Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
98/17.2GBPSR.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: PERDA DE INSTRUMENTO DO CRIME
NEXO DE CAUSALIDADE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se uma machada, instrumento de trabalho do arguido (e que se encontra apreendida nos autos), não serviu nem estava destinada a servir à prática do crime de violência doméstica em discussão no processo, nem à prática de qualquer outro crime, não pode ser declarado o seu perdimento a favor do Estado.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo de inquérito n.º 98/17.2GBPSR, que corre os seus termos pela Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de Ponte de Sôr, por decisão judicial datada de 15 de novembro de 2022, foi declarada perdida a favor do Estado uma machada que se encontra apreendida nos autos.
Inconformado com tal decisão, o Arguido (A) dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«A) O arguido era (e é) à data da apreensão do machado/a tirador de cortiça e é de conhecimento público que o machado é, para este, um instrumento essencial de trabalho, para além de, em regra, ser muito estimado pelos próprios.
B) O machado foi apreendido nos presentes autos, a título cautelar, como decorre do auto de notícia, e não se destinou à prática de qualquer crime.
C) Por outro lado, os presentes autos foram arquivados sendo apenas indiciários os factos que levaram à aplicação do instituto da suspensão provisória do processo.
D) Não tendo o machado apreendido nos autos servido para a prática de qualquer crime ou de qualquer fim ilícito, pois nada decorre dos autos nesse sentido, fica sem se perceber a fundamentação do despacho recorrido quando aí se refere que o machado pode continuar a ser utilizado para os mesmos fins ilícitos?!...
E) Não estão assim verificados os pressupostos previstos no artigo 109.º do CP para que o objeto apreendido possa ser declarado perdido a favor do Estado.
F) Decidindo como decidiu, violou a Ema. Juíza, designadamente, o disposto no artigo 109.º do Código Penal.
MESTES TERMOS, e porque só assim se fará justiça, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-se por outro que determine a restituição do machado apreendido nos presentes autos ao arguido

O recurso foi admitido.

Na resposta que, sem conclusões, foi apresentada pelo Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, concluiu-se pela improcedência do recurso.
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Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
«(…) em nosso entender, não existe fundamento legal para o perdimento do machado.
Não se questiona as normas legais que o magistrado do Ministério Público e o despacho judicial invocam.
Só que é manifesta a falta de indícios de fato que permitam o preenchimento de um pressuposto legal que permita o perdimento a favor do Estado!
Efetivamente o machado foi apreendido no processo e estava em causa um crime de violência doméstica, em que arguido e ofendida acordaram com a suspensão provisória do inquérito.
Mas em local algum, se afirmou que este instrumento (de trabalho) tivesse sido utilizado pelo arguido ou sequer mencionado por este para ameaçar ou consumar futuramente qualquer ilícito criminal.
As agressões mencionadas são realizadas com as mãos e um pontapé.
As ameaças é de que matará a ofendida com uma faca e depois matar-se-á a si. Até se refere que numa ocasião o arguido alcoolizado chamou a autoridade policial com receio de cometer uma asneira, que compareceu, mas também não há qualquer alusão ao uso do machado ou menção de que fará uso do mesmo.
O machado é um instrumento de trabalho, mas também pode ser um objeto para cometer um crime, tal como um automóvel, uma faca, um martelo, uma ferramenta de marceneiro etc…
Há que distinguir desde logo a apreensão policial de objetos e um juízo judicial no final do processo sobre o seu destino. Ou seja, não será apenas porque está apreendido no processo que o juiz o deve declarar perdido a favor do Estado…
Mas não pode sem mais ser declarada perdida a favor do Estado só porque pode também ter potencialmente uso ilícito, é preciso que decorra dos fatos algum indício dessa possível utilização, esta não pode ser uma mera criação intelectual do julgador.
Para mim, esta declaração de perdimento a favor do Estado extravasa a letra e o espírito do Código Penal, havendo manifesta contradição e insuficiência de fatos para o decidido, de que este tribunal pode/deve conhecer.»

