Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
955/18.9T8OLH.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO DE PROPRIEDADE
COLISÃO DE DIREITOS
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
I – O recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve indicar nas conclusões da sua alegação, sob pena de rejeição do recurso, os factos que considera incorretamente julgados e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, devendo estas menções integrar o conteúdo das conclusões da sua alegação.
II - O direito ao repouso e ao sossego dos requerentes, posto em causa durante o dia e a noite pelo ladrar dos cães, que, necessariamente, perturba o silêncio e o sono daqueles, deve prevalecer em confronto com o direito dos requeridos em fazerem uso da respetiva propriedade, permitindo nela a instalação de um canil por uma associação.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Competência Genérica de Olhão - Juiz 1) corre termos ação com processo especial do artigo 878º do CPC, para tutela de direitos de personalidade, pela qual bb, cc, dd, ee, ff, gg e hh, demandam iI, jj, ll e mm, alegando factos relacionados com a existência de um canil perto das respetivas habitações donde provem ruído e maus cheiros, que em seu entender são tendentes a peticionarem que seja determinado “o encerramento do canil e serem os réus condenados a efetuar este encerramento e a remover os animais do local, a expensas suas, com condenação dos réus em sanção pecuniária compulsória, em medida que o tribunal entender adequada, por cada dia de atraso nos referidos encerramento e remoção dos animais.
Citados, os requeridos vieram contestar, tendo por um lado, arguido a exceção da ilegitimidade dos demandados, JJ, LL e MM e por outro lado, impugnando os factos articulados pelos autores, terminando por pedir que seja julgada procedente a exceção invocada ou, caso assim não se entenda, que seja julgada totalmente improcedente a ação, absolvendo-se os réus dos pedidos formulados.
Realizada audiência de julgamento veio a ser proferida sentença pela qual se julgou improcedente a arguida exceção de ilegitimidade dos requeridos JJ, LL e MM, bem como se julgou:
“Procedente, por provada a presente providência e, em consequência:
a) Condeno os Requeridos a encerrarem o espaço existente no prédio misto denominado “Monte” sito em Belo Romão, União das Freguesias de Moncarapacho e Fuzeta, inscrito na matriz, a parte rústica sob o artigo … da Secção BE e a parte urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número …/19891102, onde recolhem cães, retirando todos os animais ali existentes, no prazo de 60 dias a contar da notificação da presente sentença, devendo abster-se de acolher naquele local outros cães;
b) Condeno os Requeridos, no pagamento de 100,00 € (cem euros) a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento do determinado em a);
c) Condeno os Requeridos no pagamento das custas e demais encargos com o processo”.
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Inconformados com a sentença, vieram os réus interpor recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formularem as seguintes conclusões que se transcrevem:
A) Conclui-se das motivações supra descritas que o Tribunal “ a quo”, formou mal a sua convicção, ainda que tenha libre arbítrio sobre as mesmas segundo a Livre a apreciação da prova. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - SJ2007031400213 de 14-03- 2007).
B) Conclui-se que o Tribunal a quo, não valorou corretamente o testemunho das testemunhas arroladas pelos réus.
C) Conclui-se que o Tribunal a quo ao valorar os testemunhos dos réus, entra em contradição, uma vez que lhes dá credibilidade nume parte (não existe aguas com urinas, nem haver excrementos no caminho junto ao Abrigo) e depois não lhes dá a mesma credibilidade no restante depoimento (Que os cães não ladram, apenas o normal de qualquer cão, que é a sua forma de se expressar).
D) Conclui-se que o Tribunal a quo, numa Interpretação ao contrário, dá credibilidade aos depoimentos de parte dos autores (que não estão debaixo de juramento), no que diz respeito aos cães ladrarem, não lhes dando no que diz respeito às urinas, cheiros, excrementos e aguas no caminho. Pelo que quem falta à verdade para umas coisas, também está a faltar a verdade por outras.
E) Conclui-se que o Tribunal “a quo” baseia e fundamenta a sua decisão sem ter uma ideia certa e concreta sobre a verdadeira intensidade do ruido.
F) Conclui-se que o Tribunal “ a quo” poderia oficiosamente ordenar que fosse efetuada uma perícia técnica, a fim de aferir aos “decibéis” que o ruído do ladrar dos cães faziam.
G) Conclui-se que essa mesma peritagem que o Tribunal a quo não ordenou que se realizasse, poderia ter sido feita com o recurso aos meios técnicos semelhantes (por analogia, isto é, ou de forma análoga), aos utilizados nas casas de espetáculos (Ex: discotecas) ou pelos ruídos produzidos pelos motores em ambientes de trabalho e noutros.
