Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4057/10.8TXLSB-I.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
CÔMPUTO SUCESSIVO DE PENAS DE PRISÃO
CUMPRIMENTO DA PENA RESIDUAL
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – Não há lugar a cômputo sucessivo de penas quando estiver em causa o cumprimento de uma pena autónoma pela prática de crimes pelo arguido quando se encontrava em liberdade condicional e o remanescente de uma pena de prisão resultante da revogação dessa mesma Liberdade Condicional (LC).

II - Estando-se em presença de cumprimento de duas penas, sendo uma delas resultante da revogação da LC, não é aplicável o disposto no n.º 3 do art. 63.º do CP (cfr. seu n.º 4) e, bem assim, a concessão “obrigatória” da LC, a que alude o n.º 4 do art. 61.º do CP, que está afastada relativamente ao remanescente da pena que tem a cumprir decorrente dessa revogação (aliás, não superior a seis anos de prisão), pela circunstância de que, nos termos do n.º 3 do art. 64.º do CP, a concessão de LC tem, aqui, subjacente esse remanescente, ou seja, a pena de prisão que vier a ser cumprida e, ainda, inevitavelmente, dada a expressão aí vertida, de que pode ter lugar, apenas consente que se trate de faculdade que dependerá de juízo de prognose a efectuar.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos autos em referência, do Tribunal de Execução das Penas de Évora, o condenado N apresentou requerimento, segundo o qual, encontrando-se a cumprir a pena de 5 (cinco) anos de prisão aplicada no proc. n.º ---/13.1GBVRL e tendo a cumprir o remanescente da pena imposta no proc. n.º ---/00.0GDEVR por via da revogação da liberdade condicional, preconizou se procedesse ao cômputo global dessas penas sucessivas e assinalando-se as datas susceptíveis de interessarem para efeitos de liberdade condicional no quadro de pena conjunta para execução.

O Ministério Público promoveu que o condenado interrompesse o cumprimento daquela pena de 5 (cinco) anos de prisão e passasse a cumprir o remanescente em causa, de 4 (quatro) anos 7 (sete) meses e 13 (treze) dias de prisão, com efeitos ao marco temporal do meio do cumprimento da pena em execução (13.05.2016).

Foi, então, proferido o seguinte despacho:

Fls. 187: ao contrário do pretendido pelo recluso, entende este Tribunal de Execução das Penas que no caso dos autos (em que está em causa uma pena de prisão e o remanescente de uma pena de prisão por revogação da liberdade condicional) não há lugar à elaboração de cômputo sucessivo de penas.

Conjugando o disposto nos artºs 63º, 2 e 4, e 64º, 3, ambos do Código Penal, concluímos que o remanescente de pena resultante de revogação da liberdade condicional deve ser tratado juridicamente como se de uma pena autónoma se tratasse (neste sentido, o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “As consequências Jurídicas do Crime”, pág. 550).

No caso vertente, é nosso entendimento que o remanescente deve ser integralmente cumprido (por lhe ser mais favorável), não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional.

Mais determino a emissão de mandado de desligamento da pena em execução (processo n.º ---/13.1GBVRL da Secção Criminal da Instância Central de Vila Real da Comarca de Vila Real - Juiz 3) e ligamento ao processo n.º --/00.0GDEVR da Secção Cível e Criminal da Instância Central de Évora da Comarca de Évora - Juiz 3, com efeitos reportados a 13/05/2016 (data em que foi alcançado o meio da pena em execução), a fim de o recluso cumprir 04 anos, 07 meses e 13 dias resultante de revogação da liberdade condicional.

Mostrando-se nos autos o mandado positivamente certificado, abra vista ao digno magistrado do Ministério Público a fim de ser indicada a data do termo do remanescente, sendo que oportunamente, e por referência a tal data, o recluso será religado ao processo n.º --/13 e verá então apreciada a liberdade condicional.
Notifique e comunique.

Inconformado com tal decisão, o condenado interpôs recurso, formulando as conclusões:

1ª - O recorrente discorda da decisão recorrida, pois tal como resulta da letra da lei, designadamente do disposto no art. 64º, n.º 3 do C. P, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, pode ter lugar nova concessão de liberdade condicional, de acordo com o disposto no artº 61 do mesmo diploma legal.

2ª - Ora o despacho recorrido, ao consagrar o cumprimento integral do remanescente da pena, sem possibilidade de apreciação, logo de concessão de nova liberdade condicional, é manifestamente ilegal.