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.
Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância é colocada, tão-só, a questão da violação do disposto no artigo 109.º do Código Penal.
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Com interesse para a decisão a proferir, o processo fornece os seguintes elementos:
(i) No dia 19 de abril de 2017, pelas 21H50, mediante contacto telefónico, (A) pediu a comparência de militares da Guarda Nacional Republicana junto à sua residência, “para não fazer nenhuma asneira”.
O mencionado indivíduo encontrava-se alterado, relatou aos militares da Guarda Nacional Republicana que ao local se deslocaram a existência de desavenças com a mulher e o filho menor de ambos, e afirmava que a matava – espetando-lhe uma faca no peito – e que, de seguida se suicidava.
Na presença dos militares da Guarda Nacional Republicana, o (A) consumiu bebida alcoólica e demonstrou vontade de agredir a mulher – dando uma pancada na parede junto ao local onda a mulher se encontrava e simulando um pontapé à mesma dirigido.

(ii) O (A) foi, então, constituído arguido e prestou termo de identidade e residência.
E ainda no dia 19 de abril de 2017 foi-lhe apreendida uma machada de cortar lenha.

(iii) Sujeito a interrogatório judicial de arguido detido, no dia 20 de abril de 2017, entendeu-se estarem indiciados factos que integravam a prática, pelo (A), de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal.
E foram-lhe impostas, como medidas de coação:
- não permanecer na residência da ofendida (B), sita na Rua (…..), ou noutra em que esta venha a residir;
- não contactar com (B) por qualquer meio, nem frequentar os locais por esta frequentados;
- não adquirir, não usar ou entrega, de forma imediata, armas ou outros objetos e utensílios que detiver, capazes de facilitar a continuação da atividade criminosa.

(iv) No dia 24 de abril de 2017, (B), na qualidade de Ofendida, dirigiu ao processo requerimento com o seguinte teor [transcrição]:
«A ofendida está casada com o arguido há dezanove (19) anos, sempre vivendo na companhia um do outro.
A ofendida e o arguido têm um filho menor de 9 anos.
Durante os dezanove anos de vida em comum, a ofendida e o arguido têm tido uma vida normal, sem problemas dignos de registo.
A situação que fundamenta os presentes autos constitui um facto isolado na vida do casal sem afetar a vontade e o querer da ofendida manter essa vida em comum, no seu sentido mais amplo e sem qualquer restrição ou impedimento.
A ofendida ao tomar conhecimento das medidas de coação aplicadas ao seu arguido, seu marido e pai do seu filho, jamais as pode aceitar porquanto as mesmas implicam uma alteração profunda na vida do casal, alteração essa que a ofendida não pretende nem deseja, antes pelo contrário pretende e deseja manter a vivência em comum com o arguido, mantendo o ambiente familiar até aqui existente.
Aliás, a ofendida jamais imaginou que a situação pudesse originar a aplicação, ao ofendido, de qualquer restrição ou impedimento à vida em comum que há dezanove anos mantêm ao que acresce o facto de ser diabética com ministração regular de insulina, sendo o arguido que sempre lhe tem prestado todo o apoio, socorrendo-a nas suas crises, bem como promovendo as suas deslocações ao médico ou centro de saúde sempre que necessário, no normal desempenho do papel de marido, companheiro e amigo.
Assim a ofendida desde já se manifesta pela não aceitação das medidas de coação aplicadas ao arguido, porquanto totalmente desajustadas à situação concreta.
Mais, a ofendida nunca teve qualquer receio em continuar a viver em comum com o arguido, nos moldes em que o vem fazendo desde o casamento, pois nunca se sentiu molestada quer física quer psicologicamente nem receou sequer pela sua integridade física ou psicológica.
Termos estes em que, por considerar que as medidas de coação aplicadas ao seu arguido, seu marido, são desajustadas à situação concreta e comprometem a manutenção da normal vida em comum que com ele mantém há dezanove anos devem as mesmas ser imediatamente alteradas porque indesejadas e desnecessárias, mantendo-se unicamente o termo de identidade e residência até final do processo que desde já se espera e deseja seja arquivado

(v) No dia 23 de maio de 2017, o Arguido invocando ser trabalhador rural e tirador de cortiça entre os meses de maio e de agosto, requereu a devolução do machado que lhe foi apreendido nos autos.

