Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS BERGUETE COELHO | ||
Descritores: | CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL E EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 01/17/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Assentando a convicção firmada no tribunal recorrido no dinâmico confronto das provas, revelando-se a solução tomada como plenamente plausível à luz das regras da experiência, (pese embora se detectem algumas reservas para conferir inteira credibilidade aos testemunhos recolhidos quando aferidos pela sua totalidade mas, ainda assim, sobre aspectos de pormenor sem a devida importância), não se impõe uma diferente valoração pelo tribunal de recurso quanto aos factos que o tribunal “ a quo” julgou não provados, na medida em que diversa prova foi feita em contrário, sem que se notem, nesta, discrepâncias de relevo, e em que, por isso, a necessária certeza, para além de toda a dúvida razoável, fica por atingir. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO Nos autos de processo abreviado com o número em epígrafe, do Juízo de Instância Criminal de Santiago do Cacém da Comarca do Alentejo Litoral, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido CG, imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, do Código Penal (CP), e de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 03.10. O arguido não apresentou contestação. Realizado o julgamento e por sentença proferida em 08.07.2011, decidiu-se julgar improcedente a acusação, por não provada e, em consequência, absolver o arguido da prática dos referidos crimes. Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as conclusões: « 1ª – No âmbito dos presentes autos, o arguido/recorrido CG foi absolvido, entre outros, da prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro. 2ª – Tal absolvição resulta de, no decurso da audiência de discussão e julgamento, ter sido dado como não provado que: “1. No dia 1 de Abril de 2011, pelas 03h26, o arguido conduzisse o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula -JJ-, no IP8, sentido Sines – Santiago do Cacém, junto à Quinta da Ortiga, área desta Comarca, com uma taxa de álcool no sangue de 3,10 g/l.” (sublinhado nosso). “5. O arguido tenha agido de forma deliberada, livre e consciente, conduzindo como quis um veículo automóvel, na via pública, sem para tal estar legalmente habilitado”, e que “6. O arguido bem soubesse que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”. 3ª – Ora, tais factos, susceptíveis de integrarem o aludido tipo legal, deveriam ter sido considerados provados, com algumas modificações, como seja a hora a que o recorrido conduzia e a que ocorreu o sinistro, e bem assim, a descrição do veículo que o mesmo conduzia – tratava-se de um veículo ligeiro de passageiros –, acarretando a condenação do recorrido pelo crime em apreço. 4ª – Na verdade, foi produzida prova que, segundo o nosso entendimento, impunha uma decisão diversa da decisão recorrida. Senão, vejamos. 5ª – Depoimento da testemunha LF, Militar da Guarda Nacional Republicana, que se deslocou ao local (04:40 a 05:27; 05:45 a 06:55; 08:27 a 08:47; 11:00 a 11:27; 12:10 a 12:45; 12:56 a 14:34 e 20:55 a 21:16): - O recorrido disse-lhe não ser ele o condutor do veículo, mas sim o “Senhor Zé” (a testemunha JM); - Que seguia no lugar do passageiro, ao lado do condutor; - O recorrido disse-lhe que o JM teria ido na direcção de Santiago, a pé, para pedir ajuda, porque não tinha rede de telemóvel no local onde ocorreu o acidente; - Esclareceu que o recorrido apresentava ferimentos no braço esquerdo, com cortes profundos e na cabeça; - Que se deslocou ao local da ocorrência após a uma hora da manhã; - Em resultado do acidente de viação, a viatura ficou mais danificada do lado do condutor, com vidros partidos, com airbags disparados; - No interior do veículo acidentado, “o local onde havia sangue era só do lado do condutor: airbags com sangue, capota cá em cima, nas lonas, cá em cima, cheias de sangue, e o Senhor, os ferimentos dele, são todos do lado esquerdo, ele não tem ferimentos do lado direito”; - Que durante o tempo em que esteve a tomar conta da ocorrência, não compareceu no local ninguém, nem especialmente a testemunha JM. 6ª – Depoimento da testemunha MV, Militar da Guarda Nacional Republicana, com domicílio profissional no Posto Territorial de Santiago do Cacém, que acompanhou a testemunha LF ao local dos factos (02:24 a 02:32; 02:40 a 03:33; 07:52 a 08:10; 08:15 a 08:25; 08:38 a 08:44; 08:50 a 08:56; 08:58 a 09:10; 09:59 a 10:16 e 12:50 a 13:05): - O recorrido apresentava ferimentos no braço esquerdo e na cabeça; - Depois de inspeccionar o veículo sinistrado apercebeu-se que apenas o airbag do lado esquerdo tinha disparado em resultado do despiste, sendo que apresentava marcas de sangue; - No dia da ocorrência, o recorrido afirmou ser um tal de “Zé” o condutor do veículo sinistrado; - Segundo o recorrido, tal indivíduo teria partido a pé, em direcção a Santiago do Cacém, para obter rede no telemóvel, com vista a pedir auxílio; - Apenas se apercebeu da existência de vestígios de sangue no airbag lateral do lado do condutor, não vislumbrando mais nenhum vestígio de sangue no interior do veículo; - Os airbags do lado do passageiro não estavam disparados no dia da ocorrência; - De entre as pessoas que se encontravam no local, apenas o recorrido apresentava ferimentos; - Durante o período de tempo em que permaneceram no local, o tal “Zé” não se apresentou; - Os ferimentos que o recorrido apresentava no braço esquerdo e na cabeça apresentavam sangue; - O sinistro ocorreu por volta da uma hora e meia. 7ª – O próprio recorrido, aquando das suas declarações, referiu que (03:50 a 04:06; 10:40 a 10:56; 17:50 a 19:35; 20:30 a 20:34 e 20:50 a 21:23): - Que o acidente de viação ocorreu pela uma hora “e tal”; - Inicialmente, afirmou que não tinha ficado com ferimentos, apenas o automóvel teria sofrido danos; - Posteriormente, referiu ter ficado com uns “arranhõeszitos” no braço esquerdo, que tinham sangrado, resultantes de estilhaços de vidro; - Em resultado do acidente de viação, os vidros da viatura ficaram partidos, com excepção do vidro do pára-brisas, que ficou estilhaçado; - Os airbags não dispararam; - Em virtude do acidente, a testemunha JM não sofreu quaisquer ferimentos. 