3ª - Pois consagra a não aplicação “ope legis” da liberdade condicional, independentemente do tempo de pena que tiver sido cumprida, designadamente quando o recorrente houver cumprido 5/6 da pena, dos 14 anos que constituem o total da mesma.

4ª - A decisão recorrida, ao deixar consignado, desde logo que o recorrente teria que cumprir a pena na íntegra, afastou a aplicação ao caso concreto do art. 61º, n.º 4 do CP;

5ª - Isto pese embora o arguido ainda não tenha cumprido 5/6 da pena, verdade é que o Tribunal “a quo” já decidiu (deixou “consignado” nos autos) que o recorrente terá que cumprir a pena na sua totalidade, logo, nesta óptica quando atingir os 5/6 não será libertado.

6ª - Entendemos, pois que, perante a posição assumida no despacho recorrido, a questão foi efectivamente (antecipadamente) decidida e, nessa medida, é recorrível, impondo-se a sua apreciação.

7ª - Em nosso entender, o regime obrigatório de concessão da liberdade condicional, previsto no art. 61º, n.º 4 do C. Penal, é aplicável aos casos em que tenha havido revogação de liberdade condicional anteriormente concedida, ao contrário do, ainda que de forma implícita, decidido na decisão ora sob censura.

8ª - Tendo havido revogação da liberdade condicional, mesmo que haja várias penas a cumprir, como é o caso o regime da liberdade condicional deva ser aferido nos termos dos artigos 61º e 64º do Código Penal, relativamente a cada uma delas, pelo menos esse foi o entendimento do Tribunal “a quo”, entendimento esse que, não obstante o nosso requerimento de fls. 187, ora não questionamos.

9ª - No caso dos autos, relativamente à pena inicial (de 14 anos prisão), cuja liberdade condicional (antes concedida) foi revogada, e contrariamente ao decidido no despacho recorrido, deverá ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos os 5/6 dessa pena, pois para que tal ocorra basta apenas o decurso do tempo e a concordância do condenado.

10ª - E se se compreende a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, conforme consta expressamente da decisão recorrida, o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º.

11ª - E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS-A de 04-01-2006, se a descontinuidade do cumprimento da pena superior a 6 anos motivada a ausência ilegítima não obsta à concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, por maioria de razão, também a descontinuidade motivada pela “ausência legítima” que constitui a liberdade condicional posteriormente revogada não deverá obstar.

12ª - Entendimento também seguido no acórdão da Relação do Porto de 22-02-2006, proferido no processo 0640101, mostrando que a redacção do preceito em causa (n.º 3 do art. 64º) não pode ter o sentido de afastar a liberdade condicional “ope legis”, quanto tenha havido revogação da liberdade condicional:

13ª - Mas não cremos que a diferença de redacção consinta a interpretação de que, no caso de revogação de liberdade condicional, só pode haver liberdade condicional “facultativa”, nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 61º, ficando excluída a liberdade condicional “obrigatória”.

14ª - É que o legislador já tinha optado no sentido da obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos mesmo para os condenados que tivessem interrompido o cumprimento da pena, por terem beneficiado de liberdade condicional “facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente em consequência da revogação dessa liberdade condicional.

15ª - Tendo conferido uma redacção ao n.º 5 do artigo 61.º que não deixasse subsistir dúvidas interpretativas.

16ª - Por isso, o que restava dizer, no n.º 3 do artigo 64.º, era que a revogação da liberdade condicional não constitui causa impeditiva de nova liberdade condicional “facultativa”, durante o cumprimento do remanescente da pena, se verificados os pressupostos de que ela depende.

17ª - Não tem assim qualquer base legal a tese defendida no despacho sob censura, na parte em que se decide pelo cumprimento integral do remanescente da pena resultante da revogação da liberdade condicional.

18ª - O Tribunal “a quo” violou, pelo menos, o disposto nos nº. 4 do artigo 61º e nº 3 do artº 64, ambos do C. Penal.

19a - Pelo que, deve ser dado provimento ao presente recurso só dessa forma se fazendo inteira JUSTIÇA!...

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:

1- A revogação da liberdade condicional dá lugar ao cumprimento de uma pena residual, cuja duração é igual à parte não cumprida da pena ou penas em execução aquando da concessão da liberdade condicional.

2- Não há lugar ao retomar do cumprimento da pena inicial e respectiva contagem.

3- A pena residual por revogação de liberdade condicional, embora determinada pela pena inicial, desta é funcionalmente autónoma, sendo legalmente admissível a apreciação/concessão de nova liberdade condicional (quer a revogação derive da violação de regras de conduta, quer da prática de crime punido com pena de prisão ocorrido no decurso do período da liberdade condicional) - (artigo 64º nº 3 do CP).

