Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
109/13.0TMFAR-D.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ACTUALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Quem pretende a alteração da prestação alimentar deve demonstrar que as circunstâncias actuais são efectivamente diferentes das existentes à data em que foi fixada a pensão.
2. Pretendendo-se a redução da prestação alimentar, o obrigado deve demonstrar que se encontra numa situação pior em relação àquela em que se encontrava à data em que a pensão foi fixada e que essa nova situação não lhe permite pagar o valor anteriormente fixado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Família e Menores de Faro, (…) requereu, em 31.08.2016, alteração da regulação das responsabilidades parentais contra (…), pedindo que a pensão de alimentos que deve pagar às suas três filhas, seja reduzida de € 210,00 para € 150,00 mensais.
Para o efeito, alegou que em Julho de 2016 sofreu uma penhora de vencimento no valor de € 90,53 e que, após satisfação das suas despesas mensais, ficou com um rendimento disponível de apenas € 233,97.
Não tendo sido possível obter acordo, os progenitores não alegaram nem ofereceram outra prova, para além da prova documental constante do requerimento inicial.
Foram produzidos relatórios sobre as condições económicas dos progenitores e foi proferida sentença, julgando infundado o pedido de alteração.

Inconformada, a mãe recorre e conclui:
1) Foi violado pelo Tribunal a quo o art. 1.º da Constituição da República Portuguesa – princípio da dignidade da pessoa humana, nomeadamente ao interpretar que é suficiente o valor de € 146,98 para prover ao sustento da Recorrente, valor manifestamente inferior ao valor do Rendimento Social de Inserção estabelecido para 2018 pela Portaria n.º 52/2018, de 2018-02-21 dos Ministérios das Finanças e Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – e que é de € 186,68 (cento e oitenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos – doc. 4), valor que se consubstancia como o mínimo dos mínimos compatível com a dignidade da pessoa humana.
2) Foi violado o artigo 2012º do Código Civil: existe uma alteração das circunstâncias que impõe uma redução da pensão alimentícia.
3) Acórdão n.º 394/2014 do Tribunal Constitucional publicado no D.R. n.º 108, Série II de 2014-06-05: “Julga inconstitucional a norma extraída do artigo 189.º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico da Organização Tutelar de Menores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, na redacção da Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto, na medida em que prive o obrigado à prestação de alimentos do mínimo indispensável à sua sobrevivência” (doc. Nº 3)
4) Foram aplicadas as normas do artigo 42º, nº 1 e 4 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, desconsiderando completamente a norma constitucional prevista no artigo 1.º da CRP e o artigo 2012.º do Código Civil, nomeadamente ao não considerar que a interpretação dada, face à prova produzida, considera que a Recorrente pode sobreviver com apenas € 146,98 (cento e quarenta e seis euros e noventa e oito cêntimos).

Não foi oferecida resposta.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Está provada a seguinte matéria de facto:
1. As partes são os progenitores de (…), nascida a 26.05.1999, (…), nascida a 03.09.2001, e de (…), nascida a 25.06.2004.
2. Por acordo datado de 26.01.2016, homologado por sentença, ficaram reguladas as responsabilidades parentais, fixando-se a residência das menores junto do progenitor, competindo a este o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente, nomeadamente quanto à sua saúde, educação e instrução.
3. Mais foi acordado que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância seriam exercidas em conjunto por ambos os progenitores e fixou-se um regime de visitas.
4. No que respeita ao regime de alimentos, ficou fixado que a progenitora entregaria ao pai a quantia mensal de € 210,00 (à razão de € 70,00 para cada uma das menores), acrescida de € 25,00 até Dezembro de 2017.
5. Mais se estabeleceu que ambos os progenitores suportariam em partes iguais as despesas de saúde das menores na parte não comparticipada, mediante a apresentação de cópia do respectivo recibo ou factura, o mesmo sucedendo no tocante às despesas escolares.
6. Em Julho de 2016, a progenitora auferiu a retribuição líquida de € 620,53.
7. Por notificação expedida em 04.05.2016, a progenitora sofreu penhora de parte do seu vencimento, à ordem do Proc. 684/16.8T8LLE da 1.ª Secção de Execução de Loulé, tendo sido depositadas à ordem desse processo as seguintes quantias:
· € 90,53 em 02.08.2016;
· € 90,53 em 05.09.2016;
· € 90,53 em 10.10.2016; e
· € 89,50 em 08.11.2016.
8. À progenitora foi concedido subsídio de desemprego nos seguintes períodos:
· entre 07.03.2016 e 20.04.2016, no valor diário de € 16,08;
· entre 08.11.2016 e 23.03.2017, no valor diário de € 16,08;
· entre 24.03.2017 e 18.04.2017, no valor diário de € 14,47;
· entre 21.11.2017 e 31.12.2017, no valor diário de € 14,47;
· desde 01.01.2018, no valor diário de € 16,08.
