Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
833/10.0TBBJA.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: VENDA JUDICIAL
REMUNERAÇÃO
DESPESAS
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A encarregada da venda tem direito à remuneração a fixar pelo tribunal, nos termos do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado, ainda que esta não se tenha realizado por facto que não lhe é imputável.
2 – Tal não sucede nos casos em que a encarregada de venda não completa o serviço de venda, por ter cessado a sua actividade por iniciativa do agente de execução que, no âmbito dos poderes próprios que lhe são confiados na qualidade de colaborador da Justiça, entendeu que houve um incumprimento de funções, falta de diligência na obtenção de propostas e morosidade excessiva.
3 – Nas situações em que não se completa a venda por motivos imputáveis à encarregada de venda, esta tem direito a ser paga pelas despesas e custos de contexto que comprovadamente haja realizado no decurso do período em que desenvolveu a sua actividade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 833/10.0TBBJA.E1
Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local ... – J...
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Acordam na secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente execução proposta por “(…), SARL” contra AA, a pretérita encarregada de venda (“A..., SA”) veio interpor recurso da decisão que não lhe fixou honorários.
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“(…) Portugal, SA” foi habilitada como credora cessionária.
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A Exequente pediu o pagamento do capital em dívida e os juros de vencidos e vincendos, calculados à taxa de 16% acrescida da sobretaxa de mora de 4% e respectivo imposto de selo, até integral pagamento ao exequente, no montante global de € 25.037,88.
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Foi penhorado o prédio urbano, sito na Rua ..., na Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...72 da referida Freguesia, e inscrito na matriz sob o artigo ...66, estando indicado no auto o valor de € 24.163,38.
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Na decisão de venda ficou exarado que seriam aceites propostas iguais ou superiores a 70% do valor de € 61.568,17. *
Foi realizada a entrega do bem imóvel com arrombamento e mudança da fechadura.
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Procedeu-se à substituição do agente de execução que inicialmente havia sido indicado.
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Após ter falhado a venda mediante propostas em carta fechada, em 08/08/2018, a nova Agente de Execução alterou a modalidade de venda para leilão electrónico.
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Terminado o leilão eletrónico sem terem sido apresentadas propostas para aquisição do bem de valor superior ao mínimo publicitado, foi determinada a venda mediante negociação particular, nos termos do artigo 832º, alínea f), do Código de Processo Civil.
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Em 28/09/2018, a executada disse que se oponha à adjudicação do imóvel pelo valor da proposta angariada pela encarregada de venda, no valor de € 15.000,00.
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Em 20/05/2021, a encarregada de venda “A..., SA” foi destituída de funções pela Agente de Execução.
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Aquela decisão da agente de execução foi justificada com o «(…) incumprimento de funções, atendendo a falta de diligência na obtenção de propostas e morosidade.
Sendo de prévio conhecimento o valor mínimo aceitável para a realização de venda do imóvel penhorado, não é razoável, salvo melhor entendimento, considerar que a apresentação de propostas com valores que requerem a intervenção do Douto Tribunal para aceitação das mesmas, ou de valores completamente fora dos parâmetros estabelecidos, seja considerado, que as funções exercidas por V. Exa., estejam a ser cumpridas com zelo e perseverança.
Não cabe, no âmbito da venda judicial ou em qualquer outra modalidade, a inércia demonstrada».
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A Encarregada de Venda “A..., SA” apresentou nota de honorários e despesas no valor total de € 5.845,58, sendo:
a) Serviço técnico, administrativo, jurídico e de consultor – € 760,00 (em conformidade com os artigos 529.º, n.ºs 1 e 3, 532.º, n.º 2 e para efeitos do artigo 533.º, n.ºs 2, alínea b) e 3, todos do Código de Processo Civil).
b) Deslocações – € 3.232,00 (de acordo com o artigo 17.º, n.º 6, do Regulamento de Custas Processuais)[1].
c) Cópias – € 10,50 (em conformidade com o artigo 17.º/2, 3, a) e b) e 4, do Regulamento de Custas Processuais).
d) 5% sobre o valor da proposta apresentada, ou seja 5% sobre € 15.000,00, o que resulta num valor de € 750,00.
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Notificadas as partes para se pronunciarem, nada foi dito.
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A “A..., SA” prestou esclarecimentos adicionais sobre a nota de honorários apresentada.
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Na parte que interessa para a impugnação recursal, a decisão tem o seguinte conteúdo:
«Não tendo havido qualquer venda/adjudicação, inexiste fundamento legal para a remuneração das encarregadas de venda em função da sua concretização, no que respeita aos honorários correlacionados (artigo 17.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais, com idêntica redacção ao artigo 34.º, n.º 1, alínea e), a contrario, do Código das Custas Judiciais).
Por outro lado, inexiste qualquer fundamento legal para o pagamento da verba imputada a “Serviço técnico, administrativo, jurídico e de consultor” – alínea a) da nota de honorários.
Resulta dos relatórios juntos que a encarregada de venda exerceu funções durante cerca de três anos e nesse período realizou diversas diligências, o que necessariamente implicou a sua prévia promoção e divulgação.
(…)
E, no caso em apreço, a venda não se concretizou, pelo que não é devida qualquer remuneração em função de proposta apresentada (alínea d) da nota de honorários).
