Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
737/15.0T8STR-F.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COBRANÇA DE ALIMENTOS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. Os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais tem de ser cumprido, nos precisos termos acordados e homologado, nomeadamente no que respeita ao pagamento do montante da prestação de alimentos fixado, enquanto não for judicialmente alterada.
2. E caso se entenda, por circunstâncias supervenientes, que o devedor não pode continuar a suportar a prestação alimentar devida, nomeadamente por ficar desempregado e sem rendimentos ou sofrer uma substancial redução dos seus rendimentos por doença ou outro motivo, tem de lançar mão da respetiva alteração, nos termos do art.º 42.º do RGPTC.
3. A questão do princípio estabelecido no art.º 2004.º do C. Civil não se coloca no âmbito do incidente de incumprimento, suscitado ao abrigo do art.º 48.º do RGPTC, mas em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou sua alteração
4. O despacho judicial a ordenar o desconto no vencimento do requerido, ao abrigo da alínea b) do n.º1 e 2 do art.º 48.º do RGPTC, não tem de ser obrigatoriamente procedido de notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente.
5. Tal procedimento não viola o princípio do contraditório, já que o requerido será sempre ouvido, após a efetivação dos descontos, podendo tomar posição sobre o requerimento do incidente suscitado pela requerente, nomeadamente impugnar o incumprimento, comprovando o pagamento voluntário no prazo acordado ou fixado judicialmente, ou seja, demonstrando inexistir fundamento legal para o desconto no vencimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I- Relatório.
Nos presentes autos de incumprimento das responsabilidades parentais, o requerido AA, notificado do despacho proferido em 16 de março de 2017, que ordenou o desconto no seu vencimento da prestação de alimentos fixada a seu cargo, no valor mensal de € 156,06, a título de alimentos vincendos, bem como a quantia de €50,00, até perfazer o total de € 1 406,84, a título de alimentos vencidos, veio interpor o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A - O despacho recorrido violou os artigos 2004º do Código Civil e 3°, n° 3, do Código Processo Civil. Porquanto,
B- Decidiu o Meritíssimo Juiz fixar o desconto mensal global no vencimento do requerido no valor de 206,06€, tendo procedido à imediata notificação da entidade patronal do recorrente.
C- O que aconteceu sem que o mesmo tivesse sequer hipótese de exercer o contraditório.
D- O valor supra referido foi calculado pelo Tribunal a quo tendo em conta a situação do recorrente há data da celebração do acordo com a mãe da menor - Setembro de 2016.
E- Compulsados aos autos verifica-se que o Tribunal a quo já tinha tido conhecimento, em momento anterior ao presente despacho, das alegações do recorrente apresentadas no apenso D (conforme consta referenciado na conclusão de 08.03.2017, com a referência nº 74733832).
F- Pelo que, teve também conhecimento da prova documental junta e bem assim a justificação do seu atraso - aparecimento de doença ocorrida desde Dezembro de 2016.
G - O atraso no cumprimento coincide com a data do seu inesperado internamento do recorrente - 06.12.2016.
H- Internamento este que conduziu à incapacidade temporária para o trabalho, conforme documentos já juntos no apenso D, nos juntos nestes autos com o requerimento apresentado a 23.03.2017 (referência nº 25257377), e ainda nos entretanto juntos pela sua entidade patronal a 30.03.2017 ( referência nº 3799763).
I - Assim, e não se tendo o Tribunal pronunciado ainda sobre o requerimento apresentado a 23.03.2017, vem o recorrente interpor o presente recurso.
J - Entende o recorrente que para além do mesmo não ter exercido o direito ao contraditório sobre a sua mora no cumprimento, não se atendeu (face aos elementos já existentes nos autos) ao disposto no artigo 2004º do Código Civil.
K- O valor a descontar deveria ter sido aferido de forma equitativa e atentas as circunstâncias concretas do caso, e não a uma situação económica que remonta a Setembro de 2016.
L - A qual sofreu graves alterações por factos não imputáveis sequer ao recorrente - a sua saúde - e que se encontram devidamente documentadas.
M - Não foram, assim, consideradas as receitas (neste momento apenas o subsídio de doença pela sua incapacidade temporária) e as despesas do obrigado, ora recorrente, a fim de salvaguardar um mínimo de auto - sobrevivência ou reserva mínima de auto - sobrevivência.
N- Razão pela qual violou o Tribunal a quo com o seu despacho, os artigos 2004º do Código Civil e 3°, n° 3, do Código Processo Civil.