4- No caso de execução de duas ou mais penas autónomas, a lei impõe a sua execução sucessiva, apreciando-se a liberdade condicional conjunta, no momento em que se possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas (artigo 63º nº 2 do CP).

5- Contudo, o artigo 64º nº 3 do CP, de forma clara e inequívoca afasta a aplicação do disposto nos seus números anteriores no caso de uma das penas resultar de revogação de liberdade condicional, não havendo lugar à elaboração de cômputo de execução sucessiva de penas.

6- Assim, em caso de cumprimento sucessivo de penas de prisão, em que não seja aplicável o disposto no artigo 63º nºs 1 e 2 do CP, por força do estatuído no seu nº 4, necessariamente uma das penas tem de ser cumprida integralmente, sendo que o mais razoável é que seja a pena remanescente derivada de revogação de liberdade condicional.

7- Sem prejuízo, porém, de sendo esta a regra, nada obstar a que excepcionalmente o condenado possa cumprir integralmente a nova pena e ver apreciada a liberdade condicional por referência ao meio do cumprimento da pena remanescente, sempre e quanto esta solução lhe seja mais favorável.

8- No caso dos autos, é mais favorável ao recorrente cumprir integralmente a pena remanescente (4 anos 7 meses e 13 dias) e ver apreciada a nova liberdade condicional por referência ao marco temporal do 1/2 da pena de 5 anos de prisão, o que ocorrerá em 26-12-2020, uma vez que no caso contrário a apreciação em causa só ocorreria em 6-3-2021.

9- O Tribunal “a quo” efectuou uma correcta aplicação da lei, não tendo sido violada qualquer norma legal.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso interposto por N. e confirmar o despacho recorrido, sendo feita justiça.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido que o recurso não merece provimento e a decisão recorrida seja mantida.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o condenado, no essencial, veio reiterar a sua posição.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Como é pacífico, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP.

Reside, então, em apreciar:

A) - da concessão obrigatória da liberdade condicional cumpridos que sejam cinco sextos da pena que o condenado se encontra a cumprir;

B) - da possibilidade de concessão facultativa da liberdade condicional no âmbito dessa mesma pena.

No que ora releva, resulta assente dos autos:

1. No proc. n.º ---/00.0DGEVR da Instância Central de Évora, o aqui recorrente foi condenado na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

2. Foi colocado, nesse processo, em liberdade condicional, em 14.12.2010.

3. Foi julgado e condenado no proc. n.º ---/13.1GBVRL da Instância Central de Vila Real, por factos praticados no decurso do período da liberdade condicional, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, por via de acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.04.2015.

4. Por sentença do Tribunal de Execução das Penas de Évora, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07.06.2016, foi-lhe revogada a liberdade condicional e determinada a execução da pena de prisão ainda não cumprida, imposta naquele proc. n.º ---/00.0DGEVR.

5. Terá, então, a cumprir o remanescente de 4 (quatro) anos 7 (sete) meses e 13 (treze) dias (período entre 14.12.2010 e 27.07.2015).

6. A referida pena de 5 (cinco) anos de prisão, que cumpria à data daquela revogação da liberdade condicional, atingira a metade em 13.05.2016.

7. Com efeitos a esta mesma data, passou a cumprir, na sequência do despacho recorrido, o remanescente da pena do proc. n.º ---/00.0DGEVR.

Apreciando, conforme definido:

A) - da concessão obrigatória da liberdade condicional cumpridos que sejam cinco sextos da pena que o condenado se encontra a cumprir:

Embora tendo requerido se procedesse ao cômputo global das penas sucessivas a cumprir, o recorrente vem reconhecer, sem questionar, o entendimento seguido no despacho sob censura, no sentido que, como aí se consignou, “não há lugar à elaboração de cômputo sucessivo de penas”, decorrente da conjugação do disposto nos arts. 63.º, n.ºs 2 e 4, e 64.º, n.º 2, do Código Penal (CP).

Se assim é, contudo o recorrente insurge-se contra a circunstância de, no despacho, se ter fundamentado que o remanescente, que decorreu da revogação da liberdade condicional, dever ser integralmente cumprido, dado que, na sua perspectiva, enveredou-se desse modo por incorrecta antecipação, sem atentar no art. 61.º, n.º 3, do CP, que impõe a colocação em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

Vejamos.