(…) quanto às despesas com deslocações são de excluir aquelas que constam do relatório como realizadas em 25.02.2015 e 27.05.2017, porquanto as mesmas não se revelam credíveis nem se mostram comprovadas.
As demais, tendo em consideração a identificação dos interessados e o que consta dos autos importam a remuneração das respectivas despesas, nos termos tabelares.
Assim, conclui-se que a encarregada de venda será remunerada apenas por 7 deslocações, computando-se os KM em 808/deslocação, a que se aplica o valor de € 0,40, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 6. do Regulamento das Custas Processuais e tabela IV anexa.
Por outro lado, não é igualmente devido à encarregada de venda, a título de reembolso de despesas com cópias, o montante de € 10,50, porquanto as mesmas não encontram previsão legal, sendo que a alínea b) do artigo 17.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais alude a pareceres e relatórios de peritagens.
Atento o exposto:
- autorizo o pagamento das despesas de deslocação no valor total de € 2.262,40 (dois mil e duzentos e sessenta e dois euros e quarenta cêntimos);
- indefiro o pagamento das demais quantias descritas na nota de honorários e despesas.
Notifique».
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas na relação de proporcionalidade com o corpo do recurso apresentado e com repetições sucessivas do mesmo argumentário[2] [3] [4] [5] [6]:
«I – O despacho recorrido viola as obrigações contratuais advenientes do contrato celebrado entre os intervenientes processuais/autos e a Encarregada de Venda e as regras afectas à responsabilidade civil contratual. Aliás do próprio artigo 833.º do CPC decorre que “Ao determinar-se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efectuar”.
II – O despacho recorrido viola o previsto no artigo 833.º do CPC e 17.º/6, do RCJ.
III – A Encarregada de Venda foi devidamente contratada para o exercício das suas funções nos moldes contratualmente previstos e legalmente sustentados.
IV – Foi a … aqui recorrente notificada da sua nomeação enquanto Encarregada de Venda Judicial, para efeitos de promoção de diligência de venda de bem imóvel em acção com o valor de € 25.037,88.
V – Conforme jurisprudência diversa, de que se aduz apenas em exemplo o Acórdão do TRL de 03-12-2009 – “Na venda por negociação, sub-espécie da venda extrajudicial, o encarregado da venda é equiparado ao “mandatário” – artigo 905.º do CPC; A sua actuação pautar-se-á pelas regras do contrato de mandato civil, assim se justificando a sujeição da actuação do encarregado da venda às regras do mandato; No caso particular das vendas em processo executivo, o encarregado da venda actua mandatado pelo tribunal“.
V – Posto isto, o contrato de mandato desde logo nos termos da Lei presume-se oneroso e competindo só ao mandatado. A actividade da Encarregada de Venda é uma actividade de meios e não de resultados, e só assim pode ser compreendida sob pena desta inúmeras vezes se descapitalizar e despender recursos, vendo o objecto do seu trabalho invariavelmente postergado por acordo entre as partes ou até por remição, ou mesmo adjudicação dos próprios credores. Ou seja, quer os autos, o Tribunal, Agente de Execução, credores, etc. … beneficiavam e enriqueciam sem causa no que concerne ao trabalho alocado e recursos desenvolvidos pela Encarregada de Venda.
VI – Pelo que não só é exigível o ressarcimento de despesas havidas em nome e por conta do processo, como lhe são devidos honorários nos termos legais, os quais independentes de qualquer efectiva venda,
VII – A este propósito e a título de exemplo do quanto vem sendo entendimento generalizado da jurisprudência enuncia-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-03-2019 in DGSI, quando expressa em resposta especifica à questão única a decidir que “consiste em saber se o encarregado da venda tem direito a receber a remuneração devida pela atividade que desenvolveu, apesar de não ter procedida à venda do bem penhorado”.
“A resposta à questão colocada prende-se com a interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 17.º do regulamento das Custas Processuais. O recorrente entende que estando prevista proposta de venda, o recebimento de 5% do valor da venda não é devido à encarregada da venda quando esta não procede a qualquer venda, sob pena de violação do n.º 1 do artigo 17.º do Regulamento das Custas. Em sentido oposto entendeu a decisão recorrida, considerando-se que “apesar de não ter sido concretizada a venda, a encarregada da venda tem direito a receber a remuneração devida pelo labor desenvolvido tendo em vista a venda, não podendo ignorar-se que a mesma deslocou-se ao local, elaborou uma brochura que divulgou na sua plataforma eletrónica e enviou a mesma para a sua carteira de clientes, realizando outras diligências e obtendo um total de 16 propostas”. Ora, é evidente que não podemos deixar de acompanhar a interpretação seguida pelo tribunal a quo. Com efeito, sob a epígrafe “Remunerações fixas”, reza, na parte que aqui importa, os n.ºs 1 e 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais: 1 – As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento. 6 – Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
Assim, resulta expressamente deste preceito legal que a entidade encarregada da venda (excluindo o agente de execução, pese embora este possa, ao abrigo do n.º 2 do artigo 833.º do CPC, ser encarregado da venda por negociação particular) recebe a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na Tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal – n.º 6 do artigo 17.º do RCP.