8ª – Depoimento da testemunha JM, que segundo a versão do recorrido, iria a conduzir o veículo automóvel (05:20 a 05:25; 08:10 a 08:18; 12:56 a 13:19; 14:15 a 14:56; 15:20 a 15:43; 15:45 a 16:04 e 16:48 a 17:47): - Referiu que o recorrido, na sequência do acidente de viação, teria ficado apenas com uns arranhões num dos braços, que inicialmente disse ser no direito, mas depois referiu não saber identificar em qual deles; - Ele não ficou com qualquer ferimento na sequência do acidente; - O airbag do seu lado não disparou (sendo que o mesmo afirmou ser ele o condutor), não se recordando se do lado do “pendura” disparou; - Recorda-se que o vidro do lado do condutor ficou partido, mas não se recorda se o vidro do lado do “pendura” também ficou partido. 9ª – Em face da prova que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e em especial, perante os depoimentos das testemunhas LF e MV, consideramos que existiu um erro notório na apreciação da prova, porquanto na douta sentença a Meritíssima Juiz refere que não foi feita prova cabal dos factos susceptíveis de integrarem um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, sendo que perfilhamos entendimento contrário. 10ª – O depoimento da testemunha LF afigurou-se-nos totalmente credível, porquanto o mesmo depôs de uma forma coerente e desinteressada, não revelando contradições, tendo o seu depoimento sido, quase na íntegra, corroborado pelo outro Militar da Guarda Nacional Republicana, MV, que também se deslocou ao local, no dia dos factos. 11ª – Para a verificação do crime em apreço, não se exige que o recorrido tenha sido visto ao volante do JJ. 12ª – Foram produzidos outros elementos de prova que, conjugados com as regras da lógica e juízos de experiência comum – que não foram atendidos no presente caso – que permitem chegar à conclusão que era o recorrido o condutor do veículo nas circunstâncias de tempo e lugar apuradas. 13ª – Na verdade, o recorrido, segundo as suas próprias declarações, sofreu ferimentos no braço esquerdo, ferimentos esses que levaram ao derrame de sangue. 14ª – Segundo o depoimento da testemunha LF, corroborado pela testemunha MV, o recorrido apresentava ferimentos no braço esquerdo e cabeça, não apresentando quaisquer outros ferimentos. 15ª – De acordo com a testemunha LF, o veículo automóvel apresentava sangue apenas no lado do condutor, “airbags com sangue, capota cá em cima, nas lonas, cá em cima, cheias de sangue”. 16ª – A mesma testemunha asseverou que não existiam vestígios de sangue do lado do “pendura”, sendo que, o próprio recorrido e a testemunha que se identificou como sendo o condutor do veículo esclareceram que este último não tinha ficado com quaisquer lesões, porquanto levava uma camisa comprida. 17ª – Ora, em face de todos estes elementos de prova, vistos à luz das regras da lógica e das regras da experiência comum, apenas podemos concluir que era o recorrido que conduzia o veículo. 18ª – No decurso do acidente de viação, do qual terá resultado o capotamento do veículo, o que é normal e previsível é que a pessoa que se encontra no interior do veículo, em face dos vidros estilhaçados e de eventuais encontrões, seja ferida e derrame sangue desses ferimentos junto do lugar que ocupa no interior do veículo. 19ª – E mesmo perspectivando que o recorrido tenha saído por outra porta que não a porta correspondente ao seu lugar dentro do veículo, como por exemplo pela porta do condutor, dando credibilidade à sua versão dos factos – o que por mera hipótese se cogita –, o mesmo sempre teria que ter deixado vestígios de sangue no lugar do “pendura” ou em outro sítio no interior do veículo, o que não ocorreu. 20ª – Formular a hipótese aventada pelo recorrido, em face dos demais elementos de prova carreados para os autos, é realizar um raciocínio totalmente contrário ao que é lógico, à experiência comum das coisas, só concebível perante um notório erro na apreciação de todos os elementos de prova produzidos, em frontal violação do previsto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal. 21ª – Os factos em apreço são susceptíveis de serem demonstrados por qualquer elemento de prova, nomeadamente testemunhal, não sendo certamente necessário neste caso o recurso a prova documental, tanto para prova dos ferimentos – que o próprio recorrido confessou –, como dos vestígios de sangue, encontrados no interior do veículo sinistrado. 22ª – Concluir que os Militares da Guarda Nacional Republicana que se deslocaram ao local não inspeccionaram o local do acidente, é segundo pensamos, desconsiderar as declarações dos Militares, particularmente da testemunha LF que fez um relato preciso e credível do que percepcionou, não mostrando quaisquer dúvidas sobre o que declarava, não entrando em contradição, inclusivamente explicando todos os factos que o levaram a concluir ser o recorrido o condutor, de uma forma absolutamente desinteressada. 23ª – Quanto ao alegado pela Meritíssima Juiz na motivação da decisão de facto, quando refere “que se desconhece por que porta do JJ saiu o arguido do seu interior, sendo que se saiu pela porta do lado do condutor ou pela porta da traseira do lado esquerdo, porque por exemplo as demais portas do JJ estariam obstruídas, sempre tais vestígios de sangue estariam justificados”, cumpre salientar que tal argumento é absolutamente falível, porquanto mesmo cogitando a versão do recorrido – o que por mera hipótese se faz –, em face do acidente de viação, do capotamento do veículo, e dos ferimentos do recorrido, o mesmo teria sempre que ter deixado outros vestígios de sangue no interior do veículo, como seja no lugar do “pendura”, o que não se provou de todo. 24ª – Contraria todas as regras da experiência comum que alguém que se encontra na companhia de uma pessoa que está ferida a abandone no local do acidente à sua sorte, ainda para mais, quando a mesma se apresenta muito alcoolizada, como o próprio recorrido reconheceu – (29:14 a 29:21) – (apurou-se que o acidente teria ocorrido por volta da 01:30 horas, sendo que o recorrido foi submetido ao teste de alcoolemia pelas 03:26 horas, tendo nesta altura acusado uma taxa de 3,10 gramas por litro de álcool no sangue). 