Face a todo o exposto, requer-se que seja revogado despacho judicial recorrido e substituído por outro, que possibilite ao recorrente exercer o direito ao contraditório e que o valor a fixar seja função da sua atual condição económica-profissional , iniciando-se o desconto após o mesmo regressar à sua atividade profissional.
***
A Digna Magistrada do Ministério Público contra-alegou, concluindo:
1. AA recorre da decisão proferida em 16 de Março de 2017 (Refª. 74791620), a qual, ao abrigo do disposto no artigo 48.º, n.º 1, alínea a) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, determinou o desconto no seu vencimento, do valor mensal de €260,06, sendo o valor de €156,06 para pagamento da pensão de alimentos que o mesmo está obrigado a pagar mensalmente à sua filha BB, e o valor de €50,00 para pagamento da quantia de €1.406,84, em dívida.
2. Na decisão recorrida, o tribunal determinou, ao abrigo do preceituado pelo artigo 48.º, n.º 1, alínea a) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o desconto, no vencimento do ora recorrente, não só do valor da pensão de alimentos que o mesmo está obrigado a pagar à sua filha, mas também, o desconto do valor de €50,00, para pagamento do valor de €1.406,84, que o mesmo tem em dívida para com CC, mãe da sua filha, a título de prestações vencidas e não pagas.
3. Relativamente ao valor do desconto a efetuar por conta das quantias devidas, a sua fixação tem de ser efetuada pelo tribunal atendendo, por um lado, ao valor em dívida e, por outro, ao valor do vencimento do devedor.
4. Para tal fixação, a lei não exige que seja exercido o contraditório.
5. Estabelece o artigo 25.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que “as partes têm direito a conhecer as informações, as declarações da assessoria técnica e outros depoimentos processados de forma oral e documentados em auto, relatórios, exames e pareceres constantes do processo” e, nos termos do n.º 3 do mesmo normativo “é garantido o contraditório relativamente às provas que forem obtidas pelos meios previstos no n.º 1”.
6. Transpondo tais normativos legais para o caso vertente, verificamos que a decisão recorrida não tinha que assegurar o exercício do contraditório, dado que para alicerçar a sua decisão de fixar em €50,00 o valor do desconto a efetuar no vencimento do recorrente para pagamento da quantia devida pelo mesmo a título de prestações vencidas e não pagas, o tribunal se socorreu de meios de prova constates dos autos, maxime, os recibos de vencimento do recorrente.
7. À luz dos preceitos legais transcritos, relativamente a tais documentos, o tribunal a quo não tinha que assegurar o contraditório.
8. Logo, não foi violado o princípio do contraditório.
9. O valor fixado (€50,00) é um valor que se mostra equitativo, justo e proporcional, tendo em conta não só o valor do vencimento do recorrente, mas também o valor em dívida.
10. No requerimento apresentado pelo recorrente com a referência 23163466, vemos que aí se pode ler, além do mais, que o recorrente refere que fez um pagamento por conta das prestações já vencidas no valor de €50,00, valor este que foi aceite pela mãe da sua filha.
11. Tal equivale a dizer que o próprio recorrente acordou com CC pagar a quantia mensal de €50,00, por conta dos valores em dívida.
12. Deve, assim, o recurso interposto ser julgado improcedente.
***
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que as questões a decidir consistem em saber se foi violado o princípio do contraditório e se deve manter-se o desconto das quantias mencionadas no vencimento do recorrente.
***
III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. O despacho recorrido tem a seguinte redação:
Atendendo a que a requerente veio invocar que o requerido interrompeu o pagamento das prestações alimentares acordadas a fls. 95-96 logo no mês de Dezembro, determino, ao abrigo do disposto no art.º 48.º do RGPTC, que a entidade empregadora do requerido proceda aos descontos no seu vencimento no montante mensal correspondente à prestação alimentar devida à sua filha BB, no montante mensal atual de € 156,06 (cento e cinquenta e seis euros e seis cêntimos), o qual deverá ser atualizado anualmente, no mês de Janeiro, em 2%. Tais descontos serão a efetuar no vencimento que o Requerido aufere, com início se possível no corrente mês de Março de 2017.
Mais determino, ao abrigo do mesmo preceito legal, que, até perfazer a quantia de € 1.406,84 (mil quatrocentos e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) em cujo pagamento os progenitores acordaram a fls. 95-96 (ou seja, € 1.556,84 menos o montante de € 150,00 que terá sido pago nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2016), a entidade empregadora do mesmo proceda ainda a um desconto mensal no montante de € 50,00 (cinquenta euros) no vencimento do Requerido – desconto que foi fixado atendendo ao acordo formulado pelos progenitores e que se julga adequado face ao vencimento do requerido, ao total em dívida e ao lapso de tempo necessário a liquidá-lo, que não se pretende demasiado longo sob pena de fazer perigar as necessidades da criança.