Donde, resulta do seu n.º 6 o critério a observar na quantificação dessa remuneração.
Na verdade, enquanto o seu n.º 1 estabelece a regra geral de que o encarregado da venda (entre outros), que colabore em diligências processuais, tem direito à remuneração prevista no Regulamento das Custas processuais, o seu n.º6 fixa os critérios que deve presidir à fixação em concreto dessa remuneração, em particular quando a taxa seja variável, como no caso concreto, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior. Salvador da Costa, in “Regulamento das Custas Processuais anotado”, 2013, 5.ª ed., Almedina, pág. 286, socorrendo-se de Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, refere a este propósito que «intervêm acidentalmente nos processos, além das testemunhas a que se reporta a alínea e) do n.º 1 deste artigo, os peritos, os tradutores, os intérpretes, os depositários, os encarregados de vendas, os técnicos e outros”.
Esta retribuição integra o conceito legal de encargos do processo, como decorre da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do R. C. Processuais, e entra na conta de custas da parte, são imputados na conta de custas da parte ou partes responsáveis por custas, na proporção da condenação – seu artigo 24.º.
Entender-se de outro modo, como defende o recorrente, a encarregada da venda, apesar das diligências efetuadas e encargos suportadas com vista à realização da venda não teria qualquer direito a remuneração sempre que a venda não chegasse a efetivar-se, o que seria totalmente inadmissível, violando-se, desde logo, o princípio geral previsto n.º 1 do citado artigo 17.º, ao prever a remuneração para quem coadjuve em qualquer diligência, independentemente do seu resultado, entenda-se. Sumariando, nos termos do artigo 663.º/7, do Código de Processo Civil.
A sociedade nomeada, na execução, encarregada da venda, tem direito à remuneração a fixar pelo tribunal, até 5% do valor do processo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado”.
VIII – Face à actividade incumbida, desenvolvida e prestada, no decurso de mandato directo e exclusivo para o acto, por conta e em nome de intervenientes, de acordo com a designação havida, deverá a … ser devidamente ressarcida, em Justiça e respeito pelas funções que com profissionalismo e dignidade exerceu, nos exactos termos em que o veio requerer, nos termos do contrato de mandato e da Lei e usos.
IX – De facto, como conhecido de todos proveu actividade conforme expresso nas informações prestadas aos autos pelo AE (mais ou menos detalhadas e totalmente alheias a esta), sendo que para além de diversos contactos directos com potenciais interessados e parceiros (presenciais e telefónicos), dirigiu-se com os seus respectivos meios ao imóvel inúmeras vezes, levando a cabo os actos procedimentais atinentes e comunicados, para consultoria, avaliação e estudo de mercado, atido ainda enquanto parecer para efeitos do artigo 17.º/3, do RCP, tendo em vista a potenciação do imóvel no mercado e a venda.
X – Identificando o bem sem fácil colaboração e operando a sua especificação e registo fotográfico, de modo a prover ao Sr. AE e por via deste aos autos meios que serviriam aliás para eventuais diligências, propostas e ponderações processuais futuras de todas as partes (como o foi nas diversas propostas obtidas).
XI – Sendo amiúde verificável que as deslocações e promoção e publicidade, implicam tempo de consultor/promotor, e despesas com viatura própria, de ida e respectiva volta, que contendem assim com encargos com viatura (categoria 2), gasóleo, portagens e recursos humanos, para além dos respectivos honorários a prover de acordo com período temporal e carga horária adstrita quanto ao desenvolvimento e acompanhamento processual e administrativo.
XII – No demais dirá que a natureza da actividade e as regras da experiência permitem aferir que a mesma não poderá ser desenvolvida sem uso de meios humanos, papel e caneta, impressões e cópias, comunicações telefónicas e ou outras, e recurso a meios informáticos e internet, e as consequentes despesas que tal contende sem prejuízo da difícil comprovação nominada, mas por serem levadas a cabo a favor e por conta do processo e parte deverão ser consideradas nos termos gerais.
XIII – Ora, a Encarregada de Venda não só procedeu a inúmeras diligências de índole de assessoria processual, como almejou moldes expostos para o resultado de uma perspectivada venda, auxiliando à percepção de condições às partes.
XIV – Pelo que é inusitado e leviano dizer que a sua actividade não haja auxiliado e conduzido à ponderação e tratamento processual havido.
XV – E apenas aquando conhecimento de sua destituição enquanto …, foi requerido ressarcimento, com 5% do valor da proposta superior almejada (o que nada condiciona ou compromete o sucesso e o trabalho desenvolvido pela Encarregada de Venda).
XVI – Pelo que não só é exigível o ressarcimento de despesas havidas em nome e por conta do processo, como lhe são devidos honorários nos termos legais, os quais independentes de qualquer efectiva venda – vide o dispositivo legal que é claro.
XVII – O artigo 17.º/6, do RCP diz expressamente que “(…) as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal”.
XVIII – Isto é, resulta a sapiência que, díspar àquela fixação, a título remuneratório deverá ser fixada pelo tribunal quantia “até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior”.