25ª - Houve evidentes contradições que fazem duvidar da credibilidade da versão apresentada pelo recorrido, e corroborada principalmente pela testemunha JM, e bem assim pelas demais testemunhas de defesa. 26ª – Como resulta do depoimento prestado pela testemunha LF, e corroborado pela testemunha MV, o recorrido terá informado os Militares que o tal Zé Mota, que, segundo ele, conduzia a viatura aquando do acidente teria partido a pé, na direcção de Santiago, para pedir ajuda (05:45 a 06:55 – depoimento de LF, sendo certo que no decurso da audiência de discussão e julgamento, o recorrido referiu que o tal JM teria apanhado “boleia” com outro indivíduo, em direcção a Sines (02:09 a 03:23 – declarações do recorrido). 27ª – Mais uma vez, resulta do depoimento prestado pela testemunha LF, corroborado pela testemunha MV, que o recorrido terá informado os Militares de que o JM ter-se-ia deslocado a pé, para pedir ajuda, porque não tinha rede de telemóvel lá no local (05:45 a 06:00 – depoimento de LF), sendo que o próprio JM declarou que tinha deixado o seu telemóvel em casa (05:45 a 06:06 – depoimento da testemunha JM). 28ª – O próprio JM esclareceu que não entrou no tal restaurante situado em Deixa-o-Resto, quando foi buscar o recorrido, após um jantar (18:39 a 19:11 – depoimento de JM) sendo que o recorrido, e mesmo a testemunha FV disseram que o mesmo teria saído do veículo e ingerido bebidas (17:17 a 17:40 – declarações do recorrido; 11:56 a 12:05 – depoimento de FV). 29ª – Em face das próprias declarações do recorrido, que esclareceu que “Os telemóveis saltaram com …lá com o capotamento, saltaram lá pelos vidros” (11:55 a 12:00 – declarações do recorrido), apenas os recuperando no dia seguinte (12:00 a 12:16 – declarações do recorrido), e perante o depoimento da testemunha JM, que esclareceu que o seu telemóvel tinha ficado em casa a carregar, perguntamos como é que o mesmo terá contactado o Senhor do pronto socorro, conforme o recorrido terá dito à testemunha FV que fez, no dia da ocorrência (04:20 a 04:34; 06:15 a 06:38; 06:45 a 07:10 – depoimento de FV). Apenas se nos afigura que tal contacto poderia ser efectuado por telemóveis, mas se nenhum deles os tinha, não se percebe com é que JM terá efectuado esse contacto prévio. 30ª – As contradições apresentadas não poderiam deixar de ter sido tidas em consideração por quem aprecia a prova, criando no seu espírito sérias dúvidas de que os factos tenham ocorrido de acordo com a versão apresentada pelo recorrido, corroborada pelas testemunhas de defesa por si apresentadas. 31ª – Tais contradições, conjugadas com toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, teriam necessariamente que ter conduzido à condenação do recorrido pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal. 32ª – Sendo certo que das testemunhas de acusação advieram depoimentos que se afiguram credíveis, praticamente coincidentes, e que, conjugados com as regras da experiência comum e da lógica, nos permitem concluir que o recorrido praticou o crime em apreço. 33ª – Em face de todas estas considerações, os factos dados como não provados nos pontos 1, 5 e 6, deverão ser dados como provados, com a seguinte redacção: O ponto 1. da matéria de facto dada como provada: “1. No dia 1 de Abril de 2011, pelas 01h30, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, da marca Opel, modelo SD, com a matrícula JJ- no IP8, sentido Sines – Santiago do Cacém, junto à Quinta da Ortiga, área desta Comarca, altura em que foi interveniente em acidente de viação”. Sendo que se deverá integrar também na matéria de facto dada como provada que: “O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, conduzindo como quis um veículo automóvel, na via pública, sem para tal estar legalmente habilitado”, e que “O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei”. Na sequência desse entendimento, deverá o arguido ser condenado pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro. 34ª – No que concerne à escolha e determinação da pena, não é possível, no presente caso, optar pela pena de multa: o recorrido foi já condenado pela prática de um crime de desobediência, três crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, um crime de detenção de arma proibida, e, a última das vezes, pelos crimes de dano, injúria agravada, ameaça agravada, violação de proibições e interdições, resistência e coacção sobre funcionário e desobediência, tendo-lhe sido aplicada a pena de onze meses de prisão, a cumprir por dias livres, 450 dias de multa à taxa diária de € 9,00, e na pena acessória de cassação da licença de condução pelo período de 3 anos. 35ª – O crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal agora imputado ao recorrido ocorreu precisamente durante o período de cassação da carta de condução a que o mesmo foi condenado no âmbito do Processo n.º 290/08.0GHSTC, que corre termos na Comarca do Alentejo Litoral, Santiago do Cacém, Juízo de Instância Criminal, Juiz 2. 36ª – Ainda que irrelevante para o caso, na Comarca do Alentejo Litoral, Santiago do Cacém, corre termos processo sumário contra o recorrido pela eventual prática de um outro crime de condução de veículo sem habilitação legal, alegadamente ocorrido após os factos em apreço (Proc. n.º 11/11.0FASTC, a correr termos em Santiago do Cacém – Juízo de Instância Criminal – Juiz 1). 37ª – As finalidades da punição não ficam adequada e suficientemente acauteladas com a aplicação da pena de multa, tendo necessariamente de ser aplicada ao recorrido uma pena de prisão, porquanto, e mesmo estando o recorrido a cumprir uma pena de prisão por dias livres, não se coibiu de incorrer novamente na prática de crimes. 