(vi) No dia 16 de novembro de 2017, o Ministério Público, após ter tomado declarações à Ofendida, concluiu ter a mesma manifestado vontade na cessação das medidas de coação aplicadas ao arguido, por não temer que o mesmo a agrida, injurie ou ameace.

(vii) As medidas de coação acima referidas em (iii) foram declaradas extintas por decisão judicial proferida no dia 21 de novembro de 2017.

(viii) No dia 2 de julho de 2019, o Ministério Público concluiu, «ao abrigo do disposto nos artigos 281.º, n.ºs 1 e 7 e 282.º, n.º 1 do Código de Processo Penal» pela «suspensão provisória do processo, por um período de 8 (oito) meses, mediante a imposição ao (A) das seguintes injunções:
1. Submeter-se a acompanhamento da DGRSP e cumprir plano pela DGRSP delineado, comparecendo em entrevistas agendadas direcionadas especificamente para a problemática da violência doméstica;
2. Submeter-se a uma consulta de avaliação, no âmbito de uma alegada problemática aditiva e submeter-se a tratamento, caso haja essa indicação;
3. Participar na atividade, gratuita, organizada pela DGRSP “Violência, Auto Controlo e Gestão de Raiva.”»

E entendeu estarem suficientemente indiciados nos autos os factos que se passam a descrever, e que integram a prática de um crime de violência doméstica, previsto nos termos do artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal:
«1. O arguido e a ofendida (B) casaram, um com o outro, em 14 de fevereiro de 1998.
2. Desse relacionamento nasceu um filho, (C), atualmente com 11 anos de idade.
3. Durante o tempo em que viveram juntos, o denunciado e a ofendida residiram numa habitação sita em Rua (…..).
4. Desde que contraíram matrimónio que o arguido, repetidamente, infligiu agressões físicas e verbais, bem como a ameaças à ofendida, sua esposa, maltratando-a física e psicologicamente.
5. Designadamente, em datas não concretamente apuradas, o arguido iniciava discussões com a ofendida, sem qualquer motivo e, ato continuo, desferia-lhe socos e bofetadas no rosto.
6. Também, em número não concretamente apurado de vezes e em datas não concretamente apuradas, o arguido, sem que nada o fizesse prever, apertava o pescoço da ofendida e puxava-lhe os cabelos.
7. Ao longo da vida em comum do casal, o arguido, repetidamente, dirigiu à ofendida expressões injuriosas, nomeadamente, em datas que em concreto não se apurou, o arguido dirigia-se à ofendida e dizia “não vais trabalhar? Vocês pensam que ando aqui a governar, estou farto de trabalhar e tu não fazes nada”, “és uma puta, uma marrã”.
8. Bem como, por diversas vezes, com foros de seriedade, dirigindo-se à ofendida, dizia “eu mato-te”.
9. Pelo menos desde o ano de 2016, as condutas do arguido contra a ofendida aumentaram, sendo que, quase todos os dias o arguido chegava a casa alcoolizado e nessa sequência, encetava discussões com a ofendida chamando-lhe, designadamente “puta” e “marrã”
10. Acresce que sem que nada o fizesse prever, reiteradamente, agredia a ofendida com bofetadas e murros no rosto.
11. Tais discussões e agressões ocorriam no interior da residência do casal e, muitas das vezes, na presença do filho menor de ambos.
12. No dia 19 de abril de 2017, pelas 21h50m, na sequência de uma discussão entre o arguido e a ofendida, o arguido ligou para o Posto da GNR a pedir a presença das autoridades policiais porque “ia fazer merda”.
13. Nessa sequência os militares da GNR de Ponte de Sor deslocaram-se à residência do arguido e ali chegados encontraram o arguido no exterior da residência, muito nervoso, e perante os militares dizia “eu não quero fazer nenhuma asneira”,
