Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1729/16.7T8SLV-B.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Face ao que se encontra estipulado no actual Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no artigo 85º, nºs 1 e 2, do CPC.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 1729/16.7T8SLV-B.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

Condomínio dos Apartamentos da (…) instaurou execução contra (…) – Construções e Gestão Imobiliária, Lda., tendo por base um título constituído por sentença homologatória proferida no âmbito do Processo 233/13.0TBLGS-A (Oposição à Execução).
Pelo Julgador “a quo” foi admitida liminarmente a execução em causa, “por razões de economia de meios e de tempo”, não obstante o estatuído no artigo 85º do C.P.C..

Inconformada com tal decisão dela apelou a executada, tendo apresentado, para o efeito, as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
a) O título executivo dado à execução é uma sentença homologatória emergente de transacção outorgada no âmbito do processo n.º 233/13.0TBLGS-A – Oposição à Execução, que correu termos no presente Juízo de Execução.
b) Veio o exequente apresentar requerimento inicial executivo numa execução autónoma, dando a essa execução a sentença homologatória proferida numa acção declarativa apensa numa execução que correu termos com o processo n.º 233/13.0TBLGS.
c) A execução deveria ter sido requerida no processo n.º 233/13.0TBLGS, através de requerimento inicial executivo por parte do exequente.
d) Pretendendo o exequente a cobrança do valor constante na sentença que dá à execução, competia-lhe requerer essa mesma execução nos próprios autos da mesma, através da apresentação do correspondente requerimento inicial executivo de modelo aprovado.
e) Esta mesma execução seguiria os seus termos de acordo com o previsto no art. 85.º e 626.º do CPC, como parece ser esse o entendimento do Sr. Agente de Execução nomeado nos presentes autos.
f) A violação do disposto no art. 85.º, do CPC, consubstancia uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso do Tribunal, o que implicará o indeferimento liminar do requerimento executivo deduzido pelo exequente nos presentes autos, e a absolvição da executada da instância, nos termos dos arts. 85.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º, 626.º e 726.º, n.º 2, al. b), do CPC.
g) No sentido supra enunciado pronunciou-se o tribunal a quo no seu despacho com a ref.ª citius: 105252080.
h) O formalismo sequencial decorrente do previsto no art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, não pode ser, no caso concreto, postergado com apelo aos princípios da oficiosidade, cooperação, adequação formal e de economia de meios.
i) O princípio da economia processual sobre as razões de forma foi levado ao extremo por parte do tribunal a quo ao conduzir a sanação de excepções dilatórias insupríveis.
j) Assim, entende-se que o despacho recorrido deve ser revogado, e substituído por outro no sentido do indeferimento liminar do requerimento executivo, tendo em conta o disposto no arts. 85.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º, 626.º, 726.º, n.º 2, al. b), do CPC.
l) Termos em que V. Ex.as, concedendo provimento ao recurso e alterando a douta decisão recorrida, nos termos pugnados nas presentes alegações, farão inteira Justiça.
Pelo exequente não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela executada, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se não poderá ser instaurada uma execução autónoma quando se pretenda executar uma sentença homologatória proferida num apenso declarativo de uma execução que correu termos com o nº 233/13.0TBLGS, uma vez que tal execução autónoma viola o estatuído no artigo 85º, nº 1, do C.P.C.

Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela recorrente importa dizer a tal respeito que, sobre questão idêntica, já se veio a debruçar o Ac. da R.P. de 1/2/2016, disponível in www.dgsi.pt, adiantando-se, desde já, que concordamos inteiramente com as razões e fundamentos aí explanados e que, por isso, aqui iremos seguir de perto.
Ora, é sabido que os princípios da oficiosidade (inquisitório) e da cooperação (cfr. arts. 6º, 7º e 411º, do CPC) privilegiam a decisão de fundo em detrimento das questões formais, com o objectivo de propiciar, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
O princípio da adequação formal obriga o juiz a adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (cfr. art. 547º, do CPC).
O princípio da economia processual impõe que o resultado processual deve ser atingido com a maior economia de meios, a qual exige que cada processo resolva o maior número possível de litígios (M. Andrade, Noções Elementares Processo Civil, p. 386, e J. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, p. 163).
Assim, dispõe o art. 85º, do CPC (Competência para a execução fundada em sentença):
“1- Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado.
2- Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.
3- (…)”.
Por sua vez, estabelece o artº 1º, nº 2, al. b), da Portaria nº 282/2013, de 29/08, que o exequente deve enviar/entregar o “requerimento de execução da decisão judicial condenatória constante do anexo II da presente portaria, da qual faz parte integrante”.
E, no art.2º, desse diploma legal, estatui-se sobre os termos de apresentação eletrónica:
“1 - O requerimento executivo é apresentado por mandatário judicial através do preenchimento e submissão do formulário eletrónico de requerimento executivo constante do sítio eletrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, nos termos do artigo 132.º do Código de Processo Civil e de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes, ao qual se anexam os documentos que o devem acompanhar”.
Já no art.4º da referida Portaria regulam-se os “Termos de apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória” do seguinte modo:
“1 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória é efetuada nos termos previstos para as demais peças processuais no Código de Processo Civil e na portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais, com as especificidades previstas nos números seguintes.
2 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória por via eletrónica deve ser efetuada através do preenchimento do formulário específico constante no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
3 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória em suporte físico é dirigida ao tribunal que proferiu a decisão em 1.ª instância, e efetuada por qualquer dos meios legalmente previstos, utilizando o modelo de requerimento que consta do anexo II do presente diploma.
4 - O exequente deve indicar, no requerimento de execução da decisão judicial condenatória, a decisão judicial que pretende executar, estando dispensado de juntar cópia ou certidão da mesma.
5 - À execução da decisão judicial condenatória aplica--se, com as necessárias adaptações, o disposto nas secções anteriores, considerando -se o requerimento de execução de decisão judicial condenatória apresentado apenas na data de pagamento das quantias previstas no n.º 6 do artigo 724.º do Código de Processo Civil, quando sejam devidas.
6 - Quando a parte pretenda executar pedidos com finalidade diversa, é designado apenas um agente de execução para a realização das diligências de execução.”

Ora, voltando ao caso dos presentes autos, impõe o nº 2, do art. 85º do CPC, que a execução de sentença é instaurada no processo onde foi proferida a decisão judicial que se pretende executar e apenas em momento ulterior passará a ser tramitada pelo tribunal com competência especializada de execução.
Todavia, a questão da competência em razão da matéria por parte do Juízo de Execução de Silves nem sequer se coloca no caso sub judice, pois o tribunal que proferiu a sentença condenatória foi o mesmo.
Na verdade, o problema que se coloca aqui, diz respeito ao facto de que a execução em causa devia ter sido requerida por apenso ao P. 233/13.0TBLGS, através de requerimento inicial executivo por parte do exequente.
Nessa medida, pretendendo o exequente a cobrança do valor constante na sentença que dá à execução, competia-lhe requerer essa mesma execução por apenso ao processo acima identificado, através da apresentação do correspondente requerimento inicial executivo de modelo aprovado, o que aquele de todo não fez!
E, tal execução, seguiria os seus termos de acordo com o previsto nos arts. 85.º e 626.º do CPC (como, aliás, parece ser esse o entendimento do Agente de Execução nomeado nos autos).
Acresce que, o formalismo sequencial decorrente do estatuído no citado art. 85º, nºs 1 e 2, do CPC, não pode ser, no caso concreto, postergado com apelo aos enunciados princípios da oficiosidade (inquisitório), da cooperação e adequação formal.
Na verdade, o princípio da economia processual ou o da prevalência das razões de mérito sobre as razões de forma não foi levado ao extremo de conduzir à sanação de nulidades processuais ou de excepções dilatórias insupríveis!
Deste modo, forçoso é concluir que a decisão recorrida não se poderá manter – de todo – revogando-se a mesma em conformidade, uma vez que foi proferida em violação ao disposto no referido art. 85.º do CPC, consubstanciando uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso do Tribunal, o que implicará, inexoravelmente, o indeferimento liminar do requerimento executivo deduzido pelo exequente nos presentes autos, com a consequente absolvição da instância da executada, ora apelante, o que aqui se determina, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 85.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º, 626.º e 726.º, n.º 2, al. b), todos do CPC.

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Face ao que se encontra estipulado no actual Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no artigo 85º, nºs 1 e 2, do CPC.
- O formalismo sequencial decorrente do estatuído no citado artigo 85º, nºs 1 e 2, do CPC, não pode ser, no caso concreto, postergado com apelo aos enunciados princípios da oficiosidade (inquisitório), da cooperação, adequação formal ou economia processual.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas pelo exequente.
Évora, 28 de Fevereiro de 2019
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).