Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1217/10.5PBSTB.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: APROVEITAMENTO DE OBRA USURPADA
ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME
CONSUMAÇÃO
ACTO PREPARATÓRIO
Data do Acordão: 11/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário:
I - O tipo objectivo do crime de usurpação e/ou aproveitamento de obra usurpada integra todas as formas de comercialização de cópias não autorizadas de fonogramas e videogramas.
II – Implica a efectiva colocação à venda das cópias não autorizadas, mas não propriamente o acto da venda em si, para que o crime se considere consumado.
II - Ainda que não resulte provado que algum consumidor adquiriu uma das cópias não autorizadas, o facto de o agente se encontrar em local de venda, com intenção de venda e, na posse de cópias ilegais, preenche os elementos típicos do crime em questão.
IV - Constituíram actos preparatórios desse tipo de crime o transporte para o local de venda das cópias não autorizadas, o embalamento das mesmas, o seu acondicionamento.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SUBSECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO


A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 1217/10.5PBSTB, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, o Ministério Público requereu o julgamento do arguido A, (…), imputando-lhe a prática em autoria material, na forma consumada e, em concurso efectivo de um crime de usurpação e/ou aproveitamento de obra usurpada, previsto e punido pelos artigos 195º e, 199º, do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos.
Realizado o julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual foi decidido condenar o arguido A, pela prática em autoria material e, na forma consumada de um crime de usurpação e/ou aproveitamento de obra usurpada, previsto e punido pelos artigos 197º e, 199º, nº 1, do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos, na pena de 30 (trinta) dias de prisão, substituída por igual período de multa e, a multa de 175 (cento e setenta e cinco) dias, ambas à razão diária de € 5,00 e, em cúmulo material 205 (duzentos e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante global de € 1.025,00 (mil e vinte e cinco euros), a que correspondem subsidiariamente 136 dias de prisão.

Inconformado com esta sentença condenatória, o arguido A da mesma interpôs o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1. O Recorrente impugna, em concreto, os pontos 1, 4 e 5 que considera incorrectamente julgados e as provas abaixo discriminadas, que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do artigo 412º nº 3 a) e b) do C.P.P.
2. O Tribunal recorrido, pese embora o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, não pode considerar provados factos que não foram provados em Audiência de Discussão e Julgamento.
3. Conforme declarações prestadas pelo arguido A, o mesmo refere que: – CD 04m 07s “…não tinha posto os DVD’s, prontes, à vista, tinha um saquinho. Tinha na altura chegado quando entretanto veio os agentes da PSP à civil, prontes, vieram por trás. Os DVD’s estavam dentro de um saco. Quando vieram, entretanto e me apanharam e levaram-me para a esquadra, acrescentando quando perguntado pela Defensora Oficiosa se chegou a vender algum DVD, respondeu – CD 04m 55s “não, não”.
4. Atentas estas declarações e na falta de qualquer outra prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, não poderia o Tribunal recorrido ter considerado provado que o arguido:
a) “foi surpreendido num momento em que procedia à venda ao público de um número indeterminado de Videogramas (…)” uma vez que não procedeu à venda de nenhum videograma;
b) “ao ter exposto, para venda, aqueles videogramas exibindo as respectivas capas” uma vez que o arguido não chegou a expor nenhum videograma, encontrando-se os mesmos dentro de uma saco;
c) “agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal” uma vez que não ficou provado que praticou o crime de que vem acusado na forma consumada.
5. Pelo que, conforme a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, não podia o Tribunal “a quo” concluir da forma que concluiu, tendo por isso, julgado incorrectamente a prova produzida.
6. Tais factos não deveriam ter sido considerados provados pelo Tribunal “a quo”, por deles não existir qualquer prova, impondo-se decisão diversa sobre a matéria de facto dada como provada.
7. Termos em que, tendo sido incorrectamente julgados estes factos que, consequentemente impunham decisão diversa, se impugna a prova supra referenciada, dada como assente pelo Tribunal “a quo”, nos termos do artigo 412º nº 3 a) e b) do C.P.P., impondo-se a modificação da decisão de facto dada como provada, nos termos do artigo 431º do C.P.P.
8. O Tribunal recorrido enquadrou os factos provados na tipicidade do artigo 199º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, cujos elementos objectivos estabelecidos na previsão do tipo são: vender, pôr à venda, importar, exportar, ou por qualquer modo distribuir ao público, obra contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma.
9. A conduta do arguido não preencheu os elementos objectivos do tipo legal de que vem acusado, nem qualquer prova foi produzida sobre os mesmos.
10. Conforme referido pelo arguido, os DVDs encontravam-se dentro de um saco, não tendo chegado a vender nem a expor nenhum DVD.
11. Ainda que o arguido se preparasse para vender os referidos DVDs a conduta do arguido apenas poderia, eventualmente, configurar actos preparatórios do crime que ao arguido foi imputado uma vez que ainda que o arguido se preparasse para vender os DVDs, o certo é que não chega a expô-los, e muito menos a vendê-los.
12. Assim, os factos praticados pelo arguido integram apenas a tentativa do crime que lhe é imputado, a qual não é punível em virtude da pena que lhe corresponde (artº 23º nº 1 do C.P.).
13. Pelo que, tendo em conta a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, não podia o Tribunal “a quo” motivar a sua decisão numa confissão integral e sem reservas que não ocorreu, nem nas regras da experiência e livre apreciação da prova, pois que desta não resultaram provados os factos constantes na Acusação, violando assim o Tribunal “a quo” o disposto no artigo 127º do C.P.P.
14. Assim, por falta de tipicidade da conduta do arguido e por não ser punível a tentativa do crime que lhe é imputado, impõe-se a revogação da douta Sentença proferida, nos termos dos artigos 410º nº 2 a) e c), 412º nº 2 a), b) e c), e 431º do C.P.P., com a consequente absolvição do arguido.
Nestes termos e nos melhores de Direito se requer a V. Exas. Venerandos Desembargadores, prolação de douto acórdão que:
a) determine a modificação da decisão da matéria de facto dada como provada no sentido das conclusões, conforme o disposto nos artigos 410º nº 2 a) e c), 412º nº 2 e 3 e 431º do C.P.P.
b) prolação de douto acórdão revogatório que Absolva o arguido da prática do crime de aproveitamento de obra usurpada ou contrafeita previsto e punido nos termos do artigo 199º do CDADC.
Fazendo uma boa e sã Justiça.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência, concluindo por seu turno:

1. Assiste razão ao recorrente no que concerne ao ponto 2.1.4. da matéria de facto provada, porquanto o mesmo nunca admitiu que os DVDs aprendidos estivessem expostos, tendo antes afirmado que se encontravam dentro de um saco;
2. Ainda assim, a venda dos DVDs não implica que os mesmos estejam expostos e, perguntado expressamente se o teor da acusação correspondia à verdade, o recorrente respondeu afirmativamente ressalvando apenas que os artigos em causa não estavam expostos;
3. A venda efectiva dos DVDs não é elemento do tipo de crime, bastando para a consumação do mesmo que o agente os ponha à venda, o que o recorrente admitiu ter feito.
Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
1. No dia 7 de Julho de 2010, cerca das 09h30, na Travessa Oriental do Mercado, nesta cidade e comarca o arguido foi surpreendido por agentes da PSP num momento em que procedia à venda ao público de um número indeterminado de Videogramas, no formato Digital Versatible Disc Recordable (“DVDs”), que posteriormente se apurou serem no total 32, descritos no auto de apreensão de fls. 3 e no auto de Exame directo de fls. 44 a 47, que se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
2. O arguido não dispunha, para o efeito, de autorização dos respectivos autores, intérpretes e/ou executantes, bem como dos produtores ou legítimos representantes, nomeadamente da FEVIP – Federação de Editores de Videogramas, pelo que não podia proceder à sua comercialização.
3. A mercadoria em causa foi sujeita a peritagem pela Divisão de Inspecção de Espectáculos e Direito de Autor, da Inspecção Geral das Actividades Culturais, do Ministério da Cultura, que concluiu tratar-se de duplicação artesanal (por meios informáticos ou por equipamentos de gravação digital domésticos), sendo o respectivo suporte material (discos) idêntico aos que se vendem ao público em geral, como virgens, indicando por isso não terem sido editados pelos legítimos detentores dos respectivos direitos, para além de apresentarem mediana ou má qualidade técnica.
4. O arguido, ao ter exposto, para venda, aqueles videogramas exibindo as respectivas capas, também elas fotocópias das originais, pretendia colocá-los em circulação, fazendo-os passar por autênticos, junto dos consumidores.
5. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida pela lei penal.
6. O arguido é solteiro, tem 3 filhos da companheira com quem vive.
7. É vendedor ambulante, para além do que recebe €300 de subsídio e a sua companheira é doméstica.
8. Mora em casa arrendada pagando 180€ de renda.
9. Não tem carro nem mota.
10. Tem o 9º ano de escolaridade.
11. Não tem antecedentes criminais.