XIX – Resulta ainda do dito critério legal que tal não depende de efectiva venda, sendo fixado precisamente valor remuneratório independentemente daquela, com respeito ao limite percentual, tendo como base ou o valor da causa ou dos bens administrados, se este for inferior. Sendo que no caso concreto as partes fixaram contratualmente e aquando da adjudicação do mandato o ressarcimento pré-determinado a 5% acrescido de IVA.
XX – Não é nem seria lógico que a Encarregada de Venda exercesse actividade profissional gratuitamente, adiantando inclusivamente despesas para exercer tal actividade de forma indefinida no tempo, despesas estas que, quiçá, poderia nem sequer ver devidamente tidas como verificadas e aceites nos autos…!
XXI – E assim se compreende porque a Encarregada de Venda Judicial tem uma natureza em similitude legal a liquidatário/administrador, e não é equiparável a uma qualquer agência imobiliária/mediador só pago com a venda, na medida em que não é, de todo, a sua actuação processual circunscrita às tarefas por aquelas desenvolvidas, competindo-lhe para além da promoção no mercado, uma vasta panóplia de procedimentos processuais e perante as partes, em respeito da Lei, ao que ademais é desde logo exemplo as exigências adstritas ao respectivo alvará de actividade.
XXII – Dirá ainda como é de conhecimento de experiência comum, que nenhuma empresa do ramo de mediação de venda actual, com algum sustento no mercado, fixa comissão abaixo de 5% + IVA em regime de exclusividade, sendo que, nem comummente, uma qualquer outra cobra abaixo de 3% + IVA, reiterando que as exigências atinentes à actividade de Encarregada de Venda (desde logo a nível de normas legais, requisitos e seguro adstrito), e a sua actuação e natureza de funções vão muito além das singelamente tipificadas àquelas (confusão comummente feita), tendo ainda em conta a reputação e respeito granjeado pela aqui Encarregada de Venda.
XXIII – A nota de honorários apresentada foi-o nos termos do Regulamento de Custas Processuais e para efeitos do seu artigo 17.º/3 e 6, não olvidando, para o quanto a fixar naqueles moldes, as condições contratualmente pré-estabelecidas entre as partes, designadamente então credores e AE, ao abrigo da sua liberdade negocial, no que concerne à respectiva nomeação enquanto EVJ (condições documentalmente apresentadas), isto é, a fixação de 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados.
XXIV – Foi a … que forneceu toda a informação carreada quanto ao respectivo imóvel, designadamente as fotografias do imóvel penhorado, levantamento fotográfico e descritivo do interior do imóvel penhorado. Não obstante todos os esforços encetados por esta Encarregada de Venda Judicial, nomeadamente, com a promoção e divulgação do imóvel penhorado nos presentes autos, em face do estado de conservação do mesmo e sua pouca aprazibilidade, localização e pouca atractividade, e bem assim do valor determinado (e a si comunicado, sob o qual teve de laborar) ser desfasado, foi extremamente difícil à … obter interessados e propostas. Foi assim a … a própria a sugerir aos autos a promoção de pertinente realização de uma avaliação junto do imóvel penhorado, com o intuito de apurar o seu real valor. Em face de dificuldade na venda a própria AE por si própria e partes, vieram a confirmar das dificuldades supra.
Ora, foi a … (e não a AE) que com dificuldade e sem colaboração obteve a localização, informações, dados e levantamento fotográfico e geográfico sobre o imóvel. Dados que forneceu à AE e de que esta dispôs para aquela actividade e para sua actividade futura. Foi a … que lhe viabilizou a colocação do imóvel na plataforma e-leilões ou potenciação em canais de venda. Foi a … que avalizou de condições de mercado e estado do imóvel, e em idos sugeriu a avaliação do mesmo no sentido de adequação de preço. O que não foi ainda sob sua égide feito por motivos alheios à …. Pese embora prestação de informação de diligências e tentativas de contacto e de obtenção de feedback, sem o mesmo obter, foi por terceiros que a … tomou consciência do quanto gizado por AE e partes, Nunca tendo sido notificada, pela Agente de Execução BB, da cessação de funções enquanto Encarregada de Venda, senão já mais de um ano após os seus actos concorrenciais de venda.
XXV – Não podendo ser olvidada assim, as condições contratualmente pré-estabelecidas entre as partes, sem objecção, ao abrigo da sua liberdade negocial, no que concerne à respectiva nomeação enquanto ….
XXVI – E neste caso atenta a nota das respectivas condições, e entendimento havido entre partes, o valor apresentado a cobrança, de acordo com o critério pré-definido, de mote a que não ocorresse o que afinal ora vem ocorrer… consolida o desiderato de uma prévia negociação e contratação, ao abrigo da liberdade contratual, cujos contornos, aqui incluindo o ressarcimento, moldes e percentagens, foram entre as partes pré-estabelecidos e definidos.
XXVII – Ora, o valor da causa é definido pelo somatório do crédito exequendo inicial com os demais créditos reconhecidos e a serem pagos no respectivo processo pelo produto dos bens penhorados e em venda, sendo que os bens administrados para venda o foram em face de quantia exequenda fixada pelo próprio Tribunal.
XXVIII – Acresce que a …, como decorre dos autos, logrou a apresentação de dados uteis afectos a aquisição de bens imóveis, administrando a sua promoção no mercado em prol do respectivo processo e todos os credores. Como resultado destas diligências, esta … submeteu, junto aos autos do processo, diversas informações, conforme relatório.