H) Porque uma “reduzida intensidade da incomodidade sofrida pelos autores e a ausência de consequências decorrentes dessa incomodidade, não deve levar à pretendida limitação dos direitos dos réus à propriedade da Associação e não possam utilizar plenamente as Instalações onde a Associação II para na mesma deter os seus cães. Conforme (Ac. do TRL de 01-10-2009, proferido no Processo nº 1229/05.0TVLSB.L1-2).
I) Conclui-se que em matéria de Direito o Tribunal a quo deveria ter conhecido da exceção dilatória, no que diz respeito às legitimidades das partes.

Os autores vieram contra alegar defendendo a manutenção do julgado.


Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).

Assim, do que nos é dado percecionar das conclusões apresentadas pelos recorrentes e não tendo sido indicadas quaisquer normas que se tivessem por violadas, as questões nucleares em apreciação são as seguintes:
1.ª – Do alegado erro de julgamento no que respeita à fixação da matéria de facto;
2ª – Do alegado erro de julgamento no que respeita à aplicação do direito aos factos provados.
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No tribunal recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
1. O prédio misto situado em Belo Romão, Moncarapacho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, na matriz predial rústica sob o artigo … da Secção BE e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número … encontra-se inscrito a favor dos Requerentes BB e CC, que o adquiriram por compra efetuada em 30/09/2015;
2. O prédio referido em 1) constitui a habitação dos Requerentes BB e CC quando estão em Portugal, destinando também quartos do prédio e as áreas sociais e terreno rústico circundante ao alojamento turístico;
3. O Requerente DD tem inscrito a seu favor o prédio misto situado em Belo Romão, Moncarapacho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, na matriz predial rústica sob o artigo …, da Secção BE, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número …, o qual veio à sua propriedade por doação de seus pais efetuada em 20/08/2013;
4. O prédio referido em 3) constitui a habitação do Requerente DD e seu cônjuge, o Requerente EE, onde dormem, descansam, fazem refeições, recebem familiares e amigos, correspondência e aí praticam todos os demais atos inerentes e próprios da vida doméstica;
5. Os Requerentes FF e GG têm inscrito a seu favor o prédio misto situado em Belo Romão, Moncarapacho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, na matriz predial rústica sob o artigo … da Secção BE e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número …, o qual adveio à sua propriedade por compra efetuada em 20/10/2006;
6. A parte urbana do prédio referido em 5) foi constituída em propriedade horizontal composta pelas frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B” e “C”, todas destinadas a habitação;
7. Os Requerentes FF e GG efetuaram o registo de “Alojamento Local” relativamente às frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” por forma a poder ceder o gozo de cada uma delas e a parte rústica que as circunda, recebendo a contrapartida monetária dos hóspedes e reservaram para utilização própria a fração autónoma designada pela letra “C”, com o intuito de aí gozarem fins de semana, períodos de férias e outros períodos de ócio e descanso;
8. O filho dos Requerentes FF e GG tem instalado em parte da fração autónoma designada pela letra “C” um pequeno estúdio de arquitetura;
9. O Requerente HH tem inscrito a seu favor o prédio urbano situado em Belo Romão, Moncarapacho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número …, o qual veio à sua propriedade por compra efetuada em 28/04/2015;
10. O prédio descrito em 9) constitui a habitação do Requerente HH quando o mesmo se encontra em Portugal que aí dorme, faz refeições, recebe familiares e amigos e correspondência e aí pratica todos os demais atos inerentes e próprios da vida doméstica;
11. A «II» foi constituída em 10/09/2015 e tem como fim, designadamente, o resgate e cuidado de animais abandonados e maltratados, a prestação de abrigo, alimentação e tratamento médico aos mesmos e a organização da adoção desses animais;
12. Os Requeridos JJ e LL têm inscrito a seu favor o prédio misto denominado “Monte” situado em Belo Romão, Moncarapacho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, na matriz predial rústica sob o artigo … da Secção BE e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o nº …;
13. Sobre o prédio referido em 12) incide usufruto a favor da Requerida MM;
14. No prédio referido em 12) está instalado e em funcionamento, um espaço que serve para recolha, abrigo e permanência de cães, tendo os Requeridos JJ, LL e MM aceitado a instalação do mesmo no seu prédio em benefício da Requerida «II» e dos fins visados por esta;
15. A Requerida JJ tem a sua habitação na parte urbana do prédio referido em 12), onde dorme, descansa, faz refeições, recebe familiares e amigos, correspondência e aí pratica os demais actos inerentes e próprios da vida doméstica;