38ª – Os antecedentes criminais do recorrido, o facto de ter praticado o crime durante o período de cassação da sua carta de condução e enquanto cumpria uma pena de prisão por dias livres, são factores reveladores de uma ilicitude e de uma culpa muito acentuada. 39ª – Quanto às exigências de prevenção geral, as mesmas são por demais evidentes no presente caso em apreço, em face dos índices de sinistralidade que o nosso país possui, e da própria frequência com que este crime é praticado na nossa Comarca. 40ª – Quanto às exigências de prevenção especial, ainda que o recorrido se encontre social e profissionalmente inserido, as mesmas são também elevadíssimas, perante o passado criminal do recorrido, o facto de o mesmo ter praticado o ilícito em apreço durante o período de cassação da sua carta de condução e enquanto cumpria pena de prisão por dias livres, e ainda, em face das consequências da sua conduta, da qual resultou acidente de viação. 41ª – Perante os referidos elementos, devidamente ponderados, entendemos ser adequada a pena de 1 (um) ano de prisão. 42ª – Considerando os antecedentes criminais do recorrido e o facto de o mesmo ter incorrido na prática do crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal durante o período de cassação da sua carta de condução, não se afigura que o mesmo reúna quaisquer condições para conduzir a sua vida de modo socialmente aceitável, portanto, afastando da criminalidade, pelo que entendemos que não é possível afirmar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, em face do, que afastamos a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão. 43ª – A, aliás douta, decisão recorrida, ao absolver o recorrido pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, analisou incorrectamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, violando, assim, o disposto no referido normativo, e bem assim, no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, Devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que acolha os fundamentos expostos e nos termos propugnados, se outra não fora a melhor. ». O arguido não apresentou resposta. Foi admitido o recurso. Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto. Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, de harmonia com o disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as de nulidade da sentença (art. 379.º do CPP) e as previstas no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, conforme, designadamente, jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995 (v. Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, a pág. 48; e Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, Verbo, 1994, vol. III, págs. 320/321). Assim, delimitando-o, sem embargo de que a decisão da primeira questão possa motivar que o conhecimento da outra fique prejudicado, reside em apreciar: A) - se os factos dados como não provados pelo tribunal “a quo” sob os números 1, 5 e 6 foram incorrectamente julgados no que concerne à circunstância de que era o arguido quem conduzia o veículo e, por isso, devem ser modificados, como o recorrente alega e com fundamento nos elementos probatórios que invoca; B) – se, por isso, o arguido deve ser condenado pelo crime de condução sem habilitação legal e na pena de 1 (um) ano de prisão. Consta da sentença recorrida: Matéria de Facto Provada Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 1 de Abril de 2011, pelas 01h30, o veículo ligeiro de passageiros, da marca Opel, modelo SD, com a matrícula -JJ-, no interior do qual se encontrava o arguido, circulava no IP8, área desta comarca, altura em que foi interveniente em acidente de viação. 2. Ao ser submetido, pelas 03h26, daquele referido dia, a exame de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho Drager, modelo 7110 MKIIIP, o arguido acusou uma taxa de alcoolemia de 3,10 g/l. 3. Por sentença proferida nos autos com o n.º 290/08.0 GHSTC, transitada em julgado no dia 24 de Junho de 2010, foi determinado: “n) Reconhecer o arguido inapto para a condução de veículos motorizados e, em conformidade com o artigo 101.º do Código Penal, determinar a cassação do respectivo título de condução pelo período de 3 (três) anos, período em que o arguido se mostrará inibido de obter novo título de condução relativo a qualquer categoria de veículos (…)”. 4. O arguido não possui título de habilitação válido que o habilite a conduzir veículos ligeiros de passageiros. 5. Possui como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade. 6. É empresário, actividade que lhe permite auferir cerca de € 1.000,00 por mês. 7. Vive sozinho, em casa própria. 8. Paga mensalmente ao banco, para amortização do empréstimo contraído com a aquisição de habitação própria, a quantia de € 380,00. 9. O arguido já foi condenado pela prática dos seguintes crimes: • Desobediência, no Proc.º n.º ---/98.7 TAGDL que correu termos no Tribunal Judicial de Grândola, por factos de 28/11/1998 e sentença de 17/06/1999, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 1.000$00, já declarada extinta pelo cumprimento; • Condução de veículo em estado de embriaguez, no Proc.º n.º ---/00.5 GTSTB que correu termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém, por factos de 30/04/2000 e sentença de 01/05/2000, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de 700$00, já declarada extinta pelo cumprimento; • Condução de veículo em estado de embriaguez, no Proc.º n.º --/04.1 GGSTC que correu termos no 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém, por factos de 23/01/2004 e sentença de 30/06/2004, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses, já declarada extintas pelo cumprimento; • Condução de veículo em estado de embriaguez, no Proc.º n.º ---/06.6 GHSTC que correu termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém, por factos de 19/1 0/2006 e sentença de 16/1 0/2007, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 7 meses, subordinada à condição do arguido, até ao final do período da suspensão, proceder ao depósito autónomo na Caixa Geral de Depósitos da quantia de € 1.000,00 que será entregue a uma instituição de solidariedade social e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 10 meses, já declaradas extintas pelo cumprimento; • Detenção de arma proibida, no Proc.