Tais montantes deverão ser entregues diretamente à requerente.
Notifique, sendo a entidade patronal para vir demonstrar aos autos o primeiro dos descontos efetuado, mediante junção do correspondente recibo de vencimento do requerido”.
2. Princípio do contraditório.
O recorrente invoca a violação do princípio do contraditório na medida em que o Meritíssimo Juiz decidiu fixar o desconto mensal global no seu vencimento, no valor de 206,06€, tendo procedido à imediata notificação da sua entidade patronal, sem que o mesmo tivesse sequer hipótese de exercer o contraditório.
Vejamos, pois, se a razão está do seu lado.
De acordo com o n.º1 do art.º3.º, do CPC, “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”.
E o seu n.º 3 impõe ao juiz o dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de facto ou de direito sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Como é sabido, o princípio do contraditório traduz-se na imposição de que as decisões judiciais sejam consequência de um processo justo e equitativo – artigos 20.º [1], da CRP, e 3.º, n.º 3 [2], do C. P. Civil, e consubstancia-se na igualdade das partes na apresentação de argumentos a respeito dos pontos determinantes para a decisão a proferir e a da possibilidade de as partes “influenciarem” a decisão judicial argumentando quanto ao sentido que a mesma deve ter.
Como ensina o Professor Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 48, “ o art.º 3.º, n.º3, 1.ª parte, “impõe ao juiz, de modo programático, o dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório”, princípio que é corolário do princípio da igualdade das partes estabelecido no art.º 3.º-A.
E acrescenta que a violação deste princípio inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do art.º 201.º/1 do C. P. Civil (atual art.º 195.º), e que dada a sua importância é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é suscetível de influir no exame ou decisão da causa.
Nos termos do art.º 195.º/1, do C. P. Civil, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem a nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
No caso dos autos estamos, inquestionavelmente, perante “eventual” violação do princípio do contraditório na vertente da igualdade das partes na apresentação de argumentos a respeito da decisão que ordenou o desconto no vencimento do requerido, relativamente às prestações alimentares vincendas, acrescida da quantia de €50,00, a título de alimentos vencidos e até perfazer o valor total em dívida, nos termos do art.º 48.º/1, al. b) e 2 do RGPTC, face ao requerimento da progenitora apresentado nesse sentido, ou seja, invocando o incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais por banda do requerido, no que respeita à prestação alimentar fixada a cargo deste, em benefício da filha menor de ambos, não permitindo que o recorrente previamente se pronunciasse, podendo “influenciar a decisão.
Ora, é ponto assente que não estamos perante uma nulidade do Acórdão, cujos pressupostos são taxativamente elencados no art.º 615.º, ex vi art.º 666.º/1 do C. P. Civil, nem tão-pouco de omissão que fundamente a sua reforma (art.º 616.º).
Trata-se, sim, de uma nulidade processual sujeita ao regime do art.º 195.º e 199.º do C. P. Civil, podendo e devendo ser conhecida, quando arguida no prazo legal de 10 dias após o seu conhecimento.
Assim, considerando que o recorrente foi efetivamente notificado da decisão recorrida em 23 de março de 2017, data em que teve conhecimento da nulidade processual mencionada (parte final do n.º1 do art.º 199.º do C. P. Civil), tinha 10 dias para a invocar perante o tribunal a quo (só a podendo invocar no tribunal ad quem nos termos do n.º3 do art.º 199.º do C. P. Civil, o que não é manifestamente o caso), cujo termo ocorreu em 3 de abril de 2017 (certidão de fls. 2).
Assim, sendo a invocada irregularidade arguida em 5 de abril de 2017, nas alegações de recurso, urge concluir que o fez fora do prazo legal de 10 dias, pelo que mostra-se sanada a nulidade processual – art.º 199.º/1.
Mas ainda que assim não fosse, sempre a invocada irregularidade não conduziria à pretendida anulação da decisão recorrida, já que não influiu na decisão em causa.
Na verdade, é o próprio recorrente quem reconhece, e afirma ter reconhecido em requerimento previamente apresentado nos autos, que não estava a cumprir com a prestação de alimentos acordada e fixada judicialmente, no âmbito do acordo de fls. 95 e 96.