16. A Requerida «II» na prossecução dos seus fins procede à recolha de cães abandonados, os quais são colocados no espaço existente no prédio referido em 12), ficando à espera de adoção, ali permanecendo dia e noite;
17. A adoção dos cães e recolha de fundos para manutenção do espaço onde os mesmos são recolhidos é promovida pela Requerida «II» por referencia aquele espaço, referindo-se-lhe como situado em Belo Romão, Moncarapacho;
18. Os cães são alimentados, limpos e tratados por diversos voluntários, encontrando-se naquele espaço, diariamente, em média 20/25 animais depois de recolhidos da rua e são levados a passear nas imediações do local onde estão recolhidos pelos voluntários;
19. A Requerida JJ é uma das tratadoras dos cães e com os diversos tratadores voluntários prestam os cuidados aos cães a pedido e por conta da Requerida «II» e sob a supervisão desta e é a Requerida JJ que vigia os cães durante a noite;
20. Os voluntários atuam, normalmente, entre as 9 horas e as 13 horas, levando os cães a passear nas imediações;
21. Os cães, recolhidos da rua, estão sempre de passagem no referido espaço e não acostumados a estar presos e sem conhecerem o sítio e os demais cães, e sem conhecerem as pessoas que os tratam, que também vão variando, ladram durante o dia e durante a noite;
22. Quando chegam os voluntários e enquanto atuam os cães ladram com mais intensidade e na parte da tarde a situação não é diferente, ladrando os cães com intensidade e praticamente sem parar;
23. Os cães desatam a ladrar sempre que alguém passa e quando passam grupos de pessoas a pé ficam excitados e desatam a ladrar de forma ainda mais furiosa e ensurdecedora, todos ao mesmo tempo;
24. O caminho, que passa junto ao prédio onde estão os cães, é utilizado para a realização de caminhadas nomeadamente dos escuteiros algumas delas organizadas pela Junta de Freguesia, e a Requerida JJ solicitou ao presidente da Junta que as caminhadas fossem realizadas a uma hora mais cedo;
25. Para implementação das instalações onde são recolhidos os animais, foi cimentada uma parte do prédio dos Requeridos JJ e LL;
26. O odor próprio dos cães, das fezes e da urina dos mesmos atinge diretamente os prédios dos Requerentes BB e CC e DD que confinam diretamente com o prédio onde se situa o espaço onde são recolhidos os animais mas também atinge, conforme a direção e intensidade do vento, os prédios dos restantes Requerentes;
27. Entre o espaço onde estão recolhidos os cães e a casa dos Requerentes BB e CC dista em linha reta cerca de 50 metros, distância que é de cerca de 30 metros para a casa dos Requerentes DD e EE, de 60 metros para as frações autónomas dos Requerentes FF e GG e de cerca de 80 metros para a casa do Requerente HH;
28. Entre as casas dos Requerentes e o espaço onde são recolhidos os animais inexiste qualquer obstáculo que barre a propagação do ruído resultante do ladrar dos cães e basta que um deles comece a ladrar para desatarem todos a ladrar seja de dia ou de noite e o silêncio e sossego próprios da noite potenciam o ruído emitido pelo ladrar dos cães;
29. Os hóspedes do alojamento local dos Requerentes apresentaram queixas devido ao barulho do ladrar dos cães e não voltam;
30. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, o qual faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Contrato de Comodato 1º. Primeira Outorgante: JJ, casada, portadora do Cartão de Cidadão nº … e com o NIF: …, residente Sitio de Belo Romão, Caixa Postal …, 8700-… Moncarapacho. 2º. Segunda Outorgante: II, com o Número de Pessoa Coletiva …, associação de direito privado sem fins lucrativos, com sede em Sítio Belo Romão, Caixa Postal …, 8700-… Moncarapacho, representada pela Presidente da Direção Fátima C…, casada, com o CC … e NIF: …, residente em Sítio da Arroteia de Baixo, Caixa Postal …, Livramento 8800-… Tavira. Por este as partes estipulam o seguinte: 1º A primeira outorgante é comproprietária do prédio misto que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão com a descrição …-Moncarapacho, inscrito na matriz, a parte rústica sob o artigo … da Secção BE e a parte urbana sob o artigo …. 2º. Por este contrato a primeira outorgante cede à II segunda outorgante, em regime de comodato, nos termos do disposto nos artigos 1129 e seguinte do Código Civil, uma parte do prédio rústico, uma vez tratar-se de um prédio misto, supra identificados conforme o constante das cláusulas seguintes: 3º. O presente comodato tem o seu início no dia vinte de Setembro de 2015 durando pelo prazo de dez anos, e renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de um ano, se não for denunciado pela nenhuma das partes, com, pelo menos sessenta dias de antecedência, em relação ao seu termo ou renovação. 4º. A Associação II comodatária poderá exercer no supra referido prédio a atividade para a qual a associação foi criada, apoiar e acolher e assistir os cães abandonados, tal como consta nos estatutos da mesma. 5º. A segunda outorgante poderá fazer no local todas as obras adequadas ao fim da Associação e benfeitorias que se mostrarem necessárias ao exercício da mencionada atividade, ficando desde já autorizada para o efeito, e sendo o custo das mesmas suportadas por si, sem que possa pedir reembolso da primeira outorgante. Por ambas as partes é declarado que aceitam este contrato, obrigando-se nos seus precisos termos. Moncarapacho, 20 de Setembro de 2015. 1º. Primeira Outorgante (…) 2º. Segunda Outorgante (…)”;