A liberdade condicional (LC) visa permitir a melhor readaptação possível do condenado à vida em liberdade, no sentido de lograr a sua readaptação social, como que o preparando, após a prisão, para que consiga reingressar à “vida livre”, desde que salvaguardados os requisitos previstos no art. 61.º do CP, uns de ordem formal, outros de carácter material.

Acentuando esse propósito, o legislador previu, mesmo, no n.º 4 desse art. 61.º, que “o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena”, assumindo-a como “obrigatória” ou “necessária”, justificada em considerações de prevenção especial de socialização.

Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, É um facto criminologicamente comprovado, com efeito, que penas longas de prisão, por mais positivo que possa ter sido o efeito ressocializador da sua execução, provocam compreensivelmente no condenado uma profunda desadaptação à comunidade em que vai reingressar e, deste modo, dificuldades acrescidas na sua reinserção social. São estas dificuldades que a colocação obrigatória do condenado em liberdade condicional visa minorar, através da ajuda que o instituto lhe pode conceder. Deste ponto de vista, bem pode afirmar-se que o instituto da liberdade condicional obrigatória é concebido como uma verdadeira fase de transição entre a prisão e a liberdade.

Configurando solução legal que é aplicável tout court ao cumprimento de pena de prisão com aquela duração, reporta-se, em si mesma, à concessão da LC relativa à pena que foi aplicada, e não àquela que resultar da revogação dessa liberdade, cuja autonomia decorre, além do mais, do art. 64.º, n.º 2, do CP, que dispõe que “A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”, como veio a ser referido no despacho.

Por seu lado, sendo certo que, em caso de execução sucessiva de várias penas, a LC está sujeita, designadamente, a que esse limite de cinco sextos se reporte à soma das penas e desde que o condenado não tenha antes dela aproveitado, conforme ao n.º 3 do art. 63.º do CP, mas que esse regime não é aplicável à execução da pena que resulte de revogação da LC (n.º 4 do mesmo normativo), mais reforça a interpretação que esta pena (em rigor, remanescente da pena) é autónoma no seu cumprimento.

Ao ter-se consignado no despacho que “o remanescente deve ser integralmente cumprido”, não deixou de assinalar-se que, para esse efeito, se tinha em conta a situação mais favorável ao recorrente (o que melhor se explicitará adiante), a que acresce que, em concreto, nem mesmo se compreende como se suscitaria, ao tempo, que pudesse beneficiar dessa dita liberdade “obrigatória”.

Não obstante, como o recorrente invoca, o art. 61.º, n.º 4, do CP, não exclua expressamente a aplicação dessa modalidade de LC a pena que resulte de revogação anterior - com apoio, mormente, no citado acórdão da Relação do Porto de 22.02.2006, no proc. n.º 0640101, rel. Isabel Pais Martins - e que não se imponha cumprimento ininterrupto das penas sucessivas - conforme ao acórdão do STJ n.º 3/2006, de 23.11.2005, publicado in D.R. I Série-A, n.º 6, de 09.01.2006, que fixou a seguinte jurisprudência: “Nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional” -, afigura-se que o despacho recorrido, atenta a sua fundamentação, ao enveredar pela posição de que esse remanescente devia ser integralmente cumprido, não teve senão a sua justificação nessa situação, e concreta, que favorecesse o recorrente.

E, também, saliente-se, os invocados arestos versaram situações distintas daquela ora em análise, já que, num deles, não se colocava a problemática de cumprimento sucessivo de penas e, no outro, não se suscitava cumprimento de pena resultante de revogação da LC.

Para além disso, embora, afinal, a questão trazida pelo recorrente acabe por não ter concreta relevância, uma vez que confere ao despacho interpretação que não se alcança, cabe dizer que, estando-se em presença de cumprimento de duas penas, sendo uma delas resultante da revogação da LC, não é aplicável o disposto no n.º 3 do art. 63.º do CP (cfr. seu n.º 4) e, bem assim, a concessão “obrigatória” da LC, a que alude o n.º 4 do art. 61.º do CP, está afastada relativamente ao remanescente da pena que tem a cumprir decorrente dessa revogação (aliás, não superior a seis anos de prisão), pela circunstância de que, nos termos do n.º 3 do art. 64.º do CP, a concessão de LC tem, aqui, subjacente esse remanescente, ou seja, a pena de prisão que vier a ser cumprida e, ainda, inevitavelmente, dada a expressão aí vertida, de que pode ter lugar, apenas consente que se trate de faculdade que dependerá de juízo de prognose a efectuar.