9. A progenitora apresentou-se à insolvência e, tendo requerido a exoneração do passivo restante, em 10.11.2017 foi proferida decisão determinando que, nos 5 anos posteriores ao encerramento do processo, o seu rendimento disponível seria aquele que excedesse o valor de um salário mínimo nacional.
10. Na mesma data foi determinado o encerramento do processo de insolvência, por inexistência de bens da insolvente bastantes para a satisfação das custas e restantes dívidas da massa falida.
11. A progenitora reside em habitação social do Município de Tavira, cuja renda estava fixada, à data da propositura da acção, em € 59,67 mensais.
12. A progenitora residia nessa habitação com o seu companheiro, que trabalha numa empresa depuradora de marisco.
13. Por ser turno, o progenitor reside actualmente com um companheiro, prestando irregularmente as funções de empregado de mesa num hotel, sempre que este necessita dos seus serviços.
14. O progenitor aufere uma média mensal, nessa actividade, de € 250,00 e a renda de casa, partilhada com o seu companheiro, ascende a € 350,00.
15. As menores recebem abono de família no valor global de € 148,23.

APLICANDO O DIREITO
Da alteração da prestação alimentar
De acordo com o art. 2003.º do Código Civil, a obrigação de prestar alimentos abrange todas as despesas relacionadas com o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, sendo que «a expressão alimentos usada na nossa lei no que tange aos filhos menores abrange tudo o que é indispensável ao seu sustento, habitação, vestuário, instrução e educação. Deste modo, os alimentos devidos a menores visam satisfazer as necessidades destes, não apenas as suas necessidades básicas, cuja satisfação é indispensável para a sua sobrevivência, mas tudo o que o menor precisa para usufruir de uma vida conforme à sua condição, às suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento intelectual, físico e emocional, em condições idênticas às que desfrutava antes da dissociação familiar.»[1]
Já Vaz Serra afirmava dever considerar-se como alimentos «tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentando, para o que bastará dar à palavra “sustento” um significado largo ou atribuir carácter exemplificativo ao disposto nos referidos artigos. O que é essencial é que o alimentando careça de alimentos para as necessidades da vida, de harmonia com a sua posição ou condição»[2].
No entanto, como propugna Remédio Marques, «os direitos-deveres dos progenitores para com os menores são sempre devidos, independentemente dos seus recursos económicos e do estado de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção à pessoa e aos interesses do menor»[3].
Em sede de determinação da medida dos alimentos, as necessidades do menor estão influenciadas por múltiplos factores, alguns de matriz essencialmente subjectiva, sendo de sopesar a idade, a sua saúde, as necessidades educacionais e o próprio nível sócio-económico dos próprios pais. Com efeito, a par das necessidades vitais do menor, a prestação alimentar visa assegurar-lhe um nível de vida social e económico idêntico ao dos pais, mesmo que estes não exerçam uma vida em comum.
Sendo os alimentos proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los – art. 2004.º, n.º 1, do Código Civil – há a ponderar que as necessidades dos filhos se sobrepõem à disponibilidade económica do progenitor devedor de alimentos. Na verdade, o superior interesse da criança deve estar sempre presente, pretendendo-se essencialmente assegurar o seu desenvolvimento harmonioso, tendo em conta as suas necessidades, a capacidade dos pais para as satisfazer e os valores dominantes no meio envolvente. Deste modo, a contribuição de cada um dos pais será fixada de modo a conseguir que ambos se responsabilizem pelo bem-estar dos filhos.
Por outro lado, é “igualmente decisiva a maturidade dos pais, que devem saber pôr os filhos em primeiro lugar, mostrar civismo em prol dos mesmos, pela simples razão de que os filhos precisam de ambos e, muito importante, não foram ouvidos na decisão ou no acto, do acaso, de que resultou o seu nascimento.”[4]
Embora se deva notar que o obrigado a alimentos, para os prestar, não deve colocar em perigo a sua própria manutenção de acordo com a sua condição, exigindo-se aqui, igualmente, a salvaguarda ao seu direito fundamental a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade e a compatibilização efectiva deste com o dever de sustento dos filhos.
Finalmente, a modificação das circunstâncias determinantes da fixação da prestação alimentar pode determinar a sua alteração, nos termos dos arts. 2012.º do Código Civil e 42.º, n.º 1, do RGPTC. Destas normas pode-se concluir que quem pretende a alteração da prestação alimentar deve demonstrar que as circunstâncias actuais são efectivamente diferentes das existentes à data em que foi fixada a pensão.