31. Foi elaborado o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: “DSAVRALG-Direção de Serviços de Alimentação e Veterinária da Região do Algarve A/C Exma Sra. Dra. Teresa C…. Data: 24/04/2017. Assunto: Mera comunicação prévia. Exma Sra. Dra. Teresa C…. No seguimento da sua visita às instalações da Associação em 24-02-2017, e em virtude de não ter sido possível aceder por via informática e transmitir a “Mera Comunicação Prévia” à DGAV, vimos por este meio proceder ao envio da mesma cfr. solicitado, em conformidade com o disposto no artº 1º e no artº 3º-A do Decreto-Lei nº 260/2012 de 12 de Dezembro. Elementos das alíneas do nº 1 do artº 3º-A: a) II b) Com sede no Sitio Belo Romão, CP …, 8700-… Moncarapacho-Freguesia de Moncarapacho e Fuzeta, concelho de Olhão; c) NIFPC … e NISS …; e) Associação sem fins lucrativos tem como fim fundamental o resgate e cuidado de animais abandonados e maltratados, prestação de abrigo (sem fins lucrativos) comida, tratamento médico (possui pequena enfermaria para prestar primeiros socorros) esterilização dos animais, sensibilização da comunidade local para o bem-estar animal, bem como à posterior organizar e providenciar a adoção desses animais a terceiros interessados. Esta atividade da Associação assenta também na estreita colaboração com a comunidade local e com as respetivas autoridades locais; f) A Associação tem dois médicos veterinários responsáveis pelo alojamento permanentemente do Dr. Juan D…, cédula profissional nº …, Drª Sarah L…, cédula profissional nº …, e recebe a colaboração do Dr. Pedro R… (veterinário da C. M. O.) quando a disponibilidade assim o permite, para tratamentos e esterilizações; h) A capacidade máxima de animais a alojar é de 25 animais e as respetivas espécies a alojar são canídeos. Junta-se os seguintes documentos: 1. Cópia de mera comunicação prévia enviada pela II à DSAVRALG, com cópia do registo c/aviso de receção, justificativo do envio em 29-07-2016. 2. Cópia da Certidão dos estatutos e (da alteração) na constituição da II. 3. Cópia do NIFPC da II. Antecipadamente gratos por toda a colaboração de V. Exa., subscrevemo-nos com elevada estima e consideração”;
32. Foi elaborado o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Consultório Veterinário N… (…) Serve o presente documento para apresentar a lista de serviços prestados à II. Demos início à colaboração com esta associação em 2014 (não tendo uma data exata). Os serviços prestados são: Consultas, Esterilizações, Vacinas, Colocação de microchips, consultas de acompanhamento, visitas ocasionais ao abrigo no caso de um elevado número de vacinas a aplicar. Cumprimentos. Juan D… (…) Sarah L… (…)”;
33. Foi elaborado o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Declaração. A empresa S… & S…, contribuinte nº …, com sede no Sitio Belo Romão, 8700-… Moncarapacho, Olhão, declara que doou um depósito estanque de 1000 litros à II para a proteção de animais de rua, com sede no Sitio Belo Romão, 8700-… Moncarapacho, Olhão, para os dejetos dos animais. 29 de Julho de 2015 (…)”;
34. O espaço cimentado é constituído por “boxes” e cada uma delas está equipada com um ralo que serve para escoar a água utilizada na lavagem a qual é canalizada para o depósito que está apetrechado com uma tampa estanque;
35. A Requerida «II» é procurada por várias entidades, incluindo as autoridades locais, nomeadamente a Guarda Nacional Republicana para dar solução a animais que por vezes são encontrados abandonados ou vítimas de atropelamento;
36. Os Requerentes não conseguem ter um sono sem interrupções por causa do ladrar incessante dos cães, que se repete diariamente;
37. Os Requerentes BB e CC quando estão em Portugal passam o dia em casa e depois da noite com o ruído do ladrar dos cães, igualmente têm de passar o dia com o mesmo barulho ensurdecedor do ladrar dos cães;
38. Os demais Requerentes que se deslocam de suas casas para os respetivos trabalhos depois de passarem a noite toda com o ruido ensurdecedor dos cães têm que fazer a sua vida diária sem um descanso reparador e mal voltam as suas casas enfrentam de novo o barulho do ladrar dos cães;
39. A privação do sono e do sossego diurno vêm causando nos Requerentes, principalmente nos que ali vivem em permanência, além dos naturais aborrecimentos, sentimentos de irritabilidade, nervosismo, dificuldades de concentração e desespero;
40. Os Requerentes FF e GG têm-se retraído de gozar a sua fração e de ceder o gozo das duas que destinaram a alojamento local devido ao barulho provocado pelos cães, o que lhes causa desgosto e preocupação por não estarem a ter nem o gozo nem o retorno financeiro que esperavam ter do seu investimento, bem como o seu filho que trabalha no local e também sofre com o contínuo ladrar dos cães.