Acerca da temática em análise, podem consultar-se acórdão do STJ de 01.10.2015, no proc. n.º 114/15.2YFLSB.S1, rel. Helena Moniz, e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.09.2016, no proc. n.º 1421/12.1TXTLSB.B.L1-9, rel. Guilherme Castanheira, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

Outras considerações são, aqui, desnecessárias.

B) - da possibilidade de concessão facultativa da liberdade condicional no âmbito dessa mesma pena:

Já se vê, como se deixou transparecer em A), que, relativamente à pena (remanescente) que o recorrente cumpre, resultante da revogação da LC e, como decorre manifesto do disposto no n.º 3 do art. 64.º do CP, poderia vir a ser, em abstracto, concedida nova LC.

Como sublinha Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 550, Esta doutrina está politico-criminalmente justificada; se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa de liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão de liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta seja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o tribunal haverá de efectuar.

Apesar disso, o despacho fundamentou, quanto a esse remanescente, “não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional”, com o que o ora recorrente não concorda.

No entanto, tal terá de ser concretamente apreciado, uma vez que não deixou de incidir na situação que se coloca quanto ao recorrente, entendendo que, desse modo, para si era mais favorável.

Assim, considerando a possibilidade de concessão da LC quanto à pena resultante da revogação da LC, à luz do disposto naquele preceito legal, e a circunstância de que, excluída a aplicação dos n.ºs 1 a 3 do art. 63.º do CP, esse remanescente haja de ser cumprido integralmente, acompanha-se a orientação sufragada no acórdão desta Relação de 07.02.2012, no proc. n.º 1405/03.0TXEVR-B.E1, rel. Edgar Valente, destacando-se, quanto à articulação entre esses dois aspectos:

«É aqui que a expressão “'pode” constante do artº 64º, nº 3 do C. Penal adquire (para além da assinalada na decisão recorrida dependência dos pressupostos e requisitos previstos no artº 61º) uma nova relevância, ou seja, pode existir nova concessão de LC se o juiz decidir que é mais favorável ao condenado a apreciação da LC quanto ao remanescente em detrimento da apreciação da mesma LC quanto à nova pena: de forma mais expressiva – uma vez que não é legalmente admissível a apreciação conjunta da LC quanto aos dois segmentos punitivos, o juiz deve escolher alternativamente em relação a qual vai apreciar aquela, ficando o outro, naturalmente, excluído. Esta alternatividade, legalmente imposta, não fere (…) o princípio da segurança jurídica. Com efeito, face a uma alternatividade que a lei impõe, das duas uma: ou se opta por uma solução de carácter absolutamente aleatório, como seja a da apreciação da LC apenas quanto ao segmento punitivo já em cumprimento ou aquele que diga respeito a uma condenação anterior; ou se procede a uma escolha de qual dos segmentos punitivos deverá beneficiar da apreciação da LC (em detrimento do outro). Uma vez que a primeira opção nos parece ser liminarmente de excluir, pois poderia conduzir ao tratamento diferenciado de situações idênticas, prejudicando uns e beneficiando outros, só a segunda opção se nos afigura válida».

E, mais adiante:
«A escolha do segmento punitivo que (em exclusivo) deverá beneficiar de LC deve levar em conta, não só o quantum dos segmentos em causa, como também o momento temporal em que é efectuado o juízo».

Revertendo ao caso do recorrente, conforme sublinha o Ministério Público, na sua resposta, levando em conta que o recorrente tem a cumprir a pena de 5 anos de prisão (no processo nº --/13.1GBVRL) e a pena remanescente de 4 anos 7 meses e 13 dias de prisão (no processo nº ---/00.0GOEVR), é mais favorável aquele cumprir de forma integral a pena remanescente e ver apreciada a nova liberdade condicional no marco temporal do 1/2 do cumprimento da pena de 5 anos de prisão (verá assim de novo apreciada a liberdade condicional por referência a 26-12-2020, enquanto no caso contrário (cumprimento integral da pena de 5 anos e apreciação da liberdade condicional ao 1/2 do cumprimento do remanescente) tal ocorreria por referência a 6-3-2021.

Seguindo tais parâmetros, que se afiguram correctos e esclarecedores, a invocada violação dos preceitos legais aplicados não tem suporte válido, dado que o despacho recorrido pautou-se por fundamentação que, como não podia deixar de ser, versou a situação do recorrente, em concreto devidamente analisada.

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo condenado N. e, em conformidade,

- manter o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 3 UC.

Processado e revisto pelo relator.

Évora, 15.Dezembro.2016

Carlos Jorge Berguete

João Gomes de Sousa