Logo, pretendendo-se a redução da prestação alimentar, o obrigado deve demonstrar que se encontra numa situação pior em relação àquela em que se encontrava à data em que a pensão foi fixada e que essa nova situação não lhe permite pagar o valor anteriormente fixado.
Como já se escreveu[5], “uma obrigação de alimentos, uma vez estabelecida é tão vinculativa como qualquer outra, e o seu cumprimento pontual assume, mesmo maior relevo do que o da generalidade das obrigações. Assim, eventualmente confrontado com mais despesas do que receitas, o ora requerente não poderia escolher a obrigação que deixava de cumprir e, em qualquer caso, na ponderação dos interesses em jogo, a obrigação de alimentos deveria ser a última a deixar de ser cumprida.”
Expostos os princípios gerais, vejamos o caso concreto.
A pensão de alimentos devida às menores foi fixada cerca de 7 meses antes da apresentação do pedido de alteração – o acordo de regulação de responsabilidades parentais data de 26.01.2016 e o requerimento de alteração da pensão deu entrada a 31.08.2016.
Nesse requerimento, a progenitora limita-se a referir o rendimento laboral que auferiu no mês de Julho de 2016 e a circunstância de ter sofrido penhora de parte desse vencimento, para concluir que, face às restantes despesas que enfrenta – num global de € 296,03 – ficou com um rendimento disponível de apenas € 233,97, o que não lhe permitiria fazer face à pensão acordada em Janeiro de 2016.
No entanto, para além do essencial das despesas descritas no requerimento inicial serem relativas à manutenção da sua habitação – nomeadamente, a renda e as despesas de telefone, água, gás e electricidade, que são partilhadas com o seu companheiro, circunstância que desde logo prejudica o cálculo de rendimento disponível alegado naquela peça – a progenitora nada alegou acerca da sua situação económica em Janeiro de 2016, impossibilitando assim uma avaliação acerca da efectiva alteração de circunstâncias entre os dois momentos temporais relevantes para a aplicação do preceituado no art. 2012.º do Código Civil.
O argumento essencial que motiva o requerimento inicial reside na efectivação de uma penhora a parte do vencimento da progenitora, mas dos autos não resulta que estivesse em causa uma obrigação inexistente à data em que foi fixada a prestação alimentar.
Os autos revelam que, já depois da apresentação do requerimento inicial, a progenitora entrou numa situação de desemprego – em Novembro de 2016 – e apresentou-se à insolvência, onde viu deferida a sua pretensão de exoneração do passivo restante e se determinou que, nos 5 anos posteriores ao encerramento do processo, o seu rendimento disponível seria aquele que excedesse o valor de um salário mínimo nacional.
Porém, os autos não revelam que a progenitora tenha perdido a sua capacidade de trabalho e de obter rendimentos bastantes quer para a satisfação da prestação alimentar que livremente aceitou em Janeiro de 2016, quer para o seu próprio auto-sustento.
Como já se notou, a prestação alimentar devida às suas filhas é, certamente, entre as diversas despesas que a progenitora enfrenta, aquela que deveria ser a última a deixar de ser cumprida.
É o interesse das suas filhas que está em causa, e a principal empenhada na garantia dos alimentos a que estas têm direito, seria a mãe.

Argumenta a progenitora que foi violado o princípio da dignidade da pessoa humana, inserto no art. 1.º da Constituição, porquanto se entendeu que seria suficiente o valor de € 146,98 para prover ao seu sustento, valor este inferior ao fixado para o Rendimento Social de Inserção.
A questão é que os autos não demonstram que seja esse o valor do rendimento disponível da progenitora, o que impede a formulação de qualquer juízo acerca da violação daquele princípio constitucional.
Como bem se aponta na decisão recorrida, “estando as responsabilidades parentais reguladas, o regime só pode ser alterado caso exista alteração das circunstâncias que o justifique.”
Foi precisamente essa a prova que a progenitora não logrou efectuar, motivo pelo qual a decisão do tribunal recorrido deve ser mantida.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Évora, 13 de Setembro de 2018
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
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[1] Maria Aurora Oliveira, in Alimentos Devidos a Menor, Universidade de Coimbra, pág. 53, publicado em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28643/1/Alimentos%20devidos%20a%20menores.pdf.
[2] Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 102 (1969-1970), n.º 3398, pág. 262.
[3] In Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores, 2000, pág. 69.
[4] Acórdão da Relação de Guimarães 11.07.2013 (Proc. 232/10.3TBAVV-B.G1), publicado em www.dgsi.pt.
[5] No Acórdão da Relação de Lisboa de 24.05.2007 (Proc. 1628/2007-2), publicado no mesmo local.