Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
502/20.2GBGDL.E1
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: DETENÇÃO DE ESTUPEFACIENTE
REVISTA
BUSCA
AUTORIZAÇÃO
CONSENTIMENTO
DEPOIMENTO INDIRECTO
ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Impera sobre os membros das forças de segurança o dever de atuar quando constatam a prática de qualquer delito ou têm a simples suspeita disso mesmo, como lhe impõe o respetivo estatuto (GNR) – art.º 3.º n.º 1 als c) e e) da Lei 63/2007 de 6 de novembro - e o Código de Processo Penal – art.º 55º CPP.
II. A menção feita pelo cidadão abordado pela autoridade policial de que tinha liamba consigo legitimava a efetivação da revista, na medida em que a mesma não se encontrava dependente de qualquer prévia autorização ou ordem judiciária por força do disposto no art.º 174.º n.º 5 al. c) CPP, nem se encontra sujeita a comunicação imediata ao juiz de instrução, pois, por força do disposto no n.º 7 do mesmo preceito processual, só nos casos referidos na alínea a) do n.º 5 - terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa -, essa comunicação é obrigatória sob pena de nulidade.
III. Não tem qualquer suporte legal a necessidade de prestação do consentimento pelo revistado, face ao disposto na al. c) do n.º 5 art.º 174.º CPP que não o exige quando se estiver perante um flagrante delito.
IV. Inexiste obrigação legal de prestação de consentimento por parte do detentor/proprietário de veículo para a realização de busca ao mesmo, ou de o mesmo ser exarado por escrito ou que ficasse a constar a sua assinatura no auto de notícia, como se infere do disposto no n.º 2 do art.º 243.º CPP, bastando-se o art.º 174.º em que “o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado”. O que importa é que o consentimento seja prévio à busca e que o mesmo fique documentado em termos que não deixem incertezas sobre se foi efetivamente prestado e sobre a natureza e âmbito do mesmo.
V. A proibição estabelecida no art.º 356.º n.º 7 CPP [Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.] não atinge as declarações dos órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido (ou de outro interveniente processual) que não possam ser lidas em audiência, enquanto meio autónomo de prova previsto no art.º 150.º do CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I.
No processo comum n.º 502/20.2... do Juízo Local Criminal ..., Comarca ..., foi submetido a julgamento o arguido AA, depois de ter sido acusado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal.
Realizada a audiência, foi decidido, na parte agora relevante:
Condeno o arguido AA, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal, na pena de um ano e um mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.”

Desta decisão condenatória veio o arguido interpor recurso com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
“I. É objecto do presente recurso a sentença datada de 14/07/2022,com a ref.ª ...08, constante de fls. (xxx), que decidiu condenar o Recorrente como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal, na pena de um ano e um mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
II. O Tribunal a quo deu como factos provados e não provados os seguintes, conforme resulta da sentença recorrida:
1. Factos Provados:
1.º No dia 15/08/2020, pelas 3h00, no parque de estacionamento localizado juto ao Restaurante “C...”, na ..., o arguido tinha guardado, no interior do veículo com a matrícula ..-QM-.., por baixo do banco do pendura e no interior de um recipiente de plástico, canábis (resina) como peso líquido de 31,941 gramas e com um grau de pureza de 22,2% (THC), susceptível de originar 141 doses e MDMA com o peso líquido de 0,159 gramas e com um grau de pureza de 73,7%, susceptível de originar 1 dose.
2.º O arguido pretendia ceder essas substâncias a terceiros.

3.º O arguido procedeu a essa detenção, não obstante conhecer as características estupefacientes dessa substância detida e que pretendia transaccionar, e as consequências nefastas e aditivas que a mesma provoca nas pessoas que as consomem.
4.º Apesar de estar ciente da natureza estupefaciente do produto em causa, o arguido quis e efectivamente logrou detê-lo para ceder a terceiros, o que representou e não o impediu de agir do modo descrito.
5.º O arguido agiu, assim, deliberada, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
6.º O arguido não tem antecedentes criminais.
7.º Vive com os pais e um irmão em casa própria. 8.º Encontra-se a frequentar o ensino superior.
9.º Paga mensalmente a título de propinas a quantia de 467€. Da contestação
10.º O aludido auto de notícia se encontra apenas assinado pelos militares da GNR não estando assinado por qualquer outro interveniente visado ou testemunha dos acontecimentos.
2. Factos Não Provados:
A - O arguido pretendia ceder essas substâncias a terceiros, a troco de dinheiro.
- O arguido quis e efectivamente logrou detê-lo para entrega-lo a troco de dinheiro a todos aqueles que o pretendessem adquirir, tendo o propósito concretizado de, com a sua conduta, auferir vantagem económica, o que representou e não o impediu de agir do modo descrito.
C - Os militares da GNR procederam imediatamente chegados ao local, brusca e violentamente, à revista do Sr. BB, efectuando um exame minucioso ao seu corpo e vestuário, causador de natural pudor.
D - Revista essa que cumpre assinalar não foi de todo consentida pelo Sr. BB, nem de todo o modo ficou a constar dos autos tal facto.
E - Sem que existissem indícios de que alguém ocultava na sua pessoa quaisquer coisas ou objetos relacionados com um crime ou que pudessem servir de prova e sem que tal fosse consentido pelo visado, foi-lhe efectuada uma revista.
F - O Sr. BB não tinha consigo qualquer “liamba” ou produto estupefaciente de qualquer tipo.
G - Daí nenhum indício resulta que o Sr. BB detivesse ou ocultasse qualquer coisa ou objeto relacionados com um crime ou que possam servir de prova em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, como é o caso do seu veículo, de matrícula ..-QM-.., menos ainda de tráfico de estupefacientes
H - Tal busca, assinale-se, não foi autorizada ou consentida pelo Sr. BB.
III. O Arguido não se conforma com a sentença porquanto, com a devida vénia, esta assenta em erro de facto e de Direito quanto a prova ilegalmente obtida na sequência de uma apreensão decorrida de busca ilegal antecedida de revista também ilegal, e em erro de Direito na violação do princípio do nemo tenetur se ipsum accusare por valoração de declarações de natureza para-confessória do Arguido relatadas em depoimentos das testemunhas CC e DD, militares da GNR, em audiência de julgamento, no âmbito de uma conversa informal.
IV. Com efeito, o Arguido em sede de contestação (apresentada em 27/04/2022, com Ref.ª: ...70) arguiu a nulidade da prova pré-constituída documental a saber: auto de notícia, fls. 6 e 7; autos de pesagem, fls. 20 e 24; auto de apreensão, fls.28 e 29, autos de pesagem, fls. 20 e 24; fotografias, fls. 21, 25, 27 e 28 na qual se estribou o Tribunal a quo para fundamentar a decisão quanto à matéria de facto acima descrita.
V. Decidiu o Tribunal a quo, no plano dos factos, com interesse à nulidade de prova arguida em contestação dar por provado o ponto «10.º» e como não provados os pontos «A» a «H», factos todos eles exarados pelo Tribunal a quo em sentença para justificar a legalidade de uma revista à testemunha BB (irmão do Arguido) de uma busca não domiciliária à viatura detida pela testemunha BB.
VI. Salvo melhor opinião, incorreu o Tribunal em erro no julgamento da matéria de facto dada como não provada nos pontos «A» a «H»,, pontos que se consideram incorrectamente julgados.
VII. Posto que a análise crítica dos depoimentos das testemunhas CC e DD prestados na audiência de julgamento de dia 22/06/2022 (gravados através do sistema integrado de gravação digital, da testemunha CC com início pelas 9 horas e 53 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 5 minutos, e da testemunha DD, com início pelas 10 horas e 6 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 24 minutos.) efectuadas pelo Tribunal a quo, desconsidera o pertinente confronto com a prova documental do auto de notícia de fls. 6 e 7, assim como as regras da experiência comum e da lógica meridiana que ditam decisão diversa da espelhada na motivação da matéria de facto da sentença recorrida.