XXIX – Atendendo a tal, o resultado conseguido por esta Entidade seguramente impeliu e permitiu a prossecução dos autos que acabou por confluir, sem prejuízo de contribuir igualmente para o potencial ressarcimento de demais credores e redução do passivo do executado.
XXX – É inusitado e leviano dizer que por não ter procedido a venda efectiva (note-se que não por resultado de actividade, mas por contingências das partes e processuais) a sua actividade não haja auxiliado e conduzido à ponderação e resultado havido, e desonesto intelectualmente não considerar a sua remuneração para efeitos do artigo 17.º/6, do RCP.
XXXI – E apenas foi requerido o ressarcimento com base nos contratados e legalmente previstos 5% do valor da melhor proposta obtida (o que nada condiciona ou compromete o sucesso e o trabalho desenvolvido pela Encarregada de Venda, sendo a percentagem a contratualmente estabelecida ab initio entre as partes em questão, e nessa medida sob a sua liberdade, em respeito ao próprio artigo 17.º do RCP).
XXXII – Requer assim em acrescento material a exigível apreciação e fixação de remuneração fixa nos termos e para efeitos do artigo 17.º/6, do RCJ, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo e ora em rectificação, assim como das demais despesas apresentadas, tudo o quanto a ser imputado à credora e sendo caso adiantado pelos respectivos cofres do Tribunal/IGFPJ.
XXXIII – Foi a Encarregada de Venda que foi contactada para o exercício da sua actividade, não foi esta que coagiu a sua contratação! Foram as partes que aceitaram as condições para o exercício da actividade da … de acordo com a respectiva liberdade contratual, não foi esta que coagiu a tanto!
XXXIV – Não é colocado em causa o conhecimento das condições da Encarregada de Venda nem quanto à legalidade da sua nomeação, actividade e intervenção, e não é despiciente a aceitação às mesmas pela credora inicial (de cuja posição a executada tomou posição), pois que se assim não fosse a … não aceitaria a sua designação.
XXXV – E não pode, com o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a Quo, substituir-se à liberdade contratual de definição das partes, se, as mesmas se vincularam nos limites definidos e balizados e em respeito do critério geral estabelecido no artigo 17.º/2, 3, 4 e 6, do RCP, com que o mesmo afinal se determina.
XXXVI – Não se limita a actuação da … no que concerne tout court à venda de bens (aliás, nem maioritariamente a tal, do que é exemplo a resolução directa e in loco de toda a panóplia de problemas e impedimentos providos as quantas das vezes pelos executados e pessoas a si ligadas, do quanto AE e exequente se libertam), encontrando-se o Encarregado de Venda investido de poderes de mandato compete-lhe em exclusivo a responsabilidade de gestão do processo de venda, independentemente de um potencial adquirente advir directamente de si, de terceiro ou de adjudicação (ou como no caso negociação directa entre executado e exequente).
XXXVII – Ocorrendo adjudicação ou resolução da pendência entre exequente e executados ou através de terceiro, certo é que a mesma o foi sobre égide, tratamento processual da Encarregada de Venda, considerando-se aliás, se não foi precisamente pelo resultado de potenciação no mercado promovido pela Encarregada de Venda que tal tenha sido almejado. Tendo-o sido seguramente porque a existência da Encarregada de Venda e pressão adveniente junto da executada para visita ao imóvel (amiúde não colaborante), conseguiu na realidade prática e vivencial que fossem almejadas as condições adequadas a tanto.
XXXVIII – Pelo que face à actividade incumbida, desenvolvida e prestada, no decurso de mandato directo e exclusivo para o acto, com resultado final de acordo com os fins visados pelos intervenientes, deverá a Encarregada de Venda ser devidamente ressarcida, em Justiça e respeitos pelas funções que com profissionalismo e dignidade exerceu, nos exactos termos em que o veio requerer, nos termos do contrato estabelecido de mandato e da Lei, designadamente do RCP.
XXXIX – As condições invocadas na sua nota de honorários e despesas inicial são assim as iniciais cabalmente conhecidas de todos aqueles, por similitude a demais Encarregados de Venda, e ademais de próprios Agente de Execução, e inclusivamente dos usos gerais.
XL – Pelo que não só é exigível o ressarcimento de despesas havidas em nome e por conta do processo, como lhe são devidos honorários nos termos legais, os quais independentes de qualquer efectiva venda.
XLI – Recorda-se que o artigo 17.º/6, do RCP diz expressamente que “(…) as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal”.
XLII – Resulta assim do dito critério legal que tal não depende de efectiva venda, sendo fixado precisamente valor remuneratório independentemente daquela, com respeito ao limite percentual, tendo como base ou o valor da causa ou dos bens administrados, ou melhor proposta obtida, se este for inferior.
XLIII – Sendo em caso a contender 5% do valor, a que acresce IVA em vigor.
XLIV – Espera mui respeitosamente, em respeito e dignificação da actividade profissional da Encarregada de Venda – e exigível moralização, na medida em que em diversos autos é desejado perpassar a execução de actos tendencialmente desagradáveis (como seja lidar com imóveis sujos ou com escassas condições de salubridade, devedores, a remoção de pessoas e bens, e/ou zonas inseguras) e respectivos custos a terceiros, tentando posteriormente não os suportar – o deferimento equitativo quanto a nota de despesas e honorários, sem reparo.