º n.º --/07.1 GGSTC que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém, por factos de 02/04/2007 e sentença de 24/04/2008, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 4,00, já declarada extinta pelo cumprimento; • Dano, injúria agravada, ameaça agravada, violação de proibições e interdições, resistência e coacção sobre funcionário e desobediência, no Proc.º n.º ---/08.0 GHSTC que correu termos na Comarca do Alentejo Litoral, Santiago do Cacém, Juízo de Instância Criminal, Juiz 2, por factos de 11/08/2008 e sentença de 27/11/2009, na pena de 11 meses de prisão a cumprir por dias livres, 450 dias de multa à taxa diária de € 9,00 e na pena acessória de cassação da licença de condução pelo período de 3 anos. Matéria de Facto Não Provada Com interesse para a decisão da causa não se provou que: 1. No dia 1 de Abril de 2011, pelas 03h26, o arguido conduzisse o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula JJ-, no IP8, sentido Sines - Santiago do Cacém, junto à Quinta da Ortiga, área desta comarca, com uma taxa de álcool no sangue de 3,10 g/l. 2. Antes de iniciar o exercício daquela condução o arguido tenha ingerido bebidas alcoólicas. 3. O arguido conhecesse as características da viatura e do local onde conduzia. 4. O arguido tenha agido ciente de que se encontrava a conduzir um veículo, após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para apresentar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l, conformando-se com tal resultado ao não abster-se de conduzir. 5. O arguido tenha agido de forma deliberada, livre e consciente, conduzindo como quis um veículo automóvel, na via pública, sem para tal estar legalmente habilitado. 6. O arguido bem soubesse que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Motivação da Decisão de Facto O Tribunal socorreu-se, para formar a sua convicção quanto à matéria de facto provada, na prova produzida em audiência de discussão e julgamento, analisada de forma crítica e com recurso a regras da lógica e juízos de experiência comum (art.º 127.° do Código de Processo Penal). Assim, os factos insertos nos pontos 1 a 3 da matéria de facto provada resultam da análise do talão do aparelho Drager de fls. 9, auto de notícia de fls. 4 e 5 (nomeadamente na parte em que se menciona que o veículo em crise nos autos é um ligeiro de passageiros e não um ligeiro de mercadorias e informação constante dos pontos 1 e 2 de “observações”, onde se rectifica a hora constante do talão do aparelho Drager de fls. 9), fls. 33 e certidão de fls. 54 a 162, em conjugação com as declarações prestadas pelo arguido, o qual admitiu que no dia 1 de Abril de 2011, pela 01h30, no IP8, o JJ, no interior do qual se encontrava, foi interveniente em acidente de viação e referiu que antes do sinistro havia ingerido bebidas alcoólicas e os depoimentos prestados pelas testemunhas LF e MV, ambos militares da GNR a prestarem serviço no Posto Territorial de Santiago do Cacém, os quais confirmaram que no exercício de funções e por ter sido solicitada a sua comparência em virtude de acidente de viação ali ocorrido, deslocaram-se ao IP8 (confirmaram ambos que o JJ encontrava-se sinistrado no IP8, sendo de sublinhar que o local do embate não consta do auto de notícia), pouco depois da 01h00. Os antecedentes criminais do arguido resultam da análise do teor do seu certificado do registo criminal de fls. 34 a 42. As condições pessoais e sócio-económicas do arguido apuraram-se com base nas suas declarações, as quais me mereceram credibilidade. Quanto aos factos não provados não foi feita prova cabal que me permitisse concluir pela sua ocorrência. Com efeito, o arguido negou ter conduzido o JJ nas circunstâncias de tempo e lugar descritas no ponto 1 da matéria de facto provada, tendo assegurado que quem o conduziu foi JM, seu amigo e funcionário, o qual o havia ido buscar, no JJ, a um restaurante sito em Deixa-o-Resto, precisamente por não possuir título que o habilite a conduzir veículos automóveis, uma vez que foi determinada a cassação da sua carta de condução, e tinha ingerido bebidas alcoólicas. Disse, ainda, que no IP 8, foram intervenientes em acidente de viação, no decurso do qual perderam os telemóveis e que, posteriormente, por ali passou um conhecido de JM que o levou a Sines à procura de “ajuda”, tendo o arguido permanecido no local à espera que JM regressasse. Afirmou que quando os militares da GNR acorreram ao local disse que não tinha conduzido o JJ e que se recusava a assinar os papéis, embora se tenha voluntariamente submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue por estar “descansado”, uma vez que não havia conduzido o JJ. Acrescentou, ainda, que JM é a pessoa que habitualmente transporta/conduz, quando se pretende deslocar em veículos motorizados. Por sua vez a testemunha LF, militar da GNR, sustentou que quando acorreu ao local onde se deu o sinistro, estavam outros dois ou três veículos imobilizados, tendo os respectivos condutores/passageiros identificado o arguido como sendo o condutor do JJ, mas que o arguido, que se encontrava na via pública, sempre negou ter conduzido tal viatura e sustentou que quem a havia conduzido era o “Zé” que tinha ido pedir socorro a Santiago do Cacém. Afirmou que no percurso efectuado até ao IP8 não se cruzaram com nenhum veículo ou transeunte; o arguido apresentava ferimentos no braço esquerdo e na cabeça e que no local havia sangue do lado do condutor. Permaneceram no local durante cerca de 1 hora e o “Zé” nunca apareceu. Confirmou que o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue cerca das 03h00. Também a testemunha MV, militar da GNR, confirmou que quando chegou ao IP8, pelas 01h30, ali se encontrava, na via pública, o arguido, que negou ter conduzido o JJ e assegurou que o respectivo condutor era o “Zé”, que tinha ido a Santiago do Cacém pedir auxílio. Disse que o tal indivíduo “Zé” não compareceu no local