VIII. Com efeito, no que concerne à revista que se reputa ilícita, os elementos probatórios permitem a conclusão de que foi realizada uma revista sem o consentimento da testemunha BB, o que resulta do auto de notícia de fls. 6 e 7.
IX. De igual modo, esta revista, e posterior busca não se enquadrava no âmbito de qualquer acção de patrulhamento no âmbito da Covid-19 como afirma o Tribunal a quo, tanto mais que as regras da elementar lógica, experiência comum e da normalidade da vida, ditam que se os elementos objectivos do tipo em causa de crime de desobediência são preenchidos pelo permanência na via pública e desacatamento de ordem de recolhimento ao domicílio, ninguém guarda ou oculta na sua pessoa, ou em lugar reservado ou não livremente acessível ao público coisas ou objetos relacionados com o crime de desobediência que possam servir de prova.
X. De igual modo, com recurso às regras da lógica e da experiência comum não verosímil que as testemunhas, militares da GNR, integrados num largo contingente se encontrassem num âmbito de patrulhamento por força das medidas decretadas no âmbito da pandemia COVID-19, acompanhados de um binómio da Unidade de Intervenção de Cinotécnica de ..., vulgo cão pisteiro.
XI. Destarte, não se encontrava legitimada uma qualquer suspeita credível, indício ou razão de lógica ou regra de experiência comum que permitisse a conclusão, mesmo que ténue, por parte do OPC, de que estivesse a ser cometido ou em execução algum delito ou que alguém estivesse a praticar um acto preparatório de um tipo criminal, menos ainda de tráfico de estupefacientes, por banda do visado, ou que esta pessoa detivesse ou ocultasse qualquer coisa ou objeto relacionados com um crime, vide aqui também o auto de notícia de fls. 6 e 7 onde não se cuida o OPC de explicar as razões concretas para a referida actuação policial.
XII. Não consta dos autos qualquer prova documental de uma suposta apreensão de produto liamba, tampouco qualquer exame à coisa, pesagem, fotografia, perícia, ou mesmo qualquer documentação que permita dizer que foi elaborado expediente de uma suposta contra-ordenação, pelo que não é possível provar que o Sr. BB tinha consigo qualquer “liamba” ou produto estupefaciente de qualquer tipo.
XIII. Aqui chegados, ensina a jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/11/2007 proferido no proc. n.º 4746/2007-5 que:
“1. Para procederem a revistas a coberto da alínea a), do n.º 1, do artigo 251º, do Código de Processo Penal, é necessário que os órgãos de polícia criminal disponham previamente de factos que indiciem que a pessoa a revistar cometeu ou se preparava para cometer um crime, ou que nele participou ou se preparava para participar.
2. Um suspeito só pode ser revistado por órgãos de polícia criminal, sem prévia autorização da autoridade judiciária, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 251º, do Código de Processo Penal, em caso de fuga iminente ou de detenção.”
XIV. Assim, no plano do erro de julgamento em matéria de direito, como ponto de partida em relação à revista realizada a mesma é ilegal por referência ao artigo 174.º n.º 1 do CPP, posto que foi efectuada uma revista sem quaisquer “indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova”, e também por referência ao artigo 251.º n.º 1, al. a), do CPP, por não existir, in casu, qualquer suspeito em fuga eminente ou detido.
XV. De igual modo, no que diz respeito à busca realizada à viatura, desde logo, a mesma não se encontra documentada nos autos, em violação dos artigos 95.º e 99.º do CPP.
XVI. Dado que não existe qualquer auto de busca nos autos, não só fica por explicar como foi realmente conduzida a busca e o que a motivou como, mais gravoso, não se retira qualquer documentação que possa contribuir para afirmação de que a busca à viatura detida pela testemunha BB tendo sido consentida.
XVII. Não consta, portanto, dos autos qualquer outra forma documentada a diligência em termos que não deixem incertezas sobre se foi efectivamente prestado consentimento, e sobre a natureza e âmbito desse mesmo consentimento, para a busca realizada à viatura com a matrícula ..-QM-...
XVIII. Não podemos deixar de observar, outrossim, que as circunstâncias concretas do caso ditam, também, que o facto de supostamente se ter encontrado na revista ilegal um suposto produto liamba, em quantidade/dosagem que não é sequer criminalmente relevante que tal facto era de molde a suscitar indício suficiente para se realizar busca ao veículo, muito menos nas condições apertadas e disciplinadas pelos artigos 174.º n.º 4 e 251.º, n.º 1, al. a).
XIX. Mesmo os militares do OPC tinham noção da fragilidade de qualquer suspeita ou indício no cometimento de qualquer crime, ou não teriam deixado de fazer constar no auto de notícia, vide fls. 6 e 7, posteriormente à realização da diligência que tal busca havia sido consentida pelo visado.
XX. Sufragamos, neste sentido, as doutas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 15/12/2020, no proc. n.º 369/20.0TELSB-B.L1-5, caso em que se decidiu ão ser sequer suficiente a palavra “Sim” aposta no auto e assinada pelo visado nos seguintes termos:
“Da busca há que elaborar auto que descreva os termos em que a mesma decorreu, quem nela interveio e o que dela derivou, sendo o auto assinado, para além do mais, pelo buscado – artigos 95.º e 99.º do Código de Processo Penal. (…)
A prestação e documentação do consentimento devem ser de tal ordem que não deixe dúvidas sobre a realidade desse mesmo consentimento5
Porém, a mera aposição da palavra “Sim”, à pergunta “A busca foi autorizada pelo visado, de acordo com o artigo 174.º, n.º 5, al. b)?”, e a assinatura do visado no fim do auto, com uma rubrica na 1.ª página, quando tal auto foi elaborado na Esquadra, muitas horas depois de a busca ter sido efectuada no local dos factos - numa estação de serviço da A... – em que os arguidos foram surpreendidos, não assegura que aquele tivesse efectivamente conhecimento do teor e alcance daquele “Sim”, deixando na incerteza se o consentimento havia sido ou não efectivamente prestado, nem garante o momento em que esse “Sim” foi aposto no auto.”
5 Rodapé do Acórdão [4] “Nesse sentido veja-se o acórdão a Relação de Évora de 31/01/2012, processo n.º602/11.0JACBR-A. E2, acessível em www.dgsi.pt.”
XXI. Não fosse suficiente toda a torrente de ilegalidades já enunciadas o artigo 251.º n. º 2 determina remissão total para o artigo 174.º n. º 6, sendo a lei clara na expressa exigência de que tais medidas cautelares de polícia sejam de imediato comunicadas e apreciadas e validadas não apenas pelo Ministério Público, mas também pelo Juiz de Instrução, facto e ilegalidade que também se arguiu na contestação, mas a qual a sentença recorrida olvidou.
XXII. Sendo esta a única interpretação sistematicamente permitida pelo cotejo de outras disposições como é caso dos artigos 29.º als. a) e b), 30.º, 32.º e 33.º da Lei de Segurança Interna, Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto, sendo que a aplicação de das denominadas «medidas especiais de polícia» tem, sob pena de nulidade, segundo o artigo 33º de, quando não autorizadas previamente, de ser comunicadas ao Tribunal competente no mais curto prazo ,não podendo este exceder 48 horas em ordem à sua validação no prazo máximo de 8 dias sob pena de nulidade e de não poderem ser utilizadas em processo penal.
XXIII. Resta concluir, pois, que foram violados os normativos que determinam os pressupostos tanto da revista como da busca, por referência aos artigos 174.º n.ºs 3 e 5 e 251.º do CPP, normas jurídicas também violadas pelo Tribunal a quo em erro de Direito.