XLVI – É alheia a EVJ ao quanto haja sido negociado entre exequente e executada, no que respeita a inusitada cedência de crédito e confusão de posição processual, todavia não pode no entanto, em face das suas vicissitudes ser prejudicada no que é fruto do seu labor, contratação e mandato, e prestou em cumprimento cabal e frutífero do para o quanto foi designada.
XLVII – Atente-se o recente Acórdão do TRC, Processo: 1551/10.4TBCBR-C.C1, de 28-03-2023.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas., deverá ser dado provimento ao recurso e revogada/rectificada a decisão recorrida, e, em consequência, a final, ser determinado o pagamento à Encarregada de Venda nos termos contratuais e legais, conforme requerido.
Assim se fazendo a sã, material e desejada Justiça».
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Não foi apresentada resposta ao recurso. *
Após a interposição do recurso, foi apresentada à agente de execução uma proposta para aquisição do imóvel supra identificado no valor de 21.500,00 €, a qual foi aceite. Após pagamento foi designada data para a realização da compra e venda através de outorga do documento particular autenticado.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da possibilidade de pagamento de remuneração por venda não realizada e satisfação de outras despesas acessórias.
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III – Da factualidade com interesse com interesse para a justa resolução do recurso:
A factualidade com interesse para a justa decisão da causa consta do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
A matéria da remuneração dos encarregados de venda encontra-se estatuída no artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais[7]. Dispõe o n.º 1 do referido preceito que «as entidades que intervenham nos processos ou coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento».
Acrescenta o n.º 2 do referido dispositivo que «a remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efetuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela IV que faz parte integrante desde Regulamento».
Na articulação entre o número 6.º do citado artigo com a tabela IV anexa ao Regulamento das Custas Processuais resulta que a remuneração dos liquidatários, administradores e entidades encarregada da venda extrajudicial deverá ser fixada até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
No que respeita aos honorários, o Tribunal a quo sufragou o entendimento que «não tendo havido qualquer venda/adjudicação, inexiste fundamento legal para a remuneração das encarregadas de venda em função da sua concretização».
Em contraposição, o recorrente entende que o despacho recorrido viola as obrigações contratuais advenientes do contrato celebrado entre os intervenientes processuais/autos e a Encarregada de Venda e as regras afectas à responsabilidade civil contratual, nos termos concertados nos artigos 833.º[8] do Código de Processo Civil e do 17.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais.
Temos aqui um esboço da distinção conceptual entre as figuras da obrigação de meios e da obrigação de resultado. Consensualmente, a obrigação de meios existe quando o devedor apenas se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente, certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza; a obrigação de resultado ocorre quando o devedor, ao contrair a obrigação, se compromete a garantir a produção de certo resultado em benefício do credor ou de terceiro (o cumprimento envolve já a produção do efeito a que tende a prestação, havendo coincidência entre a realização da prestação debitória e a plena satisfação do interesse do credor), resultando o devedor adstrito à efectiva obtenção do fim pretendido pelo credor[9] [10] [11] [12].
Nas vendas judiciais, o encarregado de venda e a administração da justiça estabelecem um contrato processual, atípico, bilateral, que se inclui na categoria genérica dos contratos de prestação de serviços, subordinado às regras supletivas do contrato de mandato, com uma finalidade específica e tem regulamentação legal típica depositada no Código de Processo Civil e noutros instrumentos legais que regulam a retribuição do serviço prestado.
Todavia, não estamos aqui perante uma relação contratual de mandato típico em que a empresa encarregada de venda apenas se obriga simplesmente a praticar ou desenvolver determinada actuação, comportamento ou diligência com vista à produção do resultado pretendido pelo credor.
Na verdade, tal como resulta do enunciado normativo, em ordem a permitir o recebimento da remuneração definida por lei, em regra, neste tipo contratual existe uma obrigação de resultado mitigado, que se traduz na concretização de uma venda (ou de acto de conteúdo análogo), a qual está subordinada a um conjunto de regras e procedimentos precipitados na sobredita legislação.
Apenas se este resultado negativo não for imputável à encarregada de venda, é que poderá, excepcionalmente, ser fixada uma remuneração. A verificar-se este cenário, já se decidiu com toda a razoabilidade que a encarregada da venda tem direito à remuneração a fixar pelo Tribunal, nos termos do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado, ainda que esta não se tenha realizado por facto que não lhe é imputável[13].
Porém, não é isto que se passou na situação judicanda. A empresa encarregada de venda vinculou-se a realizar determinada venda por um preço mínimo, mas não o logrou obter. E, além disso, a relação contratual cessou por iniciativa do agente de execução que, no âmbito dos poderes próprios que lhe são confiados na qualidade de colaborador da Justiça, entendeu que houve um «incumprimento de funções», «falta de diligência na obtenção de propostas» e «morosidade» e mais afirmou que a proposta obtida se situava «fora dos parâmetros estabelecidos».