14. Instado pelos militares para explicar o que se passava o arguido disse que já há muito tempo que tinha desavenças com a sua mulher e o filho menor de ambos e que se matava a ele próprio ou matava a esposa.
15. Nesse circunstancialismo, a ofendida veio também ao exterior da residência.
16. De seguida, o arguido foi ao interior da habitação e voltou, trazendo na mão uma garrafa de bagaço, que continha cerca de 0,75 l e, ato contínuo, bebeu, quase de uma única vez, todo o bagaço que a garrafa continha.
17. Após, no momento em que os militares conversavam com a ofendida, o arguido dirigiu-se aquela e levantou a mão para lhe desferir uma bofetada, mas acabou por dar uma pancada com a mão na parede.
18. Também começou a levantar a perna em direção da ofendida, fazendo crer que lhe iria desferir um pontapé.
19. A ofendida, que se encontrava muito nervosa e amedrontada com os comportamentos do arguido, referiu aos militares que não queria pernoitar em casa, na companhia do marido, por sentir forte receio que este atentasse contra a sua vida e integridade física.
20. Nessa altura, o arguido apercebendo-se que a ofendida iria abandonar a residência disse, em tom de voz alto “eu espeto-te uma faca no peito e depois espeto a faca em mim”, “rebento com a casa toda e provoco uma tragedia”, “se fores embora já não voltas cá”.
21. Com tais condutas o arguido provocou dores e padecimento à ofendida que, pese embora, em consequência das agressões infligidas necessitasse de assistência médica, nunca se dirigiu a unidade hospitalar por vergonha e receio de represálias do arguido.
22. O arguido exerceu, durante o tempo em que partilhou leito, mesa e habitação com a ofendida (B), uma atividade delituosa praticada na pessoa da mesma, com quem viveu maritalmente, ofendendo-a e enxovalhando-a, agredindo-a, ameaçando-a e perturbando-a, tudo de forma reiterada, comprometendo a sua liberdade e a sua autodeterminação.
23. Além disso, agiu de forma voluntária, livre e consciente com intenção de a ofender na sua honra e consideração e de lhe causar medo e receio, de forma reiterada, ao longo dos anos, maltratando-a e psicologicamente, de forma a subjugá-la à sua vontade e aos seus caprichos.
24. Em virtude das reiteradas condutas acima descritas, praticadas pelo arguido ao longo do tempo em que viveram maritalmente, a ofendida sentiu-se e sente-se humilhada e vexada e com a sua autoestima diminuída.
25. Mais sabia o arguido que as ofensas corporais que lhe infligiu lhe causaram dor e padecimento, mas tal não o impediu de adotar tais condutas, o que fez e quis.
26. Bem como sabia que as palavras que utilizou para se dirigir à ofendida eram suscetíveis de a fazer temer pela sua integridade física e até pela própria vida e, todavia, quis proferi-las.
27. Agindo da forma supra descrita, o arguido causou humilhação na ofendida, sua mulher, para além dos receios decorrentes das pressões psicológicas descritas.
28. Ao praticar os factos descritos, o arguido agiu sempre, com intenção de maltratar física e psicologicamente a sua mulher, tendo-a agredido e insultado, para melhor assegurar o êxito das suas intenções, atingindo-a na sua integridade psicológica, na sua honra e dignidade, o que conseguiu.
29. O arguido contou, para a consumação da violência descrita, com a sua superior força física e a resignação e o medo da ofendida, servindo-se da intimidade da vida familiar, para praticar tais factos de forma repetida.
30. O arguido agiu, em todos os momentos, com vontade livre e consciente,
31. Agiu o arguido bem sabendo que os seus comportamentos eram e são proibidos e punidos por lei.»