O Tribunal considerou que não ficaram provados os seguintes factos, com relevância para este processo:
Não existem factos não provados.

Na motivação de facto e do exame crítico das provas, consta o seguinte (transcrição):
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos ou analisados em audiência de julgamento, nomeadamente:
- Nas declarações do arguido o qual descreveu as suas condições económicas e sociais, para além do que confessou os factos de forma integral e sem reservas.
- Auto de notícia e apreensão de fls. 2 e sgs.
- Auto de exame directo de fls. 44 e sgs.
- No Certificado de Registo Criminal, junto aos autos, no que concerne aos antecedentes criminais do arguido.
Assim, face à prova produzida não existem quaisquer dúvidas em como o arguido se encontrava a vender os referidos DVDs, sendo que o fazia de forma consciente, não obstante saber que os mesmos não eram originais, e que não tinha autorização para tal.

Na motivação da decisão do tribunal sobre a matéria de direito, consta o seguinte (transcrição):
Atenta a matéria de facto apurada, cabe agora proceder ao seu enquadramento jurídico-penal em ordem a determinar se a conduta do arguido preenche o tipo legal de crime de que vem acusado.
O arguido vem acusado da prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, previsto e punido pelo art. 199° n01 e do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos, onde se dispõe que "quem vender, puser à venda, exportar ou por qualquer modo distribuir ao público obra usurpada ou contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma, quer os respectivos exemplares tenham sido produzidos no País quer no estrangeiro, será punido com as penas previstas no art. 197º".
São, assim, elementos deste tipo de ilícito:
- a acção típica que tem de consistir na venda, exportação ou qualquer modo de distribuir ao público,
- o objecto que tem que ser obra usurpada ou contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma, e
- o elemento subjectivo que se preenche com o dolo ou negligência.
Da factualidade apurada resulta que as obras que o arguido estava a vender em DVD's eram reproduções/cópias das obras originais, pelo que se tratam de obras usurpadas por serem utilizadas sem autorização do autor (cfr. art. 68º, nº 2, alíneas c) e f) e, 195°, do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos).
O arguido fê-lo sem autorização dos artistas e produtores, contudo, como não visou a sua utilização como obra sua, o acto distingue-se da contrafacção (cfr. art. 196°, n °1, do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos), isto, apesar dos conceitos linguísticos comuns de usurpação e contrafacção, não coincidirem com os conceitos que a lei veio a definir.
Como se provou o arguido sabia que não tinha autorização dos autores e produtores das obras videográficas, ou de quem legalmente os representasse, para proceder à venda dos CD's e DVD's identificados nos autos e que actuava contra a vontade e em prejuízo dos mesmos, agindo com dolo directo.
Encontrando-se verificados os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, previsto e punido pelos arts. 199°, nº 1 e, 197°, nº 1, do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos e tendo o arguido actuado ilícita e culposamente, deverá ser condenado pela prática do referido crime.


II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de facto dada como provada, nos termos do preceituado no artigo 412º, nº 3, alíneas a) e, b), do Código de Processo Penal (o recorrente pretende que os factos provados sob os número 1, 4 e, 5, sejam considerados como não provados, face às declarações prestadas pelo arguido, em audiência de julgamento).
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, por os factos provados não serem suficientes para sustentar a condenação pela prática em autoria material e, na forma consumada de um crime de usurpação e/ou aproveitamento de obra usurpada, previsto e punido pelos artigos 197º e, 199º, nº 1, do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos.

É sabido que constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Assim, começa o arguido/recorrente por afirmar que existem pontos da matéria de facto tida como provada que se encontram incorrectamente julgados, pois face às suas declarações, único meio de prova produzido na audiência de julgamento, o Tribunal deveria ter considerado como não provados os pontos 1, 4 e, 5, dos factos provados constantes da sentença ora impugnada.
O erro de julgamento, constante do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente resultante do cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nº 3 e, nº 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Postos estes considerandos e mantendo-os presentes, decorre da peça recursiva apresentada pelo recorrente que pretende impugnar a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo constante dos pontos 1, 4, e 5, da decisão recorrida e que, em sua opinião, deve ser considerados como não provados, isto é face às declarações do arguido, não se poderá ter como provado, que “foi surpreendido num momento em que procedia à venda ao público de um número indeterminado de Videogramas”, “ao ter exposto, para venda, aqueles videogramas exibindo as respectivas capas” e, “agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal”.