Com efeito, afirma o recorrente nas suas alegações e conclusões que “o Tribunal a quo já tinha tido conhecimento, em momento anterior ao presente despacho, das alegações do recorrente apresentadas no apenso D (conforme consta referenciado na conclusão de 08.03.2017, com a referência nº 74733832)” , pelo que “teve também conhecimento da prova documental junta e bem assim a justificação do seu atraso - aparecimento de doença ocorrida desde Dezembro de 2016. O atraso no cumprimento coincide com a data do seu inesperado internamento do recorrente - 06.12.2016”.
Se assim é, ou seja, se o próprio recorrente admite e reconhece não estar a liquidar voluntariamente a prestação alimentar vincenda, nem o montante acordado relativamente aos alimentos vencidos, a sua audição prévia ao despacho recorrido era manifestamente desnecessária – art.º 3.º/3 do C. P. Civil, ex vi art.º 33.º/1 do RGPTC.
Ademais, importa sublinhar não ser obrigatória a audição do progenitor devedor antes de se ordenar o desconto no seu vencimento ao abrigo do disposto no art.º 48.º/1 do RGPTC.
Com efeito, prescreve o art.º 48.º, n.º1, alínea b) do RGPTC que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não sa­tisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário”.
E acrescenta o seu n.º2 : “As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las”.
“O presente normativo visa a cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de um procedimento específico pré-executivo, ou seja, à margem de uma ação executiva e independente dela, no sentido que a não procede, e aplica-se a qualquer processo tutelar cível em que se tenha fixado uma prestação de alimentos à criança” [3].
Este procedimento especial, pela sua celeridade, garante de forma mais adequada e eficaz o superior interesse da criança, no caso, assegura a satisfação imediata das suas necessidades básicas, em particular os meios necessários à sua subsistência.
E não tem de ser obrigatoriamente procedido por notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente, só devendo ser notificado do despacho que ordena esses descontos. Procedimento que não viola o princípio do contraditório, já que o requerido será sempre ouvido, após a efetivação dos descontos, podendo tomar posição sobre o requerimento do incidente suscitado pela requerente, nomeadamente impugnar o incumprimento, comprovando o pagamento voluntário no prazo acordado ou fixado judicialmente, ou seja, demonstrando inexistir fundamento legal para o desconto no vencimento.
Aliás, assim também se processa na execução especial por alimentos, regulada nos art.ºs 933.º a 937.º do C. P. Civil, prevendo-se expressamente que requerida pelo exequente a adjudicação de parte das quantias, vencimentos ou pensões que o executado aufira ou a consignação de rendimentos a este pertencentes, para pagamento das prestações vencidas e vincendas, faz-se a adjudicação, com a notificação da entidade encarregada de os pagar ou de processar as respetivas folhas para entregar diretamente ao exequente, sendo que o executado é sempre citado depois de efetuada a penhora – seus n.ºs 1, 2 e 5.
Decorrentemente, inexiste a invocada violação do princípio do contraditório, razão pela qual improcede este fundamento.
3. Do desconto efetuado.
A decisão recorrida determinou o desconto no vencimento do recorrente do valor mensal de €206,06, sendo €156,06 para pagamento da pensão de alimentos que o mesmo está obrigado a pagar mensalmente à sua filha BB, e o valor de €50,00 para pagamento da quantia de €1.406,84, em dívida, conforme acordado a fls. 95/96 dos autos.
O recorrente não questiona o montante dos alimentos em dívida (€1 406,84), nem tão pouco a prestação alimentar no valor mensal de € 156,06, razão pela qual não nos pronunciamos sobre a existência desses valores.
Com efeito, o recorrente questiona apenas a circunstância de ser ordenado esse desconto sem ter em conta os seus rendimentos, invocando o disposto no art.º 2004.º do C. Civil.
Na verdade, diz o recorrente que “não se atendeu (face aos elementos já existentes nos autos) ao disposto no artigo 2004º do Código Civil, e que o valor a descontar deveria ter sido aferido de forma equitativa e atentas as circunstâncias concretas do caso, e não a uma situação económica que remonta a Setembro de 2016, a qual sofreu graves alterações por factos não imputáveis sequer ao recorrente - a sua saúde - e que se encontram devidamente documentadas”.
Ora, não podemos ignorar que de acordo com o disposto no art.º 48.º/1, al. b) e 2, do RGPTC, as quantias em dívida a título de alimentos vencidos e não pagos dentro de dez dias após o seu vencimento, ser-lhe-ão deduzidas no seu vencimento, quantias estas que abrangerão também os alimentos que se forem vencendo.
Por outro lado, é certo e sabido que os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais tem de ser cumprido, nos precisos termos acordados e homologado, nomeadamente no que respeita ao pagamento da prestação de alimentos fixada, enquanto não for judicialmente alterada.