O agente de execução emitiu um juízo de ponderação negativo sobre a actividade realizada e no empenho patenteado na função que lhe foi cometida. E, ao não ser desmontada esta tese, tanto substancialmente como factualmente, por não ter sido obtido o resultado expectável, a sociedade encarregada de venda não tem direito a uma remuneração calculada sobre uma determinada proposta que não foi aceite e que se mostrava aquém dos valores mínimos exigíveis.
Aliás, o decurso do processo certifica que existia uma possibilidade real de obtenção de um valor de venda superior àquele que foi apresentado pela recorrente. E é completamente desfocado afirmar que o Meritíssimo Juiz a quo se substituiu à liberdade contratual definida pelas partes, como igualmente se encontra indemonstrado que a venda realizada foi potenciada pelas diligências promovidas pela encarregada de venda recorrente.
Em determinada medida, o recurso interposto assenta em inúmeras petições de princípio que não se encontram validadas nos autos e assenta numa interpretação truncada da norma aplicável, quando pretende validar a proposição que são devidos honorários independentemente de qualquer efectiva venda.
Apesar de não ter sido concluída a venda, também não se mostra justo e equitativo que seja repercutido no património da empresa encarregue da venda um determinado empobrecimento que surge associado a um conjunto de diligências e de iniciativas que não seriam desenvolvidas se não tivessem sido contratualizados os serviços de venda requisitados pelo Tribunal.
Qualquer norma legal tem de estar associada a um juízo de bom senso social. E parece-nos evidente que os custos de contexto não se podem ser suportados pela esfera patrimonial da encarregada de venda, até pela via do respeito pelo princípio da igualdade e das regras inscritas na Constituição Económica no que respeita à retribuição do trabalho e de todas as prestações indirectas relacionadas com esse exercício laboral e, bem assim, numa economia de mercado, na defesa do direito à iniciativa privada.
E a aliança entre o princípio da igualdade e da intenção de justiça presente na Constituição Económica a propósito dos direitos dos trabalhadores e das empresas, sopesadas com as regras da boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sempre à luz do parâmetro do bonus pater familiae e do cidadão diligente, impõe que se firme jurisprudência no sentido que nas situações em que não se completa a venda por motivos imputáveis à encarregada de venda, esta tem direito a ser paga pelas despesas e custos de contexto que comprovadamente haja realizado no decurso do período em que desenvolveu a sua actividade e por causa desta.
A encarregada de venda reclama uma quantia € 770,50 (setecentos e setenta euros e cinquenta cêntimos), em conformidade com os artigos 529.º, n.ºs 1 e 3[14], 532.º, n.º 2[15] e para efeitos do artigo 533.º, n.ºs 2, alínea b) e 3[16], todos do Código de Processo Civil), a título de serviços técnicos, administrativos, jurídicos e de consultadoria e de despesas realizadas com fotocópias.
Na realidade, estas despesas não seriam devidas se se concretizasse a venda com a intermediação da recorrente, pois a remuneração de 5% que fosse atribuída pela venda englobaria potencialmente este tipo de custos administrativos e afins.
Assim não sendo, como já se referiu, é imerecido que algumas das despesas e custos sejam desconsiderados. Com efeito, a encarregada de venda fez um levantamento fotográfico e descritivo do interior do imóvel penhorado e é reconhecido na decisão recorrida que «durante cerca de três anos e nesse período realizou diversas diligências, o que necessariamente implicou a sua prévia promoção e divulgação». E é indiscutivelmente que, pelo menos, nas deslocações e visitas realizadas, mobilizou meios humanos e logísticos.
Contudo, a recorrente não junta qualquer comprovativo de despesas realizadas relativamente aos convocados serviços técnicos, administrativos, jurídicos e de consultadoria. E ainda que os mesmos tenham sido realizados directamente pela estrutura empresarial da recorrente, esta não faz a reconstituição das actividades desenvolvidas, não elenca as horas despendidas nem refere os preços de mercado praticados. Em direito não basta afirmar que se teve um dano ou se realizou um conjunto de despesas, antes é imperioso comprová-lo. E isso não foi feito.
Neste desenlace surgiriam duas hipóteses. A primeira que se traduz na asserção que na falta de prova deveria improceder a pretensão. A outra possibilidade potenciada pela descrição atrás efectuada é a que permite que, na falta de elementos caracterizadores e quantificadores, o julgador se poderá socorrer de um cálculo equitativo, de acordo com critérios de normalidade social e de racionalidade económica para fixar um preço pelos serviços prestados.
O juízo de equidade a que lei faz menção determina que o julgador tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida»[17].
A equidade na visão de Menezes Cordeiro visa ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas[18]. E está limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal[19].
Neste campo, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas motrizes de actuação da equidade e assim entende-se que é justa a atribuição da quantia de € 600,00 (seiscentos euros) pelo conjunto de despesas associadas e de compensação pelo desenvolvimento da actividade inerente à actividade de prospecção, preparação e exibição do bem a negociar, incluindo o pagamento das fotocópias.
Relativamente às duas deslocações não consideradas pela Primeira Instância não foi carreado para os autos qualquer elemento que credibilizasse e fundamentasse o correspectivo pagamento e o demais alegado não tem a virtualidade de permitir a modificação adicional da sentença recorrida.
