento a que se refere o agravo dos réus foi suscitado oficiosamente apenas para efeitos da determinação do valor da causa. E, a sua eventual procedência, apenas poderia reflectir-se a nível das custas do processo.
De qualquer modo, e face à ordem indicada pela referida norma legal, necessitando-se de fazer uma prévia apreciação da apelação, dir-se-á antecipadamente que a sentença irá ser confirmada, pelo que passaremos de imediato ao conhecimento do recurso da autora, sem necessidade de tecermos qualquer outra consideração sobre o agravo.
Apreciemos então a primeira questão, que se prende com a aplicação da lei no tempo, relativamente à excepção e pedidos da autora.
O DL. 47 344 de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o actual Código Civil, estatuiu no seu art. 5º o seguinte: “ A aplicação das disposições do novo código a factos passados fica subordinada às regras do artigo 12º do mesmo diploma, com as modificações e os esclarecimentos constantes dos artigos seguintes. ”
E dispõe o art. 12 do Código Civil:
“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
A sentença recorrida ao enveredar pela a aplicação do regime do Código Civil de Seabra, deu a seguinte justificação:

Tendo a incorporação ocorrido entre 1935 e 1940 há que, em primeiro lugar, determinar qual a lei aplicável.
Antes do Código Civil que entrou em vigor em 1967, a matéria da acessão industrial imobiliária vinha regulada no art.º 2306.º do Código de Seabra, no qual se exigia que o dono da obra possuísse o terreno no próprio nome, com boa fé e justo título; o art.º 1340.º do actual Código Civil impõe apenas a boa fé da pessoa que fez as obras e separa claramente as águas entre a acessão e as benfeitorias.
… Sobre a aplicação da lei no tempo em matéria de acessão, pronunciou-se com grande esclarecimento o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 1974, in BMJ 239-186, cujo sumário nos permitimos transcrever parcialmente: «I – O momento da aquisição da propriedade por meio de acessão é o da verificação dos factos respectivos. Por isso, II – Se a incorporação em terreno alheio de uma casa de habitação e de algumas árvores ocorreu antes da publicação do actual Código Civil, estão logo verificadas as condições para a aquisição da respectiva propriedade por meio de acessão segundo o regime previsto no Código Civil de 1867 (…) III – Para haver acessão nos termos do artigo 2306.º do Código Civil de 1867, é necessário que o autor das obras possua o prédio em nome próprio, de boa fé e com justo título. VI – O artigo 1340.º do actual Código Civil é inovador e por isso insusceptível de aplicação retroactiva.».
O momento da aquisição da propriedade por acessão é o da verificação dos factos respectivos.
Ora a incorporação (que ocorreu entre 1935 e 1940) apenas confere ao respectivo titular um direito potestativo de aquisição, que poderá exercer ou não, pagando o valor que o prédio tinha antes das edificações realizadas – neste sentido vide Oliveira Ascensão, “Direito Civil – Reais”, Coimbra Editora, 5.ª edição, p.p. 306 a 309; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, vol. II, pp. 721 a 723, pronunciando-se sobre o actual regime.
O direito de propriedade adquire-se por acessão e o momento dessa aquisição coincide com a verificação dos factos respectivos como se conclui hoje à luz do preceituado nos art.os 1316.º e 1317.º, al. d), ambos do Cód. Civil/66.
Na vigência do Código de Seabra uma forte corrente jurisprudencial e doutrinal sustentava que a aquisição por acessão não é automática, mas em face do novo Código, e ao contrário dos autores citados, já há quem defenda a aquisição automática, ipso jure, do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária.
Quanto a nós subscrevemos a corrente maioritária que vingava antes do actual código, pois é essa a interpretação sistemática que fazemos, cotejando o art.º 2306.º com os dois artigos que o antecedem, e que aponta no sentido de que o autor da incorporação fica titular do direito potestativo de aquisição, dentro dos condicionalismos aí referidos e desde que pague o valor que ao caso couber.
Esse direito terá necessariamente de ser exercido dentro de determinado período de tempo.
Os direitos que a lei não considere indisponíveis ou que não declare isentos de prescrição, ficam sujeitos a esta se não forem exercidos durante um determinado lapso de tempo (art.º 506.º do CC/1867 e 298.º, n.º 1, do CC/1966). Uma vez que a lei não estabelece prazo diferente para o caso da acessão, o direito potestativo de aquisição por acessão prescreve no prazo de 20 anos – cfr. art.º 535.º do CC/1867 e art.º 309.º do CC/1966.
Assim, o direito de adquirir por acessão prescreveu, relativamente à última incorporação, em 1960.
Deste modo, a excepção peremptória da prescrição do direito da autora adquirir o prédio dos réus por acessão industrial imobiliária, procederá.

Perfilhamos igualmente a doutrina do acórdão citado na sentença recorrida e não podemos de deixar de concordar com o entendimento da sentença em apreço.
O artigo 12 nº1 do Código Civil/66, supra transcrito, mantém o princípio tradicional da não retroactividade da leis, no sentido de que elas só se aplicam para o futuro. E mesmo que se aplicassem para o passado, presume-se que há a intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos.