E caso o recorrente entenda, por circunstâncias supervenientes, não poder continuar a suportar a prestação alimentar devida, nomeadamente por ficar desempregado e sem rendimentos, ou sofrer uma substancial redução dos seus rendimentos por doença ou outro motivo, teria de lançar mão da respetiva alteração, nos termos do art.º 42.º do RGPTC.
Enquanto a prestação alimentar não for judicialmente reduzida, em sede de procedimento adequado, é devida e tem de ser cumprida.
O que não pode é, unilateralmente, deixar de pagar essa prestação a pretexto de redução dos seus rendimentos, tendo em conta os interesses em presença, em particular o direito à vida da criança, beneficiária desses alimentos, que ficaria seriamente ameaçado.
A questão do princípio estabelecido no art.º 2004.º do C. Civil, invocado pelo recorrente, não se coloca nesta fase do incidente de incumprimento, mas em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou na sua alteração.
Na verdade, como é igualmente consabido, no que respeita à prestação alimentar, esta é determinada de acordo com o disposto no art.º 2004/1, do C. Civil, ou seja, os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los. A medida dos alimentos obedece , assim, aos seguintes critérios: - necessidade do alimentando; - possibilidades do alimentante; - possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
E não está em causa, repete-se, a fixação do montante da prestação de alimentos a cargo do recorrente, mas a cobrança coerciva dos alimentos já fixados.
Daí ser descabida a invocação dessa disposição substantiva.
Acresce que o recorrente não alega, nem demonstra, em sede recursiva (ignorando-se o seu rendimento atual e encargos pessoais), que a quantia a retirar do seu vencimento o deixa em manifesta situação de vulnerabilidade económica, ou seja, fique privado do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades básicas e essenciais com um mínimo de dignidade, ou, dito de outro modo, ponha em causa a sua própria subsistência, tal como tem sido defendido pelo Tribunal Constitucional, em particular no seu Acórdão n.º 306/2005, de 8/6/2005, DR. N.º 150, Série II, págs. 11186 a 11190.
E perante a não demonstração de tais elementos, aceita-se, tendo em conta o valor em dívida, que o montante fixado (€50,00) é, tal como sublinha o Digno Magistrado do Ministério Público, “equitativo, justo e proporcional, tendo em conta não só o valor do vencimento do recorrente, mas também o valor em dívida”.
Em todo o caso, em sede de oposição ao despacho de determinou os mencionados descontos, sempre o recorrente poderá alegar e demonstrar que o valor do desconto efetuado é excessivo, face aos seus rendimentos e encargos, afetando a satisfação das suas necessidades básicas, o que seguramente será judicialmente apreciado e, em caso de discordância, poderá lançar mão da impugnação da decisão proferida.
Resumindo, improcede a apelação.
Vencido no recurso, suportará o apelante as custas respetivas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário - art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais tem de ser cumprido, nos precisos termos acordados e homologado, nomeadamente no que respeita ao pagamento do montante da prestação de alimentos fixado, enquanto não for judicialmente alterada.
2. E caso se entenda, por circunstâncias supervenientes, que o devedor não pode continuar a suportar a prestação alimentar devida, nomeadamente por ficar desempregado e sem rendimentos ou sofrer uma substancial redução dos seus rendimentos por doença ou outro motivo, tem de lançar mão da respetiva alteração, nos termos do art.º 42.º do RGPTC.
3. A questão do princípio estabelecido no art.º 2004.º do C. Civil não se coloca no âmbito do incidente de incumprimento, suscitado ao abrigo do art.º 48.º do RGPTC, mas em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou sua alteração
4. O despacho judicial a ordenar o desconto no vencimento do requerido, ao abrigo da alínea b) do n.º1 e 2 do art.º 48.º do RGPTC, não tem de ser obrigatoriamente procedido de notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente.
5. Tal procedimento não viola o princípio do contraditório, já que o requerido será sempre ouvido, após a efetivação dos descontos, podendo tomar posição sobre o requerimento do incidente suscitado pela requerente, nomeadamente impugnar o incumprimento, comprovando o pagamento voluntário no prazo acordado ou fixado judicialmente, ou seja, demonstrando inexistir fundamento legal para o desconto no vencimento.
***
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.

Évora, 2018/01/25
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
__________________________________________________
[1] É o seguinte o teor da norma: «todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».
[2] É o seguinte o teor da norma: «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
[3] ) Cfr. Tomé d’Almeida Ramião, “Regime Geral do Processo tutelar Cível”, 2.ª edição, pág. 191.