XXIV. Violações que se reconduzem a grosseiro atentado à tutela dos direitos fundamentais, vide ao direito à tutela jurisdicional efectiva e à reserva de Juiz de instrução em medidas restritivas de direitos fundamentais, vide artigo 17.º do CPP e artigos 20.º n.º 1,32.º n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e direito à reserva da intimidade da vida privada, patente no artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, restrição ilegítima também por desproporcional conforme o disposto no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
XXV. O que, por sua vez, se cifra numa nulidade absoluta, insusceptível de sanação mesmo pelo trânsito em julgado, sujeita ao regime dos artigos 32.º, n.º 8 da CRP e 118.º, n.º 3 e 126.º, n.º 3, todos do CPP, resultante numa proibição de valoração das apreensões e objeto assim obtido, vício que se transmite, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do CPP, à prova dependente a saber:
a. Documental:
- Auto de notícia, fls. 6 e 7.
- Autos de pesagem, fls. 20 e 24.
- Auto de apreensão, fls.28 e 29.
- Autos de pesagem, fls. 20 e 24.
- Fotografias, fls. 21, 25, 27 e 28.
b. Pericial:
- Relatório do exame de toxicologia, fls. 57.
XXVI. Despojado que ficam assim os autos do elemento probatório central do seu objecto, uma vez que era a apreensão do estupefaciente, em si, que constitui prova do delito, só resta concluir que não poderiam ser dados como provados na sentença os factos «1.º» a «5.º» e, por conseguinte, impunha-se a absolvição do Arguido pelo crime estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal.
Ainda que assim não fosse, o que se admite por cautela de patrocínio,
XXVII. É imperativo verificar que o Tribunal a quo em erro de julgamento em matéria de Direito, valorou o depoimento das testemunhas ouvidas em sede audiência de discussão e julgamento, CC e DD, militares da GNR atribuindo valor probatório a declarações do Arguido para-confessórias a estes transmitidos no âmbito daquilo que a doutrina e jurisprudência apelidam de “conversas informais” para assim estribar o juízo de responsabilidade e culpabilidade do Arguido nos factos criminalmente relevantes de «1.º» a «5.º» da sentença.
XXVIII.O Tribunal a quo entendeu como prova válida o depoimento feito na audiência de julgamento pelas testemunhas membros do OPC em que relatam uma suposta a confissão da prática do crime que lhes foi feita pelo Recorrente.
XXIX. Com isso feriu o Tribunal a quo o núcleo irredutível do nemo tenetur se ipsum accusare que na definição da nossa Relação de Évora, Acórdão proferido em 09/10/2012, no proc. n.º 199/11.0 GDFAR.E1 “reside na não obrigatoriedade de contribuir para a auto-incriminação através da palavra, no sentido de declaração prestada no processo e para o processo. A auto-incriminação, a existir, tem de ser livre, voluntária e esclarecida”
XXX. Como afirma a mais avisada jurisprudência também da Relação de Évora, em Acórdão de 05/12/2017, proferido no proc. n.º 210/16.9GAVRS.E1 «As chamadas “conversas informais” dos suspeitos, ainda não arguidos, quer ocorram antes quer depois da abertura do inquérito, são desprovidas de valor probatório.”»
XXXI. A interpretação de que poderiam ser valorados os depoimentos das CC e DD, militares do OPC como fez o Tribunal a quo, para a formação da convicção dos factos que deu como provados de «1.º» a «5.º» da sentença, quando as declarações do Recorrente foram não foram formalmente e validamente produzidas e constituídas de acordo com a disciplina dos artigos 57.º a 67.º e 144.º do CPP, esbarra frontalmente com o artigos 357.º conjugado com o disposto nos artigos 355.º e 356.º n.º 7, todos do CPP, violando os desígnios da legalidade do respeito pelas garantias processuais, do princípio da imediação e do contraditório, normas jurídicas que, assim, foram violadas pelo Tribunal a quo.
XXXII. Como afirma lapidarmente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 1/7/2015, no proc. n.º 425/11.6GFPNF.P2 , apud Acórdão da Relação de Évora, de 05/12/2017, proferido no proc. n.º 210/16.9GAVRS.E1 “Do disposto nos artigos 357º, nº 1 e 3, e 356º, nº 7, do Código de Processo Penal resulta que os órgãos de polícia criminal não podem ser inquiridos sobre o que tenham ouvido dizer ao arguido quando não seja este a solicitar essa inquirição. E, para este efeito, o regime é o mesmo tratando-se de depoimento reduzido a auto ou de “conversa informal”, antes ou depois da constituição formal como arguido ou da abertura formal do inquérito (a ratio do preceito aplica-se em qualquer destas situações; se assim não fosse, poder-se-ia «deixar entrar pela janela aquilo a que se fechou a porta»).
XXXIII. Seguindo o Acórdão supra citado afirma também a Relação de Évora no Acórdão de 05/12/2017, que “Admitir as conversas informais (ainda que provenientes de uma fase em que não tivesse sido constituído arguido) seria o mesmo que estar a obrigar o arguido a falar contra a sua vontade. Implicaria que pudessem ser tomadas em conta, para efeitos de prova, declarações do arguido que não o poderiam ser se constantes de auto cuja leitura não fosse permitida em audiência de julgamento nos termos do art.° 357.°, conjugado com os art.°355.° e 356.°, n.° 7. constituiria manifesta ofensa do fim prosseguido pela lei com estas disposições, revelado pelo seu espírito, designadamente a salvaguarda dos princípios da oralidade, da imediação, da publicidade, do contraditório e da concentração”
XXXIV. Desta feita, porque as declarações das testemunhas CC e DD não podiam ser valorados como meio de prova e concorrer para a convicção do julgador para os factos dados como provados de «1.º» a «5.º» da sentença no sentido supra explanado, o Tribunal a quo incorreu em erro de direito que afectou a apreciação probatória.
XXXV. Consequentemente, porque não podiam os depoimentos das testemunhas CC e DD, militares do OPC, concorrer para a formação da convicção do julgador do Tribunal a quo para verificar dos factos como provados os factos de «1.º» a «5.º» da sentença.
XXXVI. Não tendo sido produzida qualquer prova adicional dos factos relevantes para o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do tipo, deveriam ter sido dado como não provados os factos «1.º» a «5.º» da sentença e deveria, mais uma vez, o Arguido ter sido absolvido do crime de que vinha acusado de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A.
Termina no sentido de ser revogada a sentença substituindo-a por acórdão que conclua pela absolvição do Arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A

A este recurso veio responder o M.º P.º, resposta em que conclui:
“1) O arguido apresentou recurso da sentença contra si proferida em datada de 14 de julho de 2022, pela qual a Meritíssima Juiz a quo decidiu condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal, na pena de um ano e um mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
2) O recurso versa sobre a matéria de facto, por entender que estão incorretamente julgados os factos 1 a 5 da matéria de facto considerada provada e A a H da matéria considerada não provada.
3) Tendo recorrido da matéria de facto, o recorrente não deu cumprimento aos requisitos do artigo 412.º n.º 3 alíneas b) e c) do Código do Processo Penal, o que é causa de rejeição do recurso, ou de um convite ao aperfeiçoamento das conclusões formuladas. Porém, nada haverá a aperfeiçoar, uma vez que na motivação do recorrente essa exigência não foi cumprida e, contrariamente às conclusões, as motivações não podem ser alteradas, o que deverá implicar a rejeição do recurso, por violação do disposto no artigo 412.º n.º 3, alíneas b) e c) do Código do Processo Penal.
4) O recorrente pugna pela sua absolvição e invoca a nulidade da revista e da busca realizadas, o que contaminaria toda a prova produzida.
5) Segundo a recorrente a revista e as buscas estariam feridas de nulidade, por violação do disposto nos artigos 95.º e 99.º, 174.º n.ºs 3, 5 e 6 e 251.º do Código de Processo Penal e 18.º n.º 2 e 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o que se se cifra numa nulidade absoluta sujeita ao regime dos artigos 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e 118.º, n.º 3 e 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
6) Tal não corresponde à verdade. A busca foi realizada com base nos indícios da prática de crime e consentimento de BB, na sequência da abordagem policial, tendo os militares agido sempre em conformidade com a lei, sem qualquer atropelo dos direitos daquele ou do arguido.