Na verdade, da audição da prova produzida na audiência de julgamento, não poderá resultar provado que o arguido “ao ter exposto, para venda, aqueles videogramas exibindo as respectivas capas”, efectivamente o arguido declarou que não tinha posto “os DVDs à vista, tinha um saquinho”, “os DVDs estavam dentro do saco”, assim apenas com base nestas declarações e, uma vez que a prova da acusação foi prescindida, nada mais resultou provado, face ao teor do declarado, por tal não poderá integrar os factos provados que “ao ter exposto, para venda, aqueles videogramas exibindo as respectivas capas”, devendo no ponto 4 em referência, apenas constar que “O arguido pretendia coloca-los em circulação, fazendo-os passar por autênticos, junto dos consumidores” e, passando a integrar os factos não provados que “ao ter exposto, para venda, aqueles videogramas exibindo as respectivas capas”, procedendo pois nesta parte o recurso interposto pelo arguido.
Quanto aos demais factos impugnados, o arguido sempre admitiu que estava naquele local para proceder à venda dos DVDs que transportava e, com os demais elementos de prova constantes dos autos, resulta claro que andou bem o Tribunal a quo, na apreciação e valoração integrada de todos os elementos de prova.
Começando pela apreciação das declarações do arguido, prestadas em audiência de julgamento e, conforme resulta da fundamentação da sentença recorrida, tais declarações do arguido foram merecedoras de credibilidade pelo tribunal e, o mesmo admitiu que estava naquele local com aqueles DVDs, para arranjar dinheiro para as crianças, portanto para vender tais DVDs.
Assim, parece-nos óbvio, concretamente das declarações do arguido, do auto de notícia e apreensão de fls. 2 e sgs. e, do auto de exame directo de fls. 44 e sgs., perante este acervo de prova, apenas permite concluir nos termos feitos pelo tribunal a quo, ao considerar provados os factos constantes sob o ponto 1, 4 (nos termos referidos) e, 5.
A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, ou se existem duas testemunhas de um lado e apenas uma do outro.
O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou lógicas, que são meios legalmente admitidos para a valorização das provas e de formação da convicção.
Ademais, ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, o mesmo olvida ainda o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127º, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
É sabido que livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma liberdade de acordo com um dever.
Ora, também nesta vertente, como já afirmado, não se vislumbra que o Tribunal a quo haja violado o princípio in dúbio pro reo, um vez que pelos motivos expendidos na decisão recorrida a prova consente (e impõe) a convicção formada pelo Tribunal de 1ª instância e a violação de tal princípio suporia, de um lado, a formação de uma convicção positiva sem suporte probatório bastante, o que não ocorre, ou de outro, que o Tribunal demonstrada uma dúvida razoável ante a prova produzida a havia resolvido contra o arguido, o que também não ocorre.
De igual forma não se vislumbra na apreciação e fundamentação da matéria de facto, pelo tribunal a quo, qualquer violação do disposto nos artigos 18º, nº 1 e, 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, ou do disposto no artigo 292º, nº 1 e, 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem não pode deixar de julgar parcialmente improcedente a invocada impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente, na parte supra referida e, no demais confirmar, o acerto do julgamento da restante matéria de facto, ora impugnada pelo recurso interposto.