Conhecendo da 1ª questão
Os recorrentes dão a entender nas suas alegações que pretendem pôr em causa o julgado de facto, mas nem nas alegações, nem nas conclusões que apresentam (sendo estas que verdadeiramente delimitam o objeto do recurso e a área de intervenção do tribunal ad quem, podendo haver restrição tácita, quando tal resulte do respetivo teor)[1] se dignaram especificar o(s) concreto(s) ponto(s) de facto(s) que consideram ter(em) sido incorretamente julgado(s) nem a decisão que, no seu entender, devia ser proferida, limitando-se a argumentar sobre a menor ou maior valoração dos depoimentos que foram produzidos, bem como sobre a necessidade de recurso a prova pericial, não indicando, também, qualquer norma legal que em face da decisão proferida na 1ª instância se tivesse por violada.
A pretensão de impugnação da matéria de facto por alegado erro de julgamento deve obedecer às especificações obrigatórias impostas pelo art. 640º do Código de Processo Civil, sendo que, no caso concreto, para nós, tal não se verifica.
Dispõe o nº 1 da referida disposição legal que “ Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E o nº 2 refere: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”
Os recorrentes nas conclusões, bem como nas alegações, não aludem a qualquer facto que tenha sido incorretamente julgado e embora refiram depoimentos, que na sua opinião, deviam ter sido tomados em consideração não os especificam nem concretizam com a indicação exata das passagens da gravação relativas a cada um dos depoimentos testemunhais, como impõe a citada disposição legal em conjugação com nº 1 do art. 639º do CPC.
“A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado a facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos, se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta do depoimento ou parte dele. É exatamente esse o sentido da expressão legal «quais os concretos meios probatórios de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida»” (v. Ac. do STJ de 15/09/2011 no processo 455/07.2TBCCH.E1.S1 disponível em www.dgsi.pt).
Mas, mesmo que se pudesse considerar terem os recorrentes, minimamente, cumprido o disposto na al. b) do n.º 1 artº 640º do CPC, por terem nas alegações transcrito excertos de depoimentos, não deram, também, cumprimento, de todo, ao que se dispõe nas al. a) e c) deste normativo, ou seja, não foi assumido, nas conclusões (nem nas alegações), quais os factos referenciados pelo Julgador, na sentença, que se tinham por mal julgados, bem como não foi expressa posição sobre o resultado pretendido relativamente à impugnação da matéria de facto, no sentido de afirmar a decisão alternativa que em cada caso, e em seu entender, se impunha que este Tribunal Superior viesse a tomar em sede de reapreciação dos meios de prova elencados.