embora por ali tenham permanecido mais de uma hora. Confirmou que o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue pelas 03h00. Da banda do arguido foram ouvidas as seguintes testemunhas (que confirmaram a sua versão dos factos apresentada em juízo): - JM, funcionário e amigo do arguido há cerca de 10 anos, que afirmou ter combinado com o arguido ir buscá-lo a seguir a um jantar que decorreu num restaurante em Deixa-o-Resto; após o jantar o arguido telefonou-lhe e foi buscá-lo no JJ para o conduzir a Sines, sendo que no IP8 perdeu o controle do JJ, tendo-se despistado cerca das 01h30; como entretanto por ali passou um seu conhecido (FV), pediu-lhe boleia, tendo ido com este até Sines e o arguido ali permanecido; demorou cerca de uma hora a regressar ao IP8 e quando regressou já ali não estava o arguido nem o JJ; assegurou ter sido ele próprio quem conduziu o JJ; - CR, amigo do arguido, o qual confirmou ter estado a jantar em Deixa-o-Resto, onde também estava o arguido; viu o arguido sair do restaurante num Opel Corsa conduzido por JM; - FV, conhecido do arguido e namorado da dona de um restaurante sito em Deixa-o-Resto, que confirmou que o arguido ali esteve a jantar, após o que abandonou o local numa viatura de cor escura e na companhia de JM que, entretanto, havia chegado ao local; assegurou não ter fixado se foi o arguido ou JM quem conduziu a dita viatura; disse que, cerca das 01h30, passou no IP8 e apercebeu-se de um veículo imobilizado com os quatro piscas ligados, viu o arguido e JM na via pública, imobilizou a sua viatura e deu boleia a JM até Sines para pedir ajuda a um amigo; confirmou que o arguido permaneceu no IP8; - Por fim, LF, sucateiro e conhecido de JM disse que houve uma noite em que este, pelas 01h30/02h00, foi a sua casa pedir ajuda, tendo-o transportado até ao IP8; aí chegados já o arguido e o JJ ali não se encontravam. Ora, temos, assim, que da conjugação dos documentos constantes dos autos, das declarações do arguido e dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, resulta apenas que o arguido no dia 1 de Abril de 2011, pelas 01 h30, encontrava-se no IP8, perto do veículo JJ, e que, pelas 03h26, desse mesmo dia, apresentava uma taxa de álcool no sangue de 3,10 g/l. Com efeito, embora o arguido tenha sido surpreendido pelos militares da GNR junto ao JJ quando este se encontrava imobilizado e sinistrado no IP8, sozinho, num local isolado, e depois de volvida cerca de 1 hora desde que os Srs. militares ali chegaram ninguém, nomeadamente JM, tenha comparecido no local, certo é que tal factualidade é manifestamente insuficiente para concluir e assegurar que o arguido conduziu o JJ nas circunstâncias em apreço, sendo de sublinhar que as testemunhas LF e MV sustentaram que não viram o arguido conduzir o JJ e que quando acorreram ao local CG encontrava-se na via pública (note-se que o arguido nem sequer foi surpreendido no interior do JJ, mormente no lugar do condutor). Além do mais, a circunstância de outros condutores (cuja identidade não foi possível apurar) que se encontravam imobilizados no IP8 quando os militares acorreram ao local do sinistro lhes terem dito que o arguido era o condutor do JJ, também não serve para dizer, com segurança, que o arguido tenha conduzido o JJ, uma vez que não foi possível ouvir tais indivíduos, desconhecendo-se se presenciaram o sinistro, se viram o arguido retirar-se do interior do JJ ou se com ele estava ou não outra pessoa, sendo, ainda, de notar que o militar LF assegurou que, na ocasião em apreço “estava tudo escuro”. Resta, por fim, referir que, ainda, que o arguido apresentasse ferimentos no braço esquerdo e que, na ocasião, os militares se tenham apercebido de vestígios de sangue do lado do condutor, inexistem documentos nos autos que permitam aferir/confirmar tal factualidade, a qual nem sequer está mencionada no auto de notícia que não faz nenhuma referência em concreto ao acidente que terá ocorrido no IP8 (apenas refere que o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue por ter sido interveniente em acidente de viação) e no qual o JJ foi interveniente. Além do mais, tudo se passou de madrugada (depois das 01h30), sendo pouco provável que os militares, que nem sequer inspeccionaram o local do acidente, se recordem que ali havia vestígios de sangue apenas do lado do condutor, sendo certo, também, que se desconhece por que porta do JJ saiu o arguido do seu interior, sendo que se saiu pela porta do lado do condutor ou pela porta da traseira do lado esquerdo, porque por exemplo as demais portas do JJ estavam obstruídas, sempre tais vestígios de sangue estariam justificados. Temos, assim, que, não obstante a versão apresentada pelo arguido em juízo ser pouco verosímil atentas as regras da experiência comum, por tudo o que já foi dito, é manifesto que não foi feita qualquer prova que me permitisse, com segurança, concluir que o arguido tenha conduzido o JJ nas circunstâncias de tempo e lugar descritas no ponto 1 da matéria de facto provada, sendo, ainda, de salientar que o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue cerca de duas horas depois do dito acidente de viação, pelo que também não se provou que quando se deu o sinistro, o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 3,10 g/l. Por todas estas razões decidi dar como não provados os factos constantes dos pontos 1 a 6 da matéria de facto não provada. Analisando: A) - Constituindo princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito nos termos do art. 428.º do CPP, o recurso interposto, versando na impugnação da matéria de facto, obedece às condições exigidas para tanto pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, aludindo, especificadamente, aos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e às provas que suportam a posição sufragada, com menção e transcrição de passagens da gravação dessas provas e respectiva localização nos suportes técnicos dessa mesma gravação. O recorrente insurge-se, pois, contra a circunstância de terem sido considerados como não provados os pontos sob os números 1, 5 e 6, que, por comodidade de exposição, aqui se transcrevem: 1. No dia 1 de Abril de 2011, pelas 03h26, o arguido conduzisse o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula JJ-, no IP8, sentido Sines - Santiago do Cacém, junto à Quinta da Ortiga, área desta comarca, com uma taxa de álcool no sangue de 3,10 g/l. 5. O arguido tenha agido de forma deliberada, livre e consciente, conduzindo como quis um veículo automóvel, na via pública, sem para tal estar legalmente habilitado. 