(ix) Por decisão judicial datada de 16 de julho de 2019, foi declarada concordância com a suspensão provisória do processo, pelo período de 8 (oito) meses com sujeição do Arguido (A) às seguintes injunções:
a) Submeter-se a acompanhamento da DGRSP e cumprir plano da DGRSP delineado, comparecendo em entrevistas agendadas e direcionadas especificamente para a problemática da violência doméstica;
b) Submeter-se a consulta de avaliação no âmbito da alegada problemática aditiva e submeter-se a tratamento, caso haja essa indicação;
c) Participar na atividade gratuita organizada pela DGRSP “Violência, Autocontrolo e Gestão de Raiva”.

(x) No dia 13 de maio de 2020, decorrido o prazo de oito meses, verificado que foi o cumprimento das injunções impostas e não sendo conhecida a prática de qualquer outro crime por banda do Arguido (A), foi determinado o arquivamento do processo.

(xi) No dia 30 de maio de 2023, o Arguido dirigiu ao processo requerimento com o propósito de lhe ser devolvida a machada para tirar cortiça que se encontra apreendida nos autos.
(xii) Sobre semelhante pretensão, disse o Ministério Público
«Nos termos do artigo 109.º, do Código Penal, são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Tal tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.
Se a lei não fixar destino especial aos objetos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.
Ora, o objeto apreendido nos autos (uma machada, e que se encontra devidamente identificada no auto de apreensão constante da participação com a ref.ª citius n.º 891932 de 20.04.2017), pode continuar a ser utilizado para os mesmos fins ilícitos, pelo que não é aconselhável a sua restituição.
Assim, promovo que o referido objeto seja declarado perdido a favor do Estado, ao abrigo do disposto no artigo 109º do Código Penal.
Promovo ainda que se ordene a sua destruição lavrando-se o respetivo auto, o artigo 109.º n.º 3 do Código Penal

(xiii) A decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:
«Nos termos do artigo 109.º, do Código Penal, são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
A declaração de perda de objetos a favor do Estado tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.
Se a lei não fixar destino especial aos objetos perdidos nos termos daquela norma legal, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.
Ora, o objeto apreendido nos autos (uma machada, e que se encontra devidamente identificada no auto de apreensão constante da participação com a ref.ª citius n.º 891932 de 20.04.2017), pode continuar a ser utilizado para os mesmos fins ilícitos, pelo que não é aconselhável a sua restituição.
Pelo exposto, deferindo o promovido, declaro o objeto apreendido perdido a favor do Estado, ao abrigo do disposto no artigo 109.º do Código Penal
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Conhecendo, com a contenção argumentativa aconselhada pela simplicidade da questão que nos é colocada.
E deixando, desde já, expresso o desinteresse pela alteração do artigo 109.º do Código Penal, operada pala Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, face à data em que ocorreu, nos autos, a apreensão da machada de tirar cortiça.
O artigo 109.º do Código Penal manda se declarem perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.
Para se decretar o perdimento de um qualquer objeto a favor do Estado têm a doutrina e a jurisprudência evidenciado, desde logo, a necessidade de existência de um nexo de instrumentalidade entre a utilização do objeto e a prática do crime – dito de outra forma, é indispensável que dos factos provados resulte que entre a utilização do objeto e a prática do crime exista uma relação de causalidade adequada, por forma a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada.
A consulta dos autos revela, sem margem para qualquer hesitação, que a machada de tirar cortiça que se neles se encontra apreendida não serviu nem estava destinada a servir à prática de qualquer crime.
O que impede se declare o seu perdimento a favor do Estado.
A decisão recorrida – surpreendente cópia, praticamente integral, do que consta da promoção do Ministério Púbico e que se queda por enunciados legais e generalidades – viola frontalmente o disposto no artigo 109.º do Código Penal.
Impõe-se a sua revogação.
E o recurso procede.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se, revogando a decisão recorrida, ordenar a restituição a (A) da machada apreendida nos autos.
Sem tributação.

Évora, 2024 fevereiro 6
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
João Henrique Pinto Gomes de Sousa
Carlos Alberto Gameiro de Campos Lobo

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[1] ] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.