Efetivamente, sem margem para dúvidas a lei impõe que o recorrente, nas conclusões, pois são elas que delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, por um lado, indique os concretos pontos e facto que considera incorretamente julgados[2] e, por outro, deixe expressa a decisão que em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha de reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.[3]
Na verdade a lei não se contenta em que o recorrente diga qual a matéria e facto que considera incorretamente julgada, impondo-se além disso que indique a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, devendo estas menções integrar o conteúdo das conclusões da sua alegação… pelo que o incumprimento deste ónus tem a cominação prevista no n.º 1 do mencionado preceito (artº 640º do CPC) - rejeição do recurso.[4]
Por isso, mesmo que se pudesse considerar que os recorrentes indicaram com exatidão, no corpo do alegatório, os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso (o que não aconteceu) e por isso não o tinham de voltar a fazê-lo em sede conclusões, sempre estaria por cumprir quer a indicação dos factos concretos subjacentes à alegada existência de erro de julgamento, quer a enunciação da decisão alternativa pretendida que não foi referida nas conclusões, ónus que a lei impõe.[5]
As exigências ou ónus impostos pela Lei compreendem-se, quer à luz do princípio da cooperação, impondo ao recorrente invocar os “concretos aspetos do conteúdo dos depoimentos em que se baseia”, direcionando a ponderação do Tribunal ad quema partir de algo das afirmações concretas” quer à luz “o princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”, pelo que o seu não cumprimento importa a rejeição do recurso no que concerne a tal segmento, uma vez que da redação da al. a) do n.º 2 do artº 640º do CPC, onde se menciona expressamente “imediata rejeição” não permite que haja possibilidade da parte recorrente solucionar qualquer falta por meio de eventual despacho de aperfeiçoamento. O mesmo acontecendo com as obrigações impostas pelo n.º 1 do citado dispositivo, designadamente a referente ao ónus de indicação, nas conclusões, da resposta que no entender do recorrente deve ser dado às questões de facto impugnadas. (v. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 129; Cardona Ferreira in Guia dos Recursos em Processo Civil, 5ª edição, 168, 169; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro in Primeiras Notas ao Novo CPC, 2014, vol. II, 55; Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, 170; Lopes do Rego in Comentário ao C.P.C., 585; Acs. do STJ de 29/01/2014, no processo 813/08.5TBFLG.G1.S1, de 15/09/2011 no processo 455/07.2TBCCH.E1.S1 e de 19/02/2015 no processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 27/10/2016 no processo 3176/11.8TBCCL.G1.S1, bem como Acs. do TRL de 18/02/2014 no processo 263/11.6TBPNI-F.L1-1 e do TRG de 08/01/2015 no processo 1514/12.5TBBRG.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Nestes termos, rejeita-se o (eventual) recurso da decisão relativa à matéria de facto, atento o disposto no artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC, já que vem sendo entendimento do STJ (ao que cremos reiterado) que a rejeição da impugnação da matéria de facto não está dependente da observância prévia do contraditório.[6]
No que respeita à fixação da matéria de facto referem, ainda, os recorrentes, que deveria ter sido ordenada oficiosamente a realização de uma perícia para aferir da intensidade do ruído provocado pelo ladrar dos cães. Diremos que no âmbito do processo cabe às partes a iniciativa processual e indicação dos meios de prova que entendam ser adequados para provar os factos pertinentes às respetivas posições, designadamente elegendo como um dos meios de prova o pericial, embora tal meio de prova possa, também, ser oficiosamente determinado pelo Juiz.
No caso em apreço nenhuma das partes viu como necessário e relevante o recurso ao meio de prova pericial, pelo que não se vislumbra que só nesta fase processual os recorrentes venham invocar inércia do juiz em determinar a realização de uma perícia, quando eles próprios, podendo fazê- -lo, não quiseram usar tal meio probatório para prova de factos que tinham por relevantes.
Assim, não se deparando o Julgador com uma situação de impossibilidade de provar factos essenciais, sem ser com recurso a tal concreto meio de prova, não se pode concluir que existiu qualquer omissão da sua parte em não ter, oficiosamente, determinado a realização de perícia, pelo que não há que censurar, nessa medida, a sua atuação.
Nestes termos, não há que reconhecer a necessidade de recurso oficioso a tal meio de prova, pelo que em face do exposto, nenhuma alteração se introduzirá nos factos dados como provados e não provados, permanecendo, imutáveis.

Conhecendo da 2ª questão
Antes da apreciação sobre a questão de fundo e atendendo a que os recorrentes na última conclusão referem que “em matéria de Direito o Tribunal a quo deveria ter conhecido da exceção dilatória, no que diz respeito à legitimidade das partes” haverá que dizer o seguinte sobre o alegado não conhecimento de tal exceção.
Não é verdade que o tribunal recorrido não tivesse apreciado a exceção de ilegitimidade dos requeridos JJ, LL e MM, uma vez que sobre tal problemática foi na sentença recorrida feito constar:
«Os Requeridos vieram arguir a exceção da ilegitimidade dos Requeridos JJ, LL e MM, invocando a existência de um contrato de comodato celebrado entre a Requerida JJ e a Associação «II», o qual juntaram aos autos.