7) Segundo o recorrente teriam sido valoradas declarações informais do arguido e da testemunha, o que constitui prova proibida, cuja apreciação está vedada ao Tribunal a quo. Segundo o recorrente, ao fazê-lo incorreu a sentença recorrida na violação do disciplinado nos artigos 57.º a 67.º, 144.º, 344.º, 355.º e 356.º n.º 7 e 357.º, todos do Código de Processo Penal, caindo em erro de direito que afetou a apreciação probatória.
8) Uma vez mais está equivocado o recorrente. As testemunhas e suspeitos não têm direito ao silêncio e as declarações espontâneas e voluntárias do arguido, antes de assumir essa qualidade e de ser abordado pelos órgãos de polícia criminal, não têm de ser silenciadas por estes desde que as tenham percecionado e apreendido pelos seus sentidos.
9) Logo, também nesta matéria não assiste razão ao recorrente, na medida em que os militares se limitaram a testemunhar quanto aos factos que percecionaram, fazendo um relato dos mesmos, não tendo reproduzido quaisquer declarações que pudessem ser reputadas de ilegais, mas apenas o que foi dito pelo arguido quando o seu irmão BB foi questionado quanto à proveniência dos estupefacientes encontrados na viatura, dizendo que era sua sem sequer ter sido abordado pelos militares, o que não é prova proibida dado que até àquele momento não sabiam os militares, nem tinham fundada suspeita, de que as substâncias eram do arguido.
10) Entende o recorrente que o Tribunal a quo julgou mal a matéria de facto, mas não tem razão, na medida em que a versão acusatória foi provada pelas testemunhas ouvidas e corroborada pela prova documental e relatório de exame direto junto aos autos.
11) Acresce que a versão colhida na acusação, revelou-se credível e compatível tanto com o acervo probatório, como com as regras da experiência.
12) Por seu turno, versão dos factos avançada pelo recorrente sem qualquer substrato probatório não colheu nem foi capaz de contrariar a prova da acusação, que mereceu total crédito.
13) A Meritíssima Juiz formou a sua convicção livremente, alicerçando-a na análise conjugada e ponderada dos elementos de prova carreados para os autos, adotando raciocínios lógicos, com respaldo nas regras da experiência, sem incorrer em qualquer erro na apreciação da prova, nem no julgamento da matéria de facto.
14) A prova produzida foi suficiente, consistente e contundente para dar por certo que os factos se verificaram do modo descrito na e que o arguido cometeu o crime pelo qual foi acusado.
15) Em suma, não tem qualquer razão o recorrente no recurso interposto pois, face da prova produzida, que a Juiz a quo analisou de forma atenta, critica e cuidada, outra não poderia ser a decisão do Tribunal.
16) O Tribunal a quo procedeu também a uma correta apreciação de direito, não tendo violado qualquer norma legal, constitucional ou direito do recorrente.
17) Sendo a sentença recorrida conforme à lei e à constituição, não tendo sido tomada em atropelo de qualquer norma jurídica nem de quaisquer direitos ou garantias de defesa, bem andou o Tribunal a quo, razão pela qual a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo manter-se inalterada.”

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos elaborando parecer no sentido da improcedência do recurso do arguido, aderindo à resposta ao recurso apresentada em primeira instância.
Foi dado cumprimento do disposto no art.º 417º n.º 2 CPP, não tendo sido apresentada resposta.

II.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se à conferência pelo que cumpre agora apreciar e decidir.
Da decisão recorrida consta o seguinte, no que ora releva:
Factos Provados:
Da audiência de discussão e julgamento e com relevo para a decisão do mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1.º No dia 15/08/2020, pelas 3h00, no parque de estacionamento localizado juto ao Restaurante “C...”, na ..., o arguido tinha guardado, no interior do veículo com a matrícula ..-QM-.., por baixo do banco do pendura e no interior de um recipiente de plástico, canábis (resina) com o peso líquido de 31,941 gramas e com um grau de pureza de 22,2% (THC), susceptível de originar 141 doses e MDMA com o peso líquido de 0,159 gramas e com um grau de pureza de 73,7%, susceptível de originar 1 dose.
2.º O arguido pretendia ceder essas substâncias a terceiros.
3.º O arguido procedeu a essa detenção, não obstante conhecer as características estupefacientes dessa substância detida e que pretendia transaccionar, e as consequências nefastas e aditivas que a mesma provoca nas pessoas que as consomem.
4.º Apesar de estar ciente da natureza estupefaciente do produto em causa, o arguido quis e efectivamente logrou detê-lo para ceder a terceiros, o que representou e não o impediu de agir do modo descrito.
5.º O arguido agiu, assim, deliberada, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou:
6.º O arguido não tem antecedentes criminais.
7.º Vive com os pais e um irmão em casa própria. 8.º Encontra-se a frequentar o ensino superior.
9.º Paga mensalmente a título de propinas a quantia de 467€. Da contestação
10.º O aludido auto de notícia se encontra apenas assinado pelos militares da GNR não estando assinado por qualquer outro interveniente visado ou testemunha dos acontecimentos.

2. Factos Não Provados:
A - O arguido pretendia ceder essas substâncias a terceiros, a troco de dinheiro.
B - O arguido quis e efectivamente logrou detê-lo para entrega-lo a troco de dinheiro a todos aqueles que o pretendessem adquirir, tendo o propósito concretizado de, com a sua conduta, auferir vantagem económica, o que representou e não o impediu de agir do modo descrito.
C - Os militares da GNR procederam imediatamente chegados ao local, brusca e violentamente, à revista do Sr. BB, efectuando um exame minucioso ao seu corpo e vestuário, causador de natural pudor.
D - Revista essa que cumpre assinalar não foi de todo consentida pelo Sr. BB, nem de todo o modo ficou a constar dos autos tal facto.
E - Sem que existissem indícios de que alguém ocultava na sua pessoa quaisquer coisas ou objetos relacionados com um crime ou que pudessem servir de prova e sem que tal fosse consentido pelo visado, foi-lhe efectuada uma revista.
F - O Sr. BB não tinha consigo qualquer “liamba” ou produto estupefaciente de qualquer tipo.
G - Daí nenhum indício resulta que o Sr. BB detivesse ou ocultasse qualquer coisa ou objeto relacionados com um crime ou que possam servir de prova em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, como é o caso do seu veículo, de matrícula ..-QM-.., menos ainda de tráfico de estupefacientes
H - Tal busca, assinale-se, não foi autorizada ou consentida pelo Sr. BB.

3. Motivação da matéria de facto
Para a decisão quanto à matéria de facto acima descrita e assente, o tribunal fundou a sua convicção na análise e valoração crítica da prova produzida em audiência e da prova documental junta aos autos, nomeadamente:
- Auto de notícia, fls. 6 e 7.
- Autos de pesagem, fls. 20 e 24.
- Auto de apreensão, fls.28 e 29.
- Autos de pesagem, fls. 20 e 24.
No teor do CRC do arguido junto aos autos.
Elementos estes conjugados com o depoimento das testemunhas ouvidas em sede audiência de discussão e julgamento, CC e DD, que procederam à busca na cela do arguido, os quais depuseram de forma séria e isenta, convencendo da veracidade do por si afirmado em sede de audiência de julgamento.
Referiu a testemunha CC, militar da GNR que no dia e hora a que se reportam os autos decorria uma operação da GNR, a qual o mesmo integrava, com vários militares, com vista a patrulhar a zona das praias e a evitar aglomerados, atenta a pandemia por COVID19.
No âmbito dessa acção, acompanhado do seu colega DD receberam informação da existência de um aglomerado de jovens junto a um restaurante na praia da comporta. Chegados ao local dirigiram-se aos mencionados jovens, sendo que estes militares abordaram o senhor BB, irmão do arguido, perguntando-lhe se tinha alguma coisa com ele, ao que este respondeu que tinha liamba. Nessa sequência fizeram uma revista de segurança, consentida pelo arguido, tendo encontrado na sua posse liamba, em quantidade que determinou a elaboração de expediente por auto de contra-ordenação, mas o qual não se encontra documentado nos autos. Uma vez que o mencionado BB se encontrava junto do veículo com a matrícula ..-QM-.. e suspeitando-se da possibilidade da existência de mais produto estupefaciente foi perguntado se era possível fazer uma busca à viatura ao qual o senhor BB respondeu que sim.