Nestes termos, concede-se parcialmente provimento ao recurso, ordenando-se o pagamento da quantia € 600,00 (seiscentos euros), alterando-se nessa medida o previamente decidido.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto, autorizando-se o pagamento adicional de despesas e de custos técnicos, administrativos, jurídicos e de consultadoria no valor de € 600,00 (seiscentos euros).
Custas do presente recurso a cargo do apelante, na proporção do respectivo decaimento, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 15/06/2023

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Maria Rosa Barroso

Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite



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[1] No relatório da encarregada de venda e na sentença recorrida são referidas deslocações em 25/02/2015 (não acedeu ao seu interior), em 27/05/2017 (visita com interessado, que não identifica e que não apresentou qualquer proposta), em 24/09/2015 (visita foi feita com sucesso mas não resultou em intenção de compra), 05/06/2016 (foi concretizada a entrega do bem imóvel com arrombamento e mudança da fechadura e as chaves foram entregues ao representante da encarregada de venda), 16/03/2017 (com interessado, que ficou em ponderar na apresentação de proposta de aquisição), 14/07/ 2017 (com potencial interessada), 08/02/2018 (realização de avaliação do bem penhorado), 20/06/2018 (acompanhamento do Sr. CC numa visita ao bem) e 08/09/2018 (visita com uma interessada).
[2] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[3] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[4] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[5] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[6] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[7] Artigo 17.º (Remunerações fixas)
1 - As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.
2 - A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3 - Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:
a) Remuneração em função do serviço ou deslocação;
b) Remuneração em função do número de páginas ou fracção de um parecer ou relatório de peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.
4 - A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela iv, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
5 - Salvo disposição especial, a quantia devida às testemunhas em qualquer processo é fixada nos termos da tabela iv e o seu pagamento depende de requerimento apresentado pela testemunha.
6 - Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
7 - Nas perícias médicas, os médicos e respectivos auxiliares são remunerados por cada exame nos termos fixados em diploma próprio.
8 - Nas acções emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional incumbe à pessoa legalmente responsável pelo acidente ou pela doença, ainda que isenta de custas, o pagamento da remuneração aos peritos e da despesa realizada com autópsias ou outras diligências necessárias ao diagnóstico clínico do efeito do sinistro ou da doença.
[8] Artigo 833.º (Realização da venda por negociação particular):
1 - Ao determinar-se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efetuar.
2 - Da realização da venda pode ser encarregado o agente de execução, por acordo de todos os credores e sem oposição do executado, ou, na falta de acordo ou havendo oposição, por determinação do juiz.
3 - Não se verificando os pressupostos do número anterior, para a venda de imóveis é preferencialmente designado mediador oficial.
4 - O preço é depositado diretamente pelo comprador numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça, da secretaria, antes de lavrado o instrumento da venda.
5 - Estando pendente recurso da sentença que se executa ou oposição do executado à execução ou à penhora, faz-se disso menção no ato de venda.
6 - A venda de imóvel em que tenha sido, ou esteja sendo, feita construção urbana, ou de fração dele, pode efetuar-se no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção, cuja falta de apresentação a entidade com competência para a formalização do ato faz consignar no documento, constituindo ónus do adquirente a respetiva legalização.
[9] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, pág. 733.
[10] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5.ª edição, Coimbra, pág. 72.
[11] Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, vol. I, Lisboa, 1980, pág. 358.
[12] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de24/10/2019, consultável em www.dgsi.pt.
[13] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/03/2019, disponibilizado em www.dgsi.pt.
[14] Artigo 529.º (Custas processuais):
1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
2 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
3 - São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa.
4 - As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
[15] Artigo 532.º (Encargos):
1 - Salvo o disposto na lei que regula o acesso ao direito, cada parte paga os encargos a que tenha dado origem e que se forem produzindo no processo.
2 - Os encargos são da responsabilidade da parte que requereu a diligência ou, quando tenha sido realizada oficiosamente, da parte que aproveita da mesma.
3 - Quando todas as partes tenham o mesmo interesse na diligência ou realização da despesa, tirem igual proveito da diligência ou despesa ou não se consiga determinar quem é a parte interessada, são os encargos repartidos de modo igual entre as partes.
4 - São exclusivamente suportados pela parte requerente, independentemente do vencimento ou da condenação em custas, os encargos com a realização de diligências manifestamente desnecessárias e de caráter dilatório.
5 - A aplicação da norma referida no número anterior depende sempre de determinação do juiz.
[16] Artigo 533.º (Custas de parte):
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.
2 - Compreendem-se nas custas de parte, designadamente, as seguintes despesas:
a) As taxas de justiça pagas;
b) Os encargos efetivamente suportados pela parte;
c) As remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas;
d) Os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas.
3 - As quantias referidas no número anterior são objeto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes.
4 - O autor que, podendo recorrer a estruturas de resolução alternativa de litígios, opte pelo recurso ao processo judicial, suporta as suas custas de parte independentemente do resultado da ação, salvo quando a parte contrária tenha inviabilizado a utilização desse meio de resolução alternativa do litígio.
5 - As estruturas de resolução alternativa de litígios referidos no número anterior constam de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
[17] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 605, nota 4.
[18] Menezes Cordeiro, “O Direito”, n.º 122º, pág. 272.
[19] Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 107-110.