Preceitua o nº 1, do artigo 30º, do Código de Processo Civil que “O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quanto tem interesse direto em contradizer”, acrescentando o nº 2 que “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”, e na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (cfr. nº 3, do artigo 30º).
Ora, no caso em apreço os Requerentes intentaram a presente providência contra a «II», alegando que esta tem instalado e em funcionamento um canil no prédio misto denominado “Monte” situado em Belo Romão, União das Freguesias de Moncarapacho e Fuseta, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e na matriz predial rústica sob o artigo … da Secção BE e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número … e mais alegaram que os Requeridos JJ e LL são comproprietários desse prédio, sendo a Requerida MM usufrutuário do mesmo, que autorizaram a instalação do canil no prédio, pelo que a nosso ver, é manifesto que os Requeridos JJ, LL e MM serão afetados pela decisão que vier a ser proferida nos autos, sendo que no caso da Requerida JJ os Autores imputam-lhe a prática de atos concretos, nomeadamente alimentar os cães e tentar aparata-los usando uma mangueira com água, o que equivale a dizer que os mesmos têm interesse em contradizer, sendo, em consequência, partes legitimas.
Acresce que a questão suscitada nos presentes autos tem a ver com o conflito de direitos, sendo que de um lado está o direito de propriedade dos requeridos JJ e LL sobre o prédio misto denominado “Monte” sito em Belo Romão, Moncarapacho e o direito de usufruto sobre esse mesmo prédio da requerida MM, e do outro lado está o direito ao sossego e ao descanso dos requerentes, pelo que inexistem quaisquer dúvidas de que no caso de ser decretada a providência os requeridos verão os seus direitos de propriedade e uso fruto limitados, o que equivale a dizer que o eventual decretamento da providência causar-lhes-á prejuízo, razão pela qual têm razão em contradizer e, por isso, são parte legítima.
Ainda que se entenda que os Requeridos JJ, LL e MM não têm interesse em contradizer, inexistindo indicação na lei em sentido contrário, sempre os mesmos seriam considerados parte legítima atendendo à configuração da relação convertida efetuada pelos Requerentes (cfr. nº 3, do artigo 30º, do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerandos, julga-se improcedente a exceção da ilegitimidade dos Requeridos JJ, LL e MM, invocada pelos Requeridos.»
Como resulta evidente a exceção da ilegitimidade passiva arguida pelos requeridos foi apreciada na sentença recorrida e a nosso ver corretamente, uma vez que o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se esse interesse pelo prejuízo que da procedência da ação lhe advenha, sendo considerados titulares do interesse relevante para efeito de legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor - artº 30º do Cód. Proc. Civil.
Como se pode constatar, no Cód. Proc. Civil vigente, bem como no anterior (na alteração decorrente do Dec. Lei 329-A/95) o legislador expressou e consignou a sua posição sobre a vexata quaestio do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes adotando uma posição próxima da defendida por Barbosa de Magalhães em detrimento da posição perfilhada por Alberto dos Reis.
De modo que, no caso em apreço, a legitimidade dos requeridos tem (tinha) que ser apreciada e determinada pelo prejuízo que da procedência da ação possa advir para eles face aos termos em que os demandantes configuram o direito invocado, baseada na relação material controvertida tal como é apresentada por estes e, nessa base, a exceção foi bem apreciada no sentido da sua improcedência.

No que se refere à subsunção do direito aos factos, designadamente tendo em conta o que foi dado como provado nos pontos 1 a 16, 21 a 23, 26 a 29 e 36 a 40, evidencia-se, que se mostra ajustada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, no sentido de atender aos direitos de personalidade invocados pelos autores, minorando ou debelando a ofensa a que estavam, a ser sujeitos, designadamente no que respeita ao sossego, ao descanso, ao repouso e ao sono, já que tais direitos nestas modalidades traduzem-se em fatores que se mostram altamente potenciadores da recuperação física e psíquica da pessoa.
Com efeito, os direitos ao repouso, ao sossego, ao sono tranquilo constituem uma emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio, direitos esses que para além de acolhidos em Convenções Internacionais, como a DUDH (artº 24º) e a CEDH (artº 8º n.º 1), encontram-se também constitucionalmente consagrados nos artºs 17º e 66º da Constituição da República Portuguesa e sujeitos a proteção ordinária conforme emerge do artº 70º do CC.[7]
Estamos, por isso, em consonância com a posição assumida na sentença recorrida, quando se afirma:
«… no caso em apreço estamos perante um conflito de direitos, sendo que os Requeridos JJ e LL na qualidade de comproprietários do prédio misto sito em Belo Romão, Moncarapacho e a Requerida Leonilde na qualidade de usufrutuária do mesmo gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição sobre o mesmo, e foi no uso desses poderes que celebraram o contrato de comodato com a associação requerida e autorizaram a mesma a recolher no prédio os cães e por outro lados temos o direito ao sossego e descanso dos Requerentes e dos restantes vizinhos.