Foi então utilizado um Binómio, da Unidade de Intervenção de Cinotecnica de ..., ao qual detetou o odor por baixo do banco do pendura, dentro de um recipiente (taparuwer), contendo no seu interior um saco de pano de Marca ..., tendo no seu interior dentro de um plástico transparente uma substância de cor castanha, aparentemente Haxixe e um saco hermético que um substância cristalizada, aparentemente MDMA.
O Senhor BB foi questionado sobre a origem daquelas substâncias tendo surgido ora arguido, irmão que se identificou como sendo o proprietário dessas mesmas substâncias.
Mais referiu o militar que tem ideia que na altura o arguido ao dizer que as substâncias eram dele lhe terá dito que era para comemorarem o seu aniversário.
À data dos factos e em face do estado da pandemia por COVID 109 estavam proibidos os aglomerados, motivo pelo qual eram feitas aquelas operações de patrulhamento.
Referiu ainda que o arguido foi o mesmo conduzido para o Posto Territorial ..., onde foi efetuado o teste IDENTA, tendo-se revelado positivo para aquelas substâncias e elaborado o correspondente expediente.
Ouvida a testemunha EE, militar da GNR, o mesmo relatou de forma coerente factos semelhantes ao relatados pelo seu colega, acrescentando ainda no seu depoimento que tem ideia de o senhor BB ao lhe questionarem se tinha alguma coisa com ele ter começado a tirar as coisas dos bolsos, designadamente a liamba, que colocou em cima do veículo, mas não tem a certeza. Foi feita uma revista de segurança atenta a presença de produto estupefaciente e foi perguntado ao sr. BB que tinha a disponibilidade da viatura referida nos autos se podiam fazer ma busca à mesma, tendo o mesmo autorizado.
Acrescentou ainda que quando o Sr. BB foi confrontado com o produto estupefaciente encontrado no interior da viatura o mesmo referiu que não era dele e que os outros jovens terão dito ao ora arguido que ele tinha que admitir, que o irmão não podia ficar com a responsabilidade de uma coisa que não era dele, tendo então o ora arguido admitido a propriedade do produto estupefaciente encontrado, dizendo que era para consumo.
Em sede de contestação, alega o arguido a nulidade da prova, por violação das normas inerentes à realização de revistas e buscas.
Compulsados os autos é entendimento do Tribunal que não assiste razão ao arguido. Desde logo a actuação da GNR encontra-se legitimada por uma operação de patrulhamento, no âmbito das suas funções. Não nos podemos olvidar que os factos ocorreram em plena pandemia de COVID 19, com limitações e regras definidas no que concerne a aglomerados de pessoas, cuja violação estava cominada com crime de desobediência.
Acresce ainda que nos termos do disposto no artigo 174º do Código de Processo Penal, a Lei fala de consentimento, desde que o mesmo fique por qualquer forma documentado, podendo o mesmo ser verbal.
O que ocorreu nos presentes autos e se mostra documentado no auto de notícia e resulta do depoimento dos militares da GNR ouvidos em sede de audiência de julgamento, nada existindo nos autos que permita abalar a credibilidade de tais depoimentos.
Ao contrário, a factualidade alegada pelo arguido, em sede de contestação e que poderia invalidar a prova ferindo-a de nulidade carecia de prova, que o arguido não logrou fazer em audiência de julgamento, designadamente porque o arguido não prestou declarações, a testemunha presencial BB, irmão do arguido, exerceu a sua faculdade de poder recusar a prestação de depoimento nos termos do disposto no art.º 134º, n.º 1 - al. a) do CPP e a testemunha FF não presenciou os factos, limitando-se a depor sobre o carácter, personalidade, inserção social e familiar do arguido.
Pelo que no que concerne às nulidades invocadas, improcedem as mesmas.
No que concerne à componente subjectiva da conduta, a prova resultou da conjugação dos restantes factos objectivos susceptíveis de comprovar tal factualidade, já que o modo de operar do arguido é bem revelador de que o arguido pretendia ceder essas substâncias a terceiros. O arguido procedeu a essa detenção, não obstante conhecer as características estupefacientes dessa substância detida e que pretendia transaccionar, e as consequências nefastas e aditivas que a mesma provoca nas pessoas que as consomem. Apesar de estar ciente da natureza estupefaciente do produto em causa, o arguido quis e efectivamente logrou detê-lo para ceder a terceiros, o que representou e não o impediu de agir do modo descrito. O arguido agiu, assim, deliberada, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O Tribunal fundou ainda a sua convicção no teor do CRC do arguido no que concerne à ausência de antecedentes criminais e nas declarações do mesmo e da testemunha FF no que concerne à sua inserção social e familiar. “

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadas são:
a) Nulidade da revista e da busca;
b) Erro de facto e de Direito quanto a prova ilegalmente obtida violação do princípio do nemo tenetur se ipsum accusare por valoração de declarações do Arguido relatadas em depoimentos das testemunhas CC e DD;
c) Erro de julgamento quanto aos factos provados 1 e 5 e não provados A a H;
d) Se a medida da pena se mostra correctamente fixada e se deverá ser suspensa na sua execução.

Passando a apreciar.
Nulidade da revista e da busca:
Manifesta o recorrente que a prova que resulta dos autos invocada na sentença recorrida resulta, no seu âmago, na apreensão efectuada, documentada a fls. 6 e 7, auto de notícia e fls. 28 e 29, auto de apreensão, elaborados pelo órgão de polícia criminal (doravante OPC) de um produto estupefaciente, a revista e busca efectuadas não o foram com observância dos pressupostos necessários do artigo 174.º n.º 1 e n.º 2 do CPP.
A primeira objecção que o recorrente adianta quanto à intervenção do órgão de polícia criminal diz respeito ao patrulhamento que o mesmo se encontrava a fazer e que veio a culminar na apreensão do produto estupefaciente ao arguido.
Estas concretas questões, relativas ao patrulhamento, à realização da revista e da busca, foram postas, como o próprio anuncia, em sede de contestação e que mereceram resposta na matéria de facto não provada.
De qualquer modo, não deixamos de fazer breves apreciações quanto ao alegado nesta matéria pelo recorrente.
Assim, em primeiro lugar, quanto às razões do patrulhamento que os guardas da GNR efectuavam e no qual procederam à diligência relatada no auto de notícia, perpassa do argumentário trazido ao recurso que pretende o arguido questionar as razões de efectivação do patrulhamento, como se fosse exigível que os guardas da GNR tivessem de justificar a sua presença no local.
Nada de mais equívoco, face às missões que asiste a tal força de segurança como resulta do respectivo estatuto – art.º 3º da Lei 63/2007 de 6 de Novembro –, isto independentemente das ordens concretas que tinham ou teriam recebido do respectivo comando.
Depois, não ignorará o recorrente que, independentemente das ordens que terão recebido e/ou da missão que concretamente desempenhavam, impera sobre os membros das forças de segurança o dever de actuar quando constatam a prática de qualquer delito ou têm a simples suspeita disso mesmo, como lhe impõe o respectivo estatuto – art.º 3º n.º 1 al.s c) e e) daquela Lei - e o Código de Processo Penal – art.º 55º CPP.
No caso concreto, o auto de notícia mostra-se omisso quanto às referências concretas das razões da realização do patrulhamento pelo que, independentemente do que os Srs. Guardas da GNR na qualidade de testemunhas declararam em audiência, tal matéria mostra-se inteiramente inócua para os factos apurados e para a validade dos actos empreendidos pelos mesmos.