Os vícios do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, ou, são anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, apreensíveis pela simples leitura do respectivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.
Tais vícios (ou, como também são designados, erros-vícios) não se confundem com errada apreciação e valoração das provas.
Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aqueles examinam-se, indagam-se, através da análise do texto, esta (a errada apreciação e valoração das provas), porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas, do que resulta a formulação de um juízo que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto, daí que a exigência de notoriedade do vício não se estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto (cfr. acórdão do STJ, de 15-09-2010, www.dgsi.pt/jstj; Relator: Conselheiro Fernando Fróis).
E, porque assim, a alteração da factualidade assente na 1ª instância só poderá ocorrer pela verificação de algum dos vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma –, verificação que, como acima se deixou editado, se nos impõe ex officio, realçando, no entanto, que foram os mesmos expressa ou implicitamente invocados pelo recorrente, nomeadamente os vícios constantes das alíneas a), e, c), do nº 2.
Em comum aos três vícios, o vício que inquina a sentença ou o acórdão em crise tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871, Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”, loc. supra mencionado.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, ob. e loc. citados, quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, vício não invocado, mas de conhecimento oficioso), consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Um tal vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida.
O simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício - cfr. Acórdãos do S.T.J. de 19-09-1990, BMJ 399, pág. 260 e de 26-03-1998, Processo nº 1483/97.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, a mesma apreciou os factos aportados na acusação e, bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e de igual modo não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
De igual modo, repete-se, do texto de tal decisão não se detecta qualquer violação do favor rei, na medida em que se não verifica, nem demonstra, que o Tribunal de julgamento haja resolvido qualquer dúvida contra o arguido.
Por outro lado, conceda-se, a decisão recorrida, como já se afirmou, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame criterioso, das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal a quo decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma objectiva e motivada e, portanto, capaz de se impor aos outros.
Em consequência, mantém-se e, sedimentada se mostra, a factualidade assente pelo Tribunal a quo, não se vislumbrando na decisão recorrida vício ou nulidade cujo conhecimento “ex officio” ou a requerimento se imponha a este Tribunal ad quem.
Por tal procede em parte a invocada inexistência de prova para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 412º, nº 3, alíneas a) e, b), do Código Penal, relativamente a parte dos factos constantes do ponto 4, do factos provados improcedendo quanto à restante parte do ponto 4 referido e aos factos constantes dos pontos 1 e, 5, dos factos provados e, inexiste qualquer vício da sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, bem como não se mostra verificado qualquer nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código ou nos termos dos artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, que não devam considerar-se sanadas.

Relativamente, à impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, por os factos provados não serem suficientes para sustentar a condenação pela prática não serem suficientes para sustentar a condenação pela prática em autoria material e, na forma consumada de um crime de usurpação e/ou aproveitamento de obra usurpada, previsto e punido pelos artigos 197º e, 199º, nº 1, do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos.
Estatui o artigo 199º, nº 1, do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos, que:
“1. Quem vender, puser à venda, importar, exportar ou por qualquer modo distribuir ao público obra usurpada ou contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma, quer os respectivos tenham sido produzidos no País quer no estrangeiro, será punido com as penas previstas no artigo 197º.
É pacífico que o tipo objectivo deste crime, integra todas as formas de comercialização de cópias não autorizadas de fonogramas e videogramas.
Tal implica como vem sendo entendido pela jurisprudência a efectiva colocação à venda das cópias não autorizadas, não propriamente o acto da venda em si, isto é, não é necessário que o agente realize uma venda para que este tipo de crime se mostre consumado, o mesmo consuma-se com o acto de colocar à venda, à disposição do consumidor, para que se preencham os elementos objectivos do tipo legal do artigo 199º, nº 1, do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos.
Assim, ainda que não resulte provado nos autos, que nenhum consumidor adquiriu uma das cópias não autorizadas, o facto de o agente se encontrar em local de venda, com intenção de venda e, na posse de cópias ilegais, preenche os elementos típicos do crime em questão.
Constituíram actos preparatórios deste tipo de crime o transporte para o local de venda das cópias não autorizadas, o embalamento das mesmas, o acondicionamento, etc., contudo o facto de o agente se encontrar em local público de venda, com intenção de venda e, na posse de tais cópias, independentemente do método da venda propriamente dita, se através de exposição pública, se de forma oculta através de contacto pessoal, se por conhecimento pessoal dos próprios interessados, ou qualquer outra forma possível de comercialização, todas as mesmas não constituem actos preparatórios da prática do crime em causa, mas a consumação do mesmo, salvo se outros factos que contrariem estes resultem provados da audiência de julgamento.
Pelo exposto, atentos os factos que nos autos resultaram provados, verifica-se que o arguido com a sua conduta preencheu pois todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, na sua forma consumada, previsto e punido pelo artigo 199º, nº 1, do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos.
Então nesta parte, improcede o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se por tal, na íntegra a sentença recorrida.

Em vista do decaimento parcial no recurso interposto pelo arguido A, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e, 514º, nº 1, do Código de Processo Penal e, artigo 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do mesmo recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido A, passando a constar do ponto 4 dos factos provados que “O arguido pretendia coloca-los em circulação, fazendo-os passar por autênticos, junto dos consumidores” e, passando a integrar os factos não provados que “O arguido tenha exposto, para venda, aqueles videogramas exibindo as respectivas capas”, confirmando-se em tudo o mais a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente que se fixam em 2 UC (duas unidades de conta), sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.

Évora, 19-11-2013


Fernando Paiva Gomes M. Pina
Renato Amorim Damas Barroso