O Tribunal não ignora que a associação Requerida presta um serviço meritório, ao recolher os cães abandonados e mal tratados alguns vítimas de atropelamento nas vias públicas, tratando e alimentando os mesmos e diligenciando pela respetiva adoção, desempenhando uma função que habitualmente caberia aos poderes públicos, mas é consabido que os canis municipais não conseguem dar resposta a todas as solicitações.
Mas o Tribunal também não pode ignorar que os Requerentes e as restantes pessoas que residem nas proximidades do local onde são recolhidos os cães têm direito ao sossego e descanso, o qual não está garantido devido ao ladrar incessante dos cães durante o dia e a noite, pelo que a nosso ver, o direito de propriedade dos Requeridos que lhes dá a faculdade de usar, fruir e dispor do seu prédio misto sito em Belo Romão, deverá ceder perante o direito ao sossego e ao descanso dos Requerentes, sendo certo que ambos os direitos estão consagrados na Constituição da República Portuguesa.
Assim, a final, o Tribunal irá decretar a providência requerida, porquanto se nos afigura que só assim será possível fazer cessar a ofensa ao direito ao sossego e ao descanso dos Requerentes.»
Em suma, o direito ao repouso e ao sossego dos requerentes, posto em causa durante o dia e a noite pelo ladrar dos cães, que, necessariamente, perturba o silêncio e o sono daqueles, deve prevalecer em confronto com o direito dos requeridos em fazerem uso da propriedade com a instalação do canil.
No entanto, em face do conteúdo factual apurado e no que respeita aos requeridos JJ, LL e MM, a condenação tal como se encontra explicitada e determinada, apresenta-se descontextualizada em face das respetivas posições que assumem nos autos.
Os animais são recolhidos e colocados no espaço (propriedade dos requeridos JJ e LL, com usufruto da requerida MM) pela requerida Associação, a qual na verdade é que é detentora do poder de dispor sobre os animais que tem à sua guarda. Assim, não fará sentido condenar os requeridos proprietários e usufrutuária do prédio a retirarem os animais existentes no local, impondo-lhes sanções pelo não cumprimento atempado da “desocupação”, mas tão só enquanto titulares de direitos sobre o espaço, no qual se encontra implantado o “canil” a absterem-se, para futuro, de acolher no local outros animais, impondo-se, apenas, à requerida Associação, não aos demais, a condenação com vista à retirada dos animais existentes, bem como ao pagamento de sansão pecuniária compulsória, por cada dia de atraso dessa retirada.
Nestes termos, há que modificar a parte decisória do julgado da primeira instância, em conformidade.
*
DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, modificar a parte decisória da sentença recorrida que passará a ter a seguinte redação:
a) Condeno os Requeridos a encerrarem o espaço existente no prédio misto denominado “Monte” sito em Belo Romão, União das Freguesias de Moncarapacho e Fuzeta, inscrito na matriz, a parte rústica sob o artigo … da Secção BE e a parte urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número …/19891102, onde são recolhidos cães, devendo abster-se de acolher naquele local outros cães, e impondo à 1ª requerida, no prazo de 60 dias a contar da notificação da sentença, a retirada dos animais existentes.
b) Condeno a 1ª requerida, no pagamento de 100,00 € (cem euros) a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento do determinado em a).
Custas de parte por apelantes e apelados na proporção de 3/4 para aqueles e 1/4 para estes (cfr. disposições combinadas dos artºs 663º n.º 2, 607º n.º 6, 527º n.º 1 e 2, 529º n.º 4 e 533º n.º 1 e 2, todos do CPC).

Évora, 11 de Abril de 2019
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Maria da Graça Araújo

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[1] cfr. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 85.
[2] v. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 128
[3] v. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 127; Rui Pinto in Notas ao Código Processo Civil, 1ª edição, 418.
[4] v. Ac. do STJ de 07/07/2016 no processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[5] v. ac. do STJ de 03/11/2016 no processo 342/14.8TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; Como refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 128, “a falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados” conduz à rejeição total do recurso respeitante à matéria de facto.
[6] v. por todos, Ac. do STJ de 27/10/2016 no processo 3176/11.8TBCCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] v. Ac. do STJ de 30/05/2013 na Revista 2209/08.