6. O arguido bem soubesse que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Convoca, para o efeito, quase toda a prova produzida em audiência, embora especificando-a, a qual, no seu entender, mereceu errada apreciação do tribunal recorrido perante as regras da experiência e da lógica. A sentença motivou a convicção dessa factualidade na ausência de prova cabal no sentido de que fosse o arguido quem conduzia o veículo - não obstante ter considerado a versão apresentada por este como pouco verosímil -, assentando, sobretudo, em que os militares da GNR, LF e MV, não o viram a conduzir, em que a localização dos ferimentos que o arguido apresentava não é suficiente para concluir que fosse o condutor do veículo e, ainda, no que foi declarado pelas testemunhas JM, CR, FV e LF. Por seu lado, o recorrente discorda dessa valoração, em razão, além do mais, segundo alega, de que são detectadas contradições, não explicáveis à luz das regras da experiência, nos depoimentos de JM, FV e LF, contrariamente ao que sucede com os depoimentos, credíveis e praticamente coincidentes, daqueles militares. Ora, no tocante ao declarado por estes militares, resulta efectivamente que não presenciaram o arguido a conduzir o veículo identificado – sendo que, relativamente ao mesmo, dúvida se não coloca quanto à circunstância de tratar-se de veículo ligeiro de passageiros e interveniente em acidente, ocorrido no IP8, pelas 01h30m, tal como ficou vertido no facto provado sob o número 1 e perfeitamente assente na prova examinada e produzida -, tendo, sim, visto, quando circulavam no sentido Santiago/Sines, que o arguido estava no exterior do veículo, encontrando-se este no sentido contrário da via (Sines/Santiago), imobilizado e com sinais visíveis de anterior capotamento, com estragos no seu lado esquerdo (do condutor), como vidros partidos e a porta danificada, e com o “airbag” desse lado disparado, este com marcas de sangue, além de que o arguido apresentava ferimentos, com bastante sangue, no seu braço esquerdo. Mais declararam que, embora lhes tenha sido transmitido pelo arguido que o alegado condutor (JM) tinha ido pedir auxílio na direcção de Santiago (segundo LF, tendo dito que tinha ido a pé), não visualizaram, nem se cruzaram, com alguém ao longo do percurso que faziam, e que, no lado do passageiro do veículo, não havia sinais de sangue, nem o “airbag” estava disparado. Não se descortina, conforme ao sentido defendido pelo aqui recorrente, que os seus depoimentos não se tenham pautado pela isenção, antes pelo contrário, tendo relatado o que presenciaram, sem que a respectiva credibilidade mereça reservas no âmbito do que constataram. Aliás, se bem que a sentença refira, na sua motivação, a ausência de documentos nos autos que permitissem aferir/confirmar a existência dos vestígios de sangue (no sentido que transparece de saber-se a sua localização e a quem pertenciam) e de inspecção ao local do acidente efectuada pelos mencionados militares, não constitui, a nosso ver, omissão de diligências de prova que infirmem essa credibilidade, não se tratando, nas circunstâncias, como essenciais e/ou exigíveis, perante a possibilidade de que o eventual relevo que poderiam ter para demonstração dos factos pertinentes decorra dos outros elementos probatórios, ainda que configurando-se, até, como prova indirecta e/ou fundada em presunções. E, neste âmbito, certo é que, por um lado, não é colocado em dúvida, conforme depoimentos prestados em audiência e, também, das declarações do arguido, que só este sofreu ferimentos e que a localização dos estragos no veículo se reportava ao lado esquerdo do mesmo (do condutor), esta relevante, pois, para aferir da forma como o capotamento se teria dado, mas, de todo o modo, insuficiente para uma efectiva certeza sobre os seus contornos, bem como, o que é importante, para estabelecer relacionamento entre ambos os aspectos para dilucidar a posição daquele no veículo. Por seu turno, já a dúvida, que ficou para o tribunal recorrido, de que só existissem vestígios de sangue nesse lado esquerdo, não nos parece despicienda, atendendo a que, com o necessário rigor, não é viável concluir que aqueles militares tivessem verdadeiramente examinado o veículo, não só perante o muito sucinto teor do auto de notícia de fls. 3 e seg., como também pela circunstância, que denotaram, de que alguma incerteza, nesse aspecto, para si, naturalmente, resultava, designadamente, por na ocasião ser madrugada e estar muito escuro. No tocante às apontadas contradições entre os depoimentos das testemunhas JM, FV e LF, há a considerar que, segundo a motivação da sentença, as mesmas não são detectáveis. Não obstante, importará analisar a versão do recorrente, tendo, ainda, por referência, as declarações do arguido. Assim, acerca destas, desde logo afigura-se alguma estranheza quanto a ter ficado no local, estando ferido, e o alegado condutor, JM, tê-lo, nessas condições, aí deixado, para ir procurar auxílio, sendo que, porém, isso foi, de algum modo, por si explicado com suporte em que não estava muito ferido, que àquele, como utilizador do veículo (segundo documento de fls. 33, o mesmo estava, à data, alugado em nome daquele), cabia-lhe resolver a situação, que alguém deveria ficar no local e que não tinham telemóveis, porque estes tinham saltado para o exterior do veículo aquando do acidente, acrescentando-se, note-se, que estava embriagado. Por seu lado, a estranheza de que JM se tivesse deslocado a pé para procurar auxílio – o que teria sido aparentemente transmitido pelo arguido aos militares, mas que não foi de forma idêntica referido por este em audiência, sabendo-se que esta é a prova relevante para o efeito (cfr. art. 355.