Sendo a base da acessão imobiliária a incorporação do edifício ao terreno. E sendo a acessão um meio aquisitivo da propriedade, direito que se consubstancia desde o momento da incorporação, temos que os efeitos jurídicos dos actos de acessão são determinados pela lei vigente ao tempo em que foram praticados, precisamente porque o que releva para aquele efeito jurídico é o fenómeno da incorporação e não o resultado desta.
Ora, não sofrendo contestação que as edificações no prédio dos réus foram feitas e incorporadas no mesmo entre 1935 e 1940, quando o Código Civil de 1966 entrou em vigor (em 1 de Junho de 1967), já o direito da autora à aquisição da propriedade por acessão industrial estava prescrito.
Com efeito, aquisição por acessão não é uma forma de aquisição automática mas potestativa. O seu reconhecimento judicial depende da expressa manifestação de vontade do beneficiário e, no caso dos autos, a autora fê-lo apenas em Março de 2000.
Porque a lei não prevê prazo diferente para a prescrição da acessão e constituindo aquela forma de aquisição da propriedade um direito potestativo, a sua prescrição é de 20 anos – arts. 506.º e 535.º do Código Civil de Seabra e 298.º, n.º 1 e 309.º do actual Código Civil –
Alega a recorrente, em sede de recurso, que em 1970 efectuou obras nas construções, mas tal argumento não procede.
A incorporação das edificações no prédio dos réus foi feita até 1940, portanto na vigência do Código de Seabra. Todas as obras ou melhoramentos efectuadas naquelas, ainda que na vigência do actual Código Civil, não têm qualquer relevância. O que interessa para o efeito da acessão é o fenómeno da incorporação e tudo o que for feito posteriormente tem apenas função secundária ou subordinada, devendo toda a relação ser regulada nos termos da lei da data da incorporação. – cfr. BMJ, 227º, 199.
Quanto ao pedido subsidiário da autora, referente ao direito de haver dos réus o valor das construções que edificou, a título de benfeitorias, há previamente que se apurar se aquelas enquadram o conceito de benfeitorias.
Na vigência do Código Civil de Seabra constituía uma enorme dificuldade apurar onde acabava o regime das benfeitorias e principiava o da acessão. Ao primeiro reportava-se o art. 499 e ao segundo o art. 2306.
Na interpretação deste último artigo e porque o mesmo aludia à posse em nome próprio, com boa-fé e justo título, chegou a sustentar-se que em matéria de acessão sempre que houvesse boa-fé sem justo título, se teria de aplicar por analogia o disposto no art. 499.
Manuel Rodrigues insurgindo-se contra tal diferenciação, enunciou o critério de que quer na acessão quer nas benfeitorias, há a valorização do objecto possuído, mas os actos de acessão distinguem-se daqueles porque alteram a substância do objecto da posse e os inovam – cfr. “A Posse”, pág. 362,
M. Andrade referindo-se à opinião de Manuel Rodrigues, acrescenta que, dentro desse critério, mas com alguma diferença, está a ideia corrente quanto às obras e plantações feitas em terreno alheio e segundo a qual será benfeitoria o simples melhoramento de obra de plantação existente e acessão toda a obra ou plantação nova –Rev.Trib. 89º, pág. 153.
O Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27-1-1993 foi do entendimento que “A benfeitoria não se destina senão a conservar ou melhorar a coisa … A acessão, diversamente, consiste na construção de coisa nova, mediante alteração da substância daquela em que a obra é feita”. – cfr. Colectânea de Jurisprudência/Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1993, 1º, 102.
Face aos aludidos conceitos doutrinais, temos que as obras levadas a efeito pela autora de modo algum se enquadram na definição de benfeitorias, como bem decidiu a decisão recorrida. O pedido do autor não proceder.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 713 nº5 do Código de Processo Civil, remetemo-nos para os fundamentos da decisão que declarou prescrito o direito da autora e improcedente seu pedido subsidiário que, sem qualquer reparo, confirmamos integralmente.
Finalmente alega a recorrente que não agiu de má-fé, pelo que foi violado o art. 456 do Código de Processo Civil.
A decisão relativamente à má-fé da recorrente vem apoiada numa utilização maliciosa e abusiva do processo por parte daquela.
Descreve a decisão uma série de comportamentos processuais levados a efeito pela a autora que, reputados de terem sido levados a efeito com dolo, levam à sua condenação nos termos do nº1 do art. 456 do Código de Processo Civil.
Ora como se retira das conclusões da recorrente, a mesma não contraria qualquer dos factos apontados como tendo sido praticados dolosamente e com consciente uso abusivo do processo.
Nos termos do art. 690-A nº1 do Código de Processo Civil, “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.”
Ora a recorrente não faz qualquer impugnação dos fundamentos de facto que apoiaram a decisão da condenação em má-fé, nem indica outros factos que contrariem a conclusão retirada daqueles.
Nestas circunstâncias, o Tribunal vê-se impedido de apreciar segunda questão suscitada pela autora nas conclusões.
De qualquer, modo analisando o teor da decisão em causa, não podemos deixar de concordar com a condenação levada a efeito.
O Exmº Juiz de forma minuciosa e exaustiva analisou os diversos comportamentos processuais da recorrente e com clareza e apelo às regras da ciência, da lógica e da experiência, classificou, com acerto, de dolosas as motivações daqueles comportamentos, nada havendo a apontar-lhe.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)
Évora,