Passando à questão da revista efectuada à pessoa de BB, ao que o recorrente indica ser nula por inobservância dos pressupostos do art.º 174.º n.º 1 e n.º 2 do CPP, temos a apontar ao recorrente que não lhe assiste legitimidade para suscitar essa concreta questão na medida em que não foi o recorrente o visado com a revista, nem se mostra que na mesma lhe foi encontrado – ao arguido, entenda-se – qualquer produto cuja detenção fosse ilícita.
De qualquer modo, sempre se dirá que no caso se mostram observados os pressupostos em questão. Na realidade, pegando no relato trazido à audiência pelas testemunhas guardas da GNR que se mostra resumido na fundamentação da matéria de facto: “No âmbito dessa acção, acompanhado do seu colega DD receberam informação da existência de um aglomerado de jovens junto a um restaurante na praia da comporta. Chegados ao local dirigiram-se aos mencionados jovens, sendo que estes militares abordaram o senhor BB, irmão do arguido, perguntando-lhe se tinha alguma coisa com ele, ao que este respondeu que tinha liamba. Nessa sequência fizeram uma revista de segurança, consentida pelo arguido, tendo encontrado na sua posse liamba, em quantidade que determinou a elaboração de expediente por auto de contra-ordenação, mas o qual não se encontra documentado nos autos.” (sublinhado nosso)
O art.º 174º n.º 1 CPP dispõe que “Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.”
Daqui resulta que no caso concreto, a menção feita pelo referido BB de que tinha liamba consigo legitimava a efectivação da revista, na medida em que a mesma não se encontrava dependente de qualquer autorização ou ordem judiciária por força do disposto no art.º 174º n.º 5 al. c) CPP.
Por outro lado, também a mesma revista não se encontra sujeita a comunicação imediata ao juiz de instrução, pois, por força do disposto no n.º 7 do mesmo preceito processual, só os casos referidos na alínea a) do n.º 5 - terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa -, essa comunicação é obrigatória sob pena de nulidade.
Registamos aqui os termos em que o recorrente tece apreciações – pontos 30 e 31 da motivação – de que foi após uma revista que teria sido encontrada na posse do Sr. BB a aludida liamba, não na posse do Arguido, aqui Recorrente, cfr. auto de notícia a fls. 6 dos autos e que dessa acção resulta da experiência comum e das regras de normalidade da vida que é naturalmente causadora de pudor e constrangimento sobre o visado.
Essa apreciação do que sucedeu, antes e durante a revista, mostra-se desconforme com o que foi transmitido ao tribunal por parte dos guardas da GNR tal como se mostra referido na fundamentação da matéria de facto e, em boa verdade, em que se funda o recorrente para afirmar do pudor ou constrangimento do revistado que nada disso transmitiu ao tribunal pois recusou-se validamente a depor?
Ainda por relação à revista, parece manifestar o recorrente a necessidade de prestação do consentimento pelo revistado, entendimento que não tem qualquer suporte legal face ao disposto no art.º 174º CPP que não o exige quando se estiver perante um flagrante delito – al. c) do n.º 5 daquele preceito. Note-se que, apesar de como se referir no depoimentos dos guardas essa posse ter dado origem a processo de contraordenação, no momento antecedente à revista o que se configuraria era um ilícito criminal e, dizemos nós, só após a análise e pesagem é que se poderia ponderar outro tipo de ilícito.
Continuando, questiona o recorrente que para a revista em questão os guardas da GNR tivessem razão para crer na existência de indícios de que alguém ocultava na sua pessoa quaisquer coisas ou objetos relacionados com um crime ou que pudessem servir de prova.
Voltando ao que se mostra referido na fundamentação em termos de prestação dos testemunhos por parte de tais guardas, mesmo que o que relatassem não coincidisse com o que haviam vertido no auto de noticia, um e outro desses meios de prova são livremente valoráveis nos termos do art.º 127º CPP, pelo que, inexistindo prova que infirme directa e fulminantemente essas declarações, teremos de nos ater a essa versão: a revista só foi efetivada depois de o visado BB ter assumido liamba na sua posse.
Nada a censurar, pois, quanto à revista efectuada ao referido BB porquanto a mesma observou os pressupostos referidos no art.º 174º CPP.
Acrescentamos ainda que por relação ao que o recorrente alega em termos de pretender alterar sendo dado como provado o ponto “F” “O Sr. BB não tinha consigo qualquer “liamba” ou produto estupefaciente de qualquer tipo.”, pois entende que resulta dos autos que nenhuma prova foi produzida no sentido de que o Sr. BB detivesse a tal liamba, esquece o recorrente que na realidade mais nenhuma prova teria de ser trazido aos presentes autos quanto a essa concreta realidade, dada a instauração de processo autónomo – no caso, de contraordenação – ao referido BB. Mas, como já se disse, a indiciação fáctica quanto ao agora recorrente não surgiu com a revista efectuada ao BB, mas sim com a busca ao veículo deste, onde veio a ser encontrado o estupefaciente cuja posse o recorrente admitiu.
Esclarecendo e passando à busca ao veículo onde veio a ser encontrado estupefaciente, temos a apontar ao recorrente que, contrariamente à sua postura de exigência, para a respectiva realização de duas pressupostos – consentimento do visado e de que nenhuma prova foi produzida no sentido de que os militares da GNR, testemunhas CC e DD pudessem ter suspeitas fundadas de tal, nem os mesmos tal afirmaram em audiência de julgamento de 22/06/2022 -, essa alegação só pode ser o resultado de uma leitura não atenta do que se mostra resumido acerca do depoimento de tais testemunhas.
Assim, constatada a posse de estupefaciente na pessoa do BB, a realização da busca ao veículo mostra-se antecedida de consentimento do mesmo, como se afirma no auto de noticia e reafirmada nos depoimentos prestados em audiência – “ Uma vez que o mencionado BB se encontrava junto do veículo com a matrícula ..-QM-.. e suspeitando-se da possibilidade da existência de mais produto estupefaciente foi perguntado se era possível fazer uma busca à viatura ao qual o senhor BB respondeu que sim.”
Quanto a este consentimento por parte do BB, inexiste obrigação legal de o mesmo ser exarado por escrito ou que ficasse a constar a sua assinatura no auto de notícia que, como se infere do disposto no n.º 2 do art.º 243º CPP - O auto de notícia é assinado pela entidade que o levantou e pela que o mandou levantar -, bastando-se o art.º 174º invocado pelo recorrente que “o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado”.
Depois, as fundadas razões para a realização da busca não se mostram excluídas, ou incompatibilizadas, pela alegada necessidade de obtenção de consentimento do visado.
Acresce que a jurisprudência vertida no acórdão de 15-12-2020 da Relação de Lisboa esgrimido pelo recorrente, mas não citado na sua plenitude de sumário, não difere do que vimos afirmando, tendo-se decidido ali: “– A lei fala no consentimento dos visados para a busca, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado mas nada refere quanto ao momento em que esse consentimento deve ser prestado nem quanto à forma como deve ocorrer essa documentação.
– O acto do consentimento não deverá ser dissociado da sua documentação, isto é, deve ser logo expresso, não podendo valer como tal uma mera assinatura no auto lavrado, o qual, por definição, relata os termos em que um determinado acto processual se realizou, o que implica que seja posterior à prática desse acto, quando o consentimento a que se refere o artigo 174.º é necessariamente prévio.
– O que importa é que o consentimento seja prévio à busca e que o mesmo fique documentado em termos que não deixem incertezas sobre se foi efectivamente prestado e sobre a natureza e âmbito do mesmo.
– Existindo nos autos elementos suficientes para considerar que os recorrentes eram, já na altura, suspeitos da prática de um crime de tráfico de droga, existindo indícios do transporte e consequente detenção de uma quantidade significativa da mesma e existindo elementos que levavam a acreditar que essa droga se encontrava no interior do veículo, sendo a sua apreensão uma diligência da máxima importância para se obter prova desse mesmo tráfico, apreensão essa que, se não fosse realizada naquele momento, poderia vir a ser impossível, sendo previsível que os recorrentes, se alertados para o facto de as autoridades policiais terem detectado a sua actividade ilícita, se colocariam naturalmente em fuga, impedindo a apreensão da droga e evitando a sua detenção e ulterior responsabilização pelo crime de tráfico de droga, existia base legal para a realização da indicada busca naquele preciso momento, diligência cuja realização, pela sua urgência, não podia ser adiada, nem a sua necessidade podia ser antecipada de modo a que fosse possível a emissão do correspondente mandado pelo magistrado do Ministério Público.
– E se essa busca e o resultado da mesma foram comunicados ao Ministério Público logo que cessou a diligência, o que aconteceu no dia seguinte posto que aquela já cessou fora das horas de expediente do tribunal, o qual validou a detenção dos arguidos e a apreensão do estupefaciente na sequência dessa busca, esta mostra-se tacitamente validada.”
Para a realização de uma busca a lei processual penal exige a existência de «meros indícios» - n.ºs 1 e 2 do art.º 174º CPP -, contrariamente com o que acontece para efeitos de acusação ou de pronúncia, em que são exigidos indícios, ou para aplicação de certas medidas de coacção em que é necessária a existência de «fortes indícios».
Depois, perante a posse de liamba, assumida por parte do referido BB, legitimada estava a iniciativa dos guardas da GNR para procederem à busca no veículo, na medida em que, uma vez que o mencionado BB se encontrava junto do veículo com a matrícula ..-QM-3, a suspeita da existência de mais produto estupefaciente era imediatamente atingível.
Para esta concreta questão invoca ainda o recorrente o regime estabelecido no art.º 251º CPP numa tentativa de reforçar a necessidade de que as revistas e buscas sejam autorizadas e validadas por autoridade judiciária, pois uma e outra, enquanto meios de obtenção prova, visam a localização e eventual apreensão de objetos relacionados com a prática de crime, autorização ou validação que não consta dos autos até porque à data em que foi realizada a operação descrita nos autos não existia ainda qualquer inquérito.
Já tivemos oportunidade de dizer que essa autorização prévia por parte do JIC não era legalmente exigível atento o flagrante delito que estava na base da origem de tais actos processuais de obtenção de prova e o disposto no art.º 174º n.º 5 al. c) CPP.
Resulta cristalino do auto de notícia que a busca ao veículo foi consentida por BB, na sequência de ter sido encontrada liamba em sua posse, pelo que a suspeita que haveria estupefaciente na viatura se apresenta como facilmente adquirida, e depois de lhe ter sido solicitada autorização para o efeito.
O que resulta daquele auto de notícia mostra-se inteiramente corroborado pelo testemunho dos dois militares em audiência de julgamento, pelo que se impõe concluir que a busca foi realizada ao abrigo e em conformidade com o disposto no artigo 174.º n.º 1 e n.º 5 alínea b) do Código de Processo Penal.
Tratando-se de uma busca realizada nos moldes indicados a apreensão das substâncias foi devidamente comunicada e validada pelo Ministério Público cumprindo as formalidades e exigências legais, não carecendo de validação por parte do Juiz de Instrução Criminal nos termos estabelecidos no artigo 174.º n.º 7 do Código de Processo Penal, nem ao abrigo de qualquer outro normativo.
Convoca ainda o recorrente para a afirmação da nulidade da busca o disposto no art.º 251.º CPP, com epígrafe “Revistas e buscas” que dispõe o seguinte:
1 - Para além dos casos previstos no n.º 5 do artigo 174.º, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária:
a) À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se;
b) À revista de pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a qualquer acto processual ou que, na qualidade de suspeitos, devam ser conduzidos a posto policial, sempre que houver razões para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º
Como já se afirmou, a obrigatoriedade de comunicação posterior da realização da busca ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação mostra-se exigida apenas quanto à referidos na alínea a) do n.º 5 do art.º 174º CPP: quando a mesma for efectivada nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, o que não ocorreu no caso, sendo que, por outro lado, também não nos encontramos perante um caso enquadrável no n.º 6 do art.º 174.
Concluímos assim, contrariamente à interpretação seguida pelo recorrente que inexiaste obrigação de comunicação e validação posterior por parte do Juiz de Instrução da revista e/ou da busca realizadas nos Autos.
Nenhuma nulidade se mostra assim como afectando seja a revista seja a busca efectuadas.

Erro de facto e de Direito quanto a prova ilegalmente obtida violação do princípio do nemo tenetur se ipsum accusare por valoração de declarações do Arguido relatadas em depoimentos das testemunhas CC e DD:
Outros dos aspectos em que o recorrente manifesta a sua discordância da sentença diz respeito à “valoração das declarações do arguido” relatadas em depoimento das testemunhas de acusação CC e DD, alegando nesse escopo que tal constitui violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, na medida em que que o Tribunal a quo entendeu como prova válida o depoimento feito na audiência de julgamento pelas testemunhas membros do OPC em que relatam uma suposta a confissão da prática do crime que lhes foi feita pelo Recorrente.
Como primeira nota, importa dizer que o relato feito pelas testemunhas de acusação acerca do conteúdo declarado pelo, agora, recorrente se dirige a momento temporal imediatamente posterior ao encontrar de estupefaciente no interior do veículo que acabava de ser buscado e essa declaração traduziu-se na assunção da detenção do produto estupefaciente que acabava de se encontrado naquela busca.
Como facilmente se depreende, naquele concreto momento o declarante – leia-se o actual arguido – ainda não tinha adquirido o estatuto de arguido, nem mesmo o de suspeito que, como não podia deixar de ser, só o adquiriu quando assumiu aquela detenção.
Ora, por relação a essa concreta declaração prestada aos Guardas da GNR, nada impede que a mesma seja, primeiramente, relatada pelos mesmos enquanto testemunhas e, em segundo lugar, valorada pelo tribunal.
Quanto ao primeiro dos aspectos, diremos que a proibição estabelecida no art.º 356º n.º 7 CPP [Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.] não atinge as declarações dos órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido (ou de outro interveniente processual) que não possam ser lidas em audiência, enquanto meio autónomo de prova previsto no artº 150º do CPP. No caso de que nos ocupamos, o declarante cujo relato se mostra feito pelas testemunhas ainda não tinha adquirido o estatuto de arguido, sendo um mero suspeito.
Às declarações assim prestadas não se pode apontar à violação às regras de ponderação do depoimento indirecto, pois, nessas situações, os depoimentos de agentes de autoridade relatam o conteúdo de diligências de investigação, que percepcionaram directamente, e não especificamente o que no seu decurso foi dito.
O principio invocado pelo recorrente pode ser resumido a um privilégio contra a autoincriminação, ou direito ao silêncio, significando que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos) que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória, ou seja, mostra-se sempre dirigido à pessoa que já era arguido no momento em que essa contribuição probatória foi produzida, o que não ocorreu no caso.
Os órgãos de polícia criminal que, no momento, procediam à investigação tendente a determinar o proprietário/detentor do estupefaciente que havia sido encontrado na busca feita ao veículo podem prestar declarações sobre o modo e os termos em que decorreu essa investigação - mormente que foi o AA que assumiu essa detenção -; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto, não estando abrangidas na proibição do artigo 356º, n.º 7 do CPP.

Essa validade de prova mostra-se afirmada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores de que destacamos a vertida nos Acórdãos da Relação de Évora de 7.04.2015 [A conversa mantida entre o arguido e os agentes policiais, no momento da fiscalização, não está abrangida pela proibição contida no artigo 356º, nº 7, do C. P. Penal, como não está sob a compressão dos limites ínsitos no artigo 129º do mesmo diploma legal, pois que se trata de interlocução espontânea, voluntária e consciente, por parte do arguido (fonte identificada), que os agentes se limitaram a ouvir no momento e a reproduzir, adrede, em audiência, aqui, ademais, na presença do mesmo arguido, que sempre a poderia contraditar.], de Lisboa de 16.6.2015 [I - Devendo os órgãos de polícia criminal colher, inter alia, notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova (cfr. arts. 55.º, n.º 2, 249.º e 250.º, do CPP), nada impede que, uma vez assegurados os direitos de defesa do arguido, os mesmos órgãos reproduzam as diligências efectuadas e as conversas tidas, nos referidos âmbitos, em audiência de discussão e julgamento. II - Neste contexto, nem o depoimento é indirecto - os órgãos de polícia criminal apenas relatam em tribunal o que os seus sentidos percepcionam -, nem está abrangido pela proibição de prova do art. 356.º, n.º 7. III - Tão pouco esse depoimento frustra o direito ao silêncio do arguido.], do Porto de 17.6.2015 [I - Não é proibida a valoração do depoimento prestado pelos órgãos de polícia criminal no que se refere a declarações que colheram de um cidadão que ainda não é arguido (nem suspeito) e o vem a ser depois dessas declarações, através das quais obtiveram notícia da sua participação na prática de um crime. II – A lei ao proibir a inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações que tiverem recebido e cuja leitura não for permitida, cinge-se às declarações prestadas no âmbito do processo ou que o deveriam ter sido (“conversas informais”). III - Tal não ocorre se os agentes policiais, no âmbito de uma actividade de prevenção, se limitaram a recolher informação, que lhes foi livremente prestada. IV- A proibição que decorre do artº 356º7 CPP, pressupõe a existência de um inquérito a decorrer.] e de Coimbra de 7.10.2015 [V - As vulgarmente designadas “conversas informais” de arguido a órgão de polícia criminal, ocorridas antes de o primeiro obter formalmente aquele estatuto [no caso, então o mesmo nem sequer era suspeito], se reveladas, no decurso da audiência de julgamento, pelo segundo, enquanto testemunha, não traduzem violação de qualquer norma processual, nomeadamente do disposto no artigo 356.º, n.º 7, do CPP, a menos que resulte demonstrado que o órgão de polícia criminal tivesse, no momento da revelação do arguido, agido deliberadamente para contornar os limites legalmente impostos.], todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Quanto ao segundo dos aspectos - o pendor valorativo dessa declaração – dizemos que não integram a proibição do art.º 129 do CPP os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art.º 249º do CPP. Na verdade, a autoridade policial procede a diligências investigatórias, antes de abertura formal do inquérito, em relação a infracção de que teve noticia ou que presenciou. Sobre a mesma incumbe o dever de, nos termos do art.º 249.º do CPP, praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime”. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art.º 249.º, n.º 1). Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos.
Sendo uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto, as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
Assim, se o agente policial inquirido apenas se refere às diligências a que procedeu em termos cautelares e de inquérito fazendo perante o tribunal uma súmula dos factos que entendeu estarem apurados e da sua razão de ciência, não se vislumbra a afirmação de estarmos perante um depoimento indirecto, sendo certo que a remissão feita para a pessoa que assumiu ter praticado determinado facto pode, e deve, ser entendida em relação a audição que se produziu em fase prévia ao inquérito e, posteriormente, concretizada na prova testemunhal produzida em audiência.
Temos assim de concluir que nenhuma violação do apontado princípio nemo tenetur se ipsum accusare se mostra verificada.


Erro de julgamento quanto aos factos provados 1 e 5 e não provados A a H:
A discordância do recorrente quanto à sentença condenatória mostra-se também dirigida aos factos provados 1 a 5 e não provados A a H, manifestando o recorrente que as declarações das testemunhas CC e DD não podiam ser valorados como meio de prova e concorrer para a convicção do julgador para os factos dados como provados de «1.º» a «5.º» da sentença e as declarações do Recorrente não foram formalmente e validamente produzidas e constituídas de acordo com a disciplina dos artigos 57.º a 67.º e 144.º do CPP, esbarra frontalmente com o artigos 357.º conjugado com o disposto nos artigos 355.º e 356.º n.º 7, todos do CPP, violando os desígnios da legalidade do respeito pelas garantias processuais, do princípio da imediação e do contraditório.
Já tivemos oportunidade de apreciar a questão das declarações das testemunhas Guardas da GNR em termos de considerar que as mesmas não se mostram abrangidas pela proibição do art.º 356º n.º 7 CPP, nem constituindo., por outro lado, qualquer depoimento indirecto que se mostre abrangido pela proibição de valoração estabelecida no art.º 129º CPP, já que, não só aquelas testemunhas indicaram o autor da declaração – o ainda não suspeito quando assumiu a detenção do estupefaciente encontrado na busca ao veículo – como o arguido teve, em sede de julgamento, plena oportunidade de exercício do contraditório, como de resto se depreende audição da gravação da inquirição a tais testemunhas em audiência.
Por outro lado, tal como já assinalámos existe jurisprudência em sentido contrário à invocada pelo recorrente na sua motivação acerca das conversas informais, jurisprudência aquela que acima adoptámos e para cujos considerandos remetemos o recorrente.
Decorre ainda do alegado quanto à legalidade da busca em que o recorrente defende que não só a revista seria ilegal (assim como a busca que se seguiu), como que é falso que BB estivesse em posse de liamba, para extrair daí como consequência que o facto F, considerado não provado, deveria ter sido considerado provado, assim como os factos D a H.
Pretendendo impugnar tais factos em concreto, impor-se-ia que tivesse dado integral cumprimento ao disposto no art.º 412º n.ºs 3 e 4 CPP, já que se limita a concretizar os factos impugnados, mas no tocante às provas que em concreto impõem decisão diversa da vertida na sentença, limita-se o recorrente a extrair conclusão da invocação da ilegalidade da revista e da busca, bem como da proibição de valoração das declarações do arguido prestadas às testemunhas Guardas da GNR que as reproduziram em audiência.
Um e outro destes últimos argumentos já se mostram arredados por nós pelo que a impugnação se mostra condenada ao insucesso.
Destacamos aqui o alegado na conclusão XII. “Não consta dos autos qualquer prova documental de uma suposta apreensão de produto liamba, tampouco qualquer exame à coisa, pesagem, fotografia, perícia, ou mesmo qualquer documentação que permita dizer que foi elaborado expediente de uma suposta contra-ordenação, pelo que não é possível provar que o Sr. BB tinha consigo qualquer “liamba” ou produto estupefaciente de qualquer tipo.” no sentido de ser uma alegação inconsequente, seja porque não caberia nos autos a menção a essas concretas realidades processuais porquanto, como testemunharam os Guardas da GNR em audiência, essa matéria foi objecto de processo de contraordenação autónomo e o elemento material incriminador para o agora recorrente consistiu no resultado da busca ao veículo com a descoberta de estupefaciente cuja posse o, agora, arguido assumiu. Isso é que se mostra relevante para os autos e daí encontrarmos tal referência no auto de notícia.
Depois, pragmaticamente falando, para fazer prova do que alega em sentido contrário bastaria que o recorrente tivesse oportunamente solicitado a junção aos autos de uma certidão do processo de contraordenação ou, assim não se entendendo, que permitisse que BB declarasse em julgamento que não estava na posse de liamba, que nunca disse que estava em posse de liamba, que não consentiu na revista e que também não consentiu na busca de tal forma que conseguisse convencer o Tribunal.
Nada disso sucedeu. Não só a testemunha BB não prestou declarações aproveitando, como de resto era seu direito, a prerrogativa estabelecida no art.º 134º n.º 1 al. a) CPP, como o próprio arguido exerceu o seu direito ao silencio nos termos do art.º 61º n.º 1 al. d) CPP, não prestando declarações.
Nesta perspetiva, nenhuma censura merece a decisão quanto aos factos objecto da impugnação.

Improcede, assim, o recurso na totalidade.

III.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido AA confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC.
Feito e revisto pelo 1º signatário.
Évora, 18 de Abril de 2023.
João Carrola
Maria Leonor Esteves
Gomes de Sousa