º do CPP) - ficou relativamente dissipada pelos depoimentos do próprio e de FV, no sentido de que este passou no local e deu boleia àquele, até Sines. O mesmo se diga quanto à circunstância de aparentemente o arguido ter transmitido aos militares que o alegado condutor tinha ido a Santiago, e não a Sines, pedir auxílio. Relativamente ao aspecto reportado a que o arguido e JM não tinham telemóveis para contactar com alguém, nomeadamente com LF, sucateiro a casa de quem, segundo o próprio e JM, este se dirigiu, não resulta real divergência entre o depoimento de FV e o que foi prestado por aqueles. Na verdade, nem JM referiu ter contactado previamente LF, nem este declarou em sentido diverso, sendo que, quanto ao deposto por FV, não decorre que lhe tenha sido dito, pelo arguido, que esse contacto prévio com LF já havia sido feito. No seu depoimento, nesta vertente, nota-se, sim, que terá deduzido das palavras do arguido que já teriam falado com aquele, e não mais do que isso. Por seu lado, afigura-se que, dos elementos disponíveis resultantes das declarações do arguido e do depoimento de JM, apenas se pode retirar que não tinham telemóveis, por terem saltado para o exterior, e que os mesmos pertenciam ao arguido. Relativamente ao depoimento de CR – ainda que não invocado pelo recorrente -, decorre que declarou que viu o arguido a sair do restaurante e a entrar em veículo, sendo que não era ele, mas Jm, quem tomou o lugar do condutor. A conjugação dos elementos probatórios apreciados levou o tribunal “a quo” a não lograr alicerçar, com segurança, que o arguido conduzisse o veículo, não se vendo que tivesse, na fundamentação respectiva, atentado contra os limites legais do art. 127.º do CPP. Extrai-se que a convicção assentou no dinâmico confronto das provas, revelando-se a solução tomada como plenamente plausível à luz das regras da experiência, pese embora se detectem algumas reservas para conferir inteira credibilidade aos testemunhos recolhidos quando aferidos pela sua totalidade - a que a posição defendida pelo recorrente não terá sido, inevitavelmente, alheia -, mas, ainda assim, sobre aspectos de pormenor sem a devida importância. Sobrevalorizando o depoimento daqueles aludidos militares em detrimento do daquelas testemunhas, a posição do recorrente seria, ainda, sustentada na presunção de que os ferimentos e a localização destes em conjugação com os estragos no veículo e, também, com a circunstância do “airbag” do lado do condutor ter disparado, tenderiam, efectivamente, para perspectiva diversa da extraída pelo tribunal. Contudo, não é solução que, nas circunstâncias, deva reputar-se como correcta. Na verdade, conforme se lê no acórdão do STJ de 07.01.2004, no proc. n.º 03P3213, tendo como relator o Ex.mo Conselheiro Henriques Gaspar, acessível em www.dgsi.pt: Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão. Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções. A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido». Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido. As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [ou de uma prova de primeira aparência». (cfr, v. g., Vaz Serra, "Direito Probatório Material", BMJ, n° 112 pág, 190). Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar» (cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207). A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerum que accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção. A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cfr. Vaz Serra, ibidem). Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros. A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável. Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões. Ora, no caso em apreço, a dedução dos factos que o recorrente pretende ver como provados não se revela como raciocínio que se imponha perante os referidos elementos presuntivos, na medida em que diversa prova foi feita em contrário, sem que se notem, nesta, discrepâncias de relevo, e em que, por isso, a necessária certeza, para além de toda a dúvida razoável, fica por atingir. Havendo a convicção de ser objectivável e motivável, para, além do mais, poder convencer os interessados do bom fundamento da decisão, ela existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, segundo o critério prático adequado defendido por Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra, 1974, a págs. 204 e seg. (a que o citado acórdão faz apelo), para quem Não se tratará pois, na «convicção», de uma mera opção «voluntarista» pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse. Se bem que as alegadas reservas de credibilidade se possam colocar relativamente a aspectos aflorados pela prova, para que a conclusão de que a condução pelo arguido não fosse de todo desprovida de conteúdo, afigura-se que elas não permitem, porém, suportar, sem mais, que das dúvidas decorrentes dessa mesma prova, ainda que com o auxílio de presunções, resulte o grau de certeza bastante para firmar convicção forte e sem reparo. A realidade vertida na sentença quanto aos factos aqui impugnados é, pelo menos, plausível, perante a prova carreada, e encontra-se devidamente fundamentada, não se vendo que não tenha respeitado regras da experiência e da lógica. Estas, só por si, não são suficientes, para, no caso, imporem diferente valoração, não se vislumbrando que o tribunal recorrido as tenha descurado no exame crítico a que procedeu. Inexiste, assim, motivo válido para modificar a factualidade impugnada. B) – A apreciação da condenação do arguido está, pois, prejudicada. 3. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, decide-se: - negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, - manter integralmente a sentença recorrida. Sem custas. Processado e revisto pelo Relator. 17 de Janeiro de 2012 ___________________________________________ (Carlos Berguete Coelho) ___________________________________